Deliberações

11J / 2014 :: Federação Portuguesa de Futebol vs. Pingo Doce, Distribuição Alimentar

11J/2014

Federação Portuguesa de Futebol
vs.
Pingo Doce, Distribuição Alimentar

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no décimo oitavo dia do mês de Junho do ano de dois mil e catorze, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 11J/2014 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 11J/2014

1. Objecto dos autos

1.1. A FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL (adiante abreviada e indiscriminadamente designada por FPF, denunciante, queixosa ou requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante abreviada e indiscriminadamente designado por Júri ou JE) apresentar queixa contra PINGO DOCE, DISTRIBUIÇÃO ALIMENTAR SA (adiante abreviada e indiscriminadamente designado por PINGO DOCE, denunciado ou requerido), relativamente a comunicação comercial da campanha lançada por este e intitulada “Venha a jogo com Portugal”, a qual consiste num jogo que: “(…) a. A quem realize compras, entre 27 de maio a 27 de junho de 2014, em lojas Pingo Doce, no montante mínimo de €50,00 por semana; b. É concedido um desconto, entre 27 de junho a 2 de julho de 2014, de 50% ou 25%, consoante a Seleção Nacional de Futebol (Clube Portugal) seja ou não apurada para os oitavos de final do Campeonato do Mundo de 2014;” e que é difundido no sítio da internet do Requerido www.pingodoce.pt, em virtude de, no entender da denunciante, o denunciado estar a praticar marketing de associação (ambush marketing); utilizar sem consentimento marcas registadas pela FPF e FIFA, e praticar acto de concorrência desleal, tudo em violação do disposto nos artigos 224º, 317º e 323º f) do Código da Propriedade Industrial bem como, ainda, o artigo B2 B2 do Código de Conduta do ICAP.

1.2. Notificado para o efeito, o PINGO DOCE apresentou contestação fora do prazo previsto regulamentarmente para o efeito pelo que, por extemporaneidade, a defesa da Requerida não pode ser considerada pelo Júri.

1.3. Dão-se por reproduzidos os 8 (oito) documentos juntos à queixa, a saber: impressões da página de internet (documentos 1 a 4); registos de marcas (documentos 5 a 7); comunicado do ICAP intitulado “Ambush Marketing” em que identifica os patrocinadores da Selecção Nacional de Futebol no Campeonato do Mundo de Futebol a realizar no Brasil, bem como os Parceiros Comerciais e Patrocinadores do mesmo Campeonato do Mundo de Futebol.

1.4. Síntese da posição das Partes

1.4.1. Vem a queixosa a sua petição invocar, em síntese, os seguintes fundamentos:
“ Ao abrir o website www.pingodoce.pt visualiza-se (…) o símbolo das 5 quinas inserido no equipamento da Seleção Nacional, o troféu do campeonato do mundo de futebol e o slogan “Venha a Jogo com Portugal ” (cf. ponto 2 e documento 1);
“Clicando no link “SABER MAIS” visualiza-se de novo o troféu do campeonato do mundo de futebol, as marcas “BP Pingo Doce Poupa Mais” e “Pingo Doce” e ainda a comunicação «Poupe metade do valor numa compra de 27 de junho a 2 de julho se Portugal passar aos oitavos de final» e «Se Portugal não passar poupe 25%» “ (cf. ponto 3 e documento 2);

O sítio refere as regras de “Como ir a Jogo” – «Basta comprar €50 por semana com o seu cartão Poupa Mais entre 27 de maio a 23 de junho nas marcas selecionadas» – e identifica várias marcas associadas à campanha (cf. ponto 4 e documento 3), sendo que, do ponto 7 do Regulamento resulta que «O Prémio do Jogo a que corresponde esta campanha é um desconto de 50% ou um desconto de 25%. Se Portugal passar aos oitavos de final, o desconto é de 50%. Se Portugal não passar, o desconto é de 25% (…)»; constando, ainda, uma clara identificação das datas dos jogos «Os jogos de Portugal na fase de grupos irão realizar-se dias 16 de junho (Alemanha x Portugal), 22 de junho (EUA X Portugal), 26 de junho (Portugal x Gana)» (cf. ponto 5 e documento 4);

Refere, assim, a denunciante que: “A comunicação comercial referida associa a instituição, imagem e marca “Pingo Doce” e ainda de várias marcas por esta sociedade selecionadas a marcas registadas ou desenvolvidas, propriedade da FPF e FIFA;” na medida em que “(…) as alusões a “Portugal” só são entendíveis se substituídas pela marca Seleção Nacional de Futebol, porquanto só esta, e apenas esta, vai disputar o Campeonato do Mundo de 2014, entre 12 de junho a 13 de julho de 2014, podendo ser qualificada para os oitavos de final, dependendo do resultado que obtiver nos jogos referidos, contra Alemanha, EUA e Gana;” (cf. pontos 6 e 7 da queixa);
Invoca, subsequentemente, a Requerente FPF ser ela própria titular das marcas registadas:

“Seleção Nacional de Futebol” (INPI n.º 516590 e documento 5);
cinco quinas e a identificação “Portugal” (marca nacional mista INPI n.º 368490 documento 6);

E ser a FIFA, a organizadora Campeonato do Mundo de Futebol da qual a queixosa é afiliada, a proprietária da marca relativa ao Troféu Oficial do Campeonato do Mundo de 2014 (marca internacional n.º 482138 e documento 7, cf. pontos 8 a 10 e 12);

Alega a queixosa, que detém o direito exclusivo de organizar Seleções Nacionais, para o que negoceia e celebra contratos de patrocínio e que a denunciada utiliza, sem consentimento, as referidas marcas registadas pela FPF e FIFA, associando-se à atividade da Selecção Nacional e ao sucesso que a equipa poderá ter no Campeonato do Mundo de 2014, com o fim de aproveitamento indevido da notoriedade, prestígio ou reputação daquela equipa e competição; (cf. pontos 11, 13 e 14);

Refere, ainda, que a utilização dos símbolos, referências e marcas relacionadas com a Selecção Nacional se encontra reservada à FPF e aos Patrocinadores daquela e que a “(…) denunciada não é patrocinadora da Seleção Nacional nem do Campeonato do Mundo de 2014 e obtém, sem causa justificativa, proveitos à custa da atividade desenvolvida pela FPF e FIFA (…) “ (cf. ponto 15 e 16 e documento 8);

Na sua opinião, “A denunciada dá a entender que patrocina a Seleção Nacional e a sua participação no campeonato do mundo, violando expressamente aquele Comunicado [Comunicado de 21.05.2014 do ICAP sobre proibição de ambush marketing e documento 8] e o artigo B2 do Código de Conduta do ICAP em matéria de Publicidade e outras Formas de Comunicação Comercial. “ e embora não contribua “para a viabilidade do Campeonato do Mundo de 2014 ou sustentabilidade da Seleção Nacional de Futebol” associa-se “sem consentimento e de modo gratuito, àquele evento e equipa, com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação da Seleção Nacional de Futebol e do Campeonato do Mundo de 2014” (cf. pontos 17 a 19);

O comportamento denunciado consubstancia, no entendimento da Requerente, concorrência desleal nos termos da alínea c) do art. 317º do CPI, prejudicando a FPF e os patrocinadores da seleção nacional e em especial o patrocinador oficial da Seleção Nacional de Futebol Modelo Continente Hipermercados SA, diretamente concorrente da denunciada atenta a utilização, de marcas registadas em violação “da alínea f) do artigo 323º do CPI”;

Finda por requerer ao Júri a suspensão da campanha “em todos os suportes ou meio” e a determinação de abstenção de difusão.
1.4.2. Como já mencionado, a resposta apresentada pelo Pingo Doce foi extemporânea pelo que, não poderá nem será considerada pelo JE.

2. Enquadramento ético-publicitário

2.1. Questões prévias

2.1.1. Qualidade de associado do ICAP

Importa, cautelar e primeiramente, esclarecer que a qualidade de associado do ICAP é irrelevante na apreciação técnica que incumbe ao Júri.

No contexto da autorregulação em matéria de comunicações comerciais em que a grande maioria dos meios de comunicação/difusão de campanhas é associada do ICAP, quando o Júri de Ética profere uma deliberação e a comunica às Partes, vincula os meios de difusão das campanhas (cf. artigo 30.º do Código de Conduta do ICAP). E a campanha, sendo o caso, deixará de ser difundida através do associado (v.g. televisão, rádio), o qual, nos termos previstos regulamentarmente, antecipadamente prevê e informa o anunciante da sua vinculação ao ICAP.

2.1.2. Suportes analisados

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Regulamento do JE: “A queixa deverá ser feita por escrito, devendo o queixoso indicar com precisão os suportes que pretende ver analisados…”. (carregado e sublinhado nossos).

A FPF identifica unicamente como suporte, o sítio na internet mantido pela Denunciada. Foi, aliás, desse suporte que foram extraídas as impressões juntas como documentos 1 a 4.
Assim, embora o JE admita, pelas regras de experiência comuns, que existam outros suportes de difusão da campanha (v.g. folhetos, cartazes), a apreciação do JE circunscreve-se ao suporte identificado pelas Partes, a saber: o sítio na internet da Denunciada.

O JE reconhece que, em virtude do suporte utilizado – o sítio na internet do próprio anunciante e Denunciado –, a eficácia da sua decisão pode encontrar-se limitada, porquanto aquele único meio de difusão identificado pela FPF é exclusivamente controlado pelo próprio Denunciado.

Contudo, o Júri tem consistentemente defendido que, independentemente do suporte em causa e da qualidade de associado do ICAP, deve pronunciar-se e apreciar as campanhas que sejam objeto de queixa. Por todos, cita-se o referido na Deliberação sobre o Processo 13J/2010:

“…o efeito pretendido – célere, válido e eficaz – das deliberações do Júri é que, findo o prazo de recurso e efectuadas as devidas notificações, se verifique a cessação – ou não – da publicidade que o Júri apreciou à luz do Código de Conduta, sendo tal deliberação (auto) vinculativa para os membros do ICAP. Assim, não se pode descurar a importante componente didáctica-pedagógica das deliberações do Júri quando aprecia uma mensagem, do ponto de vista da ética-publicitária, habilitando os associados do ICAP, designadamente os meios, a melhor avaliar futuramente as mensagens cuja difusão lhes é solicitada pelos anunciantes.”.

2.1.3. Competência material do Júri

Finalmente, o Júri deve lembrar que a sua competência material se cinge à apreciação de publicidade e de comunicações comerciais, não podendo, ou devendo, pronunciar-se sobre aspectos de natureza diversa, designadamente contratual, que as Partes poderão, querendo, suscitar junto dos tribunais.

2.2. Dos factos e seu enquadramento

A Requerente alega, na sua petição, que o Pingo Doce lançou uma campanha, intitulada “Venha a Jogo com Portugal”, de acordo com a qual são prometidos descontos aos consumidores adquirentes de produtos identificados, descontos esses que variam em função dos resultados que a Selecção Nacional de Futebol obtiver no Campeonato do Mundo a decorrer no Brasil.

Na base da queixa apresentada encontra-se o facto de, segundo a Queixosa, a campanha lançada pelo Denunciado, utilizar marcas registadas pela quer pela Requerente, quer pela FIFA, marcas essas que se encontram protegidas em sede de propriedade industrial e reservadas à FIFA, FPF e Patrocinadores.

2.2.1. Partindo deste pressuposto, de utilização abusiva de marcas, defende a Requerente existir confundibilidade, leia-se, para o consumidor, entre o anunciante e os Patrocinadores do evento desportivo. Há, portanto, que verificar, primeiramente, se a alegada utilização não autorizada existe em cada uma das três marcas postas em causa, a saber:

a) Da marca “Selecção Nacional de Futebol” (INPI n.º 516590 e documento 5)

Argumenta a Requerente que “as alusões a “Portugal” existentes na comunicação comercial em apreço “só são entendíveis se substituídas pela marca Seleção Nacional de Futebol” (sublinhado nosso).

Ou seja, não é a utilização duma marca registada que é posta em causa mas, outrossim, a leitura de equivalência que, segundo a Requerente, será feita pelo destinatário da mensagem quando lê … Portugal.

O Júri constata que, mau grado as alusões a Portugal e aos resultados e jogos de Portugal, no contexto inegável do Campeonato Mundial de Futebol, a campanha em apreço é marcada pela ausência de referências expressas à “Selecção Nacional de Futebol”.

Vislumbra-se, assim, com dificuldade poder concluir que existe a utilização de marca … que não é utilizada.

Ora o JE não pode ignorar o argumento literal e assumir, como parece pretender a Denunciante, que a proteção conferida pelo registo de marca alcança as interpretações e as associações que cada um possa fazer de outros elementos terceiros. Assim, o Júri não subscreve o entendimento de que “as alusões a “Portugal” existentes na comunicação comercial em apreço “só são entendíveis se substituídas pela marca Seleção Nacional de Futebol” e, portanto, por via dum processo cognitivo/associativo se verifica uma violação dos direitos conferidos à marca registada.

Para o Júri, a comunicação comercial é completa e inteligível para o consumidor médio que, podendo naturalmente intuir que a campanha se relaciona com a prestação da Selecção Nacional de Futebol no Mundial, também percebe, detecta e identifica a inexistência de qualquer referencia expressa à Selecção Nacional de Futebol, donde à marca da titularidade da Queixosa.

Inexiste, assim, na campanha em apreço e na opinião do Júri, uma utilização da marca registada Selecção Nacional de Futebol.

b) Das cinco quinas e da marca mista “Clube Portugal” (marca nacional mista INPI n.º 368490 documento 6)

Diz a queixosa que, “Ao abrir o website www.pingodoce.pt visualiza-se (…) o símbolo das 5 quinas inserido no equipamento da Seleção Nacional, o troféu do campeonato do mundo de futebol e o slogan “Venha a Jogo com Portugal ” (cf. ponto 2 e documento 1).

Confrontado o símbolo constante da marca registada com aqueles que são utilizados na campanha em apreciação (cf. documentos 1 a 4), constata o Júri que os símbolos não são iguais nem semelhantes e dificilmente se afiguram suscetíveis de confusão.

A Denunciada usa na sua campanha as cores da bandeira nacional e alguns símbolos “típicos nacionais”, entre os quais uma forma estilizada das cinco quinas que integram a bandeira nacional.

Ora, a imagem das cinco quinas utilizada pela Denunciada:

Fonte: www.pingodoce.pt em 18.06.2014, não correspondendo já ao documento 1 da Denunciante

Em nada é confundível com a que se encontra registada a favor da Queixosa:

Fonte: INPI

O Júri faz, ademais, notar que o uso de símbolos nacionais em comunicações comerciais não configura uma prática proibida, seja pelo Código de Conduta, seja pelo Código da Publicidade, a menos que se extraiam significados pejorativos o que, obviamente, não é o caso.

O JE tem seguido o entendimento de que os elementos que equivalham a símbolos nacionais, consagrados no artigo 11º da Constituição da República Portuguesa – como sejam, concretamente, a bandeira nacional ou as suas cores -, não são passíveis de apropriação privativa e exclusiva dos patrocinadores de eventos internacionais e, consequentemente, são insusceptíveis de constituir sinais distintivos de concorrentes ou geradores de confusão. O mesmo se pode dizer quanto ao uso de palavras como “Portugal” ou “Jogo”, de carácter genérico ou simplesmente descritivo e igualmente insusceptível de apropriação individual (cf. entre outros, a recente Deliberação no processo 10J/2014).

Inexiste, assim, na campanha em apreço e na opinião do Júri, uma utilização da marca registada Das cinco quinas e da marca mista “Clube Portugal”.
c) Do Troféu Oficial do Campeonato do Mundo de 2014 (marca internacional n.º 482138 e documento 7)

Resta, finalmente, verificar a terceira marca, o símbolo do troféu oficial do Campeonato do Mundo pertença da FIFA.

Neste caso particular, confrontadas as imagens em causa (cf. fonte documento 2 e 7), o Júri reconhece existir semelhança entre ambas.

Não se trata de uma cópia ou reprodução fiel – o nível de detalhe e a identificação “FIFA” existe apenas na marca registada -, mas um primeiro olhar permite ao destinatário reforçar a contextualização o Jogo anunciado no âmbito do Campeonato Mundial de Futebol.

Na opinião do Júri, a utilização de tal símbolo, próximo do do troféu da FIFA, é desnecessária e dispensável para identificação do “Jogo” já que o contexto do Campeonato Mundial de Futebol já que é feita a partir de todos os demais elementos da campanha.

E diga-se, ademais, que as imagens da FIFA associadas ao Campeonato atualmente em curso são diferentes:

Fonte: anexo 2 do Comunicado do ICAP de 19 de Maio de 2014 sobre Ambush Marketing

Contudo, há que considerar que, neste caso, existe uso de imagem e símbolo suscetível de ser confundido com a marca registada.

É, por isso, pertinente, em sede de ética publicitária, chamar à colação o artigo 19º do Código de Conduta do ICAP que, sob a epígrafe Exploração da reputação dispõe:

1. A comunicação comercial não deve utilizar injustificadamente os nomes, siglas, logótipos e/ou marcas de uma outra empresa, sociedade ou instituição.

2. A comunicação comercial não deve, em caso algum, retirar indevidamente proveito da reputação ligada ao nome, marcas ou a qualquer outro elemento de propriedade intelectual relativo a uma outra empresa, pessoa ou instituição, nem tirar proveito da notoriedade obtida por outras campanhas de marketing, sem ter obtido a sua prévia autorização.

Conclui o Júri que a utilização, pelo Pingo Doce, na sua campanha “Venha a jogo com Portugal”, dum símbolo semelhante ao registado pela FIFA sem desta ter obtido prévia autorização, constitui uma violação do disposto no artigo 19º do Código de Conduta.

2.2.2. Discutida a questão das marcas registadas e a suscetibilidade de confusão com os símbolos utilizados na campanha pela Denunciada, cabe tecer agora algumas observações em matéria de patrocínio.

Lembra-se que, na opinião da Queixosa, a Denunciada dá a entender ser patrocinadora da Selecção Nacional de Futebol, o que não corresponde à verdade, praticando “ambush marketing” e obtendo “(…) sem causa justificativa, proveitos à custa da atividade desenvolvida pela FPF e FIFA (…)”.

Sucede que, analisada a campanha, o Júri constatou que, ao contrário do que a Queixosa quer fazer crer, em momento algum o Pingo Doce refere ou indicia ser Patrocinador da Selecção Nacional de Futebol.

O uso não consentido dum símbolo semelhante ao da FIFA, sem que lhe seja dado um destaque particular (cf. documentos 1 e 2), afigura-se, no entendimento do Júri, insuficiente para induzir em erro o consumidor médio1 quanto à qualidade do anunciante, enquanto determinante de uma decisão de transação.

É inegável que o Denunciado (se) aproveita da existência dum evento desportivo, que não patrocina, para obter para si benefícios. Mas a questão que se coloca é saber se essa associação que a Denunciada faz ao evento é, ou não, sancionada em sede legal e de auto regulação.

Dispõe o Código de Conduta, no que aqui importa a propósito de Patrocínio:

Artigo B1 Princípios aplicáveis ao patrocínio
1. Todos os patrocínios devem basear-se nas obrigações legais e contratuais acordadas entre patrocinador e parte patrocinada. Patrocinador e parte patrocinada devem estabelecer, com clareza, os termos e condições com todos os parceiros e definir as suas expectativas relativamente a todos os aspectos do acordo de patrocínio.
2. O patrocínio deve ser identificado como tal.
3. Os termos do patrocínio e a sua gestão devem basear-se no princípio da boa-fé entre todas as partes envolvidas no patrocínio.
(…)

Artigo B3 Imitação e confusão
Patrocinadores e partes patrocinadas, bem como as demais partes envolvidas no patrocínio, devem evitar a imitação de representação de outras acções de patrocínios, sempre que tais imitações possam induzir em erro ou gerar confusão, ainda que as acções imitadas digam respeito a produtos, empresas ou acontecimentos não concorrenciais. (sublinhado nosso)

Artigo B4 Embuste dos bens sob patrocínio
Nenhuma parte deve procurar dar a impressão de que patrocina um qualquer acontecimento ou a cobertura mediática de um evento, seja ele patrocinado ou não, se não for de facto o patrocinador oficial de um bem ou dessa cobertura mediática. (sublinhado nosso)

Como se pode concluir, do regime de auto-regulação aplicável, não resulta que a mera associação entre uma marca e um objecto patrocinado, como é a Selecção Nacional de Futebol, nas promoções de vendas de terceiros, não patrocinadores, configure, para todos os fins, uma violação do regime estabelecido para Patrocínio.

O Júri tem ainda ciente que a campanha em apreço envolve duas marcas – Pingo Doce e a BP – que são diretamente concorrentes de dois dos patrocinadores da Seleção Nacional de Futebol – Continente e Galp. Mas ainda que possa ser aceite a existência de direitos exclusivos decorrentes de contrato celebrado entre a FPF e os Patrocinadores da Selecção Nacional, o Júri desconhece a extensão e contornos desses direitos e, designadamente, em que medida caberia à FPF a titularidade do direito de queixa quanto a eventuais prejuízos causados aos concorrentes.

Aqui chegados, lembre-se o entendimento vertido na deliberação 13J/2010, desta mesma secção do Júri no âmbito de um outro Campeonato de Futebol.

“Constata o JE que, embora sejam claras as alusões ao evento desportivo que se irá iniciar e em que Portugal participará, nem a expressão “Patrocinador Oficial da Selecção Nacional”, nem as imagens colectivas da Selecção Nacional, de jogadores ou mesmo de lugares associados à mesma são utilizadas na campanha em apreciação.

Tampouco parece evidente ao Júri que, da associação que a […] faz ao evento, resulte para o consumidor médio a conclusão, ou mesmo a dúvida, sobre a qualidade de Patrocinador da Selecção do anunciante.

A queixosa está, contudo, a associar-se ao evento que não patrocina, aproveitando a sua realização e da possibilidade de Portugal ganhar, para promover a venda de bens que comercializa.

Recorde-se que, aquando da realização do Euro 2004, foi um diploma específico, o Decreto–Lei nº 86/2004, de 16 de Abril, que proibiu a utilização directa o indirecta, por qualquer meio de uma firma, denominação, marca ou outro sinal distintivo do comércio por quem não tivesse obtido autorização das entidades responsáveis pela realização da fase final do campeonato europeu, que sugerisse ou criasse a falsa impressão de que estava autorizada ou de alguma forma, associada ao acontecimento.

Esta regra, ampla, estabelecida especificamente para efeitos do Euro 2004 não é mais aplicável, pelo que há que ter presente que inexiste, do ponto de vista legal ou de ética-publicitária, um alargamento da protecção dos patrocinadores ou restrição à publicidade de objectos patrocinados diferente dos limites os impostos pelas leis de concorrência e de conduta.

Ou seja, sendo embora claro para o Júri que a […], ao promover a campanha nos termos em que o faz, se associa ao evento desportivo – aliás dependerá dele para efeitos de cumprimento da promessa que anuncia e que, por força do estabelecida na Lei de Defesa do Consumidor integra o contrato que celebrou com os adquirentes -, considera o JE que tal associação é feita sem violação das normas atinentes ao patrocínio, tratando-se duma mensagem cautelar e cirurgicamente colocada nas margens, limites, do legalmente admissível.

As dificuldades de estabelecimento desta linha, entre o lícito e o ilícito, e do seu tratamento na publicidade que surge em momentos galvanizadores nacionais, é exemplarmente ilustrada na Deliberação que a Comissão de Apelo tomou no processo n. º 5/2008 e que parece pertinente citar: “ (…) (5) A publicidade emboscada (Ambush Marketing) levanta problemas difíceis de delimitação, pois suscita o problema mais geral do respeito pelas iniciativas dos concorrentes em face dos acontecimentos mobilizadores da opinião pública com reflexos no consumo. (6) E é sem dúvida que os temas clássicos da confusão e do engano quanto ao patrocínio caem no domínio da ilicitude, por deslealdade publicitária. Mas quando está claramente estabelecido que não há susceptibilidade de confusão ou de engano, ainda assim, deveremos considerar uma outra fronteira: a da associação parasitária a um tema de publicidade reservado aos concorrentes. (8) Neste sentido, quando não exista uma mensagem diferenciada do clima de aproveitamento da realização pública patrocinada, pode haver uma deslealdade na acção publicitária. ”

Ora, os “temas” futebol ou competição, mundial de futebol não são, em si mesmo e em todas a suas vertentes vedados e exclusivos dos patrocinadores.

Como o JE teve oportunidade de defender em Deliberação anterior, a Deliberação n. º 5/2008 para cuja consulta, bem como da Deliberação de recurso da Comissão de Apelo remete, há elementos insusceptíveis de apropriação individual sendo que, no caso concreto, a anunciante se abstém de usar qualquer elemento específico de patrocinador.

O Artigo B2 do Código de Conduta, sob a epígrafe “Embuste do objecto de patrocínio”, dispõe que: “Nenhuma parte deve procurar dar a entender que patrocina um qualquer acontecimento ou a transmissão ou comunicação do mesmo nos Meios, seja ele patrocinado ou não, se não for, de facto, patrocinador de um bem ou dessa transmissão ou comunicação. ”

Ora, tendo o Júri chegado à conclusão de que a publicidade, embora associada e dependente do evento patrocinado por terceiros, não transmite a ideia de que o anunciante é seu patrocinador, não pode deixar de concluir pela não violação do disposto no art. B2 do Código de Conduta.

De igual modo, inexistindo tal confundibilidade quanto à qualidade de patrocinador por parte do destinatário da mensagem, não se vislumbra a violação do disposto sobre práticas comerciais desleais.

Recorde-se que o invocado art. 7º do Decreto-Lei nº 57/2008, de 26 de Março, sob a epígrafe “Acções enganosas” dispõe: “1 — É enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que este não teria tomado de outro modo: (…) c) O conteúdo e a extensão dos compromissos assumidos pelo profissional, a motivação da prática comercial e a natureza do processo de venda, bem como a utilização de qualquer afirmação ou símbolo indicativos de que o profissional, o bem ou o serviço beneficiam, directa ou indirectamente, de patrocínio ou de apoio; ou serviço em causa, e o preço indicado; “.

O JE admite que a campanha promovida pela […] possa ter tido uma especialmente boa resposta por parte dos consumidores. Contudo, para que a norma acima citada se revelasse violada, seria necessário comprovar que a decisão de aquisição estava ligada ao facto do anunciante ser patrocinador ou apoiante da Selecção e não, como o Júri está convencido, com a oferta concreta e os meios utilizados.

O mesmo se diga do disposto no Artigo A1 do Código de Conduta do ICAP, que estabelece os princípios aplicáveis à promoção de vendas.
Improcedendo as razões invocadas pela queixosa quanto à confundibilidade da anunciante com um patrocinador da Selecção Nacional e à susceptibilidade de indução dos consumidores em erro quanto a esse mesmo aspecto – e sem prejuízo de se reconhecer que a campanha da denunciada criou uma associação com o campeonato mundial de futebol (desde logo por fazer depender a oferta dos produtos adquiridos duma vitória de Portugal) -, entende o Júri inexistirem indícios da violação do disposto no art. 317. º do CPI e dos art. 4. º, 5. º, 20. º e 27. º do Código de Conduta do ICAP. “

A longa citação de deliberação anterior é relevante porquanto o caso em apreço apresenta, efetivamente, uma grande semelhança com o supra citado, mantendo-se agora, como então, o mesmo enquadramento normativo legal e de conduta.

É que, na verdade, não existe hoje uma moldura normativa ético-legal em matéria de comunicação comercial que proteja os Patrocinadores – e, ou, determinadas e concretas restrições à publicidade de bens ou eventos patrocinados – para além do que resulta dos limites impostos no Código de Conduta do ICAP e, dos decorrentes dos princípios da licitude, da veracidade e da livre e leal concorrência, sejam estes consignados naquele ou na lei.

E no âmbito da ética publicitária, cumpre ao Júri questionar até que ponto poderá estender-se a protecção dos legítimos interesses dos Patrocinadores oficiais de um evento de extraordinário interesse público, como o que é objecto dos presentes autos.

No caso concreto, para estar em causa a realização de um embuste de um bem sob patrocínio seria necessário que na campanha em causa o anunciante se fizesse voluntariamente passar por Patrocinador do evento ou criasse no consumidor médio tal convicção. Sucede que, apreciada a campanha, o Júri concluiu que:
(i) Sendo evidentes as alusões ao evento desportivo, expressões como ““Patrocinador”; “Patrocínio”; “Selecção Nacional” ou “Patrocinador Oficial da Selecção Nacional” foram evitadas na campanha em apreciação;
(ii) É feita uma associação não à Selecção Nacional mas, outrossim, ao evento, aos resultados que Portugal vier a atingir na competição que integra a representação nacional;
(iii) Não resulta evidente que, para o consumidor médio exista ou possa existir confusão, ou até dúvida, sobre a qualidade de Patrocinador da Selecção por parte do anunciante, já que, no entendimento do Júri, aquele consumidor detecta facilmente que a expressão “Patrocinador Oficial da Selecção Nacional” não consta no suporte da campanha, não são usados símbolos oficiais amplamente divulgados, deixando-se assim a associação que o Pingo Doce faz ao evento nas margens do legalmente admissível;
(iv) Inexistindo confundibilidade por parte do destinatário da mensagem quanto à qualidade de Patrocinador, não se vislumbra a existência de embuste de um bem sob patrocínio, que constituiria um caso de violação do princípio da veracidade em matéria de comunicações comerciais, por indução do destinatário em erro, quanto à qualidade do anunciante;

A redação do Artigo B2, Capítulo II, Parte II, do Código de Conduta, sob a epígrafe “Embuste do objecto de patrocínio” dispõe que, “Nenhuma parte deve procurar dar a entender que patrocina (…)”.

Esta intencionalidade “de dar a entender que patrocina” não resulta, manifestamente, da comunicação comercial em apreço.

Se o Requerido se está a associar ao momento dum evento que não patrocina, aproveitando-se da sua realização para promover a venda de bens que comercializa, ocorreria questionar se, não havendo a susceptibilidade de confusão ou de engano invocada, se deveria, ainda assim, considerar a associação parasitária a um tema de publicidade reservado aos concorrentes?

Mas restaria, então, perguntar se o concreto tema em análise se encontra sob reserva. E não. Recorde-se que aquando da realização do Euro 2004, foi um diploma específico, o Decreto-Lei nº 86/2004, de 16 de Abril, que proibiu a utilização directa ou indirecta, por qualquer meio de uma firma, denominação, marca ou outro sinal distintivo do comércio por quem não tivesse obtido autorização das entidades responsáveis pela realização da fase final do campeonato europeu, que sugerisse ou criasse a falsa impressão de que estava autorizada ou de alguma forma, associada ao acontecimento.

Assim se regulava o chamado “Ambush Marketing” em termos que aproveitariam, em teoria, o Denunciante e os Patrocinadores mas que, atualmente, fora do contexto daquela competição específica, já passada, são inaplicáveis.

Improcedendo as razões invocadas pela FPF quanto à confundibilidade da anunciante com um Patrocinador da Selecção Nacional, bem como à susceptibilidade de indução dos consumidores em erro quanto a essa qualidade – e sem prejuízo de se reconhecer que a campanha da denunciada cria uma clara associação com o momento do campeonato mundial de futebol e com a prestação da Selecção Nacional nesse Campeonato -, o Júri considera que não existem indícios de desconformidade da comunicação comercial, entendida no seu todo, com o disposto nos artigos B-II do Código de Conduta do ICAP e artigo 317º do Código da Propriedade Industrial.

Subsiste, em resultado da utilização na campanha em apreciação, dum símbolo equivalente ao da marca registada pela FIFA, organização da qual a Queixosa é associada, a violação do artigo 19º do Código de Conduta do ICAP, pese embora o Júri tenha identificado em consulta realizada ao sítio da Denunciada em 18.06.2014 (cf. supra) que a imagem posta em questão já não consta como elemento da campanha.

3. Decisão

Nestes termos, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade do Pingo Doce – veiculada pela Internet – em apreciação no presente processo, se encontra desconforme com o artigo 19.º do Código de Conduta do ICAP, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta enquanto se mantiver o ilícito apurado pelo JE.».

A Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP

Auto Regulação11J / 2014 :: Federação Portuguesa de Futebol vs. Pingo Doce, Distribuição Alimentar
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10J / 2014 :: Olivedesportos vs. ITMP Alimentar

10J/2014

Olivedesportos
vs.
ITMP Alimentar

EXTRACTO DE ACTA

 

Reunida no segundo dia do mês de Junho do ano de dois mil e catorze, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 10J/2014 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 10J/2014

1. Objecto dos autos

A OLIVEDESPORTOS – PUBLICIDADE, TELEVISÃO E MÉDIA, S. A. (adiante abreviada e indiscriminadamente designada por OLIVEDESPORTOS ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante abreviada e indiscriminadamente designado por Júri ou JE) apresentar queixa contra a ITMP ALIMENTAR, S.A., (adiante abreviada e indiscriminadamente designada por INTERMARCHÉ ou Requerida), relativamente a comunicação comercial sob o lema “Intermarché, Patrocinador da Poupança Nacional”, na qual se integra o lançamento de um concurso intitulado “Por Portugal – Sorteio no Mundial” – e veiculada através dos suportes televisão, rádio, Internet, folheto e MUPI – tal, por alegada violação dos artigos 4º, 5º e 27º do Capítulo I da Parte II, artigos A-1, alínea e) dos artigo B-II e B2 do Capítulo II da Parte II, todos do Código de Conduta do ICAP, artigos 4.º e 7.º n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei nº 57/2008, de 26 de Março (“Regime Jurídico das Práticas Comerciais Desleais”) e artigo 317º do Código da Propriedade Industrial.

1.2. Notificada para o efeito, a INTERMARCHÉ apresentou tempestivamente a sua contestação.

1.3. Dão-se por reproduzidos os 6 (seis) documentos juntos pela OLIVEDESPORTOS, a saber:
– (i) Doc. 1: cópia em cd-rom de spot publicitário televisivo;
– (ii) Doc. 2: cópia em cd-rom de spot publicitário radiofónico;
– (iii) Doc. 3: cópia de comunicação comercial feita no sítio de Internet da Requerida;
– (iv) Doc. 4: cópia de comunicação comercial feita através do sítio de Internet sic.sapo.pt;
– (v) Doc. 5: cópia de folheto “poupanças da semana” da INTERMARCHÉ;
– (vi) Doc. 6: cópia de Regulamento do Concurso “Por Portugal – Sorteio no Mundial”;

bem como os 2 (dois) documentos juntos pela INTERMARCHÉ, a saber:

– (i) Doc. 1: cópia de registo de marca nacional n.º500772;
– (ii) Doc. 2: Cópia de notícia de jornal “ O Expresso”, de 13 de Maio de 2014: “Os 30 pré-convocados de Portugal”.

1.4. Questões prévias

1.4.1. Alega a INTERMARCHÉ em sede de contestação que: “…a ora exponente não é membro do ICAP, não é seu associado, nem, por qualquer via aceitou, ou aderiu à autoregulação do ICAP” (sic. ponto 1) que, “o mesmo é dizer que a exponente não está sujeita à jurisdição do ICAP” (sic. ponto 2) “nem reconhece competência, nem autoridade, ao ICAP para decidir sobre quaisquer litígios em que a exponente seja parte, incluindo os decorrentes de relações comerciais e de publicidade”, (sic. ponto 3) “pelo que qualquer eventual decisão que possa ser deliberada pelo ICAP, em decorrência da “consulta” (…) não pode obrigar, seja por que forma for, a exponente, nem sobre a mesma pode produzir quaisquer efeitos” (sic. ponto 6.) acrescentando que: “Unicamente por respeito à verdade e à instituição ICAP, impõe-se (…) prestar (…) esclarecimentos.” (sic. ponto 7).

No que tange a esta posição da INTERMARCHÉ, cumpre ao Júri esclarecer que, não obstante não ser a Requerida associada do ICAP, importa ter presente, designadamente, que muitos dos meios de comunicação de comunicação de campanhas publicitárias o são, pelo que o respetivo Júri de Ética é materialmente competente para proferir a decisão e vincular a mesma INTERMARCHÉ quanto ao conteúdo decisório emanado. Com efeito, resulta do disposto no artigo 30.º do Código de Conduta do ICAP que, tal conteúdo é comunicado às Partes e vincula os meios de comunicação das ditas campanhas, no que respeita às decisões de cessação.

Por outro lado, e tal como ficou referido na Decisão do Processo 13J/2010, “…o efeito pretendido – célere, válido e eficaz – das deliberações do Júri é que, findo o prazo de recurso e efectuadas as devidas notificações, se verifique a cessação – ou não – da publicidade que o Júri apreciou à luz do Código de Conduta, sendo tal deliberação (auto) vinculativa para os membros do ICAP. Assim, não se pode descurar a importante componente didáctica-pedagógica das deliberações do Júri quando aprecia uma mensagem, do ponto de vista da ética-publicitária, habilitando os associados do ICAP, designadamente os meios, a melhor avaliar futuramente as mensagens cuja difusão lhes é solicitada pelos anunciantes.”

1.4.2. Atentas as diversas questões do exclusivo foro contratual suscitadas pela OLIVEDESPORTOS, cumpre ao JE lembrar que, a sua competência material se encontra circunscrita à apreciação da publicidade e comunicações comerciais, não podendo e, ou, devendo pronunciar-se sobre tais questões, sendo que as Partes, a qualquer momento, poderão suscitá-las junto dos tribunais.

1.4.3. Já quanto à posição assumida pela INTERMARCHÉ a pontos 8 e 9 da contestação, no que concerne às “pretensões” do ICAP, dispensa-se o Júri de invocar quaisquer normativos, atenta a sua conhecida associação à ética e à lei.

1.4.4. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Regulamento do JE, sob a epígrafe “Petição”, “A queixa deverá ser feita por escrito, devendo o queixoso indicar com precisão os suportes que pretende ver analisados…”. (Negrito e sublinhado do JE).

Esta é, aliás, uma prática sobre a qual o Júri teve já a oportunidade de se pronunciar, designadamente, no âmbito dos Processos 8J/2009, 17J/2009, 2J/ 2010, 16J/2012 e 4J/2014 do ICAP.

Ora, constata o JE que a OLIVEDESPORTOS não junta aos autos – em anexo à sua queixa – cópia de publicidade da responsabilidade da INTERMARCHÉ veiculada através de suporte MUPI (cfr. art.ºs 1, 2 e 35), bem como não junta cópia de alegada publicidade feita no site http://www.intermarche.pt/campanha-mundial.aspx (cfr. art.º 10) pelo que, sobre estes casos específicos, não se deterá a análise do Júri.

1.5. Dos factos

A Requerente alega na sua petição – e a Requerida não contradita – que “O INTERMARCHÉ lançou recentemente uma campanha publicitária e promocional designada “Intermarché. Patrocinador da Poupança Nacional”, com o lançamento de um concurso intitulado “Por Portugal – Sorteio no Mundial”, destinada a promover as vendas nos supermercados INTERMARCHÉ e ÉCOMARCHÉ” (sic. art.º 1), a qual “…tem sido amplamente divulgada em diversos anúncios veiculados, pelo menos, em televisão, rádio, internet, folhetos e mupis, de que se juntam, em suporte CD-ROM, cópias em anexo…” (sic. art.º 2, cfr. Docs 1 a 5 da queixa).

1.5.1. Das alegações publicitárias ou claims

Encontram-se colocadas em crise (cfr. art.ºs 3 a 6 e 9 a 11 da petição), as seguintes alegações publicitárias ou claims:

A. Televisão (cfr. Doc. 1 junto à queixa)
– (i) Claim visual: “Jogador de futebol William Carvalho pontapeia uma bola para uma baliza”;
– (ii) Claim visual: Legenda com o nome William Carvalho;
– (iii) Claim visual: em ambiente caseiro, uma família envergando cachecóis com a bandeira nacional incentiva, frente a uma televisão, uma equipa e o jogador William Carvalho;
– (iv) Claim verbal em voz off: “Os portugueses apoiam os jogadores. O Intermarché apoia os portugueses”;
– (v) Claim verbal e em voz off: (promoção de vendas): “Até 31 de Maio por cada 25 € com compras em cartão habilite-se a um dos mais de 900 TV led” associado a imagem de William Carvalho;
– (vi) Claim verbal em voz off: “Intermarché. Patrocinador da Poupança Nacional”, associado a imagem de William Carvalho.

B. Rádio (cfr. Doc. 2 junto à queixa)
– (i) “Os portugueses apoiam os jogadores. O Intermarché apoia os portugueses”;
– (ii) (promoção de vendas): “Até 31 de Maio por cada 25 € com compras em cartão habilite-se a um dos mais de 900 TV led”;
– (iii) “Intermarché. Patrocinador da Poupança Nacional”.

C. Internet (cfr. Docs. 3, 4 e 6 juntos à queixa)

C.1. Comunicação comercial feita no sítio da Requerida (cfr. Doc. 3)
– (i) Claim verbal “Intermarché. Patrocinador da Poupança Nacional”;
– (ii) Claim verbal “Os portugueses apoiam os jogadores”;
– (iii) Claim visual: num écran de televisão, vários adeptos torcem por uma equipa de futebol com os rostos pintados com riscas verdes e encarnadas, ao jeito de bandeira portuguesa;
– (iv) Claim verbal (promoção de vendas): “HABILITE-SE a 1 DOS + DE 900 TV LED 32” POR CADA 25€ COM CARTÃO = 1 CUPÃO”.

C.2. Comunicação comercial feita através de sic.sapo.pt (cfr. Doc. 4)
– (i) Claim verbal: “Movimento Nacional de Poupança Intermarché”;
– (ii) Claim visual: “Jogador de futebol William Carvalho pontapeia uma bola para uma bola num écran de televisão”;
– (iii) “Os portugueses apoiam os jogadores. O Intermarché apoia os portugueses”;
– (iv) Claim verbal (promoção de vendas): “HABILITE-SE a 1 DOS + DE 900 TV LED 32” POR CADA 25€ COM CARTÃO = 1 CUPÃO”;
– (v) Claim visual: num écran de televisão, vários adeptos torcem por uma equipa de futebol com os rostos pintados com riscas verdes e encarnadas.

C.3. Comunicação comercial (promoção de vendas) em concurso regulamentado (cfr. Doc. 6)
“Por Portugal – Sorteio no Mundial”.

D. Folheto (cfr. Doc. 5 junto à queixa)
– (i) Claim verbal: “Movimento Nacional de Poupança Intermarché”;
– (ii) Claim verbal “Intermarché. Patrocinador da Poupança Nacional”;
– (iii) Claim verbal (promoção de vendas): “HABILITE-SE a 1 DOS + DE 900 TV LED 32” POR CADA 25€ COM CARTÃO = 1 CUPÃO”.

1.6. Das alegações das Partes

1.6.1. Sustenta a OLIVEDESPORTOS na sua queixa, e em síntese, que a campanha publicitária da responsabilidade da INTERMARCHÉ, com inclusão da sua promoção de vendas configura uma prática de publicidade enganosa, desonesta e de concorrência desleal, bem como um embuste de um bem sob patrocínio e, ainda, uma promoção de vendas ilícita, por virtude de:

– (i) A Olivedesportos ser “…por contrato celebrado com a Federação Portuguesa de Futebol, a única e exclusiva titular dos direitos comerciais e de propriedade intelectual relativos às Selecções Nacionais de Futebol, no que se inclui, sem limitar, os direitos de imagem e patrocínio das Selecções Nacionais de Futebol e da própria Federação Portuguesa de Futebol, incluindo todos os direitos de utilização e exploração comercial de símbolos, emblemas, logótipos oficiais ou imagens colectivas das Selecções Nacionais de Futebol.” (sic. art.º 16);

– (ii) “Assim, apenas a Federação Portuguesa de Futebol, a Olivedesportos e as empresas por estas autorizadas têm o direito de se associarem às Selecções Nacionais de Futebol, nomeadamente para a utilização comercial de referências às mesmas para a promoção das suas vendas, no que constitui o chamado “patrocínio”” (sic art.º 17), acrescentando que “Decorre, pois, do regime de auto-regulação aplicável que a comunicação pública de uma associação entre uma marca, como o INTERMARCHÉ, e de um objecto patrocinado, como é a Selecção Nacional de Futebol, nas promoções de vendas daquela marca, configuram, para todos os fins, parte dos “benefícios, directos ou indirectos, que tenham sido objecto de acordo” de Patrocínio, conforme melhor disposto na al. e) do Artigo B do Capítulo II da Parte II do actual Código de Conduta. Todavia.” (sic. art.º 20);

– (iii) “O INTERMARCHÉ não é um patrocinador da Selecção Nacional de Futebol, contrariamente ao que dá a entender pela sua prática comercial” (sic. art.º 21) e “Através de uma clara e premeditada ambiguidade gramatical, o INTERMARCHÉ associa, de forma não autorizada pela Olivedesportos e/ou pela Federação Portuguesa de Futebol, a Promoção e a campanha publicitária à Selecção Nacional de Futebol, e à sua participação no Mundial de Futebol” (sic. art.º 24) “Situação tanto mais grave quanto de tais práticas, resulta um claro benefício para o INTERMARCHÉ, fruto de um proveito ilícito nas suas vendas, através de uma colagem “parasitária” a direitos que não lhe pertencem, constituindo, para todos os fins, uma despudorada violação aos direitos exclusivos da Olivedesportos e às normas anteriormente referidas!” (sic. art.º 25.);

– (iv) “…através do empastelamento realizado, o INTERMARCHÉ induz em erro os consumidores ao transmitir uma ideia – falsa – de associação legal à Selecção Nacional de Futebol” (sic. art.º 27) “Abusando, de forma dolosamente intencional, da confiança dos consumidores” (sic. art.º 28) pelo que, “…a actuação do INTERMARCHÉ “parasita a diligência contratual, a criatividade e o marketing alheio, (sendo) de resultado contraditório, afinal, com uma publicidade decente e honesta (…)” (sic. art.º 30);

– (v) “A Promoção, aludindo ao desempenho futuro da Selecção Nacional de Futebol num determinado evento para fins de promoção de vendas, fere os direitos da Olivedesportos e do concorrente da INTERMARCHÉ a quem tais direitos foram contratualmente conferidos” (sic. art.º 33) e “Ao criar um benefício, ilícito, para o INTERMARCHÉ com base na reputação e imagem da Selecção Nacional de Futebol, a conduta supra descrita constitui, ainda, um acto de concorrência desleal…” (sic. art.º 34), acrescentando que “O dano daí resultante para a Olivedesportos e o concorrente da INTERMARCHÉ a quem tais direitos foram contratualmente conferidos, não se esgotou, nem se esgota, na primeira exibição dos anúncios televisivos e radiofónicos ou na primeira visão dos “outdoors” ou “mupis” espalhados pelo território nacional ou dos anúncios divulgados na internet.” (sic. art.º 35).

– (vi) “…no âmbito da Promoção, ao oferecer aos consumidores a possibilidade de ganhar uma 1 das mais de 900 TV LED série 4 da marca Samsung, ecrã 32 polegadas (80 cm) e resolução de ecrã de 1366x768s, o INTERMARCHÉ “conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor médio a tomar uma decisão de compra que este não teria tomado de outro modo” “ (sic. art.º 38) dado que, as “…afirmações surgem com ares de concretização das contrapartidas ou benefícios a que a INTERMARCHÉ teria direito por força de um contrato de patrocínio.” (sic. art.º 41.º);

– (vii) “A campanha publicitária e a Promoção realizadas pelo INTERMARCHÉ, não só ameaçam os contratos já celebrados pela Olivedesportos, colocando em causa os direitos legitimamente adquiridos pelos efectivos patrocinadores oficiais da Selecção Nacional de Futebol, como comprometem irremediavelmente as negociações em curso para a celebração de futuros contratos de patrocínio” (sic. art.º 43) “Traduzindo-se numa gravíssima perda de prestígio e valor comercial da referida imagem” (sic. art.º 44), acrescentando que “A prossecução desta campanha deitará à praça pública o que é um direito exclusivo da Olivedesportos, direito esse que lhe foi legitimamente transmitido pelo seu único titular originário, a Federação Portuguesa de Futebol.” (sic. art.º 45).

1.6.2. Contraditando a denúncia da Requerente, defende a INTERMARCHÉ na sua contestação, a ética e a legalidade da campanha publicitária da sua responsabilidade invocando, designadamente, que:

– (i) “…ao difundir a campanha “Intermarché. Patrocinador da Poupança Nacional, a exponente mais não faz do que dar uso e devida utilização à sua marca nacional” (sic. ponto 21) “…procurando a exponente (…) promover os seus produtos num momento importante decorrente do facto de Portugal estar presente numa fase final de um campeonato do mundo de futebol e de os jogos serem transmitidos em televisão nos meses de Junho e Julho de 2014” (sic. ponto 22);

– (ii) “…a campanha da exponente integra imagem do jogador William de Carvalho…” (sic. ponto 23) “o qual, porém, surge na ação publicitária sem qualquer equipamento, da Selecção Nacional de Futebol, ou representativo de qualquer colectividade, (sic. ponto 24) “tendo as imagens do mesmo jogador sido obtidas numa altura em que tão pouco era conhecida a convocação do jogador William de Carvalho para representar a Selecção Nacional de Futebol” (sic. ponto 25) “que, de resto, ainda na presente data não é certo, uma vez que é apenas conhecida a lista provisória dos jogadores pré-convocados para ir ao Mundial de Futebol, não se sabendo se o referido jogador fará ou não parte da lista definitiva de 23 selecionados” (ponto 25) “não deixando de ser “Jogador de Portugal”, independentemente de fazer ou não parte dos convocados para a Seleção Nacional, porque tem a nacionalidade portuguesa e joga futebol”! (sic. ponto 27);

– (iii) “Não se descortina na campanha publicitária em causa qualquer utilização de cachecóis, ou outros elementos, alusivos à Seleção Nacional de Futebol, mas apenas cachecóis com as cores da Bandeira Nacional, que, tanto quanto se sabe, ainda é um símbolo nacional (…) propriedade de TODOS os portugueses!” (sic. ponto 28) “Insusceptível de apropriação individual” (sic. ponto 29), acrescentando que “…em momento algum da campanha é usada, ou referida, a designação “Mundial de Futebol” (sic. ponto 30), “Mas antes e apenas é usado o substantivo “Mundial” no nome do concurso, não sendo utilizada em qualquer outra parte ou situação da campanha publicitária” (sic. ponto 31), “Concurso esse, “Por Portugal – Sorteio no Mundial”, que foi devidamente autorizado pela Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, que lhe atribuiu o n.º 76/2014.” (sic. ponto 32);

– (iv) “Os eventos, como um Mundial de Futebol, não são exclusivos dos seus patrocinadores, tal como exclusivo não é o apoio de qualquer outra instituição e cidadão à sua Seleção!” (sic. ponto 36) e “Na ação publicitária em causa, basta uma simples análise séria (…) para se concluir que a mesma não encerra qualquer limitação aos direitos de imagem e patrocínio da Seleção nacional de Futebol, incluindo emblemas, logótipo oficiais ou imagens desta.” (sic. ponto 37);

– (v) “Sendo manifestas as alusões ao evento desportivo mundial de futebol (…) em momento algum da campanha publicitária é usada a expressão “Patrocinador Oficial da Seleção Nacional “, nem imagens da seleção nacional, nem de lugares associado àquelas” (sic. ponto 39) acrescentando que, “De resto, as matérias respeitantes a futebol, competições, mundial de futebol, não são em si mesmas exclusivas dos seus patrocinadores, constituindo, também elas, elementos insusceptíveis de apropriação individual.” (sic ponto 41).

2. Enquadramento ético-legal

2.1. Da extensão dos direitos exclusivos da OLIVEDESPORTOS

Alega a Requerente na sua queixa que, “O INTERMARCHÉ não é um patrocinador da Selecção Nacional de Futebol, contrariamente ao que dá a entender pela sua prática comercial” (sic. art.º 21) e que “Através de uma clara e premeditada ambiguidade gramatical, o INTERMARCHÉ associa, de forma não autorizada pela Olivedesportos e/ou pela Federação Portuguesa de Futebol, a Promoção e a campanha publicitária à Selecção Nacional de Futebol, e à sua participação no Mundial de Futebol” (sic. art.º 24) “Situação tanto mais grave quanto de tais práticas, resulta um claro benefício para o INTERMARCHÉ, fruto de um proveito ilícito nas suas vendas, através de uma colagem “parasitária” a direitos que não lhe pertencem, constituindo, para todos os fins, uma despudorada violação aos direitos exclusivos da Olivedesportos e às normas anteriormente referidas!” (sic. art.º 25).

Perante tal denúncia, cumpre ao Júri pronunciar-se sobre o que é possível entender-se como “direitos exclusivos” da OLIVEDESPORTOS, ainda antes de qualquer análise na totalidade (cfr. artigo 27.º, n.º 3 do Código de Conduta do ICAP) da campanha publicitária objeto da lide.

A Requerente não só invoca a titularidade de direitos ilimitados sobre a Selecção Nacional, sem os concretizar como – constata o JE, face aos elementos carreados para os autos -, não junta qualquer prova dos mesmos alegados direitos conferidos por contrato, o que deveria ter feito de acordo com o consignado no artigo 9.º, n.º 2 do Regulamento do JE e, bem assim, nos termos das regras gerais dos artigos 342.º e seguintes do Código Civil, no que respeita à denúncia sobre embuste de um bem sob patrocínio.

Ainda que possa ser aceite – por tal ser do domínio público – a existência de direitos exclusivos decorrentes de contrato celebrado entre a OLIVEDESPORTOS e a Federação Portuguesa de Futebol, nunca poderá conceder o Júri que, a exacta extensão dos direitos decorrentes consubstancie um facto público e notório e logo, apto a dispensar produção de prova. Deste modo, não concorda o JE quanto ao alegado pela Requerente a art.º 17 da petição.

Mais, eventuais violações de direitos exclusivos não se apuram sem o conhecimento prévio dos seus exactos contornos e extensão e, não se concorda em que a argumentação que fundamentou a decisão número 5J/2008 ainda releve, como parece pretender a Requerente.

Chegado aqui, quer-se relembrar o entendimento que ficou vertido na deliberação da primeira secção do Júri número 13J/2010, no sentido de ser evidente que: “…um facto público e notório pode, ou não, perdurar no tempo, rejeitando o JE aceitar, sem mais, que aquilo que foi avaliado como público e notório em 2008 assim fique qualificado para a eternidade.”

Por outro lado, as regras especialmente estabelecidas para efeitos do Euro 2004 já não são aplicáveis. De onde, não existe hoje uma moldura normativa ético-legal em matéria de comunicação comercial (entendida esta, em sentido amplo) que estatua uma protecção de patrocinadores – e, ou, determinadas e concretas restrições à publicidade de bens ou eventos patrocinados – diversa da que resulta quer dos limites impostos em sede do Capítulo II da Parte II do Código de Conduta do ICAP quer, dos decorrentes dos princípios da licitude, da veracidade e da livre e leal concorrência, sejam estes consignados naquele ou na lei.

Em conformidade, constitui posição do Júri que, o que ficou exposto assume particular relevância no que concerne a dois géneros de claims colocados em crise os quais, atentos os quadros normativos à luz de que são apreciados, deverão sê-lo individualmente e, de acordo com o seu significado literal. O contrário, ou seja, a apreciação do significado das alegações publicitárias no seu todo (cfr. art.º 4 da queixa) justificar-se-á em sede de averiguação da eventual indução do consumidor médio em erro quanto à qualidade do anunciante, a mesma, independente da questão da titularidade de direitos exclusivos de natureza contratual.

Assim, são ora relevantes:

– (i) os claims visuais e verbais relativos ao nome e à imagem do jogador William Carvalho [cfr. A. (i), (ii), (iii), (v), (vi), C.2. (ii)];

– (ii) os claims verbais “Intermarché. Patrocinador da Poupança Nacional”; [cfr. A. (vi), B. (iii), C.1. (i), D. (i)] e “Por Portugal – Sorteio no Mundial” [cfr. A. (iv), (vi), B. (iii), C.1. (i), C.3., D. (ii)];

– (iii) os claims visuais traduzidos por pinturas de rosto, bem como por cachecóis com a bandeira portuguesa e envergados por intervenientes na campanha publicitária [cfr. A. (iii), C.1. (iii)] e os verbais, consubstanciados pelas expressões “Portugal”, “Jogador de Portugal”, “portugueses” e “jogadores” [cfr. A. (i), (ii). (iv), B. (i), C.1. (ii), C.2. (ii), (iii) C.3.].

2.1.1. Dos claims relativos ao nome e à imagem do jogador William Carvalho

Embora o direito à imagem seja irrenunciável e inalienável, não são de considerar-se interditas, as limitações ao exercício desse direito de personalidade, nomeadamente a cedência a terceiros, por futebolistas, do direito à exploração comercial da sua imagem de desportistas profissionais.

Viola o disposto no artigo 79.º, n.º 1 do Código Civil – de que o consignado no artigo 7.º do Código da Publicidade, n.º 2, alínea e) é corolário em matéria de comunicações comerciais – a empresa que, sem obtenção de autorização prévia de um futebolista ou, por parte de quem aquele haja cedido o direito de explorar comercialmente, com exclusividade, a sua imagem pública.

Ora, no caso vertente, considerando que:

– (i) a INTERMARCHÉ logrou provar que as imagens de William Carvalho inseridas na sua campanha publicitária foram obtidas numa altura em que era desconhecida a sua convocação como jogador representante da Seleção Nacional. (Cfr. pontos 25 e 26 da contestação e Doc. 2 junto à mesma);
– (ii) que tal é susceptível de ser entendido como despiciendo face à circunstância – a que o Júri já fez menção – de a eventual titularidade por parte da OLIVEDESPORTOS de direitos exclusivos de exploração comercial da imagem de William Carvalho, não constituir um facto público e notório, e de sobre a mesma não ter sido carreada para os autos qualquer prova, designadamente, mas sem excluir quanto à sua extensão1;
– (iii) o facto acrescido de a OLIVEDESPORTOS não colocar em causa a obtenção de autorização prévia de William Carvalho por parte da INTERMARCHÉ (ou, por a quem aquele haja, eventualmente, cedido o direito de explorar comercialmente, com exclusividade, a sua imagem pública), para o efeito da respetiva utilização em publicidade tal, em respeito do citado artigo 7.º, n.º 2, alínea e), do Código da Publicidade e do artigo 79.º, n.º 1 do C.C.2;

Conclui o Júri que, neste tocante, e por maioria de razão, a lide reporta-se tão somente a matéria contratual a qual, deste modo, extravasa a ética e a lei em matéria de publicidade.

2.1.2. Do claim “Intermarché. Patrocinador da Poupança Nacional” e do concurso “Por Portugal – Sorteio no Mundial”
São ora atendíveis, os claims verbais [cfr. A. (iv), (vi), B. (iii), C.1. (i), C.3., D. (ii)] concernentes à comunicação comercial e promoção de vendas que a Requerente entende, em sede de queixa, traduzirem uma “…colagem “parasitária” a direitos que não lhe pertencem” (sic. art.º 25) e os quais se encontram alegadamente abrangidos no direito de marca da INTERMARCHÉ. (Cfr. pontos 21 a 32 da contestação).

Na verdade, alega a INTERMARCHÉ na sua contestação que, ao difundir a campanha “Intermarché. Patrocinador da Poupança Nacional”, a exponente mais não faz do que dar uso e devida utilização à sua marca nacional.” (sic. ponto 21).

Acrescenta a Requerida que, “…o grupo que detém a propriedade da insígnia Intermarché, designado por grupo “Os Mosqueteiros”, tem registada a seu favor, e como marca nacional n.º 500772, a marca “Movimento Nacional de Poupança” (sic. ponto 20), o que, considera o Júri, a INTERMARCHÉ logrou provar. (Cfr. Doc.1 da contestação).

No que diz respeito à comunicação comercial feita a partir de uma promoção de vendas em concurso regulamentado “Por Portugal – Sorteio no Mundial”, (cfr. Doc. 6 da queixa), não está ora em causa se a Requerida usa ou não usa a designação “Mundial de Futebol” ou apenas o termo “Mundial”, ao contrário do que afirma a ponto 30 da contestação. Aliás, sempre se dirá que, em contexto, o significado semântico é um e um só.

Com efeito, o que é curial nesta sede relativa à extensão dos alegados direitos exclusivos da OLIVESDESPORTOS, é o facto de a INTERMARCHÉ também alegar que, o concurso “Por Portugal – Sorteio no Mundial” foi “…devidamente autorizado pela Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, que lhe atribuiu o n.º 76/2014” (sic. ponto 32) e de sobre tal ter junto prova aos autos pela própria Requerente. (Cfr. cópia do respetivo regulamento identificado como Doc. 6 da petição).

Em coerência com o exposto, analisados os lemas “Intermarché. Patrocinador da Poupança Nacional” e “Movimento Nacional de Poupança”, bem como o regulamento do concurso sob o título “POR PORTUGAL – SORTEIO NO MUNDIAL” pela perspectiva do seu significado literal – e isoladamente em relação às restantes alegações publicitárias – entende o Júri que, atento o já sobejamente referido desconhecimento sobre a extensão dos direitos exclusivos de fonte contratual adquiridos pela OLIVEDESPORTOS, os referidos lemas, per se, não se encontram desconformes com o disposto em qualquer quadro ético-legal em matéria de comunicação comercial entendida em sentido amplo, bem como de livre e leal concorrência.

2.1.3. Da alegada insusceptibilidade de apropriação de símbolos nacionais e de designações genéricas

No que tange aos claims visuais traduzidos por pinturas de rosto, bem por como cachecóis com a bandeira portuguesa e envergados por intervenientes na campanha publicitária [cfr. A. (iii), C.1. (iii)] e os verbais, consubstanciados pelas expressões “Portugal”, “Jogador de Portugal”, “portugueses” e “jogadores” [cfr. A. (i), (ii). (iv), B. (i), C.1. (ii), C.2. (ii), (iii) C.3.], alega a OLIVEDESPORTOS a art.º 7 da petição que:

– “…a utilização das referências a “Portugal”, “no Mundial”, bem como a “portugueses” e aos “jogadores”, no contexto específico da aproximação do evento desportivo denominado “COPA DO MUNDO DA FIFA BRASIL 2014” (de ora em diante o “Mundial de Futebol”), acompanhada das cores e da exibição de cachecóis da Selecção Nacional de Futebol, cria, na campanha publicitária em causa, uma associação clara, porém ilícita, da INTERMARCHÉ à Selecção Nacional de Futebol.” (sic).

De salientar que, a Requerente não junta aos autos prova de que os cachecóis envergados pelos intervenientes nas mensagens publicitarias que ficaram identificadas são os da Seleção Nacional de Futebol, o que deveria ter feito à luz do disposto no artigo 9.º, n.º 2 do Regulamento do JE e, bem assim, nos termos das regras gerais dos artigos 342.º e seguintes do Código Civil.

Aliás, vem a INTERMARCHÉ contraditar tal alegação, sustentando que “Não se descortina na campanha publicitária em causa qualquer utilização de cachecóis, ou outros elementos, alusivos à Seleção Nacional de Futebol, mas apenas cachecóis com as cores da Bandeira Nacional, que, tanto quanto se sabe, ainda é um símbolo nacional (…) propriedade de TODOS os portugueses!” (sic. ponto 28).

Por maioria de razão do que se concluiu nos números anteriores, no sentido de a alegada extensão dos direitos exclusivos da OLIVEDESPORTOS não consubstanciar um facto público e notório, constitui posição do JE que, analisados individualmente os referidos claims colocados em crise, ainda com maior veemência se poderá sustentar que a respetiva utilização não é de molde a colidir com as normas ético-legais em matéria de publicidade. Na realidade, dentro do delimitado âmbito da ética publicitária, e na hipótese de regularidade e existência de um contrato de exclusividade, cumpre ao Júri questionar até que ponto poderá estender-se a protecção dos legítimos interesses dos patrocinadores oficiais de um evento de extraordinário interesse público, como o que é objecto dos presentes autos.

Por outro lado, e como é sabido, o uso de símbolos nacionais nas comunicações comerciais não consubstancia, presentemente, uma prática proibida quer em sede de Código de Conduta, quer pelo Código da Publicidade, desde que não se extraiam significados pejorativos o que, obviamente, não é o caso.

Mais, o JE entende que elementos que equivalham a símbolos nacionais consagrados no artigo 11º da Constituição da República Portuguesa como sejam, concretamente, a bandeira nacional ou as suas cores, não são passíveis de apropriação privativa e exclusiva dos patrocinadores de eventos internacionais como o em apreço e, logo, deverão ser considerados insusceptíveis de configurar sinais distintivos de concorrentes ou geradores de confusão, se analisados individualmente, pela perspectiva do seu significado semântico.

O mesmo defende o Júri, no que diz respeito às expressões “Portugal”, “Jogador de Portugal”, “portugueses” e “jogadores” as quais, atenta a referida ad nauseum ausência de conhecimento sobre a alegada extensão dos direitos exclusivos da OLIVEDESPORTOS constituem, em si mesmas, meros símbolos (in casu, publicitários) de carácter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo – quiçá, de uma indicação geográfica – e, desse modo, igualmente insusceptíveis de apropriação em sede de propriedade intelectual. De onde, na opinião do JE, a respetiva utilização não se encontra desconforme com o disposto em qualquer quadro ético-legal em matéria de comunicação comercial entendida em sentido amplo, bem como de livre e leal concorrência.

2.1.4. Conclusão sobre os efeitos do desconhecimento da extensão dos direitos exclusivos

Em conformidade, com exclusão de todos os factos relevantes que somente possam ser comprovados através da junção de prova do conteúdo do contrato celebrado entre a OLIVEDESPORTOS e a Federação Portuguesa de Futebol, entende o Júri poder apreciar no seu todo, a campanha publicitária denominada “Intermarché. Patrocinador da Poupança Nacional” em associação ao concurso intitulado “Por Portugal – Sorteio no Mundial”, e veiculada nos suportes televisão, rádio, Internet e folheto, nos termos que se seguem.

2.3. Da alegada prática de publicidade enganosa

2.3.1. Da alegada indução do consumidor médio3 em erro quanto à qualidade do anunciante enquanto determinante de uma decisão de transacção

Alega a OLIVEDESPORTOS em sede de queixa – o que a Requerida não contradita – que, “O INTERMARCHÉ propõe-se atribuir a todos os clientes dos supermercados INTERMARCHÉ e ÉCOMARCHÉ, sitos em todo o território nacional, que sejam titulares do cartão “Os Mosqueteiros” ou cartão “Poupança”, um cupão para participação no referido Concurso por cada 25€ em compras efectuadas com o mesmo cartão “Os Mosqueteiros” ou cartão “Poupança”, entre 5 e 31 de Maio de 2014, cupão esse que lhes dará a possibilidade de participar no sorteio de 1 dos mais de 900 TV LED série 4 da marca Samsung, ecrã 32 polegadas (80 cm) e resolução de ecrã de 1366×768.” (sic. artigo º 11).

A tal, acrescenta a OLIVEDESPORTOS que “Decorre (…) do regime de auto-regulação aplicável que a comunicação pública de uma associação entre uma marca, como o INTERMARCHÉ, e de um objecto patrocinado, como é a Selecção Nacional de Futebol, nas promoções de vendas daquela marca, configuram, para todos os fins, parte dos “benefícios, directos ou indirectos, que tenham sido objecto de acordo” de Patrocínio, conforme melhor disposto na al. e) do Artigo B do Capítulo II da Parte II do actual Código de Conduta.” (sic. art.º 20 da queixa).

O Júri não subscreve esta posição da OLIVEDESPORTOS, por maioria de razão do que sustentou amplamente, no capítulo anterior da presente deliberação. Com efeito, ainda que possa ser aceite – por tal ser do domínio público – a existência de direitos exclusivos decorrentes de contrato celebrado entre a OLIVEDESPORTOS e a Federação Portuguesa de Futebol, nunca poderá conceder o Júri que, a exacta extensão dos direitos decorrentes consubstancie um facto público e notório e logo, apto a dispensar produção de prova. Logo, não se poderá falar aqui de “benefícios directos ou indirectos, que tenham sido objecto de acordo” de Patrocínio, para efeitos da aplicação do disposto na alínea e) do Artigo B do Capítulo II, Parte II do Código de Conduta do ICAP porquanto, se desconhece o teor concreto do mesmo acordo.

A OLIVEDESPORTOS sustenta ainda na sua petição que, “A Promoção em causa e a campanha que a publicita, tal como é realizada, constitui conduta ilícita violadora, por um lado, da al. e) do artigo B-II e do artigo B2 do Capítulo II da Parte II do Código de Conduta, ao realizar um claro embuste de um bem sob patrocínio.” (sic. artigo 12.).

A propósito, entende o JE que, não se estando agora em presença de matéria meramente contratual mas, antes, do exclusivo foro da ética e da lei em matéria de comunicações comerciais, a apreciação da questão ora suscitada, implica a análise da campanha como um todo, com inclusão da promoção de vendas, análise esta a que o Júri se permite, de acordo com o disposto no artigo 27.º, n.º 3, do Código de Conduta do ICAP.

Ora, apreciada a campanha em lide na sua totalidade, conclui o Júri que:

– (i) Embora sejam claras as alusões ao evento desportivo que se irá iniciar e em que Portugal participará – através de expressões como “Portugal” “Mundial” “Patrocinador da Poupança Nacional”, “Jogador de Portugal”, “jogadores”, bem como de alegações visuais “bandeira portuguesa” e “adeptos futebolísticos entusiasmados” – a expressão “Patrocinador Oficial da Selecção Nacional”, não é utilizada na campanha em apreciação, sendo que o caso de William Carvalho assume os contornos que atrás ficaram definidos os quais, não contrariam esta conclusão;
– (ii) Estabelece-se, assim, não uma associação à Selecção Nacional mas, uma alusão ao momento de representação nacional num evento de notório interesse público, o que a Requerida aliás concede, a ponto 39 da contestação;
– (iii) Tão pouco parece evidente que, de tal resulte para o consumidor médio a conclusão, ou mesmo a dúvida, sobre a qualidade de Patrocinador da Selecção do anunciante, já que tal consumidor perceberá que a expressão “Patrocinador Oficial da Selecção Nacional ” não consta de qualquer suporte da campanha e promoção de vendas associada, pelo que tal associação se entende como cirurgicamente colocada nas margens ou limites, do legalmente admissível;
– (iv) A campanha publicitária – com a inclusão da promoção de vendas em causa – não é susceptível de induzir o chamado consumidor médio a tomar uma decisão de transação com base em tais alusões ao evento desportivo. Assim, admite-se que tal decisão se funde na circunstância de através de cada 25€ em compras efectuadas com o cartão “Os Mosqueteiros” ou cartão “Poupança”, aquele consumidor poder ter a possibilidade de ganhar 1 dos mais de 900 TV LED (cfr. Docs. 1 a 6 da queixa) e tal, em função da relação qualidade/preço dos produtos e das ofertas propostas, ao contrário do que se alega a art.º 25. da queixa;
– (v) Com efeito, não se crê que um patrocinador oficial ou, quem eventualmente procure dá-lo a entender sem o ser, será mais interessante para o consumidor médio em termos de probabilidade de ganho de um TV LED, como se tal qualidade fosse de molde a condicionar, sem mais, uma aquisição de transação através de cupões, a qual, de outro modo, não se efectuaria. (Cfr. artigo 7.º do Decreto-lei n.º 57/2008);
– (vi) O mesmo se afirma quanto ao disposto no Artigo A1 do Código de Conduta do ICAP, que estabelece os princípios aplicáveis à promoção de vendas;
– (vii) Mais, com a devida vénia, e sem prejuízo do que se referiu, não compreende o Júri a razão pela qual a OLIVEDESPORTOS considera ofendido o disposto no n.º 1, alínea c) do citado artigo, segundo o qual, a indução em erro pode incidir no “… conteúdo e a extensão dos compromissos assumidos pelo profissional, a motivação da prática comercial (…) bem como a utilização de qualquer afirmação ou símbolo indicativos de que o profissional, o bem ou o serviço beneficiam, directa ou indirectamente, de patrocínio ou de apoio” já que, aqui se consagram situações exactamente inversas à que fundamenta a denúncia da Requerente;
– (viii) Pelo exposto, inexistindo a confundibilidade por parte do destinatário da mensagem, quanto à qualidade de patrocinador, não se vislumbra a violação do disposto sobre práticas comerciais desleais, sendo que a campanha da INTERMARCHÉ não constitui uma violação do princípio da livre e leal concorrência. (Cfr. artigos 4.º a 6.º do Decreto-lei n.º 57/2008).

2.3.3. Do invocado embuste de um bem sob patrocínio

Qualquer embuste de um bem sob patrocínio, in casu, o campeonato mundial de futebol, quando praticado através de publicidade, constituirá sempre um caso de violação do princípio da veracidade em matéria de comunicações comerciais, por indução do destinatário em erro, quanto à qualidade do anunciante, independentemente de ser ou não conhecida e notória, a real extensão dos direitos que são abrigados pelo “chapéu de chuva” patrocínio;

Com efeito, não se conhecendo a abrangência de tais direitos, é o estabelecimento de uma eventual prática de publicidade enganosa que determinará a conclusão sobre a existência de um embuste de um bem sob patrocínio e não é a verificação deste último, a premissa para se considerar que se violou o princípio da veracidade em matéria de promoção de vendas ou se praticou publicidade desleal e ofensiva da livre e leal concorrência.

Ora, concluiu o Júri no ponto anterior, pela inexistência de uma prática de publicidade e de promoção de vendas enganosa quanto à qualidade do anunciante pelo que, forçosamente, terá que sustentar que a comunicação comercial da responsabilidade da INTERMARCHÉ, entendida no seu todo, não consubstancia um embuste de um bem sob patrocínio.

A Requerida está, porém, a associar-se ao momento do evento que não patrocina, aproveitando a sua realização para promover a venda de bens que comercializa. (Cfr. ponto 39 da contestação). Ocorre questionar se, mesmo quando se encontra estabelecido que não há susceptibilidade de confusão ou de engano dever-se-á, ainda assim, considerar uma outra fronteira: a da associação parasitária a um tema de publicidade reservado aos concorrentes?

Recorde-se que, aquando da realização do Euro 2004, foi um diploma específico, o Decreto–Lei nº 86/2004, de 16 de Abril, que proibiu a utilização directa ou indirecta, por qualquer meio de uma firma, denominação, marca ou outro sinal distintivo do comércio por quem não tivesse obtido autorização das entidades responsáveis pela realização da fase final do campeonato europeu, que sugerisse ou criasse a falsa impressão de que estava autorizada ou de alguma forma, associada ao acontecimento. Assim se regulava o chamado “Ambush Marketing”.

Ora, não só tal Lei já não se encontra em vigor, como os alegados direitos exclusivos da OLIVEDESPORTOS não constituem um facto público e notório, pelo que a resposta à questão colocada, terá que ser negativa no âmbito dos presentes autos.

Para o que milita, aliás, a própria redação do Artigo B2, Capítulo II, Parte II, do Código de Conduta, sob a epígrafe “Embuste do objecto de patrocínio”. Com efeito, a expressão “embuste” não é consentânea com a ausência de uma conduta dolosa. Na realidade, dispõe-se que, “Nenhuma parte deve procurar dar a entender que patrocina (…)”. (Negrito sublinhado do JE).

2.4. Conclusão

Improcedendo as razões invocadas pela OLIVEDESPORTOS quanto à confundibilidade da anunciante com um patrocinador da Selecção Nacional, bem como à susceptibilidade de indução dos consumidores em erro quanto a esse mesmo aspecto – e sem prejuízo de se reconhecer que a campanha da denunciada criou uma associação com o momento do campeonato mundial de futebol -, entende o Júri inexistirem indícios de desconformidade da comunicação comercial, entendida no seu todo, com o disposto nos artigos 4º, 5º e 27º do Capítulo I da Parte II, artigos A-1, alínea e) do artigo B-II, e artigo B2 do Capítulo II, Parte II, todos do Código de Conduta do ICAP, artigos 4.º e 7.º n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei nº 57/2008, de 26 de Março (“Regime Jurídico das Práticas Comerciais Desleais”) e artigo 317º do Código da Propriedade Industrial.

Não obstante, o Júri não quer deixar de vincar o que atrás referiu em sede de questões prévias: o cerne da apreciação da campanha publicitária objeto dos autos é o da ética publicitária, o que não prejudica a possibilidade de as Partes suscitarem e discutirem eventuais danos e, ou, prejuízos contratuais junto das competentes instâncias judiciais.

3. Decisão

Nestes termos, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, delibera no sentido da improcedência da queixa apresentada.».

A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP

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9J / 2014 :: ACAP vs. Norauto

9J/2014

ACAP – Associação Automóvel de Portugal
vs.
Norauto Portugal

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no trigésimo dia do mês de Maio do ano de dois mil e catorze, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 9J/2014 tendo deliberado o seguinte:
Processo n.º 9J/2014
1.  Objecto dos autos
1.1.  A ACAP – ASSOCIAÇÃO AUTOMÓVEL DE PORTUGAL (adiante abreviada e indiscriminadamente designada por ACAP ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante abreviada e indiscriminadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a NORAUTO PORTUGAL, SA. (adiante abreviada e indiscriminadamente designada por NORAUTO ou Requerida), relativamente a comunicação comercial ao seu serviço de revisão automóvel promovida pela comunicação social, nomeadamente no suporte rádio por alegada violação dos artigos 6. º, 7. º, nº 1, alínea c), nº 2, alínea b), e 8. º do Decreto-lei n. º 57/2008, de 26 de Março, bem assim como os artigos 5º, 7º, 9º, 15º e 27º do Código de Conduta do ICAP.
1.2.  Notificada para o efeito, a NORAUTO apresentou a sua contestação. Fê-lo, contudo, fora do prazo previsto no artigo 11º do Regulamento do Júri de Ética do ICAP, ultrapassando o mesmo em 1 (um) dia, pelo que a contestação não pode ser considerada para efeitos dos presentes autos.
1.3.  Dá-se por reproduzida a queixa e os documentos apresentados pela Queixosa.
2. Enquadramento e fundamentação ético-legal 
2. 1. Síntese da posição da parte queixosa
As posições da Queixosa podem ser sintetizadas como segue:
2. 1. 1. Queixosa
– A ACAP (Associação Automóvel de Portugal) representa a globalidade do Sector Automóvel, nas vertentes grossista e retalhista, incluindo-se aqui todas as marcas de automóveis e as respectivas redes de concessionários;
– A ACAP considera que a divulgação da campanha intitulada “Revisão Oficial – 40% que na marca” e/ou “Revisão Oficial 40% mais barata que na Marca” pela NORAUTO, se mencionam expressamente os concessionários como entidades que têm “facturas elevadas” com “valor final uma surpresa”;
– A ACAP entende que esse tipo de publicidade configura publicidade comparativa explícita e implícita aos serviços prestados pelas marcas de automóveis (nº 1 do artigo 16º, do Código da Publicidade (D.L. nº 330/90 de 23/10);
– A queixosa afirma que essa publicidade comparativa viola os critérios para que pudesse ser utilizada, em violação do disposto no nº 2 do artigo 16º, do Código da Publicidade (D.L. nº 330/90 de 23/10) nomeadamente:
a)  Não trata objectivamente as características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas dos serviços prestados pelas marcas, incluindo o preço pois, ambas as campanhas, não referem quais os critérios utilizados para a obtenção de determinado preço praticado nas marcas (alínea c) do nº 2 do artigo 16º do Código da Publicidade);
 – Sustenta que tal sucede já que as diferentes marcas na prestação dos seus serviços praticam preços diferenciados de acordo com a marca em causa e dentro de cada marca, de acordo com o respectivo modelo e versão do veículo, respeitando, diz, sempre a legislação em vigor sobre a afixação de preços, a qual exige referência ao critério utilizado, Decreto-Lei nº 162/99, de 13.05; Portaria nº 797/93, de 06.09; Portaria nº 99/91, de 02.02; Decreto-Lei nº 138/90, de 26.04);
– A ACAP afirma que a campanha desacredita e deprecia marcas, gera confusões nos profissionais e nos consumidores, quando refere falta de transparência e que a factura emitida pela marca nunca é igual ao orçamento (alínea d) e e) do nº 2 do artigo 16º do Código da Publicidade);
– A queixosa sustenta que a veiculada pela empresa NORAUTO é enganosa (prática comercial desleal, nos termos do D.L. nº 57/2008 de 26/03, pois distorce ou é susceptível de distorcer o comportamento económico do consumidor destinatário (referência do homem médio), contendo práticas comerciais enganosas e agressivas, nos termos do artigo 5º e 6º do diploma mencionado), (alínea a) do nº 2 do artigo 16º do Código da Publicidade);
– Considera ainda que a empresa NORAUTO, com a campanha “Revisão Oficial – 40% que na marca” ou “Revisão Oficial 40% mais barata que na Marca”, é igualmente passível de confundir o consumidor, pois também opera no mercado sem ser representante de marcas de automóveis;
– Mais afirma que a campanha “Revisão Oficial” da NORAUTO induz ou é susceptível de induzir em erro o consumidor, fazendo-o crer que se trata de representantes de marcas automóveis a prestar o serviço (Reparador Autorizado), o que configura prática comercial desleal, incluindo publicidade desleal, nos termos do artigo 6º do D. L. nº 57/2008 de 26/03;
– Sustenta que as campanhas “Revisão Oficial – 40% que na marca” ou “Revisão Oficial 40% mais barata que na Marca”, da NORAUTO são susceptíveis de induzir em erro o consumidor, ao utilizarem a afirmação “Revisão Oficial”, indicativo de que o serviço beneficia directa ou indirectamente de patrocínio ou de apoio, o que configura prática comercial enganosa prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 7º do D.L. nº 57/2008 de 26/03;
– Mais afirma que, as campanhas promovem comercialmente um serviço que cria confusão com serviços de concorrentes, no caso, reparadores autorizados e representantes oficiais das marcas de automóveis o que configura igualmente prática comercial enganosa prevista na alínea b) do nº 2 do artigo 7º do D.L. nº 57/2008 de 26/03;
– Sustenta, também, que a campanha da NORAUTO “Revisão Oficial – 40% que na marca” é susceptível de induzir em erro o consumidor, ao utilizar a afirmação “Revisão Oficial”, dando a entender que os seus serviços foram aprovados, reconhecidos ou autorizados por, no caso, organismo privado, quando tal não corresponde à verdade, o que configura a violação da alínea d) do artigo 8º do D.L. nº 57/2008 de 26/03, constituindo assim igualmente uma prática comercial enganosa;
– Mais considera que a natureza da publicidade da campanha acima mencionada, para além da violação dos artigos supra referidos, viola, em geral, diversos artigos do Código de Conduta do ICAP e do Código da Publicidade, solicitando que seja imediatamente retirada toda a publicidade sobre a campanha “sobre a campanha promovida pela NORAUTO “Revisão Oficial – 40% que na marca” ou “Revisão Oficial 40% mais barata que na Marca”.
2. 2. O Artigo 16º (Publicidade comparativa) do Código da Publicidade dispõe que
“1 – É comparativa a publicidade que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente.”
Mais estipula que
” 2 – A publicidade comparativa, independentemente do suporte utilizado para a sua difusão, só é consentida, no que respeita à comparação, desde que respeite as seguintes condições:
a) Não seja enganosa, nos termos do artigo 11º;
b) Compare bens ou serviços que respondam às mesmas necessidades ou que tenham os mesmos objectivos;
c) Compare objectivamente uma ou mais características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses bens ou serviços, entre as quais se pode incluir o preço;
d) Não gere confusão no mercado entre os profissionais, entre o anunciante e um concorrente ou entre marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens ou serviços do anunciante e os de um concorrente;
e) Não desacredite ou deprecie marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens, serviços, actividades ou situação de um concorrente;
f) Se refira, em todos os casos de produtos com denominação de origem, a produtos com a mesma denominação;
g) Não retire partido indevido do renome de uma marca, designação comercial ou outro sinal distintivo de um concorrente ou da denominação de origem de produtos concorrentes;
h) Não apresente um bem ou serviço como sendo imitação ou reprodução de um bem ou serviço cuja marca ou designação comercial seja protegida.
3 – Sempre que a comparação faça referência a uma oferta especial deverá, de forma clara e inequívoca, conter a indicação do seu termo ou, se for o caso, que essa oferta especial depende da disponibilidade dos produtos ou serviços.
4 – Quando a oferta especial a que se refere o número anterior ainda não se tenha iniciado deverá indicar-se também a data de início do período durante o qual é aplicável o preço especial ou qualquer outra condição específica.
5 – O ónus da prova da veracidade da publicidade comparativa recai sobre o anunciante.
4.  Assim, e no que concerne ao disposto na alínea c) do nº 2, a licitude da publicidade comparativa depende do preenchimento dos seguintes requisitos:
a)  Comparação de uma ou mais características dos bens ou serviços (pode ser só uma delas);
b)  Características devem ser essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses bens ou serviços.”.
É entendimento do JE que, na realidade, se está nos presentes autos perante publicidade comparativa, sendo que a mesma pode ter como base o preço pelo que, qualquer referência ao já aludido preço, não implicaria, por si só, a existência de qualquer situação menos passível de ser enquadrada legalmente, uma vez que o preço, na verdade, se assume como uma das características passíveis de serem comparadas.
Acontece que, nos presentes autos, o anunciante não logrou, como era seu mister, fazer prova relativamente à veracidade da publicidade comparativa, dado que não apresentou em tempo oportuno a competente contestação, não carreando, pois, para os autos, quaisquer tipo de provas que lhe permitissem sustentar a aludida publicidade comparativa por si veiculada, ónus que sobre si recaía, nos termos do acima citado nº 5 do artigo 16º do Código da Publicidade e artº 15º do Código de Conduta do ICAP.
Nestes termos, veiculou o anunciante publicidade comparativa ilícita, por violação do supracitado dispositivo legal, desta forma se encontrando igualmente violado o Artigo 9º (princípio da veracidade) do Código de Conduta do ICAP.
3. Decisão
Termos em que a 1ª Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da NORAUTO em apreciação no presente processo, se encontra desconforme com o disposto no artigos 9º e 15º do Código de Conduta do ICAP e no nº 5 do artigo 16º do Código da Publicidade, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipos de ilícito apurado pelo JE.».
O Presidente da Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP
Auto Regulação9J / 2014 :: ACAP vs. Norauto
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8J / 2014 :: ACAP vs. MIDAS

8J/2014

ACAP – Associação Automóvel de Portugal
vs.
MIDAS Portugal

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no vigésimo sexto dia do mês de Maio do ano de dois mil e catorze, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 8J/2014 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 8J/2014

1.   Objecto dos autos

1.1. A ACAP – ASSOCIAÇÃO AUTOMÓVEL DE PORTUGAL (adiante abreviada e indiscriminadamente designada por ACAP ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante abreviada e indiscriminadamente designado por Júri ou JE) apresentar queixa contra a MIDAS PORTUGAL NÚMERO UM, SA. (adiante abreviada e indiscriminadamente designada por MIDAS ou Requerida), relativamente a comunicação comercial ao seu serviço de revisão automóvel promovida em suporte rádio, por alegada violação dos artigos 5.º, 7.º, 9.º, 15.º e do Código de Conduta do ICAP, bem como dos artigos 10.º e 11.º do Código da Publicidade o último, com a redacção introduzida pelos artigos 6.º, 7.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b) e 8.º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março.
Notificada para o efeito, a MIDAS apresentou tempestivamente a sua contestação.

Dão-se por reproduzidas a queixa, a contestação e os documentos apresentados pelas Partes.

1.2. Questão prévia

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Regulamento do JE, sob a epígrafe “Petição”, “A queixa deverá ser feita por escrito, devendo o queixoso indicar com precisão os suportes que pretende ver analisados, expor os factos e a fundamentação, tão sintética quanto possível, indicar as disposições do Código de Conduta do ICAP, e, ou, outras fontes que considere infringidas e formular com clareza a sua pretensão, salvo quando apresentada por consumidor nos temos definidos na Lei de Defesa do Consumidor”. (Negrito e sublinhado do JE).

Esta é, aliás, uma prática sobre a qual o JE teve já a oportunidade de se pronunciar, designadamente, no âmbito dos Processos 8J/2009, 17J/2009, 2J/ 2010, 16J/2012 e 4J/2014 do ICAP.

Ora, refere a Requerente em sede de queixa que estão em causa alegações publicitárias como “A Revisão Oficial até 40% mais barata que na marca”, e que “…nos referidos anúncios, se mencionam expressamente os concessionários como entidades que têm “facturas elevadas” com “valor final uma surpresa”, referindo, a MIDAS, que a sua “factura é igual ao orçamento”” (sic), alegações essas e suportes esses de que não produz prova.

Com efeito, o único suporte reproduzido em documento em cd-rom junto à petição, é o de rádio. Por outro lado, do mesmo consta, somente, um spot com os claims “Novo – A Revisão Oficial” e “A revisão oficial Midas é sempre mais barata do que na marca…”.

Em conformidade, apenas nestes, incidirá a presente decisão.

1.3.   Dos factos ou das alegações publicitárias

A comunicação comercial em análise nos presentes autos é composta por um  spot publicitário radiofónico, encontrando-se em crise, as alegações publicitárias “Novo – A Revisão Oficial” e “A revisão oficial Midas é sempre mais barata do que na marca…”.  (Cfr. documento em CD rom junto à queixa).

1.4. Das alegações das Partes

1.4.1. Em resumo, a ACAP refere na sua queixa que, a MIDAS difunde publicidade comparativa enganosa, desonesta, desleal e ofensiva do princípio ético da responsabilidade social, considerando que:

– (i) “…a publicidade veiculada pela MIDAS, se refere a uma redução de preço dos serviços prestados em determinada percentagem “mais baratos que na marca”, a qual, “…configura publicidade comparativa explícita e implícita aos serviços prestados pelas marcas de automóveis (nº 1 do artigo 16º, do Código da Publicidade em violação do disposto no nº 2 do artigo 16º, do Código da Publicidade…” (sic);

– (ii) “…o slogan “A Revisão Oficial”, é passível de confundir o consumidor quanto à natureza do serviço prestado, dado tratar-se de uma empresa que opera no mercado sem representar as marcas de automóveis” e “…induz ou é susceptível de induzir em erro o consumidor, fazendo-o crer que se trata de representante de marcas automóveis a prestar o serviço (Reparador Autorizado)”. (sic).

1.4.2. Na sua contestação, a MIDAS contradita a argumentação da ACAP, sustentando a veracidade, a honestidade e a responsabilidade social inerente à sua comunicação comercial alegando, em síntese, que:

– (i) “ O conteúdo da campanha Midas tal como já foi feito noutros países da União Europeia pela Midas desde 2010 e sem qualquer impedimento, bem como em várias marcas no mercado português, enquadra-se no Regulamento da União Europeia Nº 461/2010 da Comissão, de 27 de Maio de 2010…” (sic. § 2.º);

– (ii) “ A terminologia “oficial” refere-se à realização da revisão de acordo com o plano de manutenção oficial das marcas automóveis”, acrescentando que, “Este termo tem sido utilizado de uma forma comum no mercado português e europeu  nos últimos anos e existem campanhas como a “Repare bem. Repare onde quiser” da DPAI que contribuem para o esclarecimento dos consumidores”. (sic. § 3.º).

2. Enquadramento ético-legal 

2.1.   Da alegada prática de publicidade ofensiva dos princípios da veracidade, da honestidade, da responsabilidade social e da livre e leal concorrência.

Nos termos do artigo 4.º do Código e Conduta do ICAP, sob a epígrafe “Princípios Fundamentais”, “Todas as comunicações comerciais devem ser legais, decentes, honestas e verdadeiras” (1) e “…devem ser concebidas com o sentido de responsabilidade social e profissional e (…) ser conformes aos princípios da leal concorrência, tal como estes são
comummente aceites em assuntos de âmbito comercial” (2).

Segundo o disposto nos artigos 5.º e 7.º, n.º 1 do Código de Conduta do ICAP, e respectivamente, “A comunicação comercial deve respeitar os valores, direitos e princípios reconhecidos na Constituição e na restante legislação aplicável” e “…deve ser concebida de forma a não abusar da confiança dos consumidores e a não explorar a sua falta de conhecimento ou de experiência”.

Por seu turno, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 9.º do mesmo Código, sob a epígrafe “Veracidade” – que encontra correspondência nos artigos 10.º e 11.º do Código da Publicidade (o último, de acordo com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março), a última deve proscrever toda a declaração ou apresentação que, directa ou indirectamente, por via de omissões ou ambiguidades, bem como por virtude de todos e quaisquer exageros apresentados induza ou seja susceptível de induzir em erro o destinatário, “…nomeadamente no que se refere a: a) Características do bem ou serviço, como a natureza (…) possibilidades e resultados da utilização (…).”. (sublinhado e negrito da responsabilidade do JE).

Em conformidade com o artigo 10.º do Código da Publicidade, esta “…deve respeitar a verdade, não deformando os factos” (cfr. n.º1), devendo as “…afirmações relativas à origem, natureza, composição e condições de aquisição dos bens ou serviços publicitados…” ser “…exactas e passíveis de prova, a todo o momento, perante as instâncias competentes” (cfr. n.º 2.), considerando-se publicidade enganosa em sede do n.º 1 do artigo 11.º daquele diploma legal, aquela que ”…seja enganosa nos termos do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, relativo às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores.”

Ora, nos termos do n.º 1, alínea c) e n.º 2, alínea b) do artigo 7.º daquele Decreto-Lei, e respectivamente, “É enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que este não teria tomado de outro modo: (1.) (…), tais como (…) O conteúdo e a extensão dos compromissos assumidos pelo profissional, a motivação da prática comercial e a natureza do processo de venda, bem como a utilização de qualquer afirmação ou símbolo indicativos de que o profissional, o bem ou o serviço beneficiam, directa ou indirectamente de patrocínio ou de apoio; (c)) sendo, igualmente (2) “…enganosa a prática comercial que envolva (…) O incumprimento pelo profissional de compromisso efectivo decorrente do código de conduta a que está vinculado no caso de ter informado, na prática comercial, de que se encontra vinculado àquele código” (b).

Segundo o disposto no artigo 8.º, alínea d) do Decreto-lei a que o Júri se reporta, “São consideradas enganosas em qualquer circunstância” as práticas comerciais que consistam em “…Afirmar que um profissional, incluindo as suas práticas comerciais, ou um bem ou serviço foram aprovados reconhecidos ou autorizados por um organismo público ou privado quando tal não corresponde à verdade ou fazer tal afirmação sem respeitar os termos da aprovação, do reconhecimento ou da autorização”. Por sua vez, estatui-se no artigo 6.º, alínea b) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março que, “São desleais em especial (…) “As prática comerciais enganosas e as práticas comerciais agressivas referidas nos artigos 7.º, 9.º e 11.º”.

No que tange ao claim “Novo – A Revisão Oficial”, constitui posição do JE que, o termo “oficial” é susceptível de significar “emanado do governo ou de uma autoridade administrativa reconhecida”; “certificado pela autoridade pública ou por uma autoridade competente” (…); “reconhecido como o principal entre outros que têm o mesmo papel.

Assim, entende o Júri que, a expressão “oficial” – no contexto do claim objecto da questão controvertida – permite o entendimento por parte do consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido e informado que, a revisão automóvel comunicada é efectuada pela MIDAS de acordo com os ditames da marca do fornecedor do veículo que estiver em causa, mediante certificação deste, funcionando tal expressão, deste modo, como um “sinal distintivo”.

De onde, sustenta o JE que, o termo “oficial” é um dos possíveis sinónimos de “autorizada” e que, por maioria de razão, o claim “REVISÃO OFICIAL” – na mente do respectivo destinatário  equivalerá a “REVISÃO AUTORIZADA” (de acordo com o REGULAMENTO junto aos autos com a contestação) pelo fornecedor de veículos a motor cuja marca a oficina que assim opere possa legitimamente representar para o efeito em apreço: o de revisão conforme com as especificações do livro de manutenção.

Com efeito, nos termos do Artigo 1.º, n.º 1, alínea c), sob a epígrafe “Definições” (sistematicamente inserido no capítulo DISPOSIÇÕES COMUNS), do REGULAMENTO, e para efeitos deste “…entende-se por (…) “oficina de reparação autorizada, o prestador de serviços de reparação e manutenção de veículos a motor que exerce as suas actividades no âmbito de um sistema de distribuição criado por um fornecedor de veículos a motor.”

Assim, o cerne da questão controvertida reside no facto de a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida permitir o entendimento por parte do consumidor médio de que, o conteúdo e a extensão dos compromissos assumidos pela Requerida, bem como a motivação da respectiva prática comercial, são os mesmos que adviriam de uma contratação de serviços ao fornecedor do veículo ou a “oficina de reparação autorizada” pelo mesmo fornecedor.

Logo, a comunicação em termos de “revisão oficial” ou “autorizada” dos serviços prestados pela MIDAS, é susceptível de determinar uma decisão de transacção que, na ausência de tal sinal distintivo, poderia não ser tomada.

De onde, impendia sobre a Requerida, o ónus da prova:

– (i) de que os serviços que comunica através do claim “REVISÃO OFICIAL” são prestados no âmbito de um sistema de distribuição criado pelos fornecedores de veículos a motor que a ACAP representa;
ou,

– (ii) de que, na ausência de tal sistema de distribuição, o consumidor médio entendido de acordo com a acepção já enunciada -, colocado perante o lema da campanha “Novo – A Revisão Oficial” entenderá, sem margem para interpretações diversas, que o termo ou sinal distintivo ”oficial” se reporta, somente, aos serviços de revisão, de acordo com o plano de manutenção oficial das marcas automóveis” e não, ao apoio prévio destas, em termos de credenciação pela marca.

Com efeito, nos termos do disposto no artigo 12.º do Código de Conduta, “As descrições, alegações ou ilustrações relativas a factos verificáveis de uma comunicação comercial, devem ser susceptíveis de comprovação” (1) e “Esta comprovação deve estar disponível de maneira que a prova possa ser prontamente apresentada por mera solicitação do ICAP”. (2).
Por outro lado, porque foi entendido quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matérias de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. actual n.º 3 do artigo 11.º) nos termos da qual se presumem como inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado do citado artigo 12.º, n.º 2 do Código de Conduta do ICAP se encontra em consonância, há que aferir da bondade da prova junta ao autos pela MIDAS, no que tange aos dados de facto alegados na sua comunicação comercial e susceptíveis de serem apreendidos pelo consumidor médio, nos termos expendidos supra.

Ora, no que se refere à prova junta aos autos pela MIDAS, entende o Júri que esta não é molde a comprovar que os serviços que comunica através do claim “REVISÃO OFICIAL”:

– (i) são prestados, através de preços mais baratos, no âmbito de um sistema de reparação criado pelos fornecedores de veículos a motor que a ACAP representa (cfr. § 1.º da queixa);
ou

– (ii) que o consumidor médio entendido de acordo com a acepção já enunciada -, colocado perante o lema da campanha “Novo – A Revisão oficial” entenderá, sem margem para interpretações diversas, que o termo ou sinal distintivo ”oficial” se reporta, somente, aos serviços de revisão, de acordo com o plano oficial das marcas automóveis e não, ao apoio prévio destas, em termos de credenciação pela marca.

Em conformidade com o exposto, entende o JE que a comunicação comercial da responsabilidade da MIDAS consubstancia uma prática de publicidade enganosa em qualquer circunstância e desleal, por se encontrar desconforme com os princípios ético-legais da veracidade e da livre e leal concorrência, concretamente, por ofensa ao disposto nos artigos 4.º, 5.º, 7.º, n.º 1, 12.º, 9.º, nºs 1 e 2, alínea a) do Código de Conduta do ICAP, bem como nos artigos 10.º e 11.º do Código da Publicidade – este, com a redacção dos artigos 6.º, alínea b) 7.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, alínea b) e 8.º, alínea d) introduzida pelo Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março.

2.2. Da alegada prática de publicidade comparativa ilícita

Considera a ACAP na sua petição que a comunicação comercial “…veiculada pela MIDAS, se refere a uma redução de preço dos serviços prestados em determinada percentagem “mais baratos que na marca” (sic) traduzindo uma prática de publicidade comparativa ilícita, encontrando-se em lide o claim “A revisão oficial Midas é sempre mais barata do que na marca…”.

Nos termos do disposto no artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP, “É comparativa a comunicação comercial que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente” (n.º 1) e “Na comunicação comercial comparativa, a comparação deve: (…) “não gerar confusão no mercado entre o anunciante e um concorrente ou entre marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens ou serviços do anunciante ou de um concorrente” (n.º 2, alínea e)) e, “não retirar partido indevido do renome de uma marca, designação comercial ou outro sinal distintivo de um concorrente ou da denominação de origem de produtos concorrentes” (n.º 2, alínea h)).

Segundo o autor espanhol Anxo Tato Plaza, para que ocorra uma prática e publicidade comparativa “…deve existir, para além da referência genérica a todos os restantes concorrentes, uma referência inequívoca a um ou vários concorrentes” devendo atender-se “ao sentido que o público receptor da mensagem publicitária dê a este (…). Isto é, quando o público destinatário da mensagem entenda esta como uma comparação com um ou vários concorrentes determinados e identificáveis.” (vd. Anxo Tato Plaza in “La Publicidad Comparativa”, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A. Madrid, 1996, p.52).

Ora, entende o JE que, colocado perante o lema da MIDAS “A revisão oficial Midas é sempre mais barata do que na marca…”, o consumidor médio poderá:

– não optar por fazer a revisão do seu automóvel no respectivo fornecedor este, para o mesmo consumidor médio, obviamente tido como concreto, determinado e identificável pelo nome de marca do veículo que possui e, efectuá-la na MIDAS;
ou

– não optar por fazer a revisão do seu automóvel na “oficina de reparação autorizada” pelo respectivo fornecedor, aquela, para o mesmo consumidor médio, obviamente tida como concreta, determinada e identificável por um nome de marca do veículo e, efectuá-la na MIDAS.Na realidade, analisado o conteúdo da comunicação comercial, por referência à alegação publicitária objecto da questão controvertida, entende o Júri estar-se em presença de uma prática de publicidade comparativa implícita entre os serviços de revisão automóvel prestados pela MIDAS e as “oficinas de reparação autorizada” que exercem as suas actividades no âmbito de um sistema de distribuição criado por um fornecedor de veículos a motor ou os prestados pela marca destes últimos passíveis de serem inequivocamente determinadas enquanto tais, por parte do consumidor médio.

Com efeito, não obstante não se tratar aqui de uma comparação entre marcas de uma mesma categoria de serviços concorrentes, constitui entendimento do Júri que, quer os serviços prestados pela MIDAS, quer os facultados pelas “oficinas de reparação autorizada”, quer ainda os prestados pelos próprios fornecedores de veículos a motor, podem propiciar – em sede do que se poderá apelidar de “intersecção significativa” -, a satisfação de pelo menos uma necessidade igual dos consumidores que pretendam contratar a revisão do seu veículo, em conformidade “com as especificações do respectivo livro de manutenção.”

Em coerência, quer por virtude de tal “intersecção significativa” de necessidades e objectivos iguais verificada, quer em razão dos próprios normativos referidos conclui-se que, no âmbito desse “nicho” – e na senda da melhor doutrina em matéria de comunicação empresarial – os serviços de revisão automóvel prestados pela MIDAS são concorrentes quer dos facultados pelas “oficinas de reparação autorizada”, quer dos prestados pelos próprios fornecedores de veículos a motor.

Considera assim o JE que, o caso vertente consubstancia uma prática de publicidade comparativa implícita desconforme com a respectiva moldura ético-legal, atenta a possibilidade de confusão no mercado entre o anunciante MIDAS e um concorrente ou, entre marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens ou serviços de um concorrente ou de concorrentes (cfr. art.º 15.º, n.º 2, alínea e) do Código de Conduta do ICAP), in casu, o sinal distintivo “REVISÃO OFICIAL”. Com efeito, a adopção deste (equivalente ao de revisão autorizada, como se concluiu supra) – em sede de certas categorias de acordos verticais e de práticas concertadas no sector dos veículos automóveis, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea c) do REGULAMENTO (UE) N.º 461/2010 DA COMISSÃO de 27 de Maio de 2010 – é reservada aos “prestadores de serviços que exerçam as suas actividades no âmbito de um sistema de distribuição criado por um fornecedor de veículos a motor” (sic), o que a MIDAS não logrou provar, no que tange à sua actividade. Mutatis mutandis, a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida encontra-se igualmente desconforme com o disposto no referido artigo 15.º, n. 2, alínea h) do Código de Conduta, nos termos do qual uma prática de publicidade comparativa não pode “…retirar partido indevido do renome de uma marca, designação comercial ou outro sinal distintivo de um concorrente ou da denominação de origem de produtos concorrentes”.

3. Decisão

Termos em que a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da MIDAS, em apreciação no presente processo, se encontra desconforme com o disposto nos disposto nos artigos 4.º, 5.º, 7.º, n.º 1, 12.º, 9.º, nºs 1 e 2, alínea a) e 15.º, n.º 2, alíneas e) e h) do Código de Conduta do ICAP, bem como nos artigos 10.º e 11.º do Código da Publicidade – este, com a redacção dos artigos 6.º, alínea b) 7.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2, alínea b) e 8.º, alínea d) introduzida pelo Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenha o tipo de ilícito apurado pelo JE.».

A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP

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7J/2014

Lactogal, Produtos Alimentares
vs.
FIMA, Produtos Alimentares

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no vigésimo sexto dia do mês de Maio do ano de dois mil e catorze, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 7J/2014 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 7J/2014

1. Objecto dos autos

1.1. A LACTOGAL – PRODUTOS ALIMENTARES, S.A., (adiante abreviada e indiferentemente designada por LACTOGAL, Requerente ou Queixosa) veio, junto do Júri de Ética Publicitária do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a FIMA – PRODUTOS ALIMENTARES, SA., (adiante abreviada e indiferentemente designada por designada por FIMA ou Requerida), relativamente à comunicação comercial do produto “FLORA” que a última produz, difundida em vários suportes (spot publicitário, folheto promocional e rotulagem) por, segundo a queixosa: constituir uma prática comercial desleal, sob a forma da acção enganosa (cfr. als. a) e b) do n.º 1 do art. 7º e n.º 1 do art. 21º do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março); violar os princípios da legalidade, da veracidade e da proibição da comparação enganosa (cfr. arts. 5º, 9º e 15º do Código de Conduta do ICAP) bem como, ainda, as regras comunitárias a que deve obedecer o uso de alegações nutricionais (cf. art.º. 8º, n.º 1 do Regulamento (CE) nº 1924/2006 do Parlamento e do Conselho de 20 de Dezembro de 2006) e as regras comunitárias e nacionais a que deve obedecer a rotulagem e publicidade dos géneros alimentícios, (cf. alínea a) do n.º 1 do art.º. 2º da Directiva 2000/13/CE, de 20 de Março, art.º. 23º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 560/99, de 18 de Dezembro).

1.2. Notificada para o efeito, a FIMA apresentou a sua contestação tendo suscitado, como questão prévia, a pré-existência de queixa e deliberação do JE (processo nº 4J/2014) relativamente ao mesmo objeto da comunicação comercial, o produto “FLORA”, os mesmos claims e suportes, embora com Partes distintas já que, aqueloutro processo, tem como queixosa a FROMAGERIES BEL PORTUGAL, S.A. – COMUNICAÇÕES PESSOAIS, S.A e como demandada a UNILEVER, JERÓNIMO MARTINS, Lda.

1.3. Em 6 de maio de 2014, no âmbito do presente processo n.º 7J/2014, ao abrigo do disposto no artigo 12º e 11º nº 2 do Regulamento do JE, o JE deliberou que as Partes fossem notificadas para, no prazo de dois dias úteis, viessem aos autos informar, primeiro a queixosa, se mantinha a queixa (temporalmente anterior à deliberação do JE) e, seguidamente, a demandada, quanto aos termos de tal pronúncia subsequente.

1.4. Em resultado das diligências complementares, a queixosa LACTOGAL veio confirmar a queixa apresentada e a FIMA nada mais acrescentou.

1.5. Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes, bem como a deliberação precedente do JE e a resposta das Partes.

2. Síntese da posição das partes

2.1. Síntese da queixa

A LACTOGAL, na sua queixa, alega, em síntese que:

2.1.1. “A FIMA acaba de efetuar o lançamento de um creme vegetal denominado FLORA DERRETE-TE. ” (cf. art.º 3º) e “(…) decidiu fazer, por diversas vias (spot publicitário, folheto promocional e rotulagem), a comparação daquele creme vegetal com a manteiga, criando no consumidor a ideia (falsa) de que a FLORA DERRETE-TE é “um tipo de manteiga com menos gordura”. (cf. art.º 4º) porquanto, “A publicidade, a rotulagem e o folheto promocional omitem a referência aos identificadores do creme vegetal, dando protagonismo a qualidades essenciais da manteiga – a sua denominação, o seu sabor, a sua origem – criando uma imagem errada junto do consumidor, quer quanto à verdadeira tipologia de produto anunciado, quer quanto às características da própria manteiga (…)” (cf. art.º 5º).

2.1.2. Distinguindo os suportes em causa, alega a queixosa que, quanto ao “FILME QUE SUPORTA A CAMPANHA PUBLICITÁRIA”, em que se ouve “Flora … Flora … Flora …Quem é a Flora?… com leite dos Açores e tão saborosa, Só podia ser Flora” (cf. art.º. 7º e doc. n.º 1) “(…) em momento (…) é feita referência à denominação verdadeira do produto publicitado (margarina ou creme vegetal).” sendo que “A alegação “Com leite dos açores” consente, de forma direta e imediata, a colagem da origem, do sabor e do aporte nutricional do creme vegetal em causa àquela Região portuguesa, conhecida pela produção/origem de lacticínios, nomeadamente de manteiga.” (cf. art.º. 8º e 9º).

Segundo a queixosa, “(…) a “origem Açores” não é, evidentemente, reduto da margarina ou do creme vegetal, mas antes, da manteiga e de outros lacticínios ali produzidos, como é o caso da manteiga “Milhafre”. (cf. art.º. 11º), defendendo que “(…) a alegação “Com leite dos açores” é, por si só, suscetível de criar no consumidor médio – aquele “normalmente informado e razoavelmente atento e avisado” – uma comparação enganosa com a manteiga, induzindo-o em erro quanto à indevida semelhança daquela com o creme vegetal em causa, como do mesmo produto se tratasse.” (cf. art.º. 17º) “(…) a imagem e ouvimos o estaladiço do pão quente, a dele ser tirado um naco à mão e o mesmo barrado com o produto publicitado, que naquele se derrete (…) uma colagem (leia-se: comparação) da FLORA DERRETE-TE (creme vegetal) à manteiga, pois a imagem em causa está habitualmente ligada à manteiga – o pão quente, estaladiço a ser barrado com manteiga.” (cf. art.º 18º e 19º).

“O spot (…) é, através da alegação “Com leite dos Açores” e da imagem do pão quente, suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à natureza, características e origem geográfica do creme vegetal publicitado.” (cf. art.º 22º) o que “(…) configura prática comercial desleal, sob a forma da ação enganosa (cfr. als. a) e b) do n.º 1 do art. 7º e n.º 1 do art. 21º do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março).” e “(…) suscetíveis de consubstanciarem violação dos princípios da legalidade, da veracidade e da proibição da comparação enganosa (cfr. arts. 5º, 9º e 15º do Código de Conduta do ICAP).“ (cf. art.º 23º e 24º).

2.1.3. Quanto à “ROTULAGEM DA EMBALAGEM FLORA DERRETE-TE”, refere a queixosa que: “(…) na parte lateral da embalagem está inscrita a seguinte alegação nutricional comparativa: “se ter sabor a manteiga é bom, ter menos gorduras saturadas é óptimo. Flora tem menos 32% de gordura saturada que a manteiga standard a 82% de gordura” e, defende, trata-se duma alegação nutricional que: “(…) não respeita as regras comunitárias que consentem a sua utilização (cfr. arts. 8º, n.º 1 do Regulamento (CE) nº 1924/2006 do Parlamento e do Conselho, de 20 de Dezembro).” e que: “(…) não é verdadeira, uma vez que este produto apresenta na rotulagem valores de gorduras saturadas reduzidos em 22% e 14% face à Manteiga Mimosa e à manteiga TCA, respetivamente, para além de ter 79% de gordura (docs. n.os 5 e 6 que adiante se juntam).” (cf. art.º 26º a 28º).

Conclui que: “(…) a alegação “Com leite dos Açores” configura prática comercial desleal (…), tal como sucede com a outra alegação, pelo facto de a comparação com a manteiga ser suscetível de induzir o consumidor em erro quanto á origem e natureza do creme vegetal FLORA DERRETE-TE”. (cf. art.º 32º) o que viola, no entendimento da queixosa, e “(…) quanto ao modo de apresentação da rotulagem e publicidade de produtos alimentícios, pois criam a impressão errada no consumidor quanto às características do género alimentício, concretamente sobre a sua natureza, origem e proveniência, constituindo contraordenação (cfr. al. a) do número 1 do artigo 2º da Diretiva 2000/13/CE, de 20 de Março, al. a) do n.º 1 do art. 23º e al. b) do n.º 1 do art. 28º do Decreto-Lei n.º 560/99 de 18.12 e Parte XVI do Anexo I do Regulamento (CE) nº 1234/2007, do Conselho, de 22 de Outubro).” e “(..) a violação dos princípios da legalidade, da veracidade e da proibição da comparação enganosa (cfr. arts. 5º, 9º e 15º do Código de Conduta do ICAP).”.

2.1.4. Quanto ao “FOLHETO PROMOCIONAL DA FLORA DERRETE-TE”, diz a queixosa que o mesmo, para além de repetir algumas das alegações já postas em causa: “(…) a alegação “a pensar nos verdadeiros apreciadores de manteiga” evidencia, de forma clara e descarada, a colagem que a FIMA faz à manteiga, neste caso concreto, indo ao cúmulo de querer identificar – mais que comparar – o creme vegetal em causa como sendo uma manteiga!” (cf. art. 37º) “(…) perpassando para o consumidor – para os “verdadeiros apreciadores de manteiga” – a ideia de que se trata de “um tipo de manteiga e com menos gordura”.“ (cf. art. 38º) concluindo que “(…) o folheto promocional em apreço constitui prática comercial desleal, sob a forma de ação enganosa p.p. como contraordenação, nos termos das als. a) e b) do n.º 1 do art. 7º e n.º 1 do art. 21º do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março. (…) princípios da legalidade, da veracidade e da proibição da comparação enganosa (cfr. arts. 5º, 9º de 15º do Código de Conduta do ICAP).” (cf. art. 40º e 41º).

2.1.5. Após subsunção dos factos às normas jurídicas que entende terem sido violadas, a queixosa apresenta com precisão seu pedido ao JE, a saber:

“ a) Sejam as alegações (i) “com leite dos Açores”, (ii) “se ter sabor a manteiga é bom, ter menos gorduras saturadas é óptimo. Flora tem menos 32% de gordura saturada que a manteiga saturada a 82% de gordura”, (iii) “a pensar nos verdadeiros apreciadores de manteiga”, bem como a imagem do pão quente, a dele ser tirado à mão um naco e o mesmo barrado com o produto publicitado, que naquele se derrete, declaradas ilegais, em virtude de violarem, respetivamente, o disposto nos arts. 8º, nº 1 do Regulamento (CE) nº 1924/2006 do Parlamento e do Conselho de 20 de Dezembro, nas als. a) e b) do n.º 1 do art. 7º do Decreto-Lei n.º 57/2008, no art. 23º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 560/99 e nos arts. 5º, 9º e 15º do Código de Conduta do ICAP;
b)Seja, consequentemente, ordenado o expurgo daquelas alegações e imagem da campanha publicitária e do folheto através das quais a FIMA vem promovendo a FLORA DERRETE-TE, bem como da rotulagem da sua embalagem. “

2.2. Síntese da contestação

A demandada, na sua defesa:

2.2.1. Conclui pela “inutilidade superveniente da queixa apresentada pela LACTOGAL” sustentando que deverá ser “negado provimento ao pedido de declaração de ilegalidade da publicidade do creme para barrar FLORA”, sustentando que “(..) não se vislumbra nenhum dado novo, nenhum enfoque inovador (até pelo contrário, como adiante se referirá) para as questões já suscitadas pela FROMAGERIES BEL PORTUGAL, S.A., perante o ICAP, e que foram decididas, e bem, no âmbito do processo 4J/2014.” entendendo, que “(…) todas as questões ali resolvidas [processo 4J/2014], são exactamente as mesmas das agora em apreço, com duas excepções: a da alegada colagem/comparação à imagem do pão a ser barrado e a que se refere a alegações nutricionais.” (cf. art.º 2º e 3º).

2.2.2. Refere a demandada que, relativamente aos dois aspetos que identifica como novos relativamente aos apreciados anteriormente pelo JE:

“A primeira, de uma imagem “habitualmente ligada à manteiga”, afirmação sem qualquer suporte de facto ou de direito, é tão absurda que não merece sequer que se perca muito tempo com ela.” (crf. art.º. 4º).

E, quanto à segunda, as alegações nutricionais, trata-se de “ (…) matéria que, salvo melhor entendimento, não se inclui no âmbito daquelas que o ICAP deve apreciar, sempre se dirá, por mera cautela, que aquela a que se reportam os nºs 26 a 29 da denúncia, respeita integralmente as regras comunitárias e nacionais aplicáveis.” sendo que, ademais “(…) é verdadeira, e está suportada em análises efectuadas por laboratório independente e acreditado – que ora se juntam e dão por reproduzidos (…)” (cf. art.º. 6º e 7º e docs. nºs 1 a 4).

2.2.3. Adianta a demandada que, “(…) para que não haja qualquer dúvida, que se trata de produtos da mesma categoria, como resulta do Apêndice II do Regulamento nº 1308/2013, de 17 de Dezembro de 2013, e mais ainda, no documento produzido pelo Standing Committee on the Food Chain, a págs. 7 e 8, o exemplo utilizado para conteúdos nutricionais refere-se expressamente a uma comparação entre margarina e manteiga, pelo que podem e devem ser comparadas” (cf. art.º 13º e doc. nº 5).

2.3. Enquadramento e fundamentação ético-legal

Entende o Júri que o processo sub judice não pode ser analisado, sem chamar à colação a deliberação do Processo 4J/2014 e a deliberação da Comissão de Apelo que decidiu sobre o recurso do mesmo.

Como supra referido, embora o presente processo difira do Processo 4J/2014 quanto às Partes envolvidas, o objecto da comunicação comercial é o mesmo, a campanha controvertida é a mesma, as razões que suscitaram ambas as queixas e os claims postos em crise são, no essencial, os mesmos.

Pese embora a apreciação ético-publicitária seja realizada no contexto da auto-regulação, entende o JE ser igualmente fundamental, salvaguardar e garantir a preservação do princípio da segurança jurídica.

Nessa medida, os mesmos claims, inseridos nos mesmos suportes relativos a um mesmo objecto e campanha comercial, não devem ser apreciados duas vezes pelo JE, colocando-o na situação de repetir ou contradizer deliberação anterior.

É pertinente recordar que, qualquer das Secções do JE tem competência para dirimir queixas em matéria de comunicação comercial:

“ a) Que lhe sejam submetidas por quaisquer pessoas, contra associados ou terceiros;
b) Que lhe sejam submetidas por quaisquer pessoas, sobre comunicações comerciais decorrentes de alterações naquelas que tenham sido objecto de deliberações proferidas pelo JE;

c) Que lhe sejam submetidas por quaisquer pessoas sobre comunicações comerciais veiculadas posteriormente noutros suportes que não tenham sido identificados na queixa.“ (cf. art.º 7º nº 1 do Regulamento do JE, sublinhado nosso).

O mesmo Regulamente estipula que, para nos casos das queixas previstas no art.º 7º, alíneas b) [comunicações comerciais decorrentes de alterações nas comunicações comerciais que tenham sido objecto de deliberações proferidas pelo JE] e c), [comunicações comerciais veiculadas posteriormente noutros suportes que não tenham sido identificados na queixa]: “ (…) apenas carece da apresentação por escrito da exposição dos factos e fundamentação do eventual incumprimento pela outra parte, bem como da junção da comunicação comercial em causa.” (cf. art. 10º nº 4).

Em sintonia, os prazos de contestação são reduzidos e o próprio conteúdo da mesma deve ser circunscrito à apresentação dos factos e fundamentação do alegado cumprimento. (cf. art.º 11º nº 1 e nº 5).

Como é consabido, as deliberações tomadas pelas Secções e pela Comissão de Apelo do JE, são vinculativas em relação aos membros do ICAP e seus representados e a quem tenha submetido questões à apreciação do JE (cf. art.º 13º), devendo a parte visada, uma vez proferida deliberação a determinar a cessação da respectiva comunicação comercial, remeter por escrito ao ICAP, no prazo máximo de dois dias úteis, a contar da recepção da notificação da deliberação, a comprovação da cessação imediata dessa comunicação (cf. art.º 14º).

Refira-se, ainda, que o recurso para Comissão de Apelo não tem efeito suspensivo, o que significa que, sendo determinada a cessação de uma comunicação comercial pelo JE, esta se manterá independentemente do recurso para a Comissão de Apelo, que poderá admitir novas provas nos termos previstos no Regulamento do JE, inexistindo recurso das deliberações desta Comissão (cf. art.º 15º).

Vejamos o caso concreto.

A Deliberação do JE 4J/2014 identifica com precisão os claims que apreciou e os respectivos suportes, a saber:

“ 1.4.1. Das alegações publicitárias ou claims
Considerando a totalidade da comunicação comercial ao género alimentício “Flora” divulgada nos suportes rotulagem, televisão, Internet, MUPI, folheto, bem como gôndola e, ou, linear de supermercados, resulta da análise das peças processuais e dos documentos juntos pelas Partes serem as seguintes, as alegações publicitárias ou claims objecto da questão controvertida (todos, documentados em ANEXOS da queixa e abreviadamente designados por Docs):

A. Rotulagem (cfr. Doc. 3)
disclaimer (S1) “Com leite dos Açores”;
associado ao
– (i) claim “Flora derrete-te”;

B. Televisão (cfr. spot publicitário em CD rom)
disclaimer (S1) “Com leite dos Açores”;
associao ao
– (i) claim “Com leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora”;

C. Internet
disclaimer (S1) “Com leite dos Açores” associado a:
– (i) claim constante de cinco spots publicitários (cfr. CD rom)
– “Com leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora”;
– (ii) sítio da UNILEVER (cfr. Doc. 6)
Claims: “A marca Flora foi relançada com uma receita digna dos verdadeiros apreciadores de manteiga: um sabor intenso, com leite dos Açores, irresistível num bom pão quentinho acabado de sair do forno. A receita de Flora, para além de deliciosamente apetitosa, tem a vantagem de ter menos gordura saturada que a manteiga standard…”;
– (iii) comunicação de marca por “Hipersuper” (cfr. Doc. 10):
Disclaimer (S1) “Com leite dos Açores” associado a
Claims: ”…Na prova decisiva que é em casa dos consumidores, acreditamos que o intenso sabor a manteiga de Flora, resultante da nova receita com Leite dos Açores, vai conquistar os mais exigentes apreciadores”, explica Luís Gomes, Flora Brand Manager”.”;

D. MUPI (cfr. Doc. 4 junto à queixa):
Disclaimer (S1) “Com leite dos Açores” associado ao
– (i) claim “Delicioso sabor com leite dos Açores”;

E. Folheto, Gôndola e, ou, linear de supermecados (cfr. Docs. 5, 8 e 9 junto à queixa):
Disclaimer (S1) “Com leite dos Açores” associado aos claims
– (i) “Delicioso sabor com leite dos açores”;
– (ii) “A nova Flora foi feita a pensar nos verdadeiros apreciadores de manteiga: um sabor intenso, com leite dos Açores…”;
– (iii) “A receita de Flora, para além de deliciosamente apetitosa, tem a vantagem de ter menos gordura saturada que a manteiga standard…”;

F. Gôndola e, ou, linear de supermercados (cfr. Doc. 1 junto à queixa)
– (i) claim visual traduzido por “vacas a pastar”
seguido da referência:
– (ii) “po…nteiga” não completamente legível por aposição de preço com o
Disclaimer (S2) “creme para barrar”. “

Tendo o JE concluído e deliberado, nos termos que fundamentou, que:

“ (…) a comunicação comercial da responsabilidade da ULJM – veiculada nos suportes suportes televisão, Internet, MUPI, folheto, bem como gôndola e, ou, linear de supermercados – em apreciação no presente processo, se encontra desconforme com os artigos 4.º, n.º 1, 5.º, 7.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 12.º do Código de Conduta do ICAP e 10.º e 11.º do Código da Publicidade, o último, com a redacção do artigo 7.º, n.º 1, alínea b) introduzida pelo Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurados pelo JE. “

A deliberação do JE foi objecto de recurso por parte da queixosa, tendo a Comissão de Apelo sustentado a deliberação e ampliado o âmbito da proibição a um claim constante da rotulagem nos seguintes termos: “Pelos fundamentos expostos, deliberam os membros da Comissão de Apelo em julgar procedente o recurso e, em consequência, determinam a cessação da comunicação comercial contida na embalagem do produto FLORA, quanto à comunicação “Com leite dos Açores”, associada à comunicação constante da lateral daquela embalagem: “Se ter sabor a manteiga é bom, ter menos gorduras saturadas é óptimo. Flora tem menos 32% de gordura saturada que a manteiga standard a 82% de gordura”, devendo a sua divulgação cessar de imediato e não ser resposta.”

Ao assim deliberar, a Comissão de Apelo acabou por, em sede de recurso, se pronunciar especificamente quanto ao claim que poderia ser objecto de apreciação autónoma no âmbito do presente Processo 7/2014.

Clarifique-se que, para que dúvidas não restem, que o outro claim que, alegadamente, teria alguma autonomia – “a pensar nos verdadeiros apreciadores de manteiga”, bem como a imagem do naco de pão quente a ser barrado com o produto publicitado, que naquele se derrete – merecerá, apenas, uma breve referência.

Com efeito, no entendimento do JE, tal claim encontrava-se já identificado (cf. Processo 4J/2014 supra citado) e é abarcado pelo âmbito da proibição: “a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurados pelo JE.” (sublinhado nosso).
Finalmente, no que toca à imagem do pão a ser barrado com o produto publicitado, o JE entende que a imagem não possui, intrinsecamente, qualquer relevo em termos de ilicitude, na medida em que o produto anunciado se destina, entre outros, a barrar pão, quente ou frio.

A imagem de pão quente a ser barrado com um produto próprio e destinado a tal não é, nem pode, ser considerada por si só como uma imagem exclusiva dum outro produto, a manteiga pelo que, não é na imagem que reside o ilícito mas, outrossim, nas menções associadas acima sobejamente identificadas.
Em conclusão, o JE considera que, no tocante ao processo sub judice, as questões suscitadas no presente Processo foram já apreciadas no âmbito do Processo 4J/2014 e respectivo recurso.

Tendo ocorrido uma coincidência temporal entre a apreciação do presente processo 7J/2014 e a do processo 4J/2014, que o antecedeu, o JE deu oportunidade às Partes para, em sede de diligências complementares, completarem ou alterarem os termos da queixa e contestação apresentadas.
Se fosse o caso, poderia, na prática, converter-se a queixa inicial, numa queixa ao abrigo das alíneas b) e c) do artigo 7º do Regulamento do JE, o que não veio a ocorrer.

Assume-se, consequentemente, sem prejuízo da comprovação a realizar em lugar próprio, que as deliberações do JE e da Comissão de Apelo se encontram a ser cumpridas, facto que já alegava a FIMA na sua contestação [referindo-se, então, apenas à deliberação já proferida, a da Secção].

Donde, as mensagens controvertidas no presente Processo 7J/2014 já não são atuais i.e. deixaram de ser difundidas nos termos e suportes objecto de apreciação no Processo 4J/2014, disponível on line no sítio do ICAP.

Como tem sido defendido pelo JE e pela Comissão de Apelo (v.g. deliberação da Comissão de Apelo de 13 de Julho de 2011, proc. 7J/2011), por via de regra, quando a publicidade/ comunicação comercial deixou de ser difundida e quando, pela queixa, o que se pretendia era fazer cessar essa publicidade/comunicação comercial, como resulta do pedido ao JE, deixa de haver um litígio concreto aberto.

É este o caso dos presentes autos. Nesse pressuposto, é de entender que ocorre uma inutilidade superveniente da lide, que se entende aplicável em sede de auto-regulação publicitária.

3. Decisão

Termos em que a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP delibera determinar o arquivamento dos autos por inutilidade superveniente da lide.».

A Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP

Auto Regulação7J / 2014 :: Lactogal Produtos Alimentares vs. FIMA Produtos Alimentares
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4J / 2014 – Recurso :: Beiersdorf Portugal vs. Unilever Jerónimo Martins

4J/2014
Recurso

 

Beiersdorf Portugal
vs.
Unilever Jerónimo Martins

 

COMISSÃO DE APELO

 

Proc. n.º 4J/2014

Recorrente:
“FROMAGERIES BEL PORTUGAL”

versus:

“UNILEVER JERÓNIMO MARTINS, LDA.”

 

I- RELATÓRIO

1. A denunciante veio requerer ao Júri de Ética (JE) do Instituto Civil da Autodisciplina da Comunicação Comercial (ICAP) a apreciação da licitude da campanha publicitária promovida pela denunciada, relativamente à comunicação comercial ao seu produto “FLORA” – nos suportes rotulagem, televisão, Internet, MUPI, folheto, bem como gôndola e, ou, linear de supermercados -, pedindo que sejam determinadas as medidas necessárias à imediata cessação da publicidade enganosa e desleal do creme de barrar FLORA.

Na denúncia identifica a mensagem publicitária em causa e os diversos suportes onde a mesma é veiculada, alegando que tal mensagem publicitária pretende colocar o produto na mesma categoria da manteiga ou, no mínimo, dar a entender que se trata de um produto constituído à base de ingredientes lácteos, quando na realidade o produto em causa tem por base óleos vegetais líquidos, não se tratando de manteiga. Aliás, na embalagem do produto em causa, não resulta do topo, nem das laterais da mesma, qualquer indicação de que se trata de um creme vegetal, constando tal informação apenas na base, em letras pequenas. Mais alega que é manifestamente abusiva e enganadora a correlação que se pretende estabelecer entre o sabor e a presença de leite dos Açores, quando o produto em questão conta, na sua composição, com 1% de leite (apenas) e em pó (algo que não é sequer reconhecido de modo frontal e claro).

Conclui que a mensagem publicitária em causa constitui publicidade enganosa e não respeita o princípio da veracidade, ocorrendo assim violação dos artigos 9.º, n.ºs 1 e 2 da Lei de Defesa do Consumidor, os art.ºs 6, 10.º nº 2 e 11.º nº 1 do Código da Publicidade, o art.º 7º do DL n.º 57/2008, de 26 de Março, bem como o art.º 23º e 28º do DL n.º 560/99, de 18 de Dezembro e, ainda, art.º 9º nºs 1 e 2, al. a) do Código de Conduta do ICAP.

Contestou a denunciada pedindo que se considere improcedente a queixa e que seja negado provimento ao pedido de imediata cessação da publicidade do creme para barrar FLORA.

Estriba a sua defesa alegando que a sua comunicação comercial está comprovada pois o produto FLORA é feito com leite dos Açores e que a utilização de leite em pó é equivalente à utilização de leite líquido, que também se poderia designar por leite magro reconstituído.

Mais alega que a mensagem que a publicidade em causa transmite para o consumidor (consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido) é a mensagem que será percepcionada por este, o qual não é de modo nenhum induzido em erro, pois nunca se afirma que se trata de uma manteiga. É face a tal consumidor que devem ser apreciados os eventuais exageros ou hipérboles publicitárias, como admite que também acontece no caso em apreço, ainda que considere que é perfeitamente justificado o destaque que é dado à presença de leite dos Açores no produto.

Conclui que as afirmações utilizadas na embalagem e na campanha ora em causa, relativas à composição e qualidade do produto FLORA são verdadeiras, honestas e comprovadas e, como tal, encontram-se em conformidade com as diferentes disposições do CCI, assim como do DL 57/2008, de 26 de Março e também do Código da Publicidade sendo a denúncia desprovida de qualquer fundamento.

2. Prosseguindo os autos os seus regulares termos veio a 2ª Secção do JE do ICAP a deliberar que a “a comunicação comercial da responsabilidade da ULJM – veiculada nos suportes televisão, Internet, MUPI, folheto, bem como gôndola e, ou, linear de supermercados – em apreciação no presente processo, se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 12.º do Código de Conduta do ICAP e 10.º e 11.º do Código da Publicidade, o último, com a redacção do artigo 7.º, n.º 1, alínea b) introduzida pelo Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurados pelo JE. »

3. É desta decisão que, inconformada, a denunciante vem recorrer, apresentando alegações nas quais requerer que esta Comissão de Apelo (CA) altere a decisão recorrida, “determinando-se em consequência a cessação imediata de toda a comunicação comercial da responsabilidade da ULJM, relativa ao creme para barrar FLORA, contendo as menções COM LEITE DOS AÇORES, incluindo a sua representação gráfica, bem como MANTEIGA e SABOR A MANTEIGA, em todos os suportes, nomeadamente na embalagem, em qualquer formato, além da cessação imediata que já foi anteriormente determinada pela douta decisão recorrida”.

Termina aquelas alegações com as seguintes conclusões:

1ª – A menção COM LEITE DOS AÇORES, per se, bem como a sua representação gráfica, não cumprem os critérios de licitude em matéria de publicidade a produtos não-lácteos estabelecidos pelo Direito da União Europeia vigente, nomeadamente o disposto no artigo 78º e na Parte III do Anexo VII ao Regulamento (EU) nº 1308/2013, de 17 de Dezembro, bem como o disposto no artigo 7º, nºs 1 e 2 da Directiva 2000/13/CE, aplicável ex vi do respectivo artigo 3º/3;

2ª – A menção COM LEITE DOS AÇORES, per se, é uma indicação / alegação distorcida e enganosa quanto às características do creme para barrar FLORA, nomeadamente no que se refere à sua natureza, identidade e local de proveniência, deste modo violando o princípio da veracidade ínsito no artigo 10º do Código da Publicidade e consubstanciando uma acção publicitária enganosa, igualmente ilícita por violação do disposto no artigo 11º do Código da Publicidade e do artigo 7º do Regulamento (EU) nº 1169/2011. A menção COM LEITE DOS AÇORES, per se, viola ainda o disposto nos artigos 7º e 9º do Código de Conduta do ICAP;

3ª – A alegação “sabor a manteiga”, e “manteiga” que consta de diversa comunicação comercial, incluindo da embalagem do creme para barrar FLORA, é igualmente ilícita em razão do disposto na Parte III do Anexo VII ao Regulamento (UE) 1308/2013, porquanto o uso da designação “manteiga” – isolada ou acompanhada de qualquer advérbio – é de uso exclusivo dos cremes para barrar de origem láctea, e a “manteiga” não é uma matéria-prima de base nem um ingrediente do creme para barrar FLORA.

4. A denunciante apresentou resposta ao recurso, em que conclui que a decisão recorrida não merece qualquer espécie de censura.

5. Cumpre apreciar e decidir, salientando-se desde já que o objecto do recurso é restrito à decisão do JE que considerou que, quanto à “rotulagem”, a comunicação comercial aposta no produto em causa não enfermava do apontado vício de publicidade enganosa.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto

a) Na decisão recorrida – e no que é relevante para a economia do presente recurso – consideraram-se provados os seguintes factos, que não se mostram impugnados:

1. Encontra-se a ser comercializado no mercado o produto da marca FLORA (tratando-se de um creme vegetal para barrar a 79 %, designação legal de acordo com o Regulamento (UE) nº 1308/2013), adiante designado “produto” ou “creme vegetal”…”, o qual “…é produzido pela sociedade FIMA – Produtos Alimentares, S.A. e é comercializado pela sociedade Unilever Jerónimo Martins, Lda. (…)”;

2. A alegação publicitária ou claims objecto da “rotulagem” é a seguinte: disclaimer (S1) “Com leite dos Açores”; associado ao – (i) claim “Flora derrete-te” (doc. nº 3 junto com a queixa).

b) Resultando da prova documental junta aos autos, que não se mostra impugnada, deve ainda tomar-se em consideração, por relevante, o seguinte facto:

3. Na “rotulagem” da embalagem, na lateral, por debaixo do claim “Flora derrete-te” consta igualmente a seguinte comunicação: “Se ter sabor a manteiga é bom, ter menos gorduras saturadas é óptimo. Flora tem menos 32% de gordura saturada que a manteiga standard a 82% de gordura” (doc. nº 3 junto com a queixa).

2. Jurídica e ética

Perante as conclusões das alegações da recorrente é essencialmente uma a questão que as mesmas nos convocam a dilucidar e a resolver, a qual pode equacionar-se da seguinte forma:

A comunicação comercial incluída na embalagem do creme para barrar FLORA, viola o princípio da veracidade e consubstancia uma acção publicitária enganosa, não cumprindo igualmente os critérios de licitude em matéria de publicidade a produtos não-lácteos estabelecidos pelo Direito da União Europeia vigente?

Na decisão recorrida começou por traçar-se, e bem, o que pode consubstanciar ou não alegação publicitária contida na rotulagem e, nessa medida, deixou-se claro que “a cor branca de uma embalagem”, ao contrário do que pretextava a denunciante, não poderia ser considerada como tal. Depois, considerou-se (mais uma vez bem, em nosso entender) em que termos as informações ou disclaimers, por si, ou associadas (verbal ou visualmente) com claims, seriam aptas a propiciar juízos de valor promocionais junto do consumidor (no conceito da jurisprudência comunitária e na acepção também vertida nos art.ºs 3º e 5º do Código de Conduta do ICAP, que igualmente se subscreve), exigindo-se que possuam um destaque não obrigatório por lei e não consubstanciem uma mera informação ao consumidor. Conclui-se depois, na decisão recorrida, que a comunicação constante do nº 2 da fundamentação de facto (f.f.) “não induz a percepção do consumidor médio, no sentido de que a Flora é uma manteiga e não um creme vegetal para barrar, de que a mesma Flora tem gosto a manteiga e, ou – por maioria de razão – de que goza do prestígio da manteiga feita com leite dos Açores” (cfr. fls. 11).

A recorrente insurge-se contra este entendimento do JE e, analisada a sua argumentação, não deixando de ponderar na argumentação da recorrida constante das contra-alegações e na expressa pelo JE, afigura-se-nos que lhe assiste razão, como a seguir se procurará fundamentar.

Vejamos.

São princípios fundamentais da comunicação comercial, nos termos do Código de Conduta do ICAP (CCICAP), que tais comunicações “devem ser “honestas e verdadeiras” (art.º 4º nº 1), “devem ser conformes aos princípios da leal concorrência, tal como estes são comummente aceites em assuntos de âmbito comercial” (art.º 4º nº 2) e “não devem minar a confiança do público” (art.º 4º nº 3).

Como concretização destes princípios fundamentais estabelece-se ainda no CCICAP que a comunicação comercial “deve ser verdadeira e não enganosa” (art.º 9º nº 1) e “deve proscrever qualquer declaração … que seja de natureza a, directa ou indirectamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou ser susceptível de induzir em erro o consumidor, designadamente no que respeita a: a) características essenciais do produto, ou que sejam determinantes para influenciar a escolha do consumidor, como por exemplo: a natureza, a composição…” (art.º 9º nº 2 al. a)). Ainda na concretização do princípio da honestidade, a comunicação comercial “deve ser concebida de forma a não abusar da confiança dos consumidores” (art.º 7º nº 1)

Aqueles princípios e estes deveres estão na sua essência igualmente plasmados em comandos legais, como no DL 57/2008 de 26.03 (regime aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores, ocorridas antes, durante ou após uma transacção comercial relativa a um bem ou serviço) nomeadamente quando aí se considera “enganosa a prática comercial que contenha informações … que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor”, em relação às “características principais do bem” tais como “a sua composição”, conduzindo, ou sendo susceptível “de conduzir, o consumidor a tomar uma decisão de transacção que este não teria tomado de outro modo” (art.º 7º nº 1 al. b)).

Também o Código da Publicidade (CP), aprovado pelo DL 330/90 de 23.10, consagra o princípio da veracidade, nos termos do qual “a publicidade deve respeitar a verdade, não deformando os factos” e “as afirmações relativas à origem, natureza, composição, propriedades” dos “bens … devem ser exactas…” (art.º 10º nºs 1 e 2), estabelecendo ainda a proibição de “toda a publicidade que seja enganosa nos termos do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março” (art.º 11º).

Afigura-se-nos, ressalvada melhor opinião naturalmente, que a comunicação comercial contida na embalagem do produto em causa não pode restringir-se à descrita no nº 2 da f.f., como aparentemente se fez na decisão recorrida, devendo qualificar-se como tal também a comunicação contida na lateral daquela embalagem, descrita no nº 3 da f.f.

Na verdade, a mensagem que se pretende com a comunicação comercial inserta na embalagem do produto em causa resulta de um todo, ou seja, do conjunto das diversas asserções nela contidas, que tenham as características acima referidas: transmissão de um juízo de valor promocional junto do consumidor (seu destinatário no conceito acima enunciado, que se subscreve) e, por outro lado, não constituam uma mera informação ao consumidor, nem possuam um destaque que seja obrigatório por lei.

Ora, considerando que estamos perante um produto que é caracterizado por ser “um creme vegetal” – em cuja composição os ingredientes principais são o óleo de girassol e matérias gordas vegetais – e não perante uma “manteiga” – cujos ingredientes principais são produtos lácteos – já seria muito duvidoso que, por si só, o destaque dado na embalagem ao disclaimer “Com leite dos Açores” – no topo e numa lateral – , destaque também resultante da sua apresentação gráfica (inserido num círculo e com pingo de leite estilizado), associado à omissão naqueles locais de qualquer referência a que o produto em causa é um “creme vegetal” (informação que só consta na parte debaixo da embalagem, não visível em termos de normalidade para o público, o qual só tem acesso a essa informação se pegar na embalagem e olhar para a sua parte de baixo, o que não é procedimento comum, em termos de normalidade para o consumidor médio) e ao facto de a percentagem de leite (e em pó) ser de apenas 1%, já seria muito duvidoso dizíamos, que tal comunicação comercial fosse compatível com os mencionados princípios da honestidade e veracidade, acolhidos nos citados dispositivos do CCICAP e preceitos legais.

Nem se diga, como pretexta a recorrida, que “a utilização do mencionado disclaimer, no caso de um creme vegetal que, em regra, não tem leite, é também muito importante do ponto de vista da segurança alimentar, por se tratar de um alergénio e de uma chamada de atenção aos consumidores, designadamente para os intolerantes à lactose”. Como é linear, e resulta do que atrás se argumentou, o objectivo com o mencionado disclaimer não é a segurança alimentar e uma chamada de atenção aos consumidores. Se a preocupação fosse essa a comunicação deveria evidenciar que se tratava de um creme vegetal, ainda que com leite. Mas não, como se fez saliência, a indicação de que se trata de um “creme vegetal” só consta da parte inferior da embalagem (normalmente não acessível ao consumidor, quando o produto está exposto).

Mas, além disso, ou seja, analisando a comunicação comercial em causa, no seu conjunto, nomeadamente considerando o disclaimer referido no nº 2 da f.f. e a mensagem contida numa lateral da embalagem (cfr. nº 3 da f.f.), em que se procura induzir, quando não expressar uma associação entre o produto em causa e a manteiga, ao comparar-se a gordura saturada de Flora e a gordura saturada da manteiga standard, afigura-se-nos que foram realmente ultrapassados os limites das honestidade e veracidade da comunicação comercial.

Na verdade, nestas circunstâncias, o consumidor médio, ainda que normalmente informado e razoavelmente atento e advertido, é não só susceptível de ser induzido em erro sobre as características essenciais do produto em causa (ser constituído essencialmente por produtos lácteos e não produtos vegetais), como pode ser determinado e influenciado na escolha do produto, considerando como relevante na sua composição o “leite dos Açores”, quando na verdade a integração do leite naquele produto é muito reduzida.

Refira-se que, ao contrário do que propugna a recorrida, esta questão da alegação nutricional que envolve a comparação da FLORA com manteiga, não se trata de uma “nova questão”, que não possa ser apreciada nesta instância de recurso, considerando a jurisprudência que invoca – bem, em termos abstractos – nos termos da qual os recursos não se destinam a suscitar e a obter decisões sobre questões novas, ou seja, questões não colocadas ao tribunal (in casu, órgão) recorrido, mas antes e apenas ao reexame das decisões proferidas sobre as questões suscitadas ab initio pelo recorrente.

Na verdade, ainda que não da forma talvez mais estruturada, pois não se fez uma devida discriminação das diversas comunicações comerciais em função dos diversos suportes, não pode deixar de se reconhecer que logo na denúncia a ora recorrente suscita a questão da conexão entre a «referência “com leite dos Açores” e a sua (assumida) conexão com o sabor intenso a manteiga” (cfr. art.º 30º da denúncia).

Por outro lado, independentemente de tal alegação – no aspecto fáctico – até poder ser verdadeira, por estar suportada em análises efectuadas por laboratório independente e acreditado – que terão sido juntas a outro processo, segundo é alegado, mas cuja prova não é feita neste – ainda assim, dizíamos, tal não exclui que a comunicação em causa possa ser considerada enganosa. Basta para tanto, como se estabelece no art.º 7º nº 1 al b) do DL 57/2008, acima analisado, que essa informação, ainda que factualmente correcta, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor, em relação às características principais do bem tais como a sua composição, conduzindo, ou sendo susceptível de conduzir, o consumidor a tomar uma decisão de transacção que não teria tomado de outro modo.

Nestes termos e considerando os factos acima salientados e a argumentação aí exposta, não pode deixar de se concluir, também, que a comunicação comercial em causa, por acções e omissões, bem como ambiguidades e exageros, foi concebida sem respeitar o princípio da honestidade, abusando da confiança dos consumidores.

Estando assim, como estamos, perante comunicação comercial que ofende os princípios da veracidade e da honestidade, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 4º nºs 1 a 3, 7º nº 1, 9º nºs 1 e 2 al. a), todos do CCICAP, art.º 7º nº 1 al. b) do DL 57/2008 de 26.03, art.ºs 10º nº 1, 11º nº 1, ambos do CP, impõe-se julgar procedente o recurso e determinar a cessação da comunicação comercial contida na embalagem do produto FLORA.

Considerando o atrás exposto, nomeadamente a procedência do recurso, tornar-se-ia desnecessário e irrelevante apurar da desconformidade, ou não, da comunicação comercial incluída na embalagem do creme para barrar FLORA face aos critérios de licitude em matéria de publicidade a produtos não-lácteos, estabelecidos pelo Direito da União Europeia vigente1.

Sempre se dirá, no entanto, relativamente ao direito da União Europeia invocado pela recorrente, que o Regulamento (EU) 1169/2011 de 25.10, ainda não se encontra em vigor, pois só é genericamente aplicável, nomeadamente quanto à matéria em causa, a partir de 13.12.2014 (cfr. art.º 55º). Por outro lado, a Directiva 2000/13/CE, não é directamente aplicável, como se sabe uma vez que seus os destinatários são os Estados membros (cfr. art.º 28º), e não foi directamente transporta para o direito interno, sem prejuízo de se considerar que o DL 560/99 de 18.12 lhe dá inteiro cumprimento.

Quanto ao Regulamento (EU) 1308/2013 de 17.12 estabelece o mesmo, no nº 6 da Parte III do Anexo VII do mesmo que no que se refere a produtos que não se enquadrem nos nºs 1, 2 e 3, como é o produto em causa, “não pode ser utilizado qualquer rótulo, documento comercial, material publicitário ou forma de publicidade, na aceção do artigo 2º da Diretiva 2006/114/CE do Conselho, nem qualquer forma de apresentação que indique, implique ou sugira que o produto em causa é um produto lácteo”, sem prejuízo de «a designação “leite” ou as designações referidas na presente parte, nº 2, segundo parágrafo, podem, porém, ser utilizadas no caso de produtos que contenham leite ou produtos lácteos, mas apenas para descrever as matérias-primas de base e para enumerar os ingredientes nos termos da Diretiva 2001/13/CE ou do Regulamento (UE) nº 1169/2011.” (2ª parte daquele nº 6). Ora, uma vez que a comunicação “com leite dos Açores” está associada à outra comunicação constante da embalagem (cfr. nº 3 da f.f.), teremos de concluir que a mesma não serve apenas para descreves a matéria-prima de base ou o ingrediente do produto FLORA, sugerindo antes que o produto em causa é, essencialmente, um produto lácteo. Nesta medida pode também considerar-se que as denominações constantes do produto em causa não estão conformes ao art.º 78º do Regulamento (EU) 1 308/2013 de 17.12.

III- DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, deliberam os membros da Comissão de Apelo em julgar procedente o recurso e, em consequência, determinam a cessação da comunicação comercial contida na embalagem do produto FLORA, quanto à comunicação “Com leite dos Açores”, associada à comunicação constante da lateral daquela embalagem: “Se ter sabor a manteiga é bom, ter menos gorduras saturadas é óptimo. Flora tem menos 32% de gordura saturada que a manteiga standard a 82% de gordura”, devendo a sua divulgação cessar de imediato e não ser resposta.

Lisboa, 15 de Maio de 2014

António Francisco Martins
Presidente da Comissão Apelo

Augusto Ferreira do Amaral
Vice-Presidente Comissão Apelo

Francisco Xavier do Amaral
Vice-Presidente Comissão Apelo

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14J / 2014 – Recurso :: Fromageries Bel Portugal vs. Unilever Jerónimo Martins

14J/2014
Recurso

 

FROMAGERIES BEL PORTUGAL
vs.
UNILVER JERÓNIMO MARTINS, LDA.

 

COMISSÃO DE APELO

 

I- RELATÓRIO

1. A denunciante veio requerer ao Júri de Ética (JE) do Instituto Civil da Autodisciplina da Comunicação Comercial (ICAP) a apreciação da licitude da campanha publicitária promovida pela denunciada, relativamente à comunicação comercial ao seu produto “FLORA” – nos suportes rotulagem, televisão, Internet, MUPI, folheto, bem como gôndola e, ou, linear de supermercados -, pedindo que sejam determinadas as medidas necessárias à imediata cessação da publicidade enganosa e desleal do creme de barrar FLORA.

Na denúncia identifica a mensagem publicitária em causa e os diversos suportes onde a mesma é veiculada, alegando que tal mensagem publicitária pretende colocar o produto na mesma categoria da manteiga ou, no mínimo, dar a entender que se trata de um produto constituído à base de ingredientes lácteos, quando na realidade o produto em causa tem por base óleos vegetais líquidos, não se tratando de manteiga. Aliás, na embalagem do produto em causa, não resulta do topo, nem das laterais da mesma, qualquer indicação de que se trata de um creme vegetal, constando tal informação apenas na base, em letras pequenas.

Mais alega que é manifestamente abusiva e enganadora a correlação que se pretende estabelecer entre o sabor e a presença de leite dos Açores, quando o produto em questão conta, na sua composição, com 1% de leite (apenas) e em pó (algo que não é sequer reconhecido de modo frontal e claro).

Conclui que a mensagem publicitária em causa constitui publicidade enganosa e não respeita o princípio da veracidade, ocorrendo assim violação dos artigos 9.º, n.ºs 1 e 2 da Lei de Defesa do Consumidor, os art.ºs 6, 10.º nº 2 e 11.º nº 1 do Código da Publicidade, o art.º 7º do DL n.º 57/2008, de 26 de Março, bem como o art.º 23º e 28º do DL n.º 560/99, de 18 de Dezembro e, ainda, art.º 9º nºs 1 e 2, al. a) do Código de Conduta do ICAP.

Contestou a denunciada pedindo que se considere improcedente a queixa e que seja negado provimento ao pedido de imediata cessação da publicidade do creme para barrar FLORA.

Estriba a sua defesa alegando que a sua comunicação comercial está comprovada pois o produto FLORA é feito com leite dos Açores e que a utilização de leite em pó é equivalente à utilização de leite líquido, que também se poderia designar por leite magro reconstituído.

Mais alega que a mensagem que a publicidade em causa transmite para o consumidor (consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido) é a mensagem que será percepcionada por este, o qual não é de modo nenhum induzido em erro, pois nunca se afirma que se trata de uma manteiga. É face a tal consumidor que devem ser apreciados os eventuais exageros ou hipérboles publicitárias, como admite que também acontece no caso em apreço, ainda que considere que é perfeitamente justificado o destaque que é dado à presença de leite dos Açores no produto.

Conclui que as afirmações utilizadas na embalagem e na campanha ora em causa, relativas à composição e qualidade do produto FLORA são verdadeiras, honestas e comprovadas e, como tal, encontram-se em conformidade com as diferentes disposições do CCI, assim como do DL 57/2008, de 26 de Março e também do Código da Publicidade sendo a denúncia desprovida de qualquer fundamento.

2. Prosseguindo os autos os seus regulares termos veio a 2ª Secção do JE do ICAP a deliberar que a “a comunicação comercial da responsabilidade da ULJM – veiculada nos suportes televisão, Internet, MUPI, folheto, bem como gôndola e, ou, linear de supermercados – em apreciação no presente processo, se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 12.º do Código de Conduta do ICAP e 10.º e 11.º do Código da Publicidade, o último, com a redacção do artigo 7.º, n.º 1, alínea b) introduzida pelo Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurados pelo JE. »

3. É desta decisão que, inconformada, a denunciante vem recorrer, apresentando alegações nas quais requerer que esta Comissão de Apelo (CA) altere a decisão recorrida, “determinando-se em consequência a cessação imediata de toda a comunicação comercial da responsabilidade da ULJM, relativa ao creme para barrar FLORA, contendo as menções COM LEITE DOS AÇORES, incluindo a sua representação gráfica, bem como MANTEIGA e SABOR A MANTEIGA, em todos os suportes, nomeadamente na embalagem, em qualquer formato, além da cessação imediata que já foi anteriormente determinada pela douta decisão recorrida”.

Termina aquelas alegações com as seguintes conclusões:

1ª – A menção COM LEITE DOS AÇORES, per se, bem como a sua representação gráfica, não cumprem os critérios de licitude em matéria de publicidade a produtos não-lácteos estabelecidos pelo Direito da União Europeia vigente, nomeadamente o disposto no artigo 78º e na Parte III do Anexo VII ao Regulamento (EU) nº 1308/2013, de 17 de Dezembro, bem como o disposto no artigo 7º, nºs 1 e 2 da Directiva 2000/13/CE, aplicável ex vi do respectivo artigo 3º/3;

2ª – A menção COM LEITE DOS AÇORES, per se, é uma indicação / alegação distorcida e enganosa quanto às características do creme para barrar FLORA, nomeadamente no que se refere à sua natureza, identidade e local de proveniência, deste modo violando o princípio da veracidade ínsito no artigo 10º do Código da Publicidade e consubstanciando uma acção publicitária enganosa, igualmente ilícita por violação do disposto no artigo 11º do Código da Publicidade e do artigo 7º do Regulamento (EU) nº 1169/2011. A menção COM LEITE DOS AÇORES, per se, viola ainda o disposto nos artigos 7º e 9º do Código de Conduta do ICAP;

3ª – A alegação “sabor a manteiga”, e “manteiga” que consta de diversa comunicação comercial, incluindo da embalagem do creme para barrar FLORA, é igualmente ilícita em razão do disposto na Parte III do Anexo VII ao Regulamento (UE) 1308/2013, porquanto o uso da designação “manteiga” – isolada ou acompanhada de qualquer advérbio – é de uso exclusivo dos cremes para barrar de origem láctea, e a “manteiga” não é uma matéria-prima de base nem um ingrediente do creme para barrar FLORA.

4. A denunciante apresentou resposta ao recurso, em que conclui que a decisão recorrida não merece qualquer espécie de censura.

5. Cumpre apreciar e decidir, salientando-se desde já que o objecto do recurso é restrito à decisão do JE que considerou que, quanto à “rotulagem”, a comunicação comercial aposta no produto em causa não enfermava do apontado vício de publicidade enganosa.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto

a) Na decisão recorrida – e no que é relevante para a economia do presente recurso – consideraram-se provados os seguintes factos, que não se mostram impugnados:

1. Encontra-se a ser comercializado no mercado o produto da marca FLORA (tratando-se de um creme vegetal para barrar a 79 %, designação legal de acordo com o Regulamento (UE) nº 1308/2013), adiante designado “produto” ou “creme vegetal”…”, o qual “…é produzido pela sociedade FIMA – Produtos Alimentares, S.A. e é comercializado pela sociedade Unilever Jerónimo Martins, Lda. (…)”;

2. A alegação publicitária ou claims objecto da “rotulagem” é a seguinte: disclaimer (S1) “Com leite dos Açores”; associado ao – (i) claim “Flora derrete-te” (doc. nº 3 junto com a queixa).
b) Resultando da prova documental junta aos autos, que não se mostra impugnada, deve ainda tomar-se em consideração, por relevante, o seguinte facto:

3. Na “rotulagem” da embalagem, na lateral, por debaixo do claim “Flora derrete-te” consta igualmente a seguinte comunicação: “Se ter sabor a manteiga é bom, ter menos gorduras saturadas é óptimo. Flora tem menos 32% de gordura saturada que a manteiga standard a 82% de gordura” (doc. nº 3 junto com a queixa).

2. Jurídica e ética

Perante as conclusões das alegações da recorrente é essencialmente uma a questão que as mesmas nos convocam a dilucidar e a resolver, a qual pode equacionar-se da seguinte forma:

A comunicação comercial incluída na embalagem do creme para barrar FLORA, viola o princípio da veracidade e consubstancia uma acção publicitária enganosa, não cumprindo igualmente os critérios de licitude em matéria de publicidade a produtos não-lácteos estabelecidos pelo Direito da União Europeia vigente?

Na decisão recorrida começou por traçar-se, e bem, o que pode consubstanciar ou não alegação publicitária contida na rotulagem e, nessa medida, deixou-se claro que “a cor branca de uma embalagem”, ao contrário do que pretextava a denunciante, não poderia ser considerada como tal. Depois, considerou-se (mais uma vez bem, em nosso entender) em que termos as informações ou disclaimers, por si, ou associadas (verbal ou visualmente) com claims, seriam aptas a propiciar juízos de valor promocionais junto do consumidor (no conceito da jurisprudência comunitária e na acepção também vertida nos art.ºs 3º e 5º do Código de Conduta do ICAP, que igualmente se subscreve), exigindo-se que possuam um destaque não obrigatório por lei e não consubstanciem uma mera informação ao consumidor. Conclui-se depois, na decisão recorrida, que a comunicação constante do nº 2 da fundamentação de facto (f.f.) “não induz a percepção do consumidor médio, no sentido de que a Flora é uma manteiga e não um creme vegetal para barrar, de que a mesma Flora tem gosto a manteiga e, ou – por maioria de razão – de que goza do prestígio da manteiga feita com leite dos Açores” (cfr. fls. 11).

A recorrente insurge-se contra este entendimento do JE e, analisada a sua argumentação, não deixando de ponderar na argumentação da recorrida constante das contra-alegações e na expressa pelo JE, afigura-se-nos que lhe assiste razão, como a seguir se procurará fundamentar.

Vejamos.

São princípios fundamentais da comunicação comercial, nos termos do Código de Conduta do ICAP (CCICAP), que tais comunicações “devem ser “honestas e verdadeiras” (art.º 4º nº 1), “devem ser conformes aos princípios da leal concorrência, tal como estes são comummente aceites em assuntos de âmbito comercial” (art.º 4º nº 2) e “não devem minar a confiança do público” (art.º 4º nº 3).

Como concretização destes princípios fundamentais estabelece-se ainda no CCICAP que a comunicação comercial “deve ser verdadeira e não enganosa” (art.º 9º nº 1) e “deve proscrever qualquer declaração … que seja de natureza a, directa ou indirectamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou ser susceptível de induzir em erro o consumidor, designadamente no que respeita a: a) características essenciais do produto, ou que sejam determinantes para influenciar a escolha do consumidor, como por exemplo: a natureza, a composição…” (art.º 9º nº 2 al. a)). Ainda na concretização do princípio da honestidade, a comunicação comercial “deve ser concebida de forma a não abusar da confiança dos consumidores” (art.º 7º nº 1)

Aqueles princípios e estes deveres estão na sua essência igualmente plasmados em comandos legais, como no DL 57/2008 de 26.03 (regime aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores, ocorridas antes, durante ou após uma transacção comercial relativa a um bem ou serviço) nomeadamente quando aí se considera “enganosa a prática comercial que contenha informações … que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor”, em relação às “características principais do bem” tais como “a sua composição”, conduzindo, ou sendo susceptível “de conduzir, o consumidor a tomar uma decisão de transacção que este não teria tomado de outro modo” (art.º 7º nº 1 al. b)).

Também o Código da Publicidade (CP), aprovado pelo DL 330/90 de 23.10, consagra o princípio da veracidade, nos termos do qual “a publicidade deve respeitar a verdade, não deformando os factos” e “as afirmações relativas à origem, natureza, composição, propriedades” dos “bens … devem ser exactas…” (art.º 10º nºs 1 e 2), estabelecendo ainda a proibição de “toda a publicidade que seja enganosa nos termos do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março” (art.º 11º).

Afigura-se-nos, ressalvada melhor opinião naturalmente, que a comunicação comercial contida na embalagem do produto em causa não pode restringir-se à descrita no nº 2 da f.f., como aparentemente se fez na decisão recorrida, devendo qualificar-se como tal também a comunicação contida na lateral daquela embalagem, descrita no nº 3 da f.f.

Na verdade, a mensagem que se pretende com a comunicação comercial inserta na embalagem do produto em causa resulta de um todo, ou seja, do conjunto das diversas asserções nela contidas, que tenham as características acima referidas: transmissão de um juízo de valor promocional junto do consumidor (seu destinatário no conceito acima enunciado, que se subscreve) e, por outro lado, não constituam uma mera informação ao consumidor, nem possuam um destaque que seja obrigatório por lei.

Ora, considerando que estamos perante um produto que é caracterizado por ser “um creme vegetal” – em cuja composição os ingredientes principais são o óleo de girassol e matérias gordas vegetais – e não perante uma “manteiga” – cujos ingredientes principais são produtos lácteos – já seria muito duvidoso que, por si só, o destaque dado na embalagem ao disclaimer “Com leite dos Açores” – no topo e numa lateral – , destaque também resultante da sua apresentação gráfica (inserido num círculo e com pingo de leite estilizado), associado à omissão naqueles locais de qualquer referência a que o produto em causa é um “creme vegetal” (informação que só consta na parte debaixo da embalagem, não visível em termos de normalidade para o público, o qual só tem acesso a essa informação se pegar na embalagem e olhar para a sua parte de baixo, o que não é procedimento comum, em termos de normalidade para o consumidor médio) e ao facto de a percentagem de leite (e em pó) ser de apenas 1%, já seria muito duvidoso dizíamos, que tal comunicação comercial fosse compatível com os mencionados princípios da honestidade e veracidade, acolhidos nos citados dispositivos do CCICAP e preceitos legais.

Nem se diga, como pretexta a recorrida, que “a utilização do mencionado disclaimer, no caso de um creme vegetal que, em regra, não tem leite, é também muito importante do ponto de vista da segurança alimentar, por se tratar de um alergénio e de uma chamada de atenção aos consumidores, designadamente para os intolerantes à lactose”. Como é linear, e resulta do que atrás se argumentou, o objectivo com o mencionado disclaimer não é a segurança alimentar e uma chamada de atenção aos consumidores. Se a preocupação fosse essa a comunicação deveria evidenciar que se tratava de um creme vegetal, ainda que com leite. Mas não, como se fez saliência, a indicação de que se trata de um “creme vegetal” só consta da parte inferior da embalagem (normalmente não acessível ao consumidor, quando o produto está exposto).

Mas, além disso, ou seja, analisando a comunicação comercial em causa, no seu conjunto, nomeadamente considerando o disclaimer referido no nº 2 da f.f. e a mensagem contida numa lateral da embalagem (cfr. nº 3 da f.f.), em que se procura induzir, quando não expressar uma associação entre o produto em causa e a manteiga, ao comparar-se a gordura saturada de Flora e a gordura saturada da manteiga standard, afigura-se-nos que foram realmente ultrapassados os limites das honestidade e veracidade da comunicação comercial.
Na verdade, nestas circunstâncias, o consumidor médio, ainda que normalmente informado e razoavelmente atento e advertido, é não só susceptível de ser induzido em erro sobre as características essenciais do produto em causa (ser constituído essencialmente por produtos lácteos e não produtos vegetais), como pode ser determinado e influenciado na escolha do produto, considerando como relevante na sua composição o “leite dos Açores”, quando na verdade a integração do leite naquele produto é muito reduzida.

Refira-se que, ao contrário do que propugna a recorrida, esta questão da alegação nutricional que envolve a comparação da FLORA com manteiga, não se trata de uma “nova questão”, que não possa ser apreciada nesta instância de recurso, considerando a jurisprudência que invoca – bem, em termos abstractos – nos termos da qual os recursos não se destinam a suscitar e a obter decisões sobre questões novas, ou seja, questões não colocadas ao tribunal (in casu, órgão) recorrido, mas antes e apenas ao reexame das decisões proferidas sobre as questões suscitadas ab initio pelo recorrente.

Na verdade, ainda que não da forma talvez mais estruturada, pois não se fez uma devida discriminação das diversas comunicações comerciais em função dos diversos suportes, não pode deixar de se reconhecer que logo na denúncia a ora recorrente suscita a questão da conexão entre a «referência “com leite dos Açores” e a sua (assumida) conexão com o sabor intenso a manteiga” (cfr. art.º 30º da denúncia).

Por outro lado, independentemente de tal alegação – no aspecto fáctico – até poder ser verdadeira, por estar suportada em análises efectuadas por laboratório independente e acreditado – que terão sido juntas a outro processo, segundo é alegado, mas cuja prova não é feita neste – ainda assim, dizíamos, tal não exclui que a comunicação em causa possa ser considerada enganosa. Basta para tanto, como se estabelece no art.º 7º nº 1 al b) do DL 57/2008, acima analisado, que essa informação, ainda que factualmente correcta, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor, em relação às características principais do bem tais como a sua composição, conduzindo, ou sendo susceptível de conduzir, o consumidor a tomar uma decisão de transacção que não teria tomado de outro modo.

Nestes termos e considerando os factos acima salientados e a argumentação aí exposta, não pode deixar de se concluir, também, que a comunicação comercial em causa, por acções e omissões, bem como ambiguidades e exageros, foi concebida sem respeitar o princípio da honestidade, abusando da confiança dos consumidores.

Estando assim, como estamos, perante comunicação comercial que ofende os princípios da veracidade e da honestidade, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 4º nºs 1 a 3, 7º nº 1, 9º nºs 1 e 2 al. a), todos do CCICAP, art.º 7º nº 1 al. b) do DL 57/2008 de 26.03, art.ºs 10º nº 1, 11º nº 1, ambos do CP, impõe-se julgar procedente o recurso e determinar a cessação da comunicação comercial contida na embalagem do produto FLORA.

Considerando o atrás exposto, nomeadamente a procedência do recurso, tornar-se-ia desnecessário e irrelevante apurar da desconformidade, ou não, da comunicação comercial incluída na embalagem do creme para barrar FLORA face aos critérios de licitude em matéria de publicidade a produtos não-lácteos, estabelecidos pelo Direito da União Europeia vigente .

Sempre se dirá, no entanto, relativamente ao direito da União Europeia invocado pela recorrente, que o Regulamento (EU) 1169/2011 de 25.10, ainda não se encontra em vigor, pois só é genericamente aplicável, nomeadamente quanto à matéria em causa, a partir de 13.12.2014 (cfr. art.º 55º). Por outro lado, a Directiva 2000/13/CE, não é directamente aplicável, como se sabe uma vez que seus os destinatários são os Estados membros (cfr. art.º 28º), e não foi directamente transporta para o direito interno, sem prejuízo de se considerar que o DL 560/99 de 18.12 lhe dá inteiro cumprimento.

Quanto ao Regulamento (EU) 1308/2013 de 17.12 estabelece o mesmo, no nº 6 da Parte III do Anexo VII do mesmo que no que se refere a produtos que não se enquadrem nos nºs 1, 2 e 3, como é o produto em causa, “não pode ser utilizado qualquer rótulo, documento comercial, material publicitário ou forma de publicidade, na aceção do artigo 2º da Diretiva 2006/114/CE do Conselho, nem qualquer forma de apresentação que indique, implique ou sugira que o produto em causa é um produto lácteo”, sem prejuízo de «a designação “leite” ou as designações referidas na presente parte, nº 2, segundo parágrafo, podem, porém, ser utilizadas no caso de produtos que contenham leite ou produtos lácteos, mas apenas para descrever as matérias-primas de base e para enumerar os ingredientes nos termos da Diretiva 2001/13/CE ou do Regulamento (UE) nº 1169/2011.” (2ª parte daquele nº 6). Ora, uma vez que a comunicação “com leite dos Açores” está associada à outra comunicação constante da embalagem (cfr. nº 3 da f.f.), teremos de concluir que a mesma não serve apenas para descreves a matéria-prima de base ou o ingrediente do produto FLORA, sugerindo antes que o produto em causa é, essencialmente, um produto lácteo. Nesta medida pode também considerar-se que as denominações constantes do produto em causa não estão conformes ao art.º 78º do Regulamento (EU) 1 308/2013 de 17.12.

III- DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, deliberam os membros da Comissão de Apelo em julgar procedente o recurso e, em consequência, determinam a cessação da comunicação comercial contida na embalagem do produto FLORA, quanto à comunicação “Com leite dos Açores”, associada à comunicação constante da lateral daquela embalagem: “Se ter sabor a manteiga é bom, ter menos gorduras saturadas é óptimo. Flora tem menos 32% de gordura saturada que a manteiga standard a 82% de gordura”, devendo a sua divulgação cessar de imediato e não ser resposta.

Lisboa, 15 de Maio de 2014

António Francisco Martins
Presidente da Comissão Apelo

Augusto Ferreira do Amaral
Vice-Presidente Comissão Apelo

Francisco Xavier do Amaral
Vice-Presidente Comissão Apelo

Auto Regulação14J / 2014 – Recurso :: Fromageries Bel Portugal vs. Unilever Jerónimo Martins
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6J / 2014 :: Optimus Telecomunicações vs. Vodafone Portugal

6J/2014

Optimus Telecomunicações
vs.
Vodafone Portugal

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no vigésimo quarto dia do mês de Abril do ano de dois mil e catorze, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 6J/2014 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 6J/2014

1.   Objecto dos autos

A OPTIMUS – COMUNICAÇÕES, S.A. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por OPTIMUS ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a VODAFONE PORTUGAL – COMUNICAÇÕES PESSOAIS, S.A, (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por VODAFONE ou Requerida) relativamente ao seu serviço de acesso fibra a televisão, Internet e telefone (adiante abreviadamente designado por serviço “triple-play”) – promovida pela última nos suportes televisão, imprensa e outdoor – tal, por alegada violação dos artigos 9.º, n.º 2, alínea b) do Código de Conduta do ICAP e 7º, n.º 1, alínea d) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, relativo às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores.

1.1.   Notificada para o efeito, a VODAFONE apresentou a sua contestação.
Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.

1.2. Dos factos

A Requerida lançou uma campanha publicitária divulgada através dos suportes televisão, imprensa e outdoor destinada a promover o seu serviço “triple-play”, tendo a referida campanha como principal elemento, o preço mensal de € 24,90. (Cfr. art.º 1 da queixa, docs. nºs 1 e 2 juntos e ponto 1 da contestação)

1.2.1. Das alegações publicitárias ou claims

Considerando a totalidade da comunicação comercial divulgada nos suportes televisão, imprensa e outdoor, resulta da análise das peças processuais e dos documentos juntos pelas Partes, ser a seguinte, a alegação publicitária ou claim objecto da questão controvertida:

– “Só € 24,90 por mês, sem truques nem asteriscos”.

1.3. Das alegações das Partes

1.3.1. Considera a OPTIMUS em sede de petição que, a campanha publicitária da responsabilidade da VODAFONE ofende os normativos ético-legais em vigor em matéria de principio da veracidade aplicável às comunicações comerciais, porquanto:

– (i) “…o serviço da VODAFONE não custa “só” € 24,90” (sic. art.º 4.º) dado que “…resulta da leitura da página da internet adiante junta, que qualquer pessoa que pretenda aderir a este serviço, além do preço de € 24,90 terá que pagar igualmente o valor mensal de € 5,50 (doc n.º 2), correspondente ao aluguer mensal de pelo menos uma Tv Box, sem a qual não poderá subscrever o anunciado serviço VODAFONE TV NET VOZ” (sic. art.º 5.º), pelo que, “…o preço mínimo que qualquer pessoa tem que pagar para aceder ao serviço da VODAFONE não é “só” a mensalidade de € 24,90, porque a este valor é necessário somar o valor do aluguer da Tv Box de € 5,50…” (sic. art.º 6.º);

– (ii) “Em nenhum suporte publicitário se faz referência ao pagamento necessário e obrigatório do aluguer da Tv Box, o que inevitavelmente eleva sempre a factura mensal do consumidor para € 30,40” (sic. art.º 8.º).
1.3.2. Contestando a posição da OPTIMUS, vem a VODAFONE defender a ética e a legalidade subjacentes à sua comunicação comercial alegando na sua contestação, designadamente, que:

– (i) “…tal como resulta do documento número dois junto aos autos pela Reclamante, a Tv Box (…) APENAS é necessária para permitir o acesso a canais Premium (…) e/ou serviços interactivos (…)” (sic. ponto 9) “Sendo que, no mesmo documento se pode verificar que por apenas € 24,90, os Clientes Vodafone podem usufruir do pack de canais de televisão, (…) Internet ilimitada a 50 Mbps e telefone” (sic. ponto10), “Pelo que, qualquer consumidor que opte pelo serviço de acesso fibra a televisão, internet e telefone fornecido pela Vodafone pode fazê-lo pelo valor mensal de apenas € 24,90” (sic. ponto 11);

– (ii) “Naturalmente, se o consumidor pretender usufruir de serviços adicionais (…) terá, então (e apenas neste caso), de alugar uma box com um custo mensal de €5,50.” (sic. ponto 12).

2.   Enquadramento ético-legal

Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código de Conduta do ICAP, “Todas as comunicações comerciais devem ser legais, decentes, honestas e verdadeiras”. Por seu turno, segundo a redação do artigo 5.º daquele Código, “A comunicação comercial deve respeitar os valores, direitos e princípios reconhecidos na Constituição e na restante legislação aplicável”. De onde, à luz da queixa da Requerente, importa averiguar se a comunicação comercial em lide é de molde a ofender o quadro ético-legal do princípio da veracidade aplicável às comunicações comerciais. (Cfr. artigos 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do Código de Conduta do ICAP e 7.º, n.º 1, alínea d) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, relativo às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores).

Ora, segundo a última disposição referida, “É enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que este não teria tomado de outro modo“, sendo que um desses elementos é o do “… preço, a forma de cálculo do preço ou a existência de uma vantagem específica relativamente ao preço (d)”.

Acresce que, foi entendido quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matérias de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. actual n.º 3 do artigo 11.º) nos termos da qual se presumem como inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado dos artigos 5.º e 12.º do Código de Conduta do ICAP se encontram em consonância, pelo que impende sobre a VODAFONE, o ónus da prova da alegação publicitária em lide.

2.1. Da alegada prática de publicidade enganosa

Constitui posição do JE que, o claim objecto da questão controvertida consubstancia um facto que carece de comprovação, por referência ao conceito legal de serviço “triple-play”, ou seja, o de acesso a televisão, Internet e telefone.

Por seu turno, a definição de pacote “triple-play” que se encontra em vigor – e que é utilizada quer pela Comissão Europeia, quer pela ANACOM -, aponta para a existência de uma oferta comercial de um único operador que englobe três serviços, comercializada como uma oferta única e, também, com uma única factura, sendo que tais serviços de televisão abarcam os chamados canais básicos e não, serviços adicionais interactivos ou canais de acesso fechado.

Ora, analisados os argumentos tecidos pela Requerida em sede de contestação no sentido da conformidade da sua comunicação comercial com o quadro ético-legal em matéria de princípio da veracidade ou, da legitimidade de alegar em relação ao eu serviço “triple-play”: “Só € 24,90 por mês, sem truques nem asteriscos”, conclui o Júri que os documentos juntos aos autos com a mesma contestação (cfr. documentos n.ºs de 1 a 5) permitem comprovar que:

– (i) o serviço “triple-play” em causa pode ser contratado pelo montante mensal publicitado de € 24,90, sem que a este valor seja necessário somar o valor de € 5,50 relativo ao aluguer de uma “Tv-Box” já que, esta não é necessária ao respectivo acesso;

– (ii) o valor de € 24,90 não é alterado por via de disclaimers identificados por asteriscos;

– (iii) a necessidade do aluguer de uma “tv-box” reporta-se ao acesso a serviços que extravasam o conceito de “triple-play”, como os de canais que impliquem subscrição e pagamento de uma mensalidade (“Sport Tv”, “Benfica Tv”, “Tv Cine”, “Globo Premium”, “PFC”, “Pack Asiático”, “Canais Premium” e “Canais Adultos”) bem como a serviços interactivos como “Guia Tv”, “Videoclube”, “Gravador”, “Gravações Automáticas”, “Pip”, “My Zapping, “Pausa”, “Restart Tv”, “StrtApps”, “Share2Tv, “Partilhar”, “Controlo Parental” e “Compra de Canais”.

Pelo exposto, o Júri entende que a comunicação comercial da responsabilidade da VODAFONE não é susceptível de induzir o consumidor médio em erro quanto ao preço ou cálculo do preço a pagar mensalmente pelo seu serviço “triple-play”, não consubstanciando, assim, uma prática de publicidade enganosa.

3.   Decisão

Termos em que a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da VODADONE – veiculada nos suportes televisão, imprensa e outdoor – em apreciação no presente processo, não se encontra desconforme com o disposto nos artigos 9.º, n.os 1 e 2, alínea b) do Código de Conduta do ICAP e 7º, n.º 1, alínea d) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março.

A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP

Auto Regulação6J / 2014 :: Optimus Telecomunicações vs. Vodafone Portugal
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5J / 2014 :: Henkel Ibérica Portugal vs. Unilever Jerónimo Martins

5J/2014

Henkel Ibérica Portugal
vs.
Unilever Jerónimo Martins

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no vigésimo quarto dia do mês de Abril do ano de dois mil e catorze, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 5J/2014 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 5J/2014

1.   Objecto dos autos

1.1.   A HENKEL IBÉRICA PORTUGAL, UNIPESSOAL LDA. (a seguir indiscriminada e abreviadamente designada por «Henkel» ou Requerente), veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a UNILEVER, JERÓNIMO MARTINS, Lda. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por ULJM ou Requerida), relativamente a comunicação comercial ao seu produto “SKIP Pequeno & Poderoso” – promovida pela última nos suportes outdoors, expositores nos pontos de venda, gargantilhas apostas no próprio produto e filmes publicitários, por alegada violação dos artigos 7.º, n.º 1, e nº 2 e artigo 10.º, n.º 1 do Código de Conduta, bem como o artigo 7.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 57/2008.

1.2.   Notificada para o efeito, a ULJM apresentou a sua contestação.
Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.

2. Enquadramento e fundamentação ético-legal 

2.1. Síntese da posição das partes
As posições apresentadas pelas partes podem ser sintetizadas como segue:

2.2.1. Queixosa

– Recentemente, a Unilever lançou uma campanha publicitária a ‘Skip’, mais concretamente ao denominado ‘Skip Pequeno & Poderoso’, em que, em suma, alega o seguinte: “O melhor detergente líquido do mercado”, com uma nota de rodapé, de onde consta menção “Estudo Nielsen, janeiro de 2014, 600 utilizadores de detergente líquido”;

– Esta campanha tem vindo a ser veiculada através de vários suportes ou meios, nomeadamente outdoors, expositores nos pontos de venda, gargantilhas apostas no próprio produto e filmes publicitários;

– Sucede que ‘Skip Pequeno & Poderoso’ não é o melhor detergente líquido do mercado. Tal “resulta de relatório técnico elaborado pelo reputado laboratório ‘Eurofins ATS’, especializado em análises a produtos de consumo e que atua no mercado há mais de 30 anos, prestando serviços tanto a empresas como a organizações de consumidores”;

– Ou seja, ‘Skip Pequeno & Poderoso’ é menos eficiente na remoção de nódoas, e portanto pior, que os seus concorrentes ‘Fairy’ e ‘Ariel Actilift’;

– E ‘Skip Pequeno & Poderoso’ é tão eficiente na remoção de nódoas como os seus concorrentes ‘Skip Active Clean’, ‘Persil Super Power Gel’, ‘Persil Color Power Gel’ e ‘Persil Uni Gel’;- Concretamente, no que tange a nódoas branqueáveis ‘Skip Pequeno & Poderoso’ é, pelo menos, pior do que ‘Ariel Actilift’ e ‘Fairy’ e igual a ‘Persil Uni Gel’;

– No que tange a nódoas enzimáticas ‘Skip Pequeno & Poderoso’ é, pelo menos, pior do que ‘Fairy’, ‘Ariel Actilift’, ‘Persil Super Power Gel’ e ‘Persil Color Power Gel’ e igual a ‘Persil Uni Gel’ e ‘Skip Active Clean’;

– No que tange a nódoas de gordura, pigmentos e cosméticos ‘Skip Pequeno & Poderoso’ é, pelo menos, pior do que ‘Fairy’, ‘Ariel Actilift’ e ‘Skip Active Clean’;

– A menção “o melhor” reporta-se, evidentemente, ao desempenho do produto, sendo esta a característica principal que o consumidor médio associa a um detergente: o que dele quer é que lave bem, eliminando eficazmente as nódoas;

– A menção “o melhor” não se reporta evidentemente a uma qualquer outra característica do produto em apreço, necessariamente secundária (aceitação que o produto tem junto dos consumidores, apresentação, etc.);

– Por outras palavras, o consumidor médio, quando confrontado com o claim em apreço, a mensagem que retira é que ‘Skip Pequeno & Poderoso’ é o detergente líquido do mercado que tem melhor desempenho;

– O ‘Skip Pequeno & Poderoso’ não é o melhor detergente líquido do mercado;

– O estudo da ‘Nielsen’ não constitui meio idóneo para sustentar a menção que ‘Skip Pequeno & Poderoso’ é o melhor detergente líquido do mercado; e- A referência ao estudo da ‘Nielsen’ é susceptível de induzir o consumidor em erro, pois o consumidor médio não sabe o que é a ‘Nielsen’ nem a que se dedica e é levado a pensar que o claim assenta numa base científica que não existe.

2.2.2. Denunciada

– A queixa apresentada pela Henkel nos presentes autos incide sobre a campanha publicitária a “Skip Pequeno & Poderoso”, mais concretamente refere-se à publicidade onde consta “O melhor detergente líquido do mercado”;

– Através da sua queixa, pretende a Henkel obter do Júri de Ética do ICAP decisão que determine a: i) suspensão, imediata, de toda essa publicidade, independentemente do respectivo suporte ou meio e ii) a abstenção de difundir novamente a referida publicidade, seja por que via for;

– O Júri de Ética deliberou recentemente sobre uma outra queixa deduzida pela PROCTER & GAMBLE Portugal – Produtos de Consumo, Higiene e Saúde, S.A. (adiante abreviadamente designada por P&G) contra a ULJM, tendo precisamente por objecto a campanha publicitária a “Skip Pequeno & Poderoso”;

– Nesse processo, que correu termos sob o número 3J/2014, a P&G pediu ao ICAP a cessação da campanha publicitária em causa porquanto, na opinião da P&G, a alegação publicitária “o Melhor Detergente Líquido do Mercado” seria ilegítima, por força da violação de um conjunto de disposições do Código de Conduta, do Código da Publicidade e do Decreto-Lei 57/2008, de 26 de Março, as quais, de uma forma geral se podem reconduzir à tomada de posição sobre o carácter verdadeiro ou enganoso da alegação publicitária em causa;- Na contestação apresentada, para onde se remete, a ULJM teve ocasião de defender a sua posição na matéria e a legitimidade do claim publicitário;

– Porém, por decisão do Júri de Ética datada de 28.03.2014, foi ordenada a cessação imediata da referida campanha em todos os seus suportes;

– A ULMJ foi notificada dessa decisão no dia 31.03.2014 e nos dias imediatamente seguintes todos os suportes publicitários foram retirados do mercado;

– Ora, a Henkel deu entrada com a queixa no dia 07.04.2014, data portanto em que a campanha já tinha cessado;

– Do exposto resulta que a campanha objecto da queixa ora em apreciação – a queixa da Henkel – já não existia à data da apresentação da denúncia;

– Noutros termos, a queixa é de objecto inexistente;
O Júri de Ética do ICAP já foi confrontado, noutros processos, com publicidade cuja difusão já cessara à data da apreciação da queixa. Vejam-se os processos 18J/2006, 17J/2006 ou 5J/2008;

– Na maioria das situações, trata-se de apreciar uma possível inutilidade superveniente da lide, uma vez que a cessação da campanha publicitária ocorre já depois de instaurada a queixa;

– No caso em apreço, como vimos, no momento da propositura da queixa já a ULJM retirara a campanha do mercado;

– E fizera-o – e aqui reside o aspecto fulcral desta alegação – em obediência a uma anterior decisão do Júri de ética do ICAP sobre a campanha em questão;

– São, portanto, duas as ordens de razões para se considerar, como veremos, que falta um pressuposto processual para que o Júri de Ética se possa pronunciar sobre o fundo da causa:a)   A campanha foi retirada do mercado (razão de ordem material);b)   O Júri de Ética já pronunciou sobre a legitimidade desta mesma campanha (razão de ordem ética);

– Termos em que se conclui que a inutilidade da lide ou a falta de interesse em agir deve conduzir necessariamente a uma decisão de extinção da instância por falta de um pressuposto processual;

– A queixa apresentada pela Henkel nos presentes autos incide sobre a campanha publicitária a “Skip Pequeno & Poderoso”, mais concretamente refere-se à publicidade onde consta “O melhor detergente líquido do mercado”;

– Esse Júri de Ética deliberou recentemente sobre uma outra queixa deduzida pela PROCTER & GAMBLE Portugal – Produtos de Consumo, Higiene e Saúde, S.A. contra a ULJM, tendo precisamente por objecto a campanha publicitária a “Skip Pequeno & Poderoso”;

– A ULMJ foi notificada dessa decisão no dia 31.03.2014 e nos dias imediatamente seguintes todos os suportes publicitários foram retirados do mercado;

– A Henkel deu entrada com a queixa no dia 07.04.2014, data portanto em que a campanha já tinha cessado;- Resulta do exposto que, no momento da apresentação da queixa, já a ULJM retirara a campanha do mercado e fizera-o – e aqui reside o aspecto fulcral desta alegação – em obediência a uma anterior decisão do Júri de Ética do ICAP sobre a campanha em questão.

2.3. Da inutilidade da lide

Na resposta apresentada, a denunciada suscita a inutilidade ab initio do procedimento, questão esta que deve ser resolvida previamente pelo JE.

Com efeito, está em causa nos presentes autos uma campanha publicitária designada Skip Pequeno & Poderoso”, onde, mais concretamente, se refere uma publicidade onde consta a frase “O melhor detergente líquido do mercado”.

Por intermédio da sua queixa pretende a Henkel obter do Júri de Ética do ICAP decisão que determine a: i) suspensão, imediata, de toda essa publicidade, independentemente do respectivo suporte ou meio e ii) a abstenção de difundir novamente a referida publicidade, seja por que via for.

Ora a verdade é que este mesmo Júri de Ética deliberou recentemente sobre uma outra queixa deduzida pela PROCTER & GAMBLE Portugal – Produtos de Consumo, Higiene e Saúde, S.A contra a ULJM, tendo precisamente por objecto a campanha publicitária a “Skip Pequeno & Poderoso” e, no âmbito desse processo, que correu com o nº 3J/2014, a P&G pediu ao ICAP a cessação da campanha publicitária em causa porquanto, escreveu, a alegação publicitária “o Melhor Detergente Líquido do Mercado” seria ilegítima, por força da violação de um conjunto de disposições do Código de Conduta, do Código da Publicidade e do Decreto-Lei 57/2008, de 26 de Março, as quais, de uma forma geral se podem reconduzir à tomada de posição sobre o carácter verdadeiro ou enganoso da alegação publicitária em causa.

A ULJM, na contestação apresentada, defendeu a sua posição na matéria e a legitimidade do seu claim publicitário mas este Júri, em 28.03.2014, ordenou a cessação imediata da referida campanha em todos os seus suportes.

Desta decisão foi a ULMJ notificada em 31.03.2014 e, na sequência, todos os suportes publicitários foram retirados do mercado.

Apurou este JE que a queixa da Henkel tem a data de 07.04.2014, logo posterior àquela em que a campanha da ULJM tinha cessado, pelo que se conclui que a campanha objecto da queixa ora em apreciação – a queixa da Henkel – já não existia à data da apresentação da denúncia.

Ora, o Júri do ICAP, através das suas duas Secções e da Comissão de Apelo, aprecia as queixas que lhe são submetidas tendo em vista deliberar sobre a conformidade das mensagens publicitárias que lhe estão subjacentes ao Código de Conduta do ICAP.

As deliberações do Júri são vinculativas em relação a todos os membros do ICAP e aos seus representados, bem como a quem tenha submetido a publicidade à apreciação do JE.

O efeito imediato, válido e eficaz de tal deliberação (auto)vinculativa para os membros do ICAP é, findo o prazo de recurso e efectuadas as devidas notificações, a cessação da publicidade que o Júri entendeu ser violadora do Código de Conduta.

Ora, a verdade é que a comunicação comercial objecto dos presentes autos, a exemplo do que já antes acontecera noutros processos (como sejam os processos 18J/2006, 17J/2006 ou 5J/2008), já cessara na realidade, uma vez que, no momento da propositura da queixa, já a ULJM retirara a campanha do mercado, precisamente, em cumprimento de uma anterior decisão deste mesmo JE do ICAP sobre a campanha em questão.

Nestes termos, encontramo-nos perante a ausência de um pressuposto processual para que o Júri de Ética se possa pronunciar sobre o fundo da causa já que a campanha foi retirada do mercado. Mas, também, porque este mesmo Júri já se havia anteriormente pronunciado sobre a legitimidade desta mesma comunicação comercial.

Assim, e sem prejuízo dos direitos que os queixosos e denunciados queiram fazer valer junto dos tribunais, em sede de apreciação publicitária, e num contexto de auto regulação, o JE entende estar-se perante um caso de manifesta inutilidade da lide e de não verificação do pressuposto do interesse em agir.

Neste mesmo sentido foi, aliás, a decisão da Comissão de Apelo do ICAP no âmbito do processo nº 15J/2012, nos seguintes termos: “Mais se entende que, quando a publicidade controvertida deixou já, claramente, de ser praticada por vontade do operador de mercado que a fazia, deixa por via de regra de haver litígio concreto aberto se, pela queixa, o que se pretendia era fazer cessar essa publicidade.” (…) “Nesse pressuposto, é de entender que ocorre inutilidade superveniente da lide.”.

Esta apreciação vai ainda ao encontro da melhor doutrina, nomeadamente com Lebre de Freitas, que refere que “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a proveniência deixa de interessar – além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios”, (ver “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, pág. 633. Veja-se, ainda, Lopes do Rego, Comentários, pág. 611. e Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, pág. 381.)

Esta apreciação do Júri está ainda sustentada pela jurisprudência dominante, como é o caso dos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 3/12/200716/3/2006, 16/02/2006, 27/06/2005, 02/02/2006, 02/06/2005, 15/07/2004, 30/05/2005; e do Supremo Tribunal de Justiça de 06/06/2004 e 06/07/2004.

Termos em que se conclui que a inutilidade da lide ou a falta de interesse em agir deve conduzir necessariamente a uma decisão de extinção da instância por falta de um pressuposto processual, inexistindo, assim, e no nosso entendimento, quaisquer razões que fundamentem uma segunda apreciação desta campanha.

3. Decisão

A Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP delibera, nos termos das regras gerais de processo civil vigentes, que a instância se deve considerar extinta por inutilidade, não se pronunciando este Júri em concreto sobre a publicidade em apreciação no presente processo.».

O Presidente da Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP

Auto Regulação5J / 2014 :: Henkel Ibérica Portugal vs. Unilever Jerónimo Martins
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4J / 2014 :: Fromageries Bel Portugal vs. Unilever Jerónimo Martins

4J/2014

Fromageries Bel Portugal
vs.
Unilever Jerónimo Martins

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no décimo sexto dia do mês de Abril do ano de dois mil e catorze, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 4J/2014 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 4J/2014

1. Objecto dos Autos

1.1. A FROMAGERIES BEL PORTUGAL, S.A., (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por FROMAGERIES ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a UNILEVER, JERÓNIMO MARTINS, Lda. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por ULJM ou Requerida), relativamente a comunicação comercial ao seu produto “FLORA” – promovida pela última nos suportes rotulagem, televisão, Internet, MUPI, folheto, bem como gôndola e, ou, linear de supermercados – tal, por alegada violação dos artigos 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do Código de Conduta do ICAP, 10.º e 11.º, n.º 1 do Código da Publicidade, 7.º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, 19.º, n.ºs 1 e 2 da Lei de Defesa do Consumidor, bem como 23.º do Decreto-lei n.º 590/99, de 1 de Dezembro.

1.2. Notificada para o efeito, a ULJM apresentou a sua contestação.

Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.

1.3. Questão prévia

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Regulamento do JE, sob a epígrafe “Petição”, “A queixa deverá ser feita por escrito, devendo o queixoso indicar com precisão os suportes que pretende ver analisados, expor os factos e a fundamentação, tão sintética quanto possível, indicar as disposições do Código de Conduta do ICAP e, ou, outras fontes que considere infringidas e formular com clareza a sua pretensão, salvo quando apresentada por consumidor nos termos definidos na Lei de Defesa do Consumidor”. (Negrito e sublinhado do JE).

Esta é, aliás, uma prática sobre a qual o JE teve já a oportunidade de se pronunciar, designadamente, no âmbito dos Processos 8J/2009, 17J/2009, 2J/ 2010 e 16J/2012 do ICAP.

Com o devido respeito, alerta o Júri para o facto de, certamente por lapso, a petição possuir os pontos de 1 a 14 em duplicado, com redacções diversas. De onde, passará a designar os “duplicados” como segundo ponto “x” ou segundo ponto “y”.

Por outro lado, o articulado da petição não é claro, quer em termos de conceptualização de suportes a analisar (diga-se, a título de exemplo que, um ponto de venda não é um suporte mas sim, um local onde poderão existir vários suportes que não devem ser designados por “material”) quer, de pretensão… Na realidade, e com o devido respeito, colocado perante o mesmo articulado, constata o Júri que a FROMAGERIES tão depressa considera a rotulagem da Flora como suporte publicitário, como entende ser ele, uma embalagem de género alimentício, em sede da qual é obrigatória a aposição de informações obrigatórias ao consumidor (em matéria de natureza, composição, quantidade, prazo de validade, utilidade e forma de utilização, preço e demais características relevantes dos respectivos bens e serviços).

Com efeito, a titulo de exemplo – e sem excluir – a Requerente alega na sua queixa que, “No topo e laterais da embalagem deste creme vegetal da marca FLORA consta, com especial relevo e destaque, a indicação de que o produto é feito “com leite dos Açores…” (sic. primeiro ponto 3) para, logo depois, parecer excluir da categoria “comunicação publicitária” a dita “indicação”, ao referir que “Tal informação (“Com leite dos Açores”) consta igualmente dos anúncios publicitários veiculados nos meios de comunicação social…” (sic. primeiro ponto 4) e que “Conforme resulta da lista de ingredientes constante do rótulo deste produto, inserida na base da embalagem, facilmente se constata que este creme vegetal para barrar tem apenas, na sua composição, 1 % de leite em pó magro (não sendo especificamente identificada a sua origem)” (sic. primeiro ponto 7), vindo elencar coimas aplicáveis por alegada violação do quadro legal em matéria de informações obrigatórias em rotulagem (cfr. pontos 39, 58. e 59) .

Em conformidade, concorda parcialmente o JE com a ULJM, quanto ao por esta alegado na contestação no sentido de que, “…importa não confundir, como o faz a queixosa, o que são menções obrigatórias que devem constar da rotulagem, de acordo com a lei, e claims publicitários”. (sic. art.º 16.º).

Em coerência, solicita-se à FROMAGERIES que, em peças processuais futuras observe as mencionadas precisão e clareza, a bem da desejável celeridade em matéria de auto-regulação.

Pelo exposto, cumpre ao Júri esclarecer que somente apreciará o teor de menções apostas na rotulagem da Flora que se possam considerar comunicações comerciais, vulgo, publicidade ou que, não o sendo, emprestem significado a claims publicitários por associação, porquanto tal é a competência material do ICAP, designadamente, nos termos do artigo 4.º dos seus Estatutos.

1.4. Dos factos

“Encontra-se a ser comercializado no mercado o produto da marca FLORA (tratando-se de um creme vegetal para barrar a 79 %, designação legal de acordo com o Regulamento (UE) nº 1308/2013), adiante designado “produto” ou “creme vegetal”…”, o qual “…é produzido pela sociedade FIMA – Produtos Alimentares, S.A. e é comercializado pela sociedade Unilever Jerónimo Martins, L.da (…)”. (sic. n.ºs 1 e 2 da queixa, cfr. art.º 2.º da contestação).

1.4.1. Das alegações publicitárias ou claims

Considerando a totalidade da comunicação comercial ao género alimentício “Flora” divulgada nos suportes rotulagem, televisão, Internet, MUPI, folheto, bem como gôndola e, ou, linear de supermercados, resulta da análise das peças processuais e dos documentos juntos pelas Partes serem as seguintes as alegações publicitárias ou claims objecto da questão controvertida (todos documentados em ANEXOS da queixa e abreviadamente designados por Docs):

A. Rotulagem (cfr. Doc. 3)
disclaimer (S1) “Com leite dos Açores”;
associado ao
– (i) claim “Flora derrete-te”;

B. Televisão (cfr. spot publicitário em CD rom)
disclaimer (S1) “Com leite dos Açores”;
associado ao
– (i) claim “Com leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora”;

C. Internet
disclaimer (S1) “Com leite dos Açores” associado a:
– (i) claim constante de cinco spots publicitários (cfr. CD rom)
– “Com leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora”;

– (ii) sítio da UNILEVER (cfr. Doc. 6)
Claims: “A marca Flora foi relançada com uma receita digna dos verdadeiros apreciadores de manteiga: um sabor intenso, com leite dos Açores, irresistível num bom pão quentinho acabado de sair do forno. A receita de Flora, para além de deliciosamente apetitosa, tem a vantagem de ter menos gordura saturada que a manteiga standard…”;

– (iii) comunicação de marca por “Hipersuper” (cfr. Doc. 10):
Disclaimer (S1) “Com leite dos Açores” associado a
Claims: ”…Na prova decisiva que é em casa dos consumidores, acreditamos que o intenso sabor a manteiga de Flora, resultante da nova receita com Leite dos Açores, vai conquistar os mais exigentes apreciadores”, explica Luís Gomes, Flora Brand Manager”.”;

D. MUPI (cfr. Doc. 4 junto à queixa):
Disclaimer (S1) “Com leite dos Açores” associado ao
– (i) claim “Delicioso sabor com leite dos Açores”;

E. Folheto, Gôndola e, ou, linear de supermercados (cfr. Docs. 5, 8 e 9 junto à queixa):
Disclaimer (S1) “Com leite dos Açores” associado aos claims
– (i) “Delicioso sabor com leite dos açores”;
– (ii) “A nova Flora foi feita a pensar nos verdadeiros apreciadores de manteiga: um sabor intenso, com leite dos Açores…”;
– (iii) “A receita de Flora, para além de deliciosamente apetitosa, tem a vantagem de ter menos gordura saturada que a manteiga standard…”;

F. Gôndola e, ou, linear de supermercados (cfr. Doc. 1 junto à queixa)
– (i) claim visual traduzido por “vacas a pastar”
seguido da referência:
– (ii) “po…nteiga” não completamente legível por aposição de preço com o
Disclaimer (S2) “creme para barrar”.

1.5. Das alegações das Partes

Considera a FROMAGERIES, em sede de petição que, a campanha publicitária da responsabilidade da Requerida ofende o quadro normativo ético-legal em matéria de princípio da veracidade aplicável à comunicação comercial e decorrente do Código de Conduta do ICAP, do Código da Publicidade – com a redacção introduzida pelo Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março – da Lei de Defesa do Consumidor e do Decreto-lei n.º 590/99, de 1 de Dezembro, o que a ULJM contradita em sede de contestação, defendendo a ética e a legalidade subjacentes à comunicação comercial da sua responsabilidade e juntando documentos.

2. Enquadramento ético-legal

Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código de Conduta do ICAP, “Todas as comunicações comerciais devem ser legais, decentes, honestas e verdadeiras”. Por seu turno, segundo a redacção do artigo 5.º daquele Código, “A comunicação comercial deve respeitar os valores, direitos e princípios reconhecidos na Constituição e na restante legislação aplicável”.

De onde, à luz da queixa do Requerente, importa averiguar se a comunicação comercial em lide é de molde a ofender o quadro ético-legal do princípio da veracidade aplicável às comunicações comerciais (cfr. artigos 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do Código de Conduta do ICAP, 7.º, n.º 1, alínea b) e 9.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, relativo às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores).

Em conformidade, cumpre ao Júri atender, não só ao disposto no artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) daquele Código de Conduta, sob a epígrafe “Veracidade”, como ao consignado no n.º 1, alínea b) do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março. Ora, segundo a mesma, “É enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que este não teria tomado de outro modo“, sendo que um desses elementos é o das “…características principais do bem ou serviço, tal como (…) a sua composição” (b)”.

Por seu turno, de acordo com a redacção do artigo 9.º, n.º 1, alíneas a) e b) daquele Decreto-lei, sob a epígrafe ”Omissões enganosas”, “Tendo em conta todas as suas características e circunstâncias e as limitações do meio de comunicação, é enganosa, e portanto conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que não teria tomado de outro modo, a prática comercial: a) Que omite uma informação com requisitos substanciais para uma decisão negocial esclarecida do consumidor; b) Em que o profissional oculte ou apresente de modo pouco claro, ininteligível ou tardio a informação referida na alínea anterior” admitindo-se, contudo, a excepção prevista no n.º 2 do mesmo preceito legal:

“Quando o meio de comunicação utilizado para a prática comercial impuser limitações de espaço ou de tempo, essas limitações e quaisquer medidas tomadas pelo profissional para disponibilizar a informação aos consumidores por outros meios devem ser tomadas em conta para decidir se foi omitida informação” (negrito e sublinhado do JE).

Acresce que, foi entendido, quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matérias de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. actual n.º 3 do artigo 11.º) nos termos da qual se presumem como inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado dos artigos 5.º e 12.º do Código de Conduta do ICAP se encontra em consonância, pelo que impende sobre ULJM, o ónus da prova das alegações publicitárias em lide.

2.1. Da alegada prática de publicidade enganosa

2.1.1. Do disclaimer “Com leite dos Açores” contido na rotulagem

No que diz respeito à embalagem da Flora, cuja cor branca alega a Requerente ter sido deliberadamente escolhida com o intuito de gerar a convicção junto do consumidor médio de que aquela é uma manteiga (cfr. ponto 28 da queixa), cumpre ao Júri esclarecer que, mais uma vez (cfr. ponto 1.3. supra), tal é uma questão que extravasa a competência material do ICAP. De facto, em si mesma, a cor branca de uma embalagem não consubstancia uma alegação publicitária.

Colocado perante o articulado da petição e, concretamente, dos primeiros pontos de 3. a 10., conclui o JE que a FROMAGERIES considera a rotulagem da Flora como suporte publicitário e não, somente, como recipiente de género alimentício em sede do qual é obrigatória a aposição de informações obrigatórias ao consumidor, em matéria de natureza, composição, quantidade, prazo de validade, utilidade e forma de utilização, preço e demais características relevantes dos respectivos bens e serviços.

Ora, entende o Júri que tais informações ou disclaimers somente serão aptas, per se, a propiciar quaisquer juízos de valor promocionais junto do destinatário1 – e, logo, a serem consideradas comunicações comerciais, caso, cumulativamente:

– Possuam um destaque não obrigatório por lei e, para além dele, o que acontece in casu, com a menção aposta na rotulagem da Flora “Com Leite dos Açores” (cfr. Doc. 3);

– Não consubstanciando em si mesmas algo que não seja uma mera informação ao consumidor ou um disclaimer, “resvalem” para o conceito de publicidade, por via de uma associação verbal e, ou, visual com claims que lhes alterem o significado.

Entende o Júri que a rotulagem da Flora (e só a rotulagem) se insere no primeiro dos casos elencados, porquanto o disclaimer “Com Leite dos Açores” terá o mesmo significado, quer se encontre isolado nos rótulos da Flora, quer se encontre associado ao claim “Derrete-te”.

Com efeito, analisados o teor dos Docs. 1 e 2 juntos à contestação, conclui o JE que a ULJM logrou provar que a Flora contém Leite dos Açores em 1%, o que, embora traduzindo uma percentagem residual, não deixa de corresponder à verdade. Com efeito, a relevância da averiguação da “suficiência” da percentagem de 1% de Leite dos Açores em pó – para efeitos de conformidade ou desconformidade com o quadro ético-legal em matéria de princípio da veracidade da comunicação comercial -, não se reporta ao disclaimer “Com Leite dos Açores” per se, aposto na embalagem de Flora. Dito de outra forma, o prestígio associado à utilização do leite dos Açores na composição de um género alimentício, dificilmente se poderá estabelecer através de níveis percentuais não legalmente definidos, caso conclusões diversas da mera composição, não se retirem do disclaimer correspondente, destacado ou não.

Pelo exposto, no que tange à comunicação comercial veiculada através de rotulagem, não se subscreve o alegado pela Requerente no sentido de que, se associa “… assim, o sabor da manteiga ao leite dos Açores e sugerindo idêntico sabor para este produto que é feito “Com leite dos Açores” – embora com apenas 1% de leite magro em pó!)”. (sic. ponto 30 da queixa).

Tal, muito embora – e com a devida vénia -, o Júri considere uma falácia, o invocado pela ULJM em sede de contestação no sentido de ser de notar que, “…a utilização de leite em pó numa determinada quantidade é equivalente à utilização de leite em estado líquido, bastando para tal que o leite seja “reconstituído” pela adição de água. Ou seja” (sic. art.º 6.º) “Em concreto, 1 Kg de leite em pó pode ser reconstituído à razão de 1 Kg para 11 litros – cfr. documento nº 2.” (sic. art.º 7.º) e que “Como tal, a actual referência na lista de ingredientes a “leite magro em pó (1%)” poderia também ser designada por “leite magro reconstituído (11,4%)”. (sic. art.º 8.º). De facto, constitui posição do JE que, o teor dos docs. 1 e 2 juntos à contestação não é de molde a permitir tais conclusões por parte da Requerida mas, apenas, a ilação de que Flora contém Leite dos Açores.

Pelo exposto, conclui o JE que, a menção “Derrete-te”, único claim aposto na rotulagem em associação ao disclaimer colocado em crise (cfr. Doc. 3), não induz a percepção do consumidor médio, no sentido de que a Flora é uma manteiga e não, um creme vegetal para barrar, de que a mesma Flora tem gosto a manteiga e, ou – por maioria de razão – de que goza do prestígio da manteiga feita com leite dos Açores.

2.1.1.1. Do disclaimer da rotulagem “Com leite dos Açores” associado a claims veiculados noutros suportes

Entende o Júri que da redacção do artigo 9.º, n.º 2 do Decreto-lei 57/2008, de 26 de Março, segundo a qual, “Quando o meio de comunicação utilizado para a prática comercial impuser limitações de espaço ou de tempo, essas limitações e quaisquer medidas tomadas pelo profissional para disponibilizar a informação aos consumidores por outros meios devem ser tomadas em conta para decidir se foi omitida informação” (aqui aplicável por força dos supra mencionados artigos 4.º e 5.º do Código de Conduta do ICAP), decorrem as seguintes conclusões:

– Uma campanha publicitária deve ser analisada como um todo, tendo que ser os respectivos claims avaliados por referência ao contexto propiciado pelo conjunto dos vários suportes em que for veiculada;

– A informação prestada por outros meios com mais espaço – ao permitir integrar o significado da comunicação comercial veiculada naqueles que o não tenham -, caso traduza uma inverdade, poderá determinar que os claims ou disclaimers cujo significado visem completar, consubstanciem uma prática de publicidade enganosa por associação.

Se este é ou não, o caso do disclaimer “Com leite dos Açores”, é o que se verá no ponto seguinte.

2.1.2. Dos claims veiculados através de páginas da Internet, MUPI, folheto e lineares ou gôndolas de supermercado

Concluiu o JE no ponto anterior que, a menção “Derrete-te”, único claim aposto na rotulagem em associação ao disclaimer colocado em crise (cfr. Doc. 3), não induz a percepção do consumidor médio, no sentido de que a Flora é uma manteiga e não, um creme vegetal para barrar; de que a mesma Flora tem gosto a manteiga e, ou – por maioria de razão – de que goza do prestígio da manteiga feita com leite dos Açores.

Igual conclusão não pode retirar o Júri, no que diz respeito à associação do disclaimer “Com Leite dos Açores”, contido na rotulagem de Flora, a alegações publicitárias veiculadas noutros suportes, associação essa que lhe empresta um significado diverso e muito mais abrangente. Quer-se com isto defender que, no momento em que através dos suportes Internet, MUPI, folheto, bem como linear e, ou, gôndola de supermercado figure sempre a imagem da embalagem de Flora em que é visível o disclaimer em causa, quaisquer claims associados (que sejam susceptíveis de criar junto do consumidor médio, a convicção de que Flora com leite dos Açores tem um delicioso sabor por esse facto alegado ou de que o mesmo sabor é o de manteiga e, ou, de que pode satisfazer os apreciadores desta, como se de manteiga se tratasse), obrigariam à comprovação por parte da ULJM de que a percentagem de 1% de leite dos Açores em pó contida no produto é determinante para a veracidade, agora sim, do nexo de causalidade entre tal percentagem e os alegados atributos da nova Flora.

Por referência a tal entendimento e analisados os documentos juntos aos autos com a contestação, constitui posição do JE que a ULJM não logrou provar a existência do supra referido nexo de causalidade e, por maioria de razão, a veracidade das seguintes alegações publicitárias:

– (i) “A marca Flora foi relançada com uma receita digna dos verdadeiros apreciadores de manteiga: um sabor intenso, com leite dos Açores…; “ A receita de Flora, para além de deliciosamente apetitosa, tem a vantagem de ter menos gordura saturada que a manteiga standard…”. (Cfr. Doc.6 da queixa traduzido por cópia de sítio da Internet da ULJM);

– (ii) ”…Na prova decisiva que é em casa dos consumidores, acreditamos que o intenso sabor a manteiga de Flora, resultante da nova receita com Leite dos Açores, vai conquistar os mais exigentes apreciadores…”, (Cfr. Doc. 10 junto à queixa e consubstanciado por cópia de comunicação de marca em página da Internet intitulada “Hipersuper”);

– (iii) “Delicioso sabor com leite dos Açores”, (cfr. Doc. 4 da queixa, traduzido por cópia de comunicação em MUPI);

– (iv) “Delicioso sabor com leite dos açores”; “A nova Flora foi feita a pensar nos verdadeiros apreciadores de manteiga: um sabor intenso, com leite dos Açores…”; A receita de Flora, para além de deliciosamente apetitosa, tem a vantagem de ter menos gordura saturada que a manteiga standard…”, (cfr. Docs. 1, 5, 8 e 9 da queixa e referentes a publicidade aposta em folhetos, lineares e, ou, gôndolas);

– (v) claim visual traduzido por “vacas a pastar”, seguido da referência “po…nteiga”, com aposição de preço com o disclaimer “creme para barrar”, (cfr. Doc. 1 junto à queixa, consubstanciado por cópia publicidade em linear de supermercado).

Termos em que o Júri entende que a totalidade das alegações publicitárias que ficaram elencadas configura uma prática de publicidade enganosa, por desconformidade com o disposto nos artigos 4.º, 5.º, 9.º, nºs 1 e 2, alínea a) e 12.º do Código de Conduta do ICAP, bem como no n.º 1, alínea b) do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março.

2.1.3. Do claim “Com leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora”

A alegação publicitária “Com leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora” consta de spots publicitários divulgados nos suportes televisão e Internet (cfr. ponto 1.3.1., B e C, (i) supra e CD rom junto à queixa).

2.1.3.1. Da alegada prática de publicidade enganosa de tom exclusivo

Alega a FROMAGERIES em sede de petição que, “…ao publicitar-se que “com leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora” (…) parece pretender-se deixar a ideia junto dos consumidores de que mais nenhum produto concorrente, com leite dos Açores, pode ter um óptimo sabor.” (sic. ponto 21.) acrescentando que, “Existe aqui a ideia de causalidade directa entre a utilização do leite dos Açores e o sabor do produto, seguida da conclusão de que o preenchimento destas duas premissas só pode resultar num único produto: Flora” (sic. ponto 22) “Como se apenas este produto Flora é que pudesse deter a exclusividade do sabor associado ao leite dos Açores.” (sic. ponto 23).

O Júri discorda deste entendimento da Requerente.

A publicidade de tom exclusivo constitui uma modalidade de publicidade que a doutrina estrangeira (maxime a alemã e a espanhola) tem definido como aquela através da qual “o anunciante pretende excluir da posição que ocupa os restantes concorrentes (…) alcançando uma posição superior à dos seus rivais” (vd. Carlos Lema Devesa in “La Publicidad de Tono Excluyente”, Editorial Moncorvo, 1980), limitando-se “a realçar a sua posição de proeminência isolada sem fazer nenhuma referência directa aos seus concorrentes” (vd. Anxo Tato Plaza in “La Publicidad Comparativa”, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A. Madrid, 1996, p.50).

No entender do Júri, dizer-se “com Leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora” não equivale a afirmar-se “Só a Flora, com leite dos Açores é tão saborosa”, “Só a Flora tem o sabor do leite dos Açores” ou, ainda, a tecer-se qualquer outra alegação com significado equivalente ao das duas últimas, estas sim, que seriam publicidade de tom exclusivo.

Dito de outra forma, dos pontos de vista pragmático e sintáctico, o claim da responsabilidade da Requerida não possui o significado de tom exclusivo que a Requerente defende.

Refere-se aqui o Júri à subdivisão morrisiana (vd. C. Morris in Foundations of the Teory of Signs, Encyclopedia of Unified Science, 1, 2, Chicago, 1938), de acordo com a qual o significado de um termo pode ser indicado em função da reacção psicológica de quem o recebe, e esse é o aspecto pragmático; o aspecto semântico prende-se com a relação entre signo e Indicação ou significado (denotatum); por fim, o aspecto sintáctico reporta-se à organização dos termos empregues num determinado discurso.

De facto, o chamado consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido e informado, não concluirá que mais nenhum creme vegetal para barrar ou mesmo, qualquer manteiga, será tão saboroso, ou terá o gosto decorrente do leite dos Açores, como Flora…Ou que, segundo alega a FROMAGERIES, “Como se apenas este produto Flora é que pudesse deter a exclusividade do sabor associado ao leite dos Açores.” (Cfr. ponto 23 da contestação).

Entende o Júri, sim, que a alegação publicitária “Com Leite dos Açores (…) só podia ser Flora” consubstancia uma prática de publicidade enganosa por induzir o consumidor médio em erro quanto ao nexo de causalidade entre o leite dos Açores e o sinal forte da marca Flora, o qual nunca foi, nem é, o de um creme vegetal com leite dos Açores. Logo, ao possuí-lo (seja qual for a percentagem em que o possua), nunca poderia ser Flora.

É, aliás, a própria ULJM que o admite, ao referir no seu site de Internet que, “A marca Flora foi relançada com uma receita digna…” (cfr. Doc. 6 junto à queixa) e na sua comunicação de marca por “Hipersuper” que ”…o intenso sabor a manteiga de Flora, resultante da nova receita com Leite dos Açores, vai conquistar os mais exigentes apreciadores”, (cfr. Doc. 10).

Na medida em que o sinal forte de uma marca, bem, produto ou serviço é indissociável das características essenciais que o definem, duas conclusões se permite o JE retirar do claim colocado em crise:

– a marca relançada não corresponde ao sinal forte da Flora, sem leite dos Açores estabelecido junto do consumidor, ao longo de vários anos de comercialização do creme vegetal para barrar;

– se a marca é “relançada” com “nova receita com Leite dos Açores”, “só pode ser Flora” ao arrepio do princípio da veracidade em matéria de comunicações comerciais. Com efeito, trata-se de uma falácia em que a conclusão não decorre da premissa, porquanto o sinal forte da marca – configurado pelo conjunto das principais características pelas quais é conhecida junto do consumidor – não é ditado, em termos lógicos, pelo prestígio do leite dos Açores (ou dos produtos seus derivados, como é o caso das manteigas), igualmente valendo aqui, por maioria de razão, as conclusões a que o Júri chegou no ponto 2.1.2. relativas a associação entre claims a avaliar no contexto de uma campanha conjugada.

Assim, considera o Júri que a alegação publicitária “com Leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora” configura uma prática de publicidade enganosa, por desconformidade com o disposto nos artigos 4.º, 5.º, 9.º, nºs 1 e 2, alínea a) e 12.º do Código de Conduta do ICAP, bem como no n.º 1, alínea b) do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março.

2.2. Conclusão

Pelo exposto, o Júri entende que a comunicação comercial em lide veiculada nos seus vários suportes – com excepção da rotulagem -, é susceptível de induzir o consumidor médio em erro quanto às “características” e “composição” do seu produto Flora, consubstanciando, deste modo, uma prática de publicidade enganosa.

3. Decisão

Termos em que a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da ULJM – veiculada nos suportes televisão, Internet, MUPI, folheto, bem como gôndola e, ou, linear de supermercados – em apreciação no presente processo, se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 12.º do Código de Conduta do ICAP e 10.º e 11.º do Código da Publicidade, o último, com a redacção do artigo 7.º, n.º 1, alínea b) introduzida pelo Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurados pelo JE. »

A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP

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