4J/2014
Fromageries Bel Portugal
vs.
Unilever Jerónimo Martins
EXTRACTO DE ACTA
Reunida no décimo sexto dia do mês de Abril do ano de dois mil e catorze, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 4J/2014 tendo deliberado o seguinte:
Processo n.º 4J/2014
1. Objecto dos Autos
1.1. A FROMAGERIES BEL PORTUGAL, S.A., (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por FROMAGERIES ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a UNILEVER, JERÓNIMO MARTINS, Lda. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por ULJM ou Requerida), relativamente a comunicação comercial ao seu produto “FLORA” – promovida pela última nos suportes rotulagem, televisão, Internet, MUPI, folheto, bem como gôndola e, ou, linear de supermercados – tal, por alegada violação dos artigos 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do Código de Conduta do ICAP, 10.º e 11.º, n.º 1 do Código da Publicidade, 7.º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, 19.º, n.ºs 1 e 2 da Lei de Defesa do Consumidor, bem como 23.º do Decreto-lei n.º 590/99, de 1 de Dezembro.
1.2. Notificada para o efeito, a ULJM apresentou a sua contestação.
Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.
1.3. Questão prévia
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Regulamento do JE, sob a epígrafe “Petição”, “A queixa deverá ser feita por escrito, devendo o queixoso indicar com precisão os suportes que pretende ver analisados, expor os factos e a fundamentação, tão sintética quanto possível, indicar as disposições do Código de Conduta do ICAP e, ou, outras fontes que considere infringidas e formular com clareza a sua pretensão, salvo quando apresentada por consumidor nos termos definidos na Lei de Defesa do Consumidor”. (Negrito e sublinhado do JE).
Esta é, aliás, uma prática sobre a qual o JE teve já a oportunidade de se pronunciar, designadamente, no âmbito dos Processos 8J/2009, 17J/2009, 2J/ 2010 e 16J/2012 do ICAP.
Com o devido respeito, alerta o Júri para o facto de, certamente por lapso, a petição possuir os pontos de 1 a 14 em duplicado, com redacções diversas. De onde, passará a designar os “duplicados” como segundo ponto “x” ou segundo ponto “y”.
Por outro lado, o articulado da petição não é claro, quer em termos de conceptualização de suportes a analisar (diga-se, a título de exemplo que, um ponto de venda não é um suporte mas sim, um local onde poderão existir vários suportes que não devem ser designados por “material”) quer, de pretensão… Na realidade, e com o devido respeito, colocado perante o mesmo articulado, constata o Júri que a FROMAGERIES tão depressa considera a rotulagem da Flora como suporte publicitário, como entende ser ele, uma embalagem de género alimentício, em sede da qual é obrigatória a aposição de informações obrigatórias ao consumidor (em matéria de natureza, composição, quantidade, prazo de validade, utilidade e forma de utilização, preço e demais características relevantes dos respectivos bens e serviços).
Com efeito, a titulo de exemplo – e sem excluir – a Requerente alega na sua queixa que, “No topo e laterais da embalagem deste creme vegetal da marca FLORA consta, com especial relevo e destaque, a indicação de que o produto é feito “com leite dos Açores…” (sic. primeiro ponto 3) para, logo depois, parecer excluir da categoria “comunicação publicitária” a dita “indicação”, ao referir que “Tal informação (“Com leite dos Açores”) consta igualmente dos anúncios publicitários veiculados nos meios de comunicação social…” (sic. primeiro ponto 4) e que “Conforme resulta da lista de ingredientes constante do rótulo deste produto, inserida na base da embalagem, facilmente se constata que este creme vegetal para barrar tem apenas, na sua composição, 1 % de leite em pó magro (não sendo especificamente identificada a sua origem)” (sic. primeiro ponto 7), vindo elencar coimas aplicáveis por alegada violação do quadro legal em matéria de informações obrigatórias em rotulagem (cfr. pontos 39, 58. e 59) .
Em conformidade, concorda parcialmente o JE com a ULJM, quanto ao por esta alegado na contestação no sentido de que, “…importa não confundir, como o faz a queixosa, o que são menções obrigatórias que devem constar da rotulagem, de acordo com a lei, e claims publicitários”. (sic. art.º 16.º).
Em coerência, solicita-se à FROMAGERIES que, em peças processuais futuras observe as mencionadas precisão e clareza, a bem da desejável celeridade em matéria de auto-regulação.
Pelo exposto, cumpre ao Júri esclarecer que somente apreciará o teor de menções apostas na rotulagem da Flora que se possam considerar comunicações comerciais, vulgo, publicidade ou que, não o sendo, emprestem significado a claims publicitários por associação, porquanto tal é a competência material do ICAP, designadamente, nos termos do artigo 4.º dos seus Estatutos.
1.4. Dos factos
“Encontra-se a ser comercializado no mercado o produto da marca FLORA (tratando-se de um creme vegetal para barrar a 79 %, designação legal de acordo com o Regulamento (UE) nº 1308/2013), adiante designado “produto” ou “creme vegetal”…”, o qual “…é produzido pela sociedade FIMA – Produtos Alimentares, S.A. e é comercializado pela sociedade Unilever Jerónimo Martins, L.da (…)”. (sic. n.ºs 1 e 2 da queixa, cfr. art.º 2.º da contestação).
1.4.1. Das alegações publicitárias ou claims
Considerando a totalidade da comunicação comercial ao género alimentício “Flora” divulgada nos suportes rotulagem, televisão, Internet, MUPI, folheto, bem como gôndola e, ou, linear de supermercados, resulta da análise das peças processuais e dos documentos juntos pelas Partes serem as seguintes as alegações publicitárias ou claims objecto da questão controvertida (todos documentados em ANEXOS da queixa e abreviadamente designados por Docs):
A. Rotulagem (cfr. Doc. 3)
disclaimer (S1) “Com leite dos Açores”;
associado ao
– (i) claim “Flora derrete-te”;
B. Televisão (cfr. spot publicitário em CD rom)
disclaimer (S1) “Com leite dos Açores”;
associado ao
– (i) claim “Com leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora”;
C. Internet
disclaimer (S1) “Com leite dos Açores” associado a:
– (i) claim constante de cinco spots publicitários (cfr. CD rom)
– “Com leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora”;
– (ii) sítio da UNILEVER (cfr. Doc. 6)
Claims: “A marca Flora foi relançada com uma receita digna dos verdadeiros apreciadores de manteiga: um sabor intenso, com leite dos Açores, irresistível num bom pão quentinho acabado de sair do forno. A receita de Flora, para além de deliciosamente apetitosa, tem a vantagem de ter menos gordura saturada que a manteiga standard…”;
– (iii) comunicação de marca por “Hipersuper” (cfr. Doc. 10):
Disclaimer (S1) “Com leite dos Açores” associado a
Claims: ”…Na prova decisiva que é em casa dos consumidores, acreditamos que o intenso sabor a manteiga de Flora, resultante da nova receita com Leite dos Açores, vai conquistar os mais exigentes apreciadores”, explica Luís Gomes, Flora Brand Manager”.”;
D. MUPI (cfr. Doc. 4 junto à queixa):
Disclaimer (S1) “Com leite dos Açores” associado ao
– (i) claim “Delicioso sabor com leite dos Açores”;
E. Folheto, Gôndola e, ou, linear de supermercados (cfr. Docs. 5, 8 e 9 junto à queixa):
Disclaimer (S1) “Com leite dos Açores” associado aos claims
– (i) “Delicioso sabor com leite dos açores”;
– (ii) “A nova Flora foi feita a pensar nos verdadeiros apreciadores de manteiga: um sabor intenso, com leite dos Açores…”;
– (iii) “A receita de Flora, para além de deliciosamente apetitosa, tem a vantagem de ter menos gordura saturada que a manteiga standard…”;
F. Gôndola e, ou, linear de supermercados (cfr. Doc. 1 junto à queixa)
– (i) claim visual traduzido por “vacas a pastar”
seguido da referência:
– (ii) “po…nteiga” não completamente legível por aposição de preço com o
Disclaimer (S2) “creme para barrar”.
1.5. Das alegações das Partes
Considera a FROMAGERIES, em sede de petição que, a campanha publicitária da responsabilidade da Requerida ofende o quadro normativo ético-legal em matéria de princípio da veracidade aplicável à comunicação comercial e decorrente do Código de Conduta do ICAP, do Código da Publicidade – com a redacção introduzida pelo Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março – da Lei de Defesa do Consumidor e do Decreto-lei n.º 590/99, de 1 de Dezembro, o que a ULJM contradita em sede de contestação, defendendo a ética e a legalidade subjacentes à comunicação comercial da sua responsabilidade e juntando documentos.
2. Enquadramento ético-legal
Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código de Conduta do ICAP, “Todas as comunicações comerciais devem ser legais, decentes, honestas e verdadeiras”. Por seu turno, segundo a redacção do artigo 5.º daquele Código, “A comunicação comercial deve respeitar os valores, direitos e princípios reconhecidos na Constituição e na restante legislação aplicável”.
De onde, à luz da queixa do Requerente, importa averiguar se a comunicação comercial em lide é de molde a ofender o quadro ético-legal do princípio da veracidade aplicável às comunicações comerciais (cfr. artigos 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do Código de Conduta do ICAP, 7.º, n.º 1, alínea b) e 9.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, relativo às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores).
Em conformidade, cumpre ao Júri atender, não só ao disposto no artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) daquele Código de Conduta, sob a epígrafe “Veracidade”, como ao consignado no n.º 1, alínea b) do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março. Ora, segundo a mesma, “É enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que este não teria tomado de outro modo“, sendo que um desses elementos é o das “…características principais do bem ou serviço, tal como (…) a sua composição” (b)”.
Por seu turno, de acordo com a redacção do artigo 9.º, n.º 1, alíneas a) e b) daquele Decreto-lei, sob a epígrafe ”Omissões enganosas”, “Tendo em conta todas as suas características e circunstâncias e as limitações do meio de comunicação, é enganosa, e portanto conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que não teria tomado de outro modo, a prática comercial: a) Que omite uma informação com requisitos substanciais para uma decisão negocial esclarecida do consumidor; b) Em que o profissional oculte ou apresente de modo pouco claro, ininteligível ou tardio a informação referida na alínea anterior” admitindo-se, contudo, a excepção prevista no n.º 2 do mesmo preceito legal:
“Quando o meio de comunicação utilizado para a prática comercial impuser limitações de espaço ou de tempo, essas limitações e quaisquer medidas tomadas pelo profissional para disponibilizar a informação aos consumidores por outros meios devem ser tomadas em conta para decidir se foi omitida informação” (negrito e sublinhado do JE).
Acresce que, foi entendido, quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matérias de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. actual n.º 3 do artigo 11.º) nos termos da qual se presumem como inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado dos artigos 5.º e 12.º do Código de Conduta do ICAP se encontra em consonância, pelo que impende sobre ULJM, o ónus da prova das alegações publicitárias em lide.
2.1. Da alegada prática de publicidade enganosa
2.1.1. Do disclaimer “Com leite dos Açores” contido na rotulagem
No que diz respeito à embalagem da Flora, cuja cor branca alega a Requerente ter sido deliberadamente escolhida com o intuito de gerar a convicção junto do consumidor médio de que aquela é uma manteiga (cfr. ponto 28 da queixa), cumpre ao Júri esclarecer que, mais uma vez (cfr. ponto 1.3. supra), tal é uma questão que extravasa a competência material do ICAP. De facto, em si mesma, a cor branca de uma embalagem não consubstancia uma alegação publicitária.
Colocado perante o articulado da petição e, concretamente, dos primeiros pontos de 3. a 10., conclui o JE que a FROMAGERIES considera a rotulagem da Flora como suporte publicitário e não, somente, como recipiente de género alimentício em sede do qual é obrigatória a aposição de informações obrigatórias ao consumidor, em matéria de natureza, composição, quantidade, prazo de validade, utilidade e forma de utilização, preço e demais características relevantes dos respectivos bens e serviços.
Ora, entende o Júri que tais informações ou disclaimers somente serão aptas, per se, a propiciar quaisquer juízos de valor promocionais junto do destinatário1 – e, logo, a serem consideradas comunicações comerciais, caso, cumulativamente:
– Possuam um destaque não obrigatório por lei e, para além dele, o que acontece in casu, com a menção aposta na rotulagem da Flora “Com Leite dos Açores” (cfr. Doc. 3);
– Não consubstanciando em si mesmas algo que não seja uma mera informação ao consumidor ou um disclaimer, “resvalem” para o conceito de publicidade, por via de uma associação verbal e, ou, visual com claims que lhes alterem o significado.
Entende o Júri que a rotulagem da Flora (e só a rotulagem) se insere no primeiro dos casos elencados, porquanto o disclaimer “Com Leite dos Açores” terá o mesmo significado, quer se encontre isolado nos rótulos da Flora, quer se encontre associado ao claim “Derrete-te”.
Com efeito, analisados o teor dos Docs. 1 e 2 juntos à contestação, conclui o JE que a ULJM logrou provar que a Flora contém Leite dos Açores em 1%, o que, embora traduzindo uma percentagem residual, não deixa de corresponder à verdade. Com efeito, a relevância da averiguação da “suficiência” da percentagem de 1% de Leite dos Açores em pó – para efeitos de conformidade ou desconformidade com o quadro ético-legal em matéria de princípio da veracidade da comunicação comercial -, não se reporta ao disclaimer “Com Leite dos Açores” per se, aposto na embalagem de Flora. Dito de outra forma, o prestígio associado à utilização do leite dos Açores na composição de um género alimentício, dificilmente se poderá estabelecer através de níveis percentuais não legalmente definidos, caso conclusões diversas da mera composição, não se retirem do disclaimer correspondente, destacado ou não.
Pelo exposto, no que tange à comunicação comercial veiculada através de rotulagem, não se subscreve o alegado pela Requerente no sentido de que, se associa “… assim, o sabor da manteiga ao leite dos Açores e sugerindo idêntico sabor para este produto que é feito “Com leite dos Açores” – embora com apenas 1% de leite magro em pó!)”. (sic. ponto 30 da queixa).
Tal, muito embora – e com a devida vénia -, o Júri considere uma falácia, o invocado pela ULJM em sede de contestação no sentido de ser de notar que, “…a utilização de leite em pó numa determinada quantidade é equivalente à utilização de leite em estado líquido, bastando para tal que o leite seja “reconstituído” pela adição de água. Ou seja” (sic. art.º 6.º) “Em concreto, 1 Kg de leite em pó pode ser reconstituído à razão de 1 Kg para 11 litros – cfr. documento nº 2.” (sic. art.º 7.º) e que “Como tal, a actual referência na lista de ingredientes a “leite magro em pó (1%)” poderia também ser designada por “leite magro reconstituído (11,4%)”. (sic. art.º 8.º). De facto, constitui posição do JE que, o teor dos docs. 1 e 2 juntos à contestação não é de molde a permitir tais conclusões por parte da Requerida mas, apenas, a ilação de que Flora contém Leite dos Açores.
Pelo exposto, conclui o JE que, a menção “Derrete-te”, único claim aposto na rotulagem em associação ao disclaimer colocado em crise (cfr. Doc. 3), não induz a percepção do consumidor médio, no sentido de que a Flora é uma manteiga e não, um creme vegetal para barrar, de que a mesma Flora tem gosto a manteiga e, ou – por maioria de razão – de que goza do prestígio da manteiga feita com leite dos Açores.
2.1.1.1. Do disclaimer da rotulagem “Com leite dos Açores” associado a claims veiculados noutros suportes
Entende o Júri que da redacção do artigo 9.º, n.º 2 do Decreto-lei 57/2008, de 26 de Março, segundo a qual, “Quando o meio de comunicação utilizado para a prática comercial impuser limitações de espaço ou de tempo, essas limitações e quaisquer medidas tomadas pelo profissional para disponibilizar a informação aos consumidores por outros meios devem ser tomadas em conta para decidir se foi omitida informação” (aqui aplicável por força dos supra mencionados artigos 4.º e 5.º do Código de Conduta do ICAP), decorrem as seguintes conclusões:
– Uma campanha publicitária deve ser analisada como um todo, tendo que ser os respectivos claims avaliados por referência ao contexto propiciado pelo conjunto dos vários suportes em que for veiculada;
– A informação prestada por outros meios com mais espaço – ao permitir integrar o significado da comunicação comercial veiculada naqueles que o não tenham -, caso traduza uma inverdade, poderá determinar que os claims ou disclaimers cujo significado visem completar, consubstanciem uma prática de publicidade enganosa por associação.
Se este é ou não, o caso do disclaimer “Com leite dos Açores”, é o que se verá no ponto seguinte.
2.1.2. Dos claims veiculados através de páginas da Internet, MUPI, folheto e lineares ou gôndolas de supermercado
Concluiu o JE no ponto anterior que, a menção “Derrete-te”, único claim aposto na rotulagem em associação ao disclaimer colocado em crise (cfr. Doc. 3), não induz a percepção do consumidor médio, no sentido de que a Flora é uma manteiga e não, um creme vegetal para barrar; de que a mesma Flora tem gosto a manteiga e, ou – por maioria de razão – de que goza do prestígio da manteiga feita com leite dos Açores.
Igual conclusão não pode retirar o Júri, no que diz respeito à associação do disclaimer “Com Leite dos Açores”, contido na rotulagem de Flora, a alegações publicitárias veiculadas noutros suportes, associação essa que lhe empresta um significado diverso e muito mais abrangente. Quer-se com isto defender que, no momento em que através dos suportes Internet, MUPI, folheto, bem como linear e, ou, gôndola de supermercado figure sempre a imagem da embalagem de Flora em que é visível o disclaimer em causa, quaisquer claims associados (que sejam susceptíveis de criar junto do consumidor médio, a convicção de que Flora com leite dos Açores tem um delicioso sabor por esse facto alegado ou de que o mesmo sabor é o de manteiga e, ou, de que pode satisfazer os apreciadores desta, como se de manteiga se tratasse), obrigariam à comprovação por parte da ULJM de que a percentagem de 1% de leite dos Açores em pó contida no produto é determinante para a veracidade, agora sim, do nexo de causalidade entre tal percentagem e os alegados atributos da nova Flora.
Por referência a tal entendimento e analisados os documentos juntos aos autos com a contestação, constitui posição do JE que a ULJM não logrou provar a existência do supra referido nexo de causalidade e, por maioria de razão, a veracidade das seguintes alegações publicitárias:
– (i) “A marca Flora foi relançada com uma receita digna dos verdadeiros apreciadores de manteiga: um sabor intenso, com leite dos Açores…; “ A receita de Flora, para além de deliciosamente apetitosa, tem a vantagem de ter menos gordura saturada que a manteiga standard…”. (Cfr. Doc.6 da queixa traduzido por cópia de sítio da Internet da ULJM);
– (ii) ”…Na prova decisiva que é em casa dos consumidores, acreditamos que o intenso sabor a manteiga de Flora, resultante da nova receita com Leite dos Açores, vai conquistar os mais exigentes apreciadores…”, (Cfr. Doc. 10 junto à queixa e consubstanciado por cópia de comunicação de marca em página da Internet intitulada “Hipersuper”);
– (iii) “Delicioso sabor com leite dos Açores”, (cfr. Doc. 4 da queixa, traduzido por cópia de comunicação em MUPI);
– (iv) “Delicioso sabor com leite dos açores”; “A nova Flora foi feita a pensar nos verdadeiros apreciadores de manteiga: um sabor intenso, com leite dos Açores…”; A receita de Flora, para além de deliciosamente apetitosa, tem a vantagem de ter menos gordura saturada que a manteiga standard…”, (cfr. Docs. 1, 5, 8 e 9 da queixa e referentes a publicidade aposta em folhetos, lineares e, ou, gôndolas);
– (v) claim visual traduzido por “vacas a pastar”, seguido da referência “po…nteiga”, com aposição de preço com o disclaimer “creme para barrar”, (cfr. Doc. 1 junto à queixa, consubstanciado por cópia publicidade em linear de supermercado).
Termos em que o Júri entende que a totalidade das alegações publicitárias que ficaram elencadas configura uma prática de publicidade enganosa, por desconformidade com o disposto nos artigos 4.º, 5.º, 9.º, nºs 1 e 2, alínea a) e 12.º do Código de Conduta do ICAP, bem como no n.º 1, alínea b) do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março.
2.1.3. Do claim “Com leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora”
A alegação publicitária “Com leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora” consta de spots publicitários divulgados nos suportes televisão e Internet (cfr. ponto 1.3.1., B e C, (i) supra e CD rom junto à queixa).
2.1.3.1. Da alegada prática de publicidade enganosa de tom exclusivo
Alega a FROMAGERIES em sede de petição que, “…ao publicitar-se que “com leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora” (…) parece pretender-se deixar a ideia junto dos consumidores de que mais nenhum produto concorrente, com leite dos Açores, pode ter um óptimo sabor.” (sic. ponto 21.) acrescentando que, “Existe aqui a ideia de causalidade directa entre a utilização do leite dos Açores e o sabor do produto, seguida da conclusão de que o preenchimento destas duas premissas só pode resultar num único produto: Flora” (sic. ponto 22) “Como se apenas este produto Flora é que pudesse deter a exclusividade do sabor associado ao leite dos Açores.” (sic. ponto 23).
O Júri discorda deste entendimento da Requerente.
A publicidade de tom exclusivo constitui uma modalidade de publicidade que a doutrina estrangeira (maxime a alemã e a espanhola) tem definido como aquela através da qual “o anunciante pretende excluir da posição que ocupa os restantes concorrentes (…) alcançando uma posição superior à dos seus rivais” (vd. Carlos Lema Devesa in “La Publicidad de Tono Excluyente”, Editorial Moncorvo, 1980), limitando-se “a realçar a sua posição de proeminência isolada sem fazer nenhuma referência directa aos seus concorrentes” (vd. Anxo Tato Plaza in “La Publicidad Comparativa”, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A. Madrid, 1996, p.50).
No entender do Júri, dizer-se “com Leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora” não equivale a afirmar-se “Só a Flora, com leite dos Açores é tão saborosa”, “Só a Flora tem o sabor do leite dos Açores” ou, ainda, a tecer-se qualquer outra alegação com significado equivalente ao das duas últimas, estas sim, que seriam publicidade de tom exclusivo.
Dito de outra forma, dos pontos de vista pragmático e sintáctico, o claim da responsabilidade da Requerida não possui o significado de tom exclusivo que a Requerente defende.
Refere-se aqui o Júri à subdivisão morrisiana (vd. C. Morris in Foundations of the Teory of Signs, Encyclopedia of Unified Science, 1, 2, Chicago, 1938), de acordo com a qual o significado de um termo pode ser indicado em função da reacção psicológica de quem o recebe, e esse é o aspecto pragmático; o aspecto semântico prende-se com a relação entre signo e Indicação ou significado (denotatum); por fim, o aspecto sintáctico reporta-se à organização dos termos empregues num determinado discurso.
De facto, o chamado consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido e informado, não concluirá que mais nenhum creme vegetal para barrar ou mesmo, qualquer manteiga, será tão saboroso, ou terá o gosto decorrente do leite dos Açores, como Flora…Ou que, segundo alega a FROMAGERIES, “Como se apenas este produto Flora é que pudesse deter a exclusividade do sabor associado ao leite dos Açores.” (Cfr. ponto 23 da contestação).
Entende o Júri, sim, que a alegação publicitária “Com Leite dos Açores (…) só podia ser Flora” consubstancia uma prática de publicidade enganosa por induzir o consumidor médio em erro quanto ao nexo de causalidade entre o leite dos Açores e o sinal forte da marca Flora, o qual nunca foi, nem é, o de um creme vegetal com leite dos Açores. Logo, ao possuí-lo (seja qual for a percentagem em que o possua), nunca poderia ser Flora.
É, aliás, a própria ULJM que o admite, ao referir no seu site de Internet que, “A marca Flora foi relançada com uma receita digna…” (cfr. Doc. 6 junto à queixa) e na sua comunicação de marca por “Hipersuper” que ”…o intenso sabor a manteiga de Flora, resultante da nova receita com Leite dos Açores, vai conquistar os mais exigentes apreciadores”, (cfr. Doc. 10).
Na medida em que o sinal forte de uma marca, bem, produto ou serviço é indissociável das características essenciais que o definem, duas conclusões se permite o JE retirar do claim colocado em crise:
– a marca relançada não corresponde ao sinal forte da Flora, sem leite dos Açores estabelecido junto do consumidor, ao longo de vários anos de comercialização do creme vegetal para barrar;
– se a marca é “relançada” com “nova receita com Leite dos Açores”, “só pode ser Flora” ao arrepio do princípio da veracidade em matéria de comunicações comerciais. Com efeito, trata-se de uma falácia em que a conclusão não decorre da premissa, porquanto o sinal forte da marca – configurado pelo conjunto das principais características pelas quais é conhecida junto do consumidor – não é ditado, em termos lógicos, pelo prestígio do leite dos Açores (ou dos produtos seus derivados, como é o caso das manteigas), igualmente valendo aqui, por maioria de razão, as conclusões a que o Júri chegou no ponto 2.1.2. relativas a associação entre claims a avaliar no contexto de uma campanha conjugada.
Assim, considera o Júri que a alegação publicitária “com Leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora” configura uma prática de publicidade enganosa, por desconformidade com o disposto nos artigos 4.º, 5.º, 9.º, nºs 1 e 2, alínea a) e 12.º do Código de Conduta do ICAP, bem como no n.º 1, alínea b) do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março.
2.2. Conclusão
Pelo exposto, o Júri entende que a comunicação comercial em lide veiculada nos seus vários suportes – com excepção da rotulagem -, é susceptível de induzir o consumidor médio em erro quanto às “características” e “composição” do seu produto Flora, consubstanciando, deste modo, uma prática de publicidade enganosa.
3. Decisão
Termos em que a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da ULJM – veiculada nos suportes televisão, Internet, MUPI, folheto, bem como gôndola e, ou, linear de supermercados – em apreciação no presente processo, se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 12.º do Código de Conduta do ICAP e 10.º e 11.º do Código da Publicidade, o último, com a redacção do artigo 7.º, n.º 1, alínea b) introduzida pelo Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurados pelo JE. »
A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP