13J/2014
Recurso
Beiersdorf Portugal
vs.
Unilever Jerónimo Martins
COMISSÃO DE APELO
Proc. n.º 13J/2014
Recorrente:
“BEIERSDORF PORTUGAL”
versus:
“UNILEVER JERÓNIMO MARTINS, LDA.”
I- RELATÓRIO
1. A queixosa veio requerer ao Júri de Ética (JE) do Instituto Civil da Autodisciplina da Comunicação Comercial (ICAP) a apreciação da licitude da campanha publicitária da autoria da denunciada, iniciada em Portugal em 23 de Março de 2014, referente ao produto da Unilever “Dove Invisible Dry”, um desodorizante, e ao alegado “efeito” 100 cores, pedindo que:
a) se declare que a mensagem publicitária da Unilever da campanha publicitária “Dove Invisible Dry 100 Cores” viola o princípio da veracidade, previsto nos artigos 9.º, n.º 1, alínea a) do Código de Conduta do ICAP e 10.º do Código da Publicidade; constitui publicidade enganosa, especificamente violando os artigos 9.º do Código de Conduta do ICAP e 11.º do Código da Publicidade; constitui prática enganosa proibida pelo Decreto-Lei n.º 57/2008 de 26.03, em concreto identificada no artigo 7.º, n.º 1, alínea b), deste diploma;
b) se ordene a cessação imediata da campanha publicitária “Dove Invisible Dry 100 Cores” e a respectiva recolha de todo o material publicitário alusivo à referência 100 cores na promoção do produto Dove Invisible Dry; a alteração dos rotulos de todas as embalagens do produto, com eliminação da referência 100 cores ou qualquer outra no âmbito desta campanha, e a proibição da utilização de expressões 100 cores ou qualquer expressão que indique a eficácia em 100 cores ou diversas cores claras e escuras.
Na denúncia identifica a campanha publicitária e alega que a mesma foi projectada para enfatizar propriedades e acção anti-manchas do produto Dove Invisible Dry de uma forma enganosa, procurando, em especial, incutir a ideia errada de que se trata de um desodorizante com uma acção anti-mancha especificamente eficaz em todos os tipos de manchas, incluindo manchas amarelas (que surgem nos tecidos de cor clara), o que não é verdade, concluindo que a campanha publicitária em causa é ilegítima por constituir publicidade enganosa, nos termos do art.º 11º do Código da Publicidade , por violar o princípio da veracidade previsto no art.º 9º do Código de Conduta do ICAP (CCICAP) e nos art.ºs 10º e 11º do CP e por constituir prática enganosa, proibida pelo art.º 7º nº 1 al. b) do DL 57/2008.
Contestou a denunciada pedindo que se julgue improcedente a queixa apresentada.
Começa por aceitar como boa a distinção feita na queixa quanto ao tipo de manchas provocadas pelos desodorizantes, as manchas brancas, que surgem aquando do contacto da roupa com o desodorizante acabado de aplicar e as manchas amarelas, que surgem gradualmente nas roupas, em resultado da interacção do desodorizante com a transpiração e o detergente utilizado na lavagem da roupa. Alega, depois, que se propõe demonstrar: que a sua campanha e inerentes alegações publicitárias dizem respeito apenas às manchas brancas, provocadas pelo contacto do desodorizante com a roupa imediatamente após a sua aplicação; que as referências constantes das embalagens de Dove Invisible Dry são inequívocas relativamente à mensagem que transmitem para o consumidor quanto à sua acção anti-manchas dizer apenas respeito a manchas brancas; que o produto Dove Invisible Dry foi efectivamente testado em 100 cores, tendo o resultado sido o da inexistência de manchas brancas; que o produto Dove Invisible Dry é igualmente eficaz na acção anti manchas amarelas, provocadas pela interacção do desodorizante com a transpiração e o detergente utilizado na lavagem da roupa; que ainda que o consumidor percepcionasse a campanha ora em causa como abrangendo as chamadas manchas amarelas, não obstante a mesma não seria enganosa, concluindo que a mensagem publicitária em causa é perfeitamente lícita.
2. Prosseguindo os autos os seus regulares termos veio a 1ª Secção do JE do ICAP a deliberar que a “a comunicação comercial da responsabilidade da UJM não viola quaisquer dos dispositivos objecto de queixa.”
3. É desta decisão que, inconformada, a queixosa vem recorrer, apresentando alegações nas quais requerer que esta Comissão de Apelo (CA) revogue aquela deliberação e declare que a mensagem publicitária em causa viola o referido princípio e disposições legais, ordenando a sua cessação imediata, nos termos requeridos.
4. A denunciada apresentou contestação ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
5. Cumpre apreciar e decidir.
II- FUNDAMENTAÇÃO
1. De facto
Analisando a prova constante dos autos, documental e não impugnada, consideram-se provados os seguintes factos:
1. A denunciada está a proceder a uma campanha publicitária, desde 23 de Março de 2014, relativa ao produto Dove Invisible Dry, feita através de spots televisivos, difundidos em vários canais nacionais, na internet no canal You Tube e também mediante menções publicitadas na embalagem do produto e em materiais de pontos de venda;
2. A mencionada campanha de spots televisivos, na sua essência, descreve-se nos seguintes termos:
“Convidámos mulheres a experimentar o novo Dove Invisible Dry em 100 cores”.
Uma narradora pergunta: “Adivinhe que cor escolheu a Bia?”
A Bia refere que o vermelho é a sua cor favorita e diz “…ter um desodorizante que não deixa marcas nas minhas roupas favoritas é realmente fantástico”.
Segue-se a afirmação “Dove apresenta Invisible Dry, o primeiro desodorizante que não deixa marcas em 100 cores”.
O número “100” aparece na tela cheia, obtido pela sobreposição de uma camada branca, com o número “100” cortada fora dele, num fundo constituído por uma pluralidade de tecidos coloridos. Tecidos com cores claras, como branco/cinza claro, verde-claro, azul claro e rosa claro podem ser vistos, em especial no interior do número “100”.
O anúncio termina com a locutora a ler a frase que ocupa todo o ecrã “Novo Dove Invisible Dry. Invisível em 100 cores”.
3. Numa outra divulgação na internet revela-se uma acção de marketing da Unilever no âmbito da promoção do produto, na qual aparece distintamente a promoção efectuada pela própria Unilever, onde se lê:
“Invisível em 100 Cores. Não apenas no Preto e Branco”
4. A mesma menção, “não apenas no preto e no branco”, é publicitada nos supermercados e hipermercados nacionais onde são criados “callers” para os produtos.
5. Na embalagem do produto Dove “Invisible Dry” a frente da embalagem tem um selo circular contendo a expressão “Tested on 100 colours”, onde, aliás e uma vez mais, o número “100” apresenta uma série de riscas verticais coloridas e é ainda possível visualizar na embalagem (rótulo traseiro de superfície) a expressão: “anti white marks” – anti manchas blancas.
2. Jurídica e ética
Perante as alegações da recorrente e nomeadamente as conclusões aí contidas, são três as questões que as mesmas nos convocam a dilucidar e a resolver, e assim sendo, serão apenas três as questões a analisar, o que irá ser feito de seguida.
1ª: A decisão recorrida não atendeu, em concreto, ao conceito de consumidor comum, atento e razoavelmente informado, impondo-se nessa matéria encontrar o público-alvo e analisar as expectativas e o conhecimento que esse público-alvo terá do produto desodorizante, devendo assim ser alterada a deliberação do Júri neste ponto, analisando a campanha “Dove Invisible Dry 100 Cores” à luz desse conceito de consumidor?
A recorrente alega que na sua deliberação o JE se teria alicerçado num conceito de “consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido” sem ter manifestado qual o seu entendimento nesta matéria, tendo no entanto valorado implicitamente esse “consumidor médio, atento e razoavelmente informado” como um consumidor totalmente conhecedor do mercado e diferentes propostas e produtos na área dos desodorizantes.
Porém, na perspectiva da recorrente, tal “consumidor médio”, in casu, deve ser definido como a generalidade da população portuguesa em idade adulta, procurando um produto cujo preço é baixo e que se destina à satisfação de uma necessidade imediata de higiene pessoal, sem um conhecimento específico do sector e características técnicas do produto e confrontado com uma extensíssima gama e oferta de produtos no segmento desodorizante, devendo assim ser alterada a deliberação do Júri neste ponto, analisando a campanha “Dove Invisible Dry 100 Cores” à luz desse conceito de consumidor.
Vejamos.
Se é verdade que na decisão recorrida se parte da perspectiva de que a campanha dever ser aferida pelo «consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido», sem no entanto se definir o que seria, em concreto e in casu esse “consumidor médio”, já não pode aceitar-se a alegação da recorrente de que naquela decisão se fez uma valoração, implícita, desse consumidor como sendo “totalmente conhecedor do mercado e diferentes propostas e produtos na área dos desodorizantes”
Com efeito, o que se fez na decisão recorrida foi uma valoração, ou seja, partindo da perspectiva do «consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido» – ainda que não definido – concluir que “a mensagem percepcionada” pelo mesmo em momento algum era a de que os “spots” se referiam “a outras manchas que não aquelas que surgem no momento após a aplicação do desodorizante anunciado”.
Quanto ao acerto, ou não, desta valoração, é questão que irá ser objecto de análise e ponderação no item seguinte.
No âmbito desta 1ª questão importa apenas referir que acompanhamos, no essencial, as considerações teóricas, legais e jurisprudenciais invocadas pela recorrente sobre o conceito de «consumidor comum, razoavelmente atento e informado».
Apenas acrescentaremos que, de alguma forma, o CCICAP já acolhe tais considerações quando nele se estabelece que a avaliação das comunicações pelo possível impacte no “consumidor médio” e “atendendo ainda às características do público-alvo” (art.º 3º nº 2), bem como atendendo aos “conhecimentos, a experiência e a capacidade de discernimento de um consumidor médio, ou aquele a quem especialmente se destina, tendo em conta os factores sociais, culturais e linguísticos” (art.º 3º nº 3), presumindo-se que aquele consumidor médio possui “um grau razoável de experiência, de conhecimento e bom senso, e detenha uma razoável capacidade de observação e prudência” (art.º 3º nº 5).
Assim, não nos repugna aceitar que o exercício que a recorrente faz de definição de “consumidor comum”, para o caso concreto, está no essencial correcto, embora o conceito se possa precisar, como se fará na parte final deste item.
Porém, que daí deva decorrer uma alteração da decisão do JE, neste ponto, é que não nos parece que faça sentido ou tenha fundamento. Desde logo porque não há nenhuma decisão do júri neste aspecto, nem tinha que haver, dado que o que JE tinha que decidir – e decidiu – era a pretensão da queixosa. Isto sem prejuízo de, para assim decidir, a campanha publicitária em causa dever ser analisada à luz ou segundo a perspectiva do tal “consumidor comum ou médio”, colocando-se assim o julgador na posição desse consumidor.
Em conclusão e em resumo, não há qualquer fundamento para alterar a deliberação do JE sobre o conceito de consumidor médio ou comum, atento e razoavelmente informado, até porque nenhuma deliberação foi tomada nesse sentido, sem prejuízo de a campanha publicitária em causa dever ser analisada na perspectiva do tal consumidor comum ou médio. Que, in casu, se considera ser a generalidade da população portuguesa em idade jovem ou adulta, procurando um produto destinado à satisfação de uma necessidade de higiene pessoal, com um preço acessível, sem conhecimento específico do sector e características técnicas do produto desodorizante e confrontado com uma vasta gama e oferta de produtos nesse segmento.
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2ª: A campanha publicitária em causa, apreciada no conjunto global de todos os suportes e por referência ao consumidor médio antes encontrado, é direccionada a todo o tipo de manchas e não apenas vocacionada para as manchas brancas?
A recorrente insurge-se contra a metodologia adoptada pelo JE de ter feito uma análise da publicidade em vídeo (incluído spots televisivos e suportes de internet) seguida de uma análise à publicidade escrita e teor publicitário das próprias embalagens dos produtos e não ter apreciado a campanha publicitária no conjunto global de todos os suportes indicados e apresentados. Considera ainda que, se o JE assim tivesse procedido, como deveria, e por referência ao consumidor médio antes encontrado, não teria deixado de concluir que se tratava de uma campanha direccionada a todo o tipo de manchas e não, como pretende fazer crer a recorrida, apenas vocacionada para as manchas brancas.
Analisada a argumentação da recorrente, afigura-se-nos que não lhe assiste razão.
Desde logo quanto à crítica à metodologia do JE.
Admitindo com efeito que, em certas circunstâncias , o juízo sobre a licitude ou não da campanha publicitária se tenha de fazer numa perspectiva do conjunto global da campanha em causa, essa necessidade não se justifica na campanha publicitária da recorrida, ora em análise.
Ou seja, in casu, qualquer um dos suportes publicitários ao produto em causa transmite uma mensagem completa sobre o produto publicitado, pelo que a sua eventual ilicitude pode, e deve, ser aferida em relação a cada um dos suportes. Aliás, compreende-se que normalmente assim seja pois os veículos publicitários procuram atingir vários tipos de consumidores e estes farão normalmente a sua opção de consumo apenas com base num dos veículos publicitários, ou pelo menos sem necessariamente os terem visualizado a todos.
Neste sentido pode invocar-se o nº 2 do art.º 3º do CCICAP no sentido de que “dadas as particulares características dos diversos meios, a comunicação aceitável num suporte não o é necessariamente noutro”, devendo assim as comunicações ser avaliadas atendendo ao “meio utilizado”. Daqui decorre também que, em abstracto e perante uma análise dessa natureza, a campanha publicitária em causa pode ser lícita em determinado suporte publicitário e não o ser noutro, no pressuposto claro que são diferentes os termos ou menções usados em ambos os suportes.
Mas também não cremos que assista razão à recorrente quando pretexta que o JE, tendo por referência o consumidor médio antes encontrado, não poderia deixar de concluir que se tratava de uma campanha direccionada a todo o tipo de manchas e não apenas vocacionada para as manchas brancas.
Na verdade, em face dos spots televisivos (quer imagens, quer acção dos intervenientes quer texto que os acompanham) cremos que a mensagem normalmente percepcionada pelo referido consumidor médio é a de que produto é destinado a evitar a visibilidade das manchas brancas que surgem na roupa após a aplicação do desodorizante. A circunstância de não termos nenhuma acção, imagem ou texto, escrito ou oral, que sugira ou transmita ideia diferente, nomeadamente acção ou imagem de lavagem da roupa e constatação da inexistência de mancha, após essa lavagem, ou texto a indicar a eficácia do produto em relação a todas as manchas ou independentemente das vezes em que foi usada a mesma peça de roupa, não pode permitir a conclusão de que o consumidor médio ficou com a percepção de que o produto evita o aparecimento de manchas amarelas ou que o produto se destina a evitar o aparecimento de todo o tipo de manchas.
Por outro lado, dos demais suportes publicitários, embalagem do produto e as menções constantes dos postos de venda, também não cremos que o consumidor médio conclua que se trata de uma campanha direccionada a todo o tipo de manchas e não apenas vocacionada para as manchas brancas.
Aliás, em face da embalagem do produto, afigura-se-nos mesmo difícil que tal conclusão se possa extrair pois o mesmo tem aposto, ainda que na parte de trás, mas de forma bem visível, e aliás até em letras maiores do que o resto do texto aí inserido, as expressões “anti white marks” e “anti-manchas blancas”. Por outro lado, essas embalagens são as que estão nos postos de venda pelo que essa característica do produto, destinado a evitar manchas brancas, é facilmente perceptível para o consumidor medianamente atento e não lhe passará despercebida.
A recorrente, embora sem o afirmar expressamente, parece procurar fundar o carácter enganoso da publicidade em causa numa atitude da recorrida de procurar confundir o consumidor, com a ligação entre a menção da “invisibilidade” do produto em “100 cores” ou de “não deixar marcas em 100 cores” e a outra menção “não é apenas no preto e no branco”.
Mas afigura-se-nos que também sem fundamento.
Atente-se que, na verdade e nos termos da factualidade provada, esta menção “não é apenas no preto e no branco” apenas surge nos postos de venda e numa divulgação na internet, sendo certo que naqueles postos de venda está também o produto publicitado e neste está aposta a menção da sua eficácia “anti white marks” e “anti-manchas blancas”. Logo, perante esta realidade e o facto de os spots televisivos não terem aquela menção, não pode considerar-se que estamos perante uma estratégia global de engano, que afectasse toda a campanha publicitária em relação a todos os veículos publicitários. Apenas se poderia colocar em causa a eventual ilicitude da publicidade naqueles suportes publicitários em que aparecesse aquela menção ligada ao preto e ao branco.
Mas nem isso acontece, a nosso ver. Com efeito, das menções a “100 cores” e “não é apenas no preto e no branco”, não pode extrair-se que o consumidor médio, atento e normalmente informado, percepciona que o produto em causa é eficaz contra todo o tipo de manchas. Na verdade, não sabendo o consumidor médio qual a concreta causa de cada tipo de mancha, amarela ou branca, como a própria recorrente admite, não é pelo facto de se fazer referência à eficiência de um produto em 100 cores, incluindo nestas o preto e o branco, que isso o vai a levar a concluir que o produto publicitado é eficaz contra aqueles dois tipos de manchas ou todo o tipo de manchas.
Aliás não pode deixar de se salientar que há aqui alguma incongruência na argumentação da recorrente pois, segundo esta, para este consumidor médio, razoavelmente atento e informado, “não é, seguramente, consabido que as manchas amarelas são produzidas pelo decurso do tempo e a interacção do desodorizante com o suor e outros agentes químicos” (cfr. nº 36 das alegações de recurso) e que as “manchas amarelas … aparecem gradualmente na roupa, independentemente da sua cor” (nº 8 da sua queixa).
Numa perspectiva de análise exaustiva da questão, não pode deixar de se admitir que a referência “não apenas no preto e no branco” e a circunstância de nos produtos da concorrência, nomeadamente da recorrente (cfr. docs nºs 9 a 14 juntos com as alegações de recurso), aparecerem desenhadas peças de roupa preta e branca, isso possa levar alguns consumidores a associar – indirectamente – o produto publicitado pela recorrida como equivalente pelo menos, em termos de eficiência anti-manchas, ao produto da recorrente e a fazerem a sua opção de compra, nessa base. Mas esse, seguramente, não será um “consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento», nos termos atrás explicitados. Atento não é, com certeza, pois não atentou que no produto da recorrente apenas aparece desenhada uma peça de roupa preta e também não é normalmente informado, pois então não leu as características dos produtos, já que o produto da recorrida se anuncia apenas “anti white marks” e “anti-manchas blancas”, ao contrário do da recorrente que se anuncia como “anti-manchas brancas” e “anti-manchas amarelas” (cfr. docs. juntos com a contestação da recorrida).
Em conclusão, não cremos que tenha fundamento a argumentação da recorrente de que a campanha publicitária em causa é direccionada a todo o tipo de manchas, nomeadamente as manchas amarelas e que, por isso, constitua uma prática enganosa ou publicidade enganosa, violadora do princípio da veracidade, nos termos das disposições legais acima citadas e do referido preceito do CCICAP.
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3ª: Houve errada avaliação da prova documental, devendo o estudo da sociedade italiana GNResearch, apresentado pela queixosa, ser considerado uma pesquisa de consumidor em relação à campanha concreta?
A recorrente argumenta que na decisão do JE se fez uma opção de valorar o estudo apresentado pela recorrida (da Blue Yonder) com base num critério, o de ser um “estudo nacional”, que não se verifica, pois tanto esse estudo como o apresentado pela recorrente (da GNReserach) são estudos realizados no estrangeiro, devendo assim considerar-se como determinante o estudo apresentado pela recorrente e, bem assim, a decisão do Júri do Istituto dell’Auto Disciplina Pubblicitária, quanto a publicidade semelhante levada a cabo em Itália.
Não deixando de se assinalar que o pressuposto considerado na decisão do JE, o de que o estudo apresentado pela recorrida se referia “em concreto ao mercado português”, não se afigura correcto, daí não podem retirar-se as consequências que a recorrente pretexta, até pela natureza e finalidades dos estudos em causa.
O documento junto pela recorrida corresponde a um estudo de mercado da autoria de uma entidade externa independente, a Blue Yonder, cujas conclusões não foram colocadas em causa pela recorrente, apenas procurando a mesma salientar que tais conclusões apenas se podem referir às manchas brancas. Esse estudo, realizado num universo de 120 mulheres, consistia na aplicação do produto Dove Invisible Dry e, seguidamente, envergarem t-Shirts de 120 cores diferentes, após o que era seguido de respostas a um conjunto de questões relacionadas com a invisibilidade do dito produto após 5 a 7 horas. As respostas obtidas (cfr. fls 7 desse estudo) são concludentes e permitem a ilação de que o produto em causa foi efectivamente testado em 100 cores, sendo verdadeira a afirmação segundo a qual o produto, após aplicado, não provocou manchas em 100 cores.
Nesta medida estamos perante um estudo que comprova as menções constantes dos suportes publicitários da recorrida, nomeadamente a de que o produto é invisível em 100 cores e não deixa marcas em 100 cores. Com este estudo e desta forma o que a recorrida fez foi dar cumprimento ao ónus da prova que sobre si impendia, nos termos do art.º 12º nº 1 do CCICAP, onde se prevê que “as descrições, alegações ou ilustrações relativas a factos verificáveis de uma comunicação comercial, devem ser susceptíveis de comprovação”.
Ora, para efeitos desta comprovação, não pode deixar de se considerar que é irrelevante, quer o local onde o estudo é realizado (no estrangeiro ou em Portugal), quer a nacionalidade das mulheres que responderam às questões. Uma e outra circunstância não tinham influência nos resultados, pois se crê que a observação das mulheres em causa no estudo, sobre a existência ou não de manchas na roupa usada, não seria diferente da observação de mulheres portuguesas (sendo certo que é indiferente para o efeito em causa o odor corporal).
Já o estudo junto pela recorrente procura determinar a percepção que o consumidor italiano terá tido da campanha publicitária feita naquele país ao produto “Dove Invisible Dry”.
Ora, sendo seguramente certo que o “consumidor italiano” não é o “consumidor português” – aliás a recorrente não deveria olvidar que nos termos da jurisprudência comunitária que invocou a aferição do consumidor médio deve fazer-se tomando em linha de conta “factores sociais, culturais ou linguísticos” e a “presumível expectativa do referido consumidor” (nacional) – e não estando minimamente demonstrado que a campanha publicitária levada a cabo em Itália seja igual à que está em causa nestes autos, torna-se claro que a pretensão da recorrente de que o estudo por ela apresentado seja “determinante” e possa ser considerado uma pesquisa de consumidor em relação à campanha aqui em causa não tem qualquer fundamento, por falta de pressupostos, o mesmo consumidor e a mesma campanha publicitária. Igualmente, por esta razão, a decisão do Júri do Istituto dell’Auto Disciplina Pubblicitária invocada pela recorrente não pode ser considerada como jurisprudência que esteja em contraposição à deliberação do JE.
Assim, atenta a natureza e finalidades dos estudos em causa, não pode deixar de se concluir que a recorrida fez prova ou comprovou as menções constantes dos suportes publicitários, quanto a uma realidade, o produto publicitado não deixar marcas em 100 cores e que o estudo de percepção do consumidor italiano sobre a publicidade levada a cabo naquele país, em relação ao mesmo produto, não é susceptível de ser considerado como válido e relevante para aferir da percepção do consumidor português quanto à campanha publicitária em causa nestes autos.
Uma última nota para referir que, não havendo elementos para se concluir que o consumidor médio tenha a percepção de que a campanha publicitária em causa é dirigida também à eficácia do produto perante as chamadas manchas amarelas, não há que proceder à análise do valor do estudo (Doc. 4 junto com a contestação, da Universidade Federal de São Carlos) junto pela recorrida sobre a eventual eficácia do produto face a tais manchas.
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Em conclusão e como acima já se procurou fundamentar, pese embora não se subscrevam integralmente os argumentos da decisão recorrida, improcedem na sua essência as alegações do recurso, pois não vislumbramos que a comunicação comercial em causa constitua uma prática enganosa ou seja publicidade enganosa e ofenda o princípio da veracidade, nos termos da citada disposição legal do DL 57/2008 e dos indicados preceitos do CP e do CCICAP.
Impõe-se assim confirmar a decisão recorrida e julgar improcedente o recurso.
III- DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, deliberam os membros da Comissão de Apelo em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Lisboa, 28 de Julho de 2014
António Francisco Martins
Presidente da Comissão Apelo
Augusto Ferreira do Amaral
Vice-Presidente Comissão Apelo
Francisco Xavier do Amaral
Vice-Presidente Comissão Apelo