Deliberações

5J / 2016 :: Pessoa Singular vs. NOS Comunicações

5J/2016

Pessoa Singular
vs.
NOS Comunicações

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no vigésimo oitavo dia do mês de Abril do ano de dois mil e dezasseis, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 5J/2016 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 5J/2016

1.   Objeto dos Autos 

1.1.   Através do “Formulário de Reclamações para Pessoas Singulares” disponibilizado pelo ICAP no seu sítio da internet, um Particular devidamente identificado nos autos e adiante abreviadamente designado por Queixoso, apresentou junto do Júri de Ética Publicitária do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), uma queixa contra a NOS-Comunicações S.A. (adiante NOS ou Denunciada), pela publicidade difundida na televisão e que o Queixoso identifica como sendo publicidade à “marca super bock publicitada em anuncio televisivo fora do horário legal” e como tal, violar violar o artigo 17º do Código da Publicidade.

1.2.   Notificada para o efeito, a NOS apresentou contestação;

1.3.   Dão-se por reproduzidos a queixa e a contestação, bem como o spot televisivo em causa na queixa apresentada, visível no link https://www.youtube.com/watch?v=8dVf3mE_N7s.

1.4.   Síntese das posições das partes

1.4.1.   Na queixa que apresenta, o Queixoso defende que a publicidade viola as normas éticas e/ou a lei pois, a marca de cerveja super bock aparece publicitada, em tv, fora do horário previsto no código da publicidade para a categoria de bebidas alcoólicas, que é a partir das 22h30m.
Mais afirma o Queixoso que, apesar de a publicidade ser relativa à empresa UNICER, enquanto parceira da NOS, o que é visível e destacado no anúncio televisivo são grades de cerveja super bock e suas linhas de enchimento o que constituiria, na sua opinião, claramente uma forma de aproveitamento para publicitar bebidas alcoólicas contornando a legislação.

1.4.2.   Na contestação que apresenta, a NOS nega o afirmado pelo Queixoso, alegando, em síntese:
– “a NOS lançou uma campanha publicitária multi-meios destinada a promover a NOS EMPRESAS e que diversos clientes empresariais da NOS aceitaram endossar os seus serviços de comunicações, comprovando a sua qualidade e as respetivas vantagens para o seu negócio em anúncios publicitários da NOS “ (cf. art. 3º e 4º).
– “o referido anúncio não tem qualquer intuito de promover a marca Super Bock ou o consumo de cerveja, mas tão só convencer outras empresas a fazer como a UNICER e a escolher a NOS” (cf. art. 6º).
– Não é feito nenhum “claim” ao consumo de cerveja, nem se divulgam quaisquer mensagens, diretas ou indiretas, com vista à aquisição de cerveja da marca Super Bock. (cf. art. 7º);
– não existe o “objetivo, direto ou indireto, de promover, com vista à sua comercialização ou alienação”, a cerveja de marca Super Bock (cf. art. 8º)
– a perceção que terá qualquer consumidor médio, normalmente informado e advertido ao ver o anúncio em causa, será o da mera promoção dos serviços de comunicações da NOS específicos para empresas, e não que se está a promover o consumo ou aquisição de cerveja; (cf. art. 9º)
– a queixa carece em absoluto de elementos que permitam preencher qualquer tipo de ilícito. (cf. art. 12º)

1.5. Síntese do anúncio
Visualizado atentamente o spot televisivo, o Júri entende poder descreve-lo como segue:
O anúncio inicia-se com a música habitualmente utilizada e já identificada como genérico da NOS. Dentro dum edifício, surge a figura dum homem jovem que aparece num plano mais próximo a olhar para o telemóvel em cujo ecrã, em primeiro plano exclusivo, aparece o símbolo circular da NOS. Então, as cores do símbolo da NOS elevam-se, saem do ecrã e polarizam-se em pontos/linhas coloridos que começam a percorrer o que parece ser uma linha de produção fabril, dando uma imagem futurista, de filme de ficção cientifica. O movimento dos pontos/linhas coloridos pelo espaço continua rápido, acompanhando a música de fundo, ouvindo-se a voz off: “Nós somos uma das empresas portuguesas que mais investe em inovação”.No final da frase é possível perceber num elevador fabril uma caixa com a marca SUPER BOCK. Continua a voz off :“E escolhemos a operadora que garante que toda a rede está ligada e atualizada ao segundo”Enquanto os pontos/linhas coloridos continuam a percorrer rapidamente as instalações e ouve-se:“Nós somos a UNICER e escolhemos a NOS”.Neste momento surge, de novo ocupando todo o ecrã, o símbolo da NOS e a imagem ainda em segundo plano das instalações transforma-se num fundo negro no qual se mantem visível o símbolo da NOS. Surge do lado esquerdo do ecrã “Ligue 16999” e do lado direito do símbolo da NOS as palavras:EmpresasProfissionaisInstituições PublicasFinalmente, em fecho, a expressão NOS Empresas acompanhando a voz off dizendo “Há mais em NOS”

2.   Enquadramento ético-legal

2.1. Adequação formal
O Regulamento do JE prevê, no nº 1 do seu artigo 7º que as Secções do Júri são competentes para dirimir as queixas em matéria de comunicação comercial: a) Que lhe sejam submetidas por quaisquer pessoas, contra associados ou terceiros; b) Que lhe sejam submetidas por quaisquer pessoas, sobre comunicações comerciais decorrentes de alterações naquelas que tenham sido objecto de deliberações proferidas pelo JE; c) Que lhe sejam submetidas por quaisquer pessoas sobre comunicações comerciais veiculadas posteriormente noutros suportes que não tenham sido identificados na queixa.
O mesmo Regulamento prevê, no seu artigo 10º nº 4 e 5 que: “A queixa prevista no artigo 7º, alíneas b) e c), apenas carece da apresentação por escrito da exposição dos factos e fundamentação do eventual incumprimento pela outra parte, bem como da junção da comunicação comercial em causa. (…) Serão recusadas a queixa ou qualquer documentação a ela junta que não reúnam todos os requisitos estabelecidos no presente artigo.”.
A queixa trazida à apreciação do Júri comporta os elementos regulamentarmente necessários e embora careça informação quanto à efetiva difusão do spot entre as 7h00 e as 22h30m, esse facto tampouco é contestado pelo denunciado.
Compete, assim, proceder à análise da queixa e ao devido enquadramento ético-legal.

2.2.   Conceito de publicidade
Valerá a pena, antes do mais, recordar que o Código da Publicidade adota uma definição assaz ampla de publicidade, abrangendo qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma atividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo direto ou indireto de: a) Promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços; b) Promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições.  (cf. art. 3º).
A mensagem publicitária em apreço, embora possua todos os elementos duma mensagem publicitária tradicional (aquela em que um anunciante – a NOS – promove diretamente um bem ou serviço que comercializa – o NOS Empresas – o que configuraria simultaneamente uma comunicação comercial), vem integrar na mesma mensagem a marca forte (SUPER BOCK) dum seu parceiro de negócios (UNICER).
É o parceiro de negócios do denunciado que testemunha em favor daquele que é o objeto direto da publicidade – “E escolhemos a operadora que garante que toda a rede está ligada e atualizada ao segundo” “Nós somos a UNICER e escolhemos a NOS” – e, ao fazê-lo, autopromove-se, dá visibilidade à sua própria marca: “Nós somos uma das empresas portuguesas que mais investe em inovação”. “Nós somos a UNICER e escolhemos a NOS”.
Do ponto de vista do enquadramento jurídico, o Júri entende estar perante uma publicidade testemunhal, permitida nos termos do art. 15º do Código da Publicidade e 17º do Código de Conduta. Mas não só. A testemunha, pela notoriedade própria que não se pode deixar de reconhecer, é também ela beneficiária da publicidade, promove-se quer como organização empresarial, quer também ao seu produto e marca umbrella, a SUPER BOCK que é uma cerveja com álcool.
O Júri não tem dúvida em identificar a NOS como anunciante da mensagem i.e. aquele que difunde a comunicação comercial tendo em vista a promoção dos seus produtos ou influenciar o comportamento do consumidor (cf. art. 2º alínea a) do Código de Conduta do ICAP).
Mas se atender à noção de anunciante dada pelo Código da Publicidade – a pessoa singular ou colectiva no interesse de quem se realiza a publicidade (cf. art. 5º nº 1 alínea a) – será fácil concluir que a mensagem em apreciação é feita também no interesse da UNICER.
O Júri desconhece, nem precisa de conhecer, os termos da parceria entre os anunciantes. Basta-lhe constatar que, da publicidade em apreciação, resulta um benefício para a imagem e marca tanto de um, que promove diretamente a sua marca e produto – NOS e NOS Empresas -, como de outro, a “testemunha/anunciante” que indiretamente vê promovida a sua firma e marca forte – Unicer e SUPER BOCK.
Contrariamente ao que afirma o Denunciado na sua contestação, o JE entende que a mensagem em apreciação gera confusão no destinatário, desde logo quanto ao anunciante, não subscrevendo que “a perceção que terá qualquer consumidor médio, normalmente informado e advertido ao ver o anúncio em causa, será o da mera promoção dos serviços de comunicações da NOS específicos para empresas, e não que se está a promover o consumo ou aquisição de cerveja;”.
É verdade que inexistem claims específicos quanto ao produto do parceiro de negócios e reconhece-se não é esse o objeto direto da publicidade em apreço.
Mas será o seu objeto indireto?
O Júri crê que sim, que esse é o resultado de, numa aparente publicidade com um único anunciante e produto, explorar consentidamente a reputação de outra entidade, com utilização, dos nomes, siglas, logótipos e/ou marcas e notoriedade.
Mas nem o tipo de publicidade, testemunhal, nem a dualidade de anunciantes com exploração recíproca e consentida das reputações, suscita ao Júri particulares questões de licitude, legalidade ou conformidade ao Código de Conduta do ICAP.
Existe, contudo, o leit motiv da própria queixa: o facto da marca SUPER BOCK ser uma marca de cervejas comercializadas pela UNICER, com notoriedade no mercado de cervejas com álcool (ainda que, com a mesma marca, seja também comercializada cerveja sem álcool).
Ora, a publicidade a bebidas alcoólicas encontra-se parametrizada no art.º 17º do Código da Publicidade.
As restrições legais à publicidade a bebidas alcoólicas emanam de decisões políticas nacionais e comunitárias que visam proteger interesses como a saúde pública, os menores, a condução de veículos e aspectos sociais e de saúde e interesses económicos dos consumidores.
A legislação portuguesa contempla dois tipos de restrições à publicidade a bebidas alcoólicas.
•   Na televisão e na rádio, não é permitida a publicidade a bebidas alcoólicas entre as 7h00 e as 22h30, limitação que se aplica à publicidade direta e indireta a bebidas alcoólicas.
•   Qualquer que seja o meio utilizado, devem ser respeitados os seguintes critérios: não se dirigir especificamente a menores; não encorajar um consumo excessivo; não menosprezar os não consumidores; não sugerir sucesso, êxito social ou especiais aptidões devido ao consumo de tal bebida; não sugerir a existência, nas bebidas alcoólicas, de propriedades terapêuticas ou de efeitos estimulantes ou sedativos; não associar o consumo ao exercício físico ou à condução de veículos; não sublinhar o teor alcoólico como qualidade positiva. Como já referido, no caso sub judice, o problema que se coloca é o da difusão fora da restrição horária contida no nº 2 do art. 17º do Código da Publicidade, de publicidade à marca de cerveja SUPER BOCK. Por arrasto da eventual violação do Código da Publicidade, estará também em causa a possível violação, pela publicidade em apreço, do disposto nos art.º 5º e 14º nº 1 do Código de Conduta do ICAP que prescrevem:Artigo 5 Legalidade A Comunicação Comercial deve respeitar os valores, direitos e princípios reconhecidos na Constituição e na restante legislação aplicável.Artigo 14 Identidade 1. A identidade do Comerciante/Anunciante ou a marca deve ser evidente
A NOS ao optar por difundir e incorporar na sua publicidade além do testemunho, reputação e endosso de confiança do parceiro comercial UNICER, insere a marca SUPER BOCK que, como não pode deixar de conhecer, é notoriamente reconhecida e identificada como uma marca de cerveja, bebida alcoólica, deve conformar-se às restrições que aquele produto possui enquanto objeto publicitário, ainda que indiretamente visado na sua publicidade.
A NOS explora e beneficia da reputação da UNICER e da cerveja SUPER BOCK, produto que está presente, visível e identificável nas mensagens por parte dos seus destinatários.
Entende, assim, o JE que, embora o objecto direto da mensagem publicitária seja o serviço NOS Empresas, o seu parceiro UNICER é beneficiado e a sua marca forte, a cerveja SUPER BOCK, surge suficientemente identificada e presente na mensagem publicitária: o depoente torna-se co-anunciante e o seu produto é objeto indireto da mensagem.
No contexto da publicidade indireta é indiferente que o consumidor médio percepcione que o produto diretamente anunciado seja completamente diverso ou dum anunciante distinto.
Na verdade, todo e qualquer destinatário que visualize a mensagem da NOS, nunca deixará de recordar a marca SUPER BOCK e associá-la à cerveja, produto com as restrições horárias para efeitos de difusão televisiva que já foram referidas.
O Júri avalia, por isso, que existe publicidade indireta à cerveja SUPER BOCK e é plenamente aplicável à publicidade em apreço a proibição constante do nº 2 do art. 17º do Código da Publicidade.

3. Decisão

Nestes termos, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP delibera, por maioria, que a mensagem publicitária objecto destes autos viola o artigo 5.º do Código de Conduta do ICAP e o art. 17.º, n.º 2 do Código da Publicidade devendo conformar-se às restrições horárias constantes da lei.

Declaração de Voto de Vencido
Votou vencido o Doutor Miguel Varela que formulou a seguinte

Declaração de Voto:
“Parece-me que a publicidade indirecta é à Unicer e não à Super Bock.A visualização de uma grade a dizer Super Bock não me parece suficiente para considerar publicidade indirecta, nem promove o seu consumo. Para isso teríamos que retirar todos os product placement da produção nacional de tv que é emitida em prime time com inúmeras referências visuais a bebidas alcoólicas.”.».

A Presidente da Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP

Auto Regulação5J / 2016 :: Pessoa Singular vs. NOS Comunicações
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4J / 2016 :: Pessoa Singular vs. Sociedade de Água de Monchique

4J/2016

Pessoa Singular
vs.
Sociedade de Água de Monchique

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no sétimo dia do mês de Abril do ano de dois mil e dezasseis, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 4J/2016 tendo deliberado o seguinte:

Processo nº 4J/2016

1. Objecto dos Autos 

1.   Pessoa Singular (adiante designada por Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a SOCIEDADE DA ÁGUA DE MONCHIQUE, S.A. (adiante indiscriminadamente designada por Sociedade da Água de Monchique ou Requerida), relativamente a comunicação comercial à sua marca de água mineral “Monchique” por si promovida no suporte imprensa escrita tal, por alegada violação dos artigos 7.º, n.º 1 e 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do Código de Conduta do ICAP.

1.1.   Notificada para o efeito, a Sociedade da Água de Monchique apresentou a sua contestação.
Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.

1.2.   Questões prévias

1.2.1.   Alega a Requerida em sede de contestação que, “O Instituto Civil da Autodisciplina da Comunicação Comercial (…) é uma associação de direito privado que tem por base o seu acto constitutivo e estatutos, apenas vinculando os seus associados, membros ou aqueles que voluntariamente aderirem aos seus estatutos, códigos ou normas internas do ICAP” (sic. art.º 1) que, “A SOCIEDADE DA AGUA DE MONCHIQUE não é sócia, membro ou associada do ICAP, nem submeteu qualquer litígio ou questões à apreciação do JE do ICAP” (sic. art.º 3) e que, “Em consequência (…) não está vinculada a respeitar o Código de Conduta ou o Regulamento do JE do ICAP ou qualquer decisão que venha a ser proferida relativamente aos alegados factos denunciados pela queixosa”. (sic. art.º 4).
Acrescenta ainda a Requerida na sua contestação que, “Desta forma, quer para a SOCIEDADE DA ÁGUA DE MONCHIQUE ou para quaisquer terceiros, uma eventual deliberação do JE sobre a queixa apresentada poderia eventual e apenas vir a ser considerada uma mera opinião sobre a alegada incorrecção ética da publicidade em apreço” (sic. art.º 5), requerendo o arquivamento do processo. (Cfr. art.º 6).
No que tange a esta posição da Requerida, cumpre ao JE esclarecer que, não obstante não ser a Sociedade da Água de Monchique associada do ICAP, importa ter presente, designadamente, que muitos dos meios de comunicação de campanhas publicitárias o são, pelo que o respetivo Júri de Ética é materialmente competente para proferir a decisão e vincular a mesma Requerida quanto ao conteúdo decisório emanado. Com efeito, resulta do disposto no artigo 30.º do Código de Conduta do ICAP que, tal conteúdo é comunicado às Partes e vincula os meios de comunicação das ditas campanhas, no que respeita às decisões de cessação.
Por outro lado, e tal como ficou referido, designadamente, nas Decisões dos Processos 13J/2010, 10J/2014 e 2J/2016, o efeito pretendido – célere, válido e eficaz – das deliberações do Júri é que, findo o prazo de recurso e efectuadas as devidas notificações, se verifique a cessação – ou não – da publicidade que o JE apreciou à luz do Código de Conduta, sendo tal deliberação (auto) vinculativa para os membros do ICAP. Assim, não se pode descurar as importantes componentes didáctica, pedagógica e de interesse público das deliberações do Júri quando, do ponto de vista da ética publicitária, procede à análise de uma comunicação comercial.

1.2.2. Vem a Requerida invocar em sede de contestação que, “A primeira conclusão a retirar da queixa apresentada é a sua notória falta de clareza da exposição e fundamentação, bem como a escassez de factos apresentados” (sic. art.º 7) que, “Sendo certo que o ónus da prova dos factos recai sobre a queixosa (vide arts. 342.º, n.º 2 e 346.º, ambos do Código Civil), verifica-se que esta se limitou a realizar juízos conclusivos e a formular questões, sem qualquer base ou fundamentação de suporte” (sic. art.º 8) e que, “Na verdade, é necessário alegar factos, fundamentar e apresentar prova que permita inferir a existência de uma norma ou direito violado”. (sic. art.º 10).
Discorda o Júri desta posição da Requerida. Com efeito, foi entendido quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matérias de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. artigo 10.º e actual n.º 3 do artigo 11.º do Código da Publicidade) nos termos da qual se presumem como inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas, ou na insuficiência das mesmas no que, aliás, o articulado do artigo 12.º do Código de Conduta do ICAP se encontra em consonância.

1.2.3. No que concerne à sustentada ausência de oportunidade ou de extemporaniedade da queixa (cfr. art.ºs 13 e 14 da contestação) igualmente colhem aqui, no entender do JE, os argumentos tecidos a ponto 1.2.1. da presente decisão.

1.2.4. Quanto à alegada falta de contextualização da comunicação comercial no suporte considerado nos presentes autos (cfr. art.º 3 da petição e 14 da contestação) por referência à totalidade da campanha da responsabilidade da Requerida – e que esta define a art.º 13 da mesma contestação – não cumpre ao Júri apreciar quaisquer conteúdos de sites da internet, cujas cópias não se encontrem juntas aos autos, de acordo com o Regulamento do JE.
Por outro lado, estando-se perante uma denúncia com fundamento que alega prática de publicidade enganosa; num suporte sem limitações de espaço atendíveis, não se aplica ao caso em apreço, a excepção prevista no artigo 9.º, n.º 2, sob a epígrafe “Omissões Enganosas”, do Decreto-lei 57/2008, de 26 de Março, nos termos do qual: “Quando o meio de comunicação utilizado para a prática comercial impuser limitações de espaço ou de tempo, essas limitações bem como quaisquer medidas tomadas pelo profissional para disponibilizar a informação aos consumidores por outros meios devem ser tomadas em conta para decidir se foi emitida a informação”.
Assim, não concorda o Júri com a alegada descontextualização da queixa. (Cfr. art.º 13 da contestação).

1.2.5. Termos em que, negando o requerido a art.ºs 6, 12, 15 e 16 da contestação, o Júri pronunciar-se-á sobre a questão de mérito que lhe é colocada.

1.3.   Dos factos
A Sociedade da Água de Monchique divulgou através de folheto aposto em publicação impressa, uma comunicação comercial destinada a promover a sua água mineral “Monchique”, sob o mote “Um segredo de saúde, vitalidade e longevidade!” associado a outros claims e disclimers. (Cfr. Doc. 1 junto à queixa).1.3.1. Das alegações publicitárias
Em conformidade com o art.º 5.º da petição e do documento que reproduz a comunicação comercial da Requerida, junto aos autos com aquela, são colocadas em crise as alegações publicitárias:
–  (i) “Um segredo de saúde, vitalidade e longevidade!”;- (i – a) “ÁGUA ALCALINA 9,5 pH”;
alegação e disclaimer que se encontram associados a todos os seguintes:
– (ii) “Porquê água mineral de MONCHIQUE? No organismo humano, o sangue tem um valor de pH 7.365, ligeiramente alcalino. Para se manter vivo o organismo humano tem de ser capaz de manter constante o valor do seu pH sanguíneo. Para tal, depende de complexos mecanismos biológicos que envolvem, de forma permanente e dinâmica, vários órgãos e sistemas”;
– (iii) “BEBER DIARIAMENTE ÁGUA DE MONCHIQUE É UM SEGREDO DE SAÚDE VITALIDADE E LONGEVIDADE”;
alegação, esta, associadas aos disclaimers:
– (iii – a) “Se a quantidade de ácido produzido se torna demasiado elevada, colocando em risco a manutenção do valor de pH sanguíneo, o organismo ativa os seus valores de compensação. O mais eficiente deles é ”ir buscar” o cálcio aos ossos. O cálcio tem a capacidade de alcalinizar o sangue”;
– (iii – b) “O envelhecimento, o stress, a atividade física intensa, algumas doenças agudas e crónicas, o tabagismo e a poluição ambiental aumentam a produção de ácido pelas células”;
– (iii – c) “A desidratação, a ingestão de água ácida e de alimentos acidificantes – açúcar, café, álcool, refrigerantes e carne – agravam ainda mais a acidificação do organismo”;
– (iv) “Sabia que o consumo de ÁGUA DE MONCHIQUE é essencial para o seu bem-estar?”;
– (v) “A ingestão de água alcalina é o melhor e mais eficaz meio de compensar o organismo”;
– (vi) “MANTENHA-SE ALCALINO, MONCHIQUE 9,5”;
as três últimas alegações publicitárias, associadas aos disclaimers:
– (iv, v, vi – a) “A pessoa sente-se desvitalizada, com falta de energia, fadiga fácil menor resistência muscular, menor adaptação ao stress e baixa da capacidade mental”;
– (v, vi, ii – b) “A acidificação crónica do organismo favorece o aumento do peso, as dores musculares, a osteoporose, o stress oxidativo, as doenças degenerativas e oncológicas e acelera os processos de envelhecimento”;
todas as alegações e disclaimers referidos, associados ao depoimento da médica Cristina Sales, em caracteres menores do que todos os outros utilizados, definindo líquidos alcalinos, ácidos e neutros, de acordo com o seu pH.

1.4. Das alegações das Partes

1.4.1. Alega a Requerente que a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida constitui uma prática de publicidade desonesta e “…enganosa, pois não há dados científicos que suportem o benefício desta água para a saúde, por ser mais alcalina…”, atentas as “… seguintes presunções”: a) água de monchique como um segredo de saúde, vitalidade e longevidade; b) sugere que a Água de monchique ajuda a regular o ph do sangue, por tratar-se de uma água alcalina; c) indica que a ingestão de águas ácidas (o que é uma água considerada ácida??) agravam a acidificação do organismo”. (Cfr. art.º 5 da queixa);.

1.4.2. Contestando a denúncia da Requerente, vem a Sociedade da Água de Monchique defender a ética e a legalidade da sua comunicação comercial alegando, designadamente, que:
– (i) “…a campanha publicitária (…) não desrespeita, nem pretende desrespeitar, quaisquer normas ou princípios publicitários aplicáveis.” (sic. art.º 17);
– (ii) “A SOCIEDADE DA ÁGUA DE MONCHIQUE estruturou os elementos da sua publicidade com base em elementos técnicos e de informações científicas que confirmam que a composição das águas no produto em causa garante as propriedades que lhes atribui e que se referem nas alegações postas em causa pela queixosa, pelo que não violou o princípio da veracidade…” (sic.  art.º 18), pelo que, “…o teor científico e técnico do documento publicitário que acompanha a publicidade foi redigido por uma consultora científica da SOCIEDADE DA ÁGUA DE MONCHIQUE, Dra. Cristina Sales, médica endocrinologista, aliás, conforme se comprova pelo próprio documento junto pela queixosa.” (sic. art.º 19);
– (iii) Aqui se trata “…por isso, de uma publicidade testemunhal lícita (cfr. artigo 15º do Código da Publicidade) na medida em que é claramente identificada a qualidade e capacidade da pessoa cujo depoimento que integra a publicidade.” (Cfr. art.º 20).

2.   Enquadramento ético-legal

2.1. Da alegada comunicação ilícita de alegações de saúde
Alega a Requerida em sede de contestação que a comunicação comercial da sua responsabilidade “cumpre rigorosamente o disposto no Regulamento CE 1924/2006, designadamente o seu artigo 12.º, al. e), relativo a alegações de saúde, pois nenhuma das alegações que a SOCIEDADE DA ÁGUA DE MONCHIQUE na publicidade em causa utiliza constitui propriedades de prevenção, de tratamento e de cura de doenças humanas nem refere qualquer doença humana em si mesma, sendo certo que está cientificamente comprovado que o teor de alcalinidade constitui um elemento importante no equilíbrio do organismo humano” (sic. art.º 30), acrescentando que, “Em nenhum elemento da publicidade, directa ou indirectamente, se sugere que a saúde pode ser afectada pela circunstância de não se consumir a água promovida.” (sic. art.º 33).
O JE não põe em causa que o teor de alcalinidade de certos géneros alimentícios constitua um factor a não descurar no desejável funcionamento equilibrado do organismo humano, o que se pode considerar eventualmente comprovado pelo teor do documento junto à  contestação. Contudo, entende que, os claims  “Um segredo de saúde, vitalidade e longevidade!” (i); “Porquê água mineral de MONCHIQUE? (…) Para se manter vivo o organismo humano tem de ser capaz de manter constante o valor do seu pH sanguíneo” (ii) “Sabia que o consumo de ÁGUA DE MONCHIQUE é essencial para o seu bem-estar?” (iv); “A ingestão de água alcalina é o melhor e mais eficaz meio de compensar o organismo” (v); “MANTENHA-SE ALCALINO, MONCHIQUE 9,5” (vi); associados, designadamente, aos disclaimers “ÁGUA ALCALINA 9,5 pH” (i – a); “A acidificação crónica do organismo favorece (…) a osteoporose (…) as doenças degenerativas e oncológicas…”; (v, vi, ii – b) – todos analisados na totalidade – consubstanciam alegações de saúde à luz do artigo 2.º, n.º 5 do Regulamento (CE) 1924/2006.
Mais, constitui posição do Júri que, a referida conjugação de claims e disclaimers num único suporte, porque traduzem alegações de redução de risco de doença – tal como se encontram definidas no artigo 2.º, n.º 6, do referido Regulamento comunitário – é susceptível de fazer com que o consumidor médio razoavelmente atento, esclarecido e informado, presuma que a sua saúde possa ser afectada pelo não consumo do alimento, ao contrario do que sustenta a Requerida a art.º 28 da contestação.
De facto, tal conjugação engloba, entre outros passíveis de ser entendidos da mesma forma, ou com igual semântica, os claims: “Para se manter vivo o organismo humano tem de ser capaz de manter constante o valor do seu pH sanguíneo” (ii) e “Sabia que o consumo de ÁGUA DE MONCHIQUE é essencial para o seu bem-estar?” (iv). (sublinhado do JE)Ora, dispõe-se no referido artigo 12.º, alínea a) do mesmo Regulamento (CE) 1924/2006, sob a epígrafe “Restrições quanto à utilização de determinadas alegações de saúde” que, “São proibidas as (…) Alegações que sugiram que a saúde pode ser afectada pelo facto de não se consumir o alimento”.
De onde, entende o JE que, a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida se encontra em desconformidade com o disposto nos artigos 4.º, n.º 1 e 5.º do Código de Conduta do ICAP e 12.º, alínea a) do Regulamento (CE) 1924/2006.

2.2. Da alegada prática de publicidade enganosa

2.2.1. Porque se está aqui em presença de alegações de saúde incluídas na publicidade de um género alimentício, entende o Júri que, atenta a importância do bem jurídico em causa:
– quer a ausência verificada de indicação da quantidade de Água de Monchique, bem como do modo de consumo requeridos para obter o efeito benéfico alegado;
– quer a conjugação das palavras “saúde” e “segredo” no mesmo mote de comunicação comercial “Um segredo de saúde, vitalidade e longevidade!” (i), “ÁGUA ALCALINA 9,5 pH” (i – a);
traduzem uma prática de publicidade enganosa. Com efeito, constitui posição do JE que, neste particular, a comunicação comercial colocada em crise, por inaceitável ambiguidade, se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4.º, n.º 1.º, 7.º, n.º 1, 9.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e h) do Código de Conduta do ICAP e artigo 7.º, n.ºs 1 e 2 do Regulamento (EU) N.º 1169/2011 do Parlamento e do Conselho, de 25 de Outubro.

2.2.2. Refere-se na comunicação comercial da responsabilidade da Requerida que, “A desidratação, a ingestão de água ácida e de alimentos acidificantes – açúcar, café, álcool, refrigerantes e carne – agravam ainda mais a acidificação do organismo”, reforçando o tom predominante (roçando uma prática de publicidade de tom exclusivo) de indispensabilidade de consumo da Água de Monchique para o efeito de se retirar o alegado benefício de alcalinidade – e não de água, ou mesmo, de água mineral em geral -, gerando-se a susceptibilidade de suspeição por parte do consumidor médio de que as últimas serão ácidas.
Ora, a Requerida não junta aos autos qualquer estudo científico que, nos termos do artigo 12.º do Código de Conduta do ICAP e dos artigos 10.º e 11.º, n.º 3 do Código da Publicidade, permita comprovar a veracidade de todos os claims colocados em crise e que, concretamente, sugerem:
– a indispensabilidade de consumo da Água de Monchique para o efeito de se retirar o alegado benefício de alcalinidade;
– a improbabilidade de qualquer produto similar, que não a Água de Monchique poder gerar vantagem idêntica;
– a improbabilidade de uma dieta saudável e equilibrada poder gerar vantagem idêntica, caso não se consuma Água de Monchique;
– a existência no produto em causa do nível de alcalinidade comunicado;
– a relação entre tal eventual nível de alcalinidade da água e a saúde e longevidade;
– a especialização de Cristina Sales já que, ao contrário do que a Requerida parece fazer crer a art.º 19 da contestação, a mesma não configura um facto público e notório para o consumidor médio;
– a intencionalidade por parte a mesma depoente, no contexto de uma alegada prática de publicidade testemunhal, de associar o invocado testemunho especializado a todos os claims e disclaimers comunicados. (Cfr. art.º 20 da contestação).

 

3. Decisão
Termos em que, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da Sociedade da Água de Monchique, em apreciação no presente processo, se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4.º, n.º 1, 5.º, 7.º, n.º 1, 9.º, n.º 1 e 2, alíneas a) e h), 12.º e 17.º, n.º 1 do Código de Conduta do ICAP, nos artigos 3.º, alínea a), 10.º, alínea a) e 12.º, alínea a) do Regulamento (CE) 1924/2006, bem como no artigo 7.º, n.ºs 1 e 2 do Regulamento (EU) N.º 1169/2011 do Parlamento e o Conselho, de 25 de Outubro, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipo de ilícito apurados pelo JE.».

A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP

Auto Regulação4J / 2016 :: Pessoa Singular vs. Sociedade de Água de Monchique
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3J / 2016 :: Reckitt Benckiser Portugal vs. Procter & Gamble Portugal

3J/2016

RECKITT BENCKISER PORTUGAL
vs.
PROCTER & GAMBLE PORTUGAL

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no quinto dia do mês de Abril do ano de dois mil e dezasseis, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 3J/2016 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 3J/2016

1.   Objeto dos autos

1.1.   A Reckitt Benckiser (Portugal), S.A., adiante designada por Requerente ou RB, veio apresentar queixa junto do Júri de Ética Publicitária do ICAP contra a Procter & Gamble Portugal – Produtos de Consumo, Higiene e Saúde S.A., adiante designada por Requerida ou P&G, relativamente a campanha publicitária do produto “Fairy Platinum”, promovida em suporte televisivo e subsumida a dois filmes publicitários, por violação do princípio da veracidade e por configurar publicidade comparativa ilícita nos termos do artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP e do artigo 16.º do Código da Publicidade.

1.2.   Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua contestação.

1.3.   Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e documentos juntos pelas Partes.

1.4.   Das alegações publicitárias
As alegações publicitárias em análise fazem parte de uma campanha publicitária difundida em suporte televisivo entre 4 a 31 de Janeiro e 8 a 25 de Fevereiro, constituída por dois filmes publicitários, um com 10 segundos – Spot 10” – e outro com 20 segundos – Spot 20” que se encontram objetivamente descritas no art.º 3º da queixa apresentada, admitido pela Requerida, e que resumidamente se transcrevem:

I – Spot 10”
O filme inicia-se na cozinha, com o “Pai” e os dois filhos, o “Filho” e a “Filha”, na rotineira ação de colocar a loiça na máquina de lavar.
Em rodapé é possível ler a mensagem: “Para a remoção de calcário use um produto de limpeza de máquina ou outro método”
O “Pai” tira das mãos do “Filho” um pirex sujo e com ar reprovador afirma “Passar por água!”, transmitindo ao “Filho” que aquela peça de loiça não podia ser colocada na máquina sem antes ser passada por água, caso contrário não ficaria devidamente limpa.
Eis que a máquina de lavar loiça “ganha vida” e, dirigindo-se ao “Pai” afirma:“Não passe por água! Mude para Fairy Platinum. Fairy limpa os restos difíceis da sua loiça e até limpa toda a gordura do filtro”
Enquanto estas afirmações são proferidas em voice-over, visualmente são apresentadas as seguintes mensagens:
É sugerido que esta família mude do detergente que usa, para Fairy Platinum. A embalagem do detergente que usam está em cima da máquina de lavar loiça e é representada por uma imagem (é admitido pela requerida tratar-se de imagem pixelizada de marca concorrente). Lentamente esta imagem, em morphing, transforma-se numa embalagem de Fairy Platinum.
De seguida é apresentada uma comparação side-by-side que inicia com a comparação de duas pastilhas diferentes, Fairy Platinum, à direita, e outra, azul com uma bola vermelha no centro, à esquerda.
No topo é possível ler a frase “Travessa com restos de massa no forno lavada num Míele a 50 graus”.
A comparação continua com a demonstração da suposta ação destas duas pastilhas de detergentes para máquina da loiça: Fairy Platinum do lado direito e a outra pastilha do lado esquerdo, identificada agora com uma legenda onde se pode ler “Pastilha Tudo em Um mais vendida”.
Ambas as pastilhas vão atuando, lavando os pirex, evidenciando uma ação mais rápida da pastilha de Fairy Platinum, terminado com a apresentação side by side de um pirex limpo, brilhante, imaculado, com um efeito de brilho resplandecente, alegadamente lavado com a pastilha de Fairy Platinum e de um outro ainda com restos de comida destacados propositadamente com um círculo, baço, alegadamente lavado com a “Pastilha tudo-em-um mais vendida”.
O filme evolui de seguida para uma imagem do filtro da máquina de lavar loiça sujo, que, por ação de Fairy Platinum, fica limpo.
Por fim é apresentado o shot final com a imagem de Fairy Platinium, onde se pode ler “ADORA O IMPOSSÍVEL”.

1.5.   Síntese das alegações da Requerente:
Entende a Reckitt Benckiser que os spots publicitários em apreço, constituem publicidade comparativa ilícita e denigrem a Reckitt Benckiser enquanto concorrente, e que, ainda que se considere não configurar uma comparação, as comunicações serão enganosas, pois comportam as seguintes mensagens-chave, sintetizadas nas suas conclusões:

(i)   Com o detergente que normalmente as famílias usam há necessidade de passar a loiça previamente por água antes de ser colocada na máquina e com Fairy Platinum a loiça não tem de ser passada por água antes de ser colocada na máquina para obter resultados excelentes, razão pela qual é sugerido às famílias que mudem para Fairy Platinum para “Nunca mais” ter de “enxaguar”.
Enquanto se faz esta afirmação é apresentada uma imagem pixelizada de uma embalagem, em tons de azul e vermelho, de um outro produto detergente para máquina de loiça que se vem a saber mais tarde ser a “Pastilha tudo-em-um mais vendida” da “marca mais vendida”. Pastilha essa que é representada pela imagem de uma pastilha azul com uma bola vermelha no centro.
(…) “Considerando o JE que não existe publicidade comparativa” dever-se-á “determinar que a utilização das expressões «Pastilha tudo-em-um mais vendida» e «a marca mais vendida» «pela impossibilidade de identificação por parte do consumidor médio da «marca mais vendida» – com a qual se compara o produto da» P&G «são de molde a gerar uma prática de publicidade enganosa» (…) em face da sua ambiguidade resultante da impossibilidade de identificação do produto com o qual a comparação é realizada.”
“Considerando o JE que existe publicidade comparativa” por identificar, “expressa ou implicitamente, um concorrente de Fairy Platinum: Finish All in One” considera a Requerente que a comparação é enganosa e como tal não é lícita, desrespeitando os princípios da leal concorrência, pois:
– “Fairy Paltinum e Finish All in One – não podem ser objetivamente comparados, pelas razões supra expostas que dizem respeito ao facto do segmento de mercado em que cada um se insere, sendo o Fairy Platinum um produto premium e o Finish All in One um produto de gama média, como o preço de venda que é praticado pelos retalhistas de cada produto permite comprovar.”.
– “(…) procurou, ao comparar produtos não comparáveis, desacreditar e depreciar a marca Finish, da sua concorrente Reckitt Benckiser, que os consumidores conseguem identificar nos produtos em apreço, e que a P&G visou como sendo a pastilha da marca mais vendida. Ao apresentar um pirex baço e com restos de comida como tendo sido lavado com Finish, claramente a P&G teve como objetivo denegrir a marca e os produtos da Reckitt Benckiser.”.
(ii)   “Apresenta-se uma comparação lado-a-lado de eficácia de lavagem de restos difíceis de comida (alegadamente uma travessa de massa no forno) em que se fazem duas comparações semelhantes, mas diferentes:
– No Spot 10” compara-se Fairy Platinum com a “Pastilha tudo-em-um mais vendida”, pois o voice-over refere “Mude para Fairy Platinum. Fairy limpa os restos difíceis da sua loiça”.
Já no Spot 20” a comparação é algo diferente, pois compara-se genericamente “As cápsulas líquidas e em pó de Fairy” com a “Pastilha tudo-em-um mais vendida” da “marca mais vendida”.
Considera, assim, a Requerente que são “todas as cápsulas de Fairy, quer líquidas, quer em pó, que estão a ser o objeto da afirmação de superioridade e da comparação com a pastilha tudo-em-um mais vendida da marca mais vendida”. Invocando os testes carreados como documentos 5 e 6, a Requerente invoca que a o seu produto Finish Quantum tem eficácia e desempenho equivalentes ao Fairy Platinum pelo que o claim ofende o princípio da veracidade e “denigre os produtos e marca da Reckitt Bensicker ao transmitir aos consumidores uma menos eficácia do produto que não é de todo verdadeira”.
(iii)   “As cápsulas de Fairy limpam toda a gordura do filtro da máquina e visualmente o filtro fica como novo. Porém, durante ambos os filmes é evidenciada uma mensagem que refere que para limpar o calcário é necessário utilizar um produto limpa máquinas “ou outro método”.”
Entende, neste particular, a Requerente estar a mensagem publicitária “ferida de uma ambiguidade tal que só pode ter como resultado ser enganosa para o consumidor médio” pois o que este “vai reter é que usando o detergente Fairy vai ter o filtro da sua máquina tão limpo quanto é apresentado na mensagem da publicidade. O que também ofende o princípio da veracidade, e torna a publicidade em causa enganosa.”
(iv)   “O produto Fairy Platinum faz a máquina de lavar loiça fazer o impossível, o que não é alcançado por nenhum outro produto, razão pela qual se transmite a mensagem de que é necessário mudar para Fairy Platinum: “Mude para Fairy Platinum e veja a sua máquina fazer o impossível.”.
Entende a Requerente que este claim é enganoso dado “que, tal como resulta do teste acima junto como Doc. 6, pelo menos Finish Quantum é tão eficaz quanto Fairy Platinum, logo faz tanto o «impossível» como Fairy”, concluindo pelo caráter enganoso da afirmação e, como tal, pela sua ilicitude.  Termina requerendo ”seja declarada a ilicitude da publicidade ora denunciada e ordenada a cessação imediata e definitiva da mesma”.

1.6.   Síntese das alegações da Requerida
Contraditando a argumentação da Requerente, sustenta a “P&G” na sua contestação, e em suma, que:
(i)   Os spots publicitários em causa “recorrem à figura da publicidade comparativa que, como sabemos é permitida por lei, usando para o efeito o produto comercializado pela Reckitt Benckiser sob a marca Finish All-in-One”, alegando ainda que as pastilhas para lavagem de louça na máquina – Finish All-in-One são as mais vendidas no mercado português, não juntando para o efeito qualquer documentação, antes reconhecendo o alegado pela Requerente para o qual remete nesta sede.
Entende, assim, a Requerida que a comparação é “evidente para o consumidor médio, não só porque o formato da pastilha Finish (não apenas na sua versão All-in-One, mas também noutras versões disponíveis no mercado sob a marca «Finish») é um formato muito característico, composto por um rectângulo azul e branco com uma esfera encarnada no topo, e facilmente reconhecido pelo consumidor médio, como também a mancha gráfica das embalagens do Finish – azul e encarnada – também ser muito característica.”.
A menção à “marca mais vendida” não é, assim, no entender da Requerida ambígua porque comprovada pelos factos carreados pela Requerente e porque é facilmente apreensível pelo consumidor médio.
(ii)   Admitindo o recurso à figura da publicidade comparativa, a Requerida, quanto à claim relativa à existência de uma comparação ilícita porque entre produtos não comparáveis por pertencerem a segmentos de mercado diferentes, contesta a alegação da Requerente sustentando que o preço do produto não determina o segmento de mercado, mais referindo que “Cada marca/ produto tem a sua política de go-to-market, que obedece a critérios tão dispares como de imagem, comunicação e posicionamento da marca, até mesmo a um preço que seja diferenciador” pelo que “Não pode a Reckitt Benckiser concluir que o Fairy Platinum, por ser ligeiramente mais caro do que o Finish All-in-One, é por isso premium.”.
Defende, assim, que a comparação é lícita, não violando o disposto na alínea b) do n.º 2 do CCICAP, pois identifica produtos que respondem às mesmas necessidades ou que têm os mesmos objetivos, sendo relevante para o consumidor.
Pretendendo demonstrar que a Requerente tem ela própria recorrido a publicidades comparativas semelhantes, junta a Requerida filmes publicitários divulgados pela Reckitt – Doc. nº 1, 2, 3, 4 e 5 divulgados nos Estados Unidos da América (os dois primeiros e o quarto), no Reino Unido (o terceiro) e na Nova Zelândia (o último).
(iii)   Quanto à alegada afirmação de superioridade contida na menção “Não passe por água/ “Veja a sua máquina fazer o impossível” a Requerida defende que “Não é objetivo dos anunciantes, neste caso da Procter & Gamble, focar a performance dos produtos seus concorrentes, mas sim enaltecer as capacidades do produto anunciado.” Sendo que o que se pretende transmitir ao consumidor e o que ele perceciona é a capacidade do produto Fairy Paltinum de remover os restos de comida “sem a necessidade de uma passagem prévia por água.” “Tal não significa que outros produtos, nomeadamente o Finish All-in-One, também não dispensem essa pré-lavagem. E nunca, direta ou indiretamente, a Procter & Gamble afirmou tal.”.
(iv)   Quanto ao claim “Veja a sua máquina fazer o impossível”, a Requerida defende consistir num exagero publicitário (ou “puffering”), mecanismo legítimo de publicidade, dado que no “caso ora sob análise, não existe qualquer tentativa de denegrição do produto da Reckitt Benckiser. Ao alegar que o Fairy Platinum “faz o impossível”, a mensagem que se está a transmitir é a de que este produto dispensa, de facto, a pré-lavagem e que é um produto realmente bom.”
A Requerente sustenta o claim publicitário “As cápsulas liquidas e em pó de Fairy são tão potentes que limpam melhor os restos difíceis da loiça do que a marca mais vendida”, com a “apresentação de testes realizados pelo laboratório independente Eurofins ATS, que efetivamente, as cápsulas ou pastilhas para a máquina Fairy Platinum limpam melhor os restos de comida do que o Finish All-In-One, não apenas no que diz respeito a restos de massa no forno, como também de restos de outros alimentos, como ovo ou carne moída. Dos relatórios carreados nesta contestação pela Procter & Gamble, resulta a existência de uma performance superior de Fairy Platinum em relação a Finish All-In-One (…) que lhe permite alegar que Fairy Platinum limpa melhor os restos difíceis da loiça. (…) De facto, os testes realizados pelo referido relatório e que se encontram juntos a esta contestação, demonstram que o pirex de vidro com restos de massa quando lavado com Finish All-In-One, fica com restos de comida agarrados na base do pirex, ao invés do que acontece com Fairy Platinum.
(v)   Quanto ao “E até limpa toda a gordura do filtro”, acompanhado do disclaimer “Para a remoção de calcário use um produto de limpeza de máquina ou outro método”, em conjunto com a alegação “Veja a sua máquina fazer o impossível”, contesta a Requerente que “O claim publicitário usado pela Procter & Gamble apenas e unicamente se refere gordura, e não a calcário.” E que, “Exatamente para que o consumidor não seja induzido em erro quanto à capacidade que Fairy Platinum tem em remover a gordura do filtro é que a Procter & Gamble entendeu conveniente e relevante colocar o referido disclaimer.”

2.   Enquadramento ético-publicitário

2.1.   Enquadramento prévio
A diretiva sobre práticas comerciais desleais visa a harmonização das disposições nacionais aplicáveis a práticas comerciais lesivas dos interesses económicos dos consumidores, incluindo a publicidade desleal, e que indiretamente prejudicam também os interesses económicos de concorrentes. A harmonização diz, assim, respeito a um dos aspetos da concorrência desleal que consiste nas práticas comerciais que lesam os interesses económicos dos consumidores. A concorrência desleal passa a ter como beneficiário direto o consumidor. Aos Estados-Membros permite-se a regulação da concorrência desleal, mas quanto ao relacionamento entre concorrentes.
Entende, assim, o JE que o Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de março, na redação que lhe é dada pelo Decreto-lei n.º 205/2015, de 23 de setembro, concentra o regime da publicidade comparativa nas relações de consumo, estabelecendo uma proibição geral única das práticas comerciais desleais que distorcem o comportamento económico dos consumidores e aplica-se às práticas comerciais desleais, incluindo a publicidade desleal, que prejudicam diretamente os interesses económicos dos consumidores e indiretamente os interesses económicos de concorrentes. O art.º 7.º daquele diploma estatui, sob a epígrafe “Ações enganosas”, especialmente quanto à publicidade comparativa, que “Atendendo a todas as características e circunstâncias do caso concreto, é enganosa a prática comercial que envolva: a) Qualquer atividade de promoção comercial relativa a um bem ou serviço, incluindo a publicidade comparativa, que crie confusão com quaisquer bens ou serviços, marcas, designações comerciais e outros sinais distintivos de um concorrente.” Com a publicação do Decreto-lei n.º 205/2015, de 23 de setembro, é ampliado o âmbito de aplicação do regime das práticas comerciais desleais às relações entre empresas, conformando-se o entendimento quanto ao caráter enganoso da ação que “induza ou seja suscetível de induzir em erro em relação aos elementos identificados nas alíneas a) a d) e f) do n.º 1.”.
Serve a explanação para demonstrar que o que justifica a redação invocada pela Requerida do art.º 43.º do Código da Publicidade é a consagração, no Decreto-Lei nº 57/2008, de 26 de março, de uma proibição geral única das práticas comerciais desleais que distorcem o comportamento económico dos consumidores. O que não significa que o normativo não seja aplicável na determinação da concorrência desleal.

2.2.   Da existência de publicidade comparativa
É tese da Requerida, admitida pela Requerente, que os spots em análise configuram juridicamente o recuso à figura da publicidade comparativa. E esta será também, no entender do JE, a perceção que o consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e perspicaz, terá do que visiona e a interpretação que fará da mensagem áudio e visual transmitida, a qual assenta na contraposição existente na apresentação side-by-side de produtos e no claim “Mude para Fairy Platinum e veja a sua máquina fazer o impossível”.
Senão vejamos:
Nos termos do n.º 1 do artigo 15.º do CCICAP, “é comparativa a comunicação comercial que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente”.
A utilização, admitida pela Requerida, da imagem pixelizada da embalagem do concorrente Finish convertida em morphing numa embalagem de Fairy Platinum, bem como a comparação side-by-side das pastilhas Fairy e Finish, é demonstrativa da comparação, ainda que implícita, de marca concorrente, sendo inequívoco que a mesma é percecionada pelo consumidor.
Entende, todavia, o JE, que ao contrário do pretendido pela Requerida, a comparação que os spots em análise induzem não é entre a pastilha Fairy Platinum e a pastilha Finish All-in-One, que a Requerida alega visar na mensagem veiculada. No entender do JE, os spots, visualmente e mediante a legenda aplicada ao produto sujeito à comparação como sendo a “Pastilha tudo-em-um mais vendida” não permitem uma identificação clara e objetiva do produto Finish All-in-One, mas antes o reconhecimento da marca concorrente Finish.
A publicidade comparativa implícita é, em geral, sempre mais ambígua que uma publicidade comparativa explícita ou direta e, sendo intenção da Requerida, a comparação não com a marca mas com um produto específico desta, como é defendido em contestação, poder-se-á questionar eticamente o recurso a uma imagem pixelizada acompanhada do claim “pastilha mais vendida”, tornando-a assim ambígua. Como bem observado por este JE na análise de situações semelhantes, raramente este tipo de expressões se compaginam com o requisito de objetividade que se exige neste tipo de comunicação. Neste caso, concedendo o JE na possibilidade de identificação da marca Finish, considera não ser percetível para o consumidor tratar-se da pastilha Finish All-in-One em especial, o que é de certa forma admitido pela Requerida no ponto 12 da sua contestação.
Refira-se que, sendo o ónus de comprovação das mensagens veiculadas da Requerida, a menção à “pastilha tudo-em-um mais vendida” permanece na opinião do JE por comprovar dado que, nesta questão, a Requerida apenas adere à prova carreada pela Requerente como Doc. 3.
Ora, o estudo refere-se ao posicionamento da marca Finish, não descriminando ou identificando qualquer produto por si comercializado, pelo que, não logrando a Requerida provar a posição líder desta pastilha em especial, ter-se-á de entender ser a comparação presumivelmente enganosa.

2.3.   Da ilicitude da comparação
Configurando o caso em apreço um exemplo de publicidade comparativa, nos contornos enunciados, resta apreciar se a mesma cumpre os princípios constantes do CCICAP e que regem a apreciação do JE nos termos do art.º 13.º do seu regulamento.
Nos termos do n.º 1 do art.º 4.º do CCICAP, “Toda a Comunicação Comercial deve ser legal, decente, honesta e verdadeira” devendo, nos termos do n.º 2, “ser conformes aos princípios da leal concorrência, tal como estes são comummente aceites em assuntos de âmbito comercial”.
Por sua vez, o art.º 9.º, relativo ao princípio da veracidade, estatui que “A Comunicação Comercial deve proscrever qualquer declaração, alegação ou tratamento auditivo ou visual que seja de natureza a, direta ou indiretamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou ser suscetível de induzir, em erro o Consumidor, designadamente no que respeita a: a) caraterísticas essenciais do Produto ou que sejam determinantes para influenciar a escolha do Consumidor, como por exemplo: (…), eficácia e desempenho, (…)”.
Existindo, no caso concreto, o recurso à publicidade comparativa, interessam em especial os requisitos de conformidade desta comparação, enunciados no n.º 2 do art.º 15.º do mesmo Código, a saber: a) não ser enganosa; b) identificar apenas bens ou serviços que respondam às mesmas necessidades ou que tenham os mesmos objetivos; d) não desrespeitar os princípios da leal concorrência; e) não gerar confusão no mercado entre (…) bens ou serviços do anunciante ou de um concorrente; e, por fim, f) não desacreditar ou depreciar marcas (…) de um concorrente.
Ora, como se verifica dos termos dos normativos citados, dois dos traços essenciais da publicidade comparativa são a veracidade, avaliada de acordo com o definido nos art.ºs 9.º do CCICAP e 10.º e 11.º do Código da Publicidade, e o respeito pelo princípio da leal concorrência nos termos da alínea d) do n.º 2 do art.º 15.º e n.º 2 do art.º 4.º do CCICAP.
Efetuado o enquadramento legal, para melhor entendimento da análise às questões apresentadas e que têm relevância à causa de pedir, entende-se de utilidade a redução das questões a analisar, focando a análise nos claims e consequências respetivas e que se podem resumir nas seguintes alegações:

a)   As expressões “Pastilha tudo-em-um mais vendida” e “marca mais vendida” constituem publicidade comparativa enganosa por não permitirem a identificação do produto com o qual se faz a comparação.
Resulta do explanado no ponto 2.2. que, sendo percetível para o consumidor a existência de uma comparação, admitida pela Requerida, a mensagem veiculada nos spots em análise é suscetível de “gerar confusão no mercado entre (…) marcas” e “bens” (…) de um concorrente, não sendo claro o objeto da comparação, se a marca Finish, se o produto Finish All-in-One por esta comercializado.
Os spots recorrem a uma comparação implícita assente na referência indireta realizada visualmente e que apelam às caraterísticas gráficas da marca e do claim “pastilha tudo-em-um mais vendida”. Todavia, a associação ao claim “pastilha tudo-em-um mais vendida” remete para uma comparação com a marca líder Finish, único facto comprovado por adesão da Requerida ao Doc. 3 carreado pela Requerente. Não se encontrando provada a liderança da pastilha Finish All-in-One, a mensagem publicitária, no seu todo, é ambígua, nos termos do da alínea e) do n.º 2 do art.º 15.º do CCICAP.

b)   Sendo publicidade comparativa, é enganosa também porque não pode ser objetivamente comparado ao produto Finish All-In-One
Atento ao já exposto, a análise da comparabilidade entre os produtos Finish All-in-One e Fairy Platinum é, no entender do JE, desnecessária, sendo a mensagem desde logo ambígua pela confusão que cria quanto ao que é comparado. Assim, ainda que os estudos juntos pela Requerida como Docs. 6 e 7 permitissem comprovar uma superioridade em termos de eficácia e desempenho do produto Fairy Platinum sobre o produto Finish All-in-One, o que não é admitido, a mensagem é ainda equívoca ou ambígua, suscetível de induzir o destinatário em erro dado que a referência da “comparação” – marca e “género de pastilhas” – não permite uma identificação objetiva do produto Finish All-in-One como objeto da comparação por parte do destinatário, admitindo-se todavia que perceciona uma comparação implícita com a marca Finish.
Assim, os estudos apresentados pela Requerida debruçam-se numa comparação diferente, não servindo de prova à veracidade da claim consubstanciada na associação da imagem pixelizada da marca Finish com a legenda “pastilha tudo-em-um” mais vendida e por maioria de razão à legenda “a marca mais vendida”. A comparação implícita que resulta percetível ao consumidor é com a marca e a associação ao claim é comprovada pelo doc. 3 junto pela Requerente e admitido pela Requerida.
Quanto aos documentos n.ºs 1 a 5 juntos pela Requerida, importa referir não serem os mesmos relevantes ao mérito da causa. Com efeito, interessa ao JE a análise do caso em concreto e não de eventuais condutas anteriores do agente económico. Ademais, os spots constantes dos documentos juntos não foram objeto de difusão em Portugal, sendo sabido que a publicidade comparativa tem limites díspares entre ordenamentos, bem como diferentes níveis de aculturação, nomeadamente, nos Estados Unidos da América.

c)   A mensagem “Não passe por água / veja a sua máquina fazer o impossível” é enganadora porque é publicidade comparativa exclusiva quanto à propriedade de pré-lavagem, o que não é verdade dado que o produto da Requerente tem as mesmas qualidades.
Concorda o JE com a Requerente quanto à qualificação como publicidade de tom exclusivo do claim em análise, reforçado pelo facto de a mesma recorrer à técnica comparativa e a associação, por contraposição, ao claim “marca mais vendida”. Nestes casos, pela suscetibilidade de desacreditação ou depreciação de um concorrente, e/ou seus produtos, é eticamente exigível especial objetividade, impondo-se a sua veracidade; que os bens comparados sejam equivalente em funções ou objetivos, seja objetiva não gerando confusão no mercado e a possibilidade de comprovação dos critérios de comparação, conforme exigido pelo art.º 16.º do Código da Publicidade.
Vale aqui de novo o raciocínio seguido no já exposto, concluindo-se que o claim não se encontra comprovado porquanto a prova apresentada não permite concluir pela melhor eficácia e desempenho do produto Fairy Platinum relativamente a todos os produtos da marca Finish. Com efeito, no limite, o estudo apresentado pela Requerida permitiria a análise de uma comparação entre Finish All-in-One e Fairy Platinum. Sendo o objeto da comparação, perceptível ao consumidor, a marca Finish, o estudo não permite comprovar a veracidade das alegações publicitárias. Refira-se, ainda a este respeito, o teste junto como Doc. 6 pela Requerente, que induz numa eficácia equivalente entre Fairy Platinum e um produto do concorrente, colocando em crise a alegação “veja a sua máquina fazer o impossível”. Por outro lado, também o Doc. 5 junto pela Requerente vai em sentido diverso do estudo apresentado pela Requerida, evidenciando resultados de limpeza a 100% sem pré-lavagem de um produto da concorrente, o que permite a ponderação do valor probatório dos documentos juntos ao processo.
Entende, assim, o JE que a comparação, nos termos do art.º 15.º do CCICAP, é enganosa, ferindo o princípio da veracidade estabelecido no art.º 9.º porquanto é suscetível de induzir em erro o Consumidor quanto à sua eficácia e desempenho, conforme alínea a), do n.º 2 deste artigo. O normativo encontra correspondência nos artºs. 10.º e 11.º do Código da Publicidade.
De acordo com o art.º 10.º, “A publicidade deve respeitar a verdade, não deformando os factos”, devendo as “afirmações relativas à origem, natureza, composição e condições de aquisição dos bens ou serviços publicitados” ser “exatas e passíveis de prova, a todo o momento”.
A qualificação de enganosa é operada por remissão, no caso, para o disposto no art.º 7.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, que dispõe que “É enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente corretas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja suscetível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduz ou é suscetível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo: (…) b) As características principais do bem ou serviço, tais como (…) os resultados que podem ser esperados da sua utilização (…)”. Atentas as conclusões a que levam a aplicação do princípio probatório relativo à observância do princípio da veracidade e de prática de publicidade resultante n.º 3 do art.º 11.º e n.º 5 do art.º 16.º do Código da Publicidade, nos termos da qual se presumem inexatos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, em linha com o determinado pelo art.º 12.º do CCICAP, não pode este JE deixar de considerar a publicidade enganosa.
Refira-se que o JE concorda com a Requerida quando esta afirma, no ponto 76 da sua contestação, que o exagero publicitário contido no claim “veja a sua máquina fazer o impossível” “não constitui um método para viciar a vontade do consumidor, não sendo per si, um método enganoso”. No entanto, entende o JE que, associado às imagens de louça suja que surgem na comparação, e sendo a mesma ambígua, o claim assume um caráter enganoso, sendo também uma prática comercial desleal ilícita, pois conduz à denegrição do concorrente, nos termos da alínea f) do n.º 2 do art.º 15.º do CCICAP, e a alínea e) do n.º 2 do art.º 16.º do Código da Publicidade, violando o disposto no n.º 2 do art.º 4.º do CCICAP.
A publicidade comparativa está intimamente ligada à denigração do concorrente e é curioso observar que os casos tipificados no art.º 317.º do CPI se aproximam de casos de publicidade comparativa ilícita, sendo também certo, porém, que estando a publicidade comparativa taxativamente regulada no Código da Publicidade, qualquer situação de publicidade comparativa ilícita, ainda que configurando concorrência desleal, é regulada por aquele.

d)   “Até limpa toda a gordura do filtro” é enganoso por induzir em erro quanto à real capacidade de limpeza do filtro, dado o disclaimer associado relativo à remoção do calcário.
Neste claim em particular, entende o JE não assistir razão à Requerente, não se configurando que o claim “até limpam toda a gordura do filtro”, associado ao disclamer “Para a remoção de calcário use um produto de limpeza de máquina ou outro método” configure publicidade enganosa. Com efeito, nenhuma das alegações é suscetível de confusão, referindo-se o claim expressamente à remoção de gordura e não do calcário.

3.   Decisão 

Assim, entende este Júri que a comunicação comercial, configurando um exemplo de publicidade comparativa, viola o princípio da veracidade e o princípio da leal concorrência nos termos do n.º 1 do art.º 4.º e o art.º 9.º do CCICAP, sendo ambígua pelo tratamento visual e associação ao claim “pastilha mais vendida”. Acresce que é suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à eficácia e desempenho do produto, por não se encontrar comprovada mensagem que resulta da associação de publicidade comparativa implícita à alegação “não passe por água/veja a sua máquina fazer o impossível”. Considera, assim, o JE que a mensagem veiculada no conjunto dos spots publicitários violam o disposto no art.ºs 9.º do CCICAP e os art.ºs 10.º e 11.º do Código da Publicidade, bem como o respeito pelo princípio da leal concorrência nos termos da alínea d) do n.º 2 do art.º 15.º e n.º 2 do art.º 4.º do CCICAP, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipos de ilícitos apurados pelo JE.».

A Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP

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1J / 2016 :: Pessoa Singular vs. NOS Comunicações

1J/2016

Pessoa Singular
vs.
NOS-Comunicações

 

EXTRACTO DE ACTA

 

Reunida no décimo segundo dia do mês de Fevereiro do ano de dois mil e dezasseis, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 1J/2016 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 1J/2016

1. Objeto dos Autos

1.1. O Particular, identificado nos autos nos termos previstos regulamentarmente e adiante abreviadamente designado por Queixoso, através do “Formulário de Reclamações para Pessoas Singulares” disponibilizado pelo ICAP no seu sítio da internet, veio, junto do Júri de Ética Publicitária do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a NOS-Comunicações S.A. (adiante abreviadamente NOS ou Denunciada), relativamente à comunicação comercial do produto “Internet Móvel Plano XL”, difundida no sítio da internet desta última por, segundo o Queixoso, a mesma violar os artigos 6º, 7º, 10º nº 1 e 2, 11º nº 1 alíneas a) b) e d), 12º do Código da Publicidade e os artigos 4º (princípios fundamentais) nº 1, 2 e 3, 5º (legalidade), 7º (honestidade), 9º (veracidade), nº 1 e 2 todos do Código de Conduta do ICAP.

1.2. Notificada para o efeito, a NOS apresentou contestação; pronunciou-se, ainda, ao abrigo do princípio do contraditório e no prazo adicional conferido para o efeito, sobre um dos documentos juntos à queixa (registo fonográfico) que por lapso não fora remetido.

1.3. Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e pronúncia sobre documento, bem como, ainda, os documentos juntos pelas Partes, a saber: print screen da publicidade e registo fonográfico (Queixoso); faturas detalhadas excedendo o limite a que alude a queixa (Denunciado).

1.4. Síntese das posições das partes

1.4.1. Na queixa que apresenta, o Queixoso afirma que, de acordo com a publicidade se retira que o tráfego do pacote XL de internet móvel é ilimitado, ilimitação esta que resulta, adicionalmente, do confronto com os pacotes “M” e “S”. Contudo, sublinha o queixoso, que “no momento de subscrever o serviço é indicado que o tráfego é limitado a 15GB”, informação e limite este que, afirma, não se encontram disponíveis em “em lado nenhum da publicidade, nem por remissão.” O Queixoso sustenta a sua posição confrontando a mensagem escrita, que juntou e se pode retirar na internet, com a informação transmitida telefonicamente pela Denunciada, para o que junta um registo fonográfico.

1.4.2. Na contestação, a NOS nega peremptoriamente o afirmado pelo Queixoso, reiterando que, o serviço e tarifário em causa – o tarifário internet móvel XL:
“inclui, de facto, todo o tráfego consumido pelo cliente, conforme referido na página da internet do sítio da NOS junto pelo Queixoso.” (cf. art. 2º da contestação); “não existe nenhum limite de 15GB associado ao volume de tráfego desse tarifário” (cf. art. 3º da contestação);  “a principal característica do tarifário XL é precisamente não ter um máximo de utilização de dados de internet” (cf. art. 5º da contestação);  “o tarifário em causa não tem nenhum limite de 15Gb de tráfego” (cf. art. 6º da contestação);
Afirma, ainda, desconhecer onde terá o Queixoso obtido a informação, reitera a veracidade das informações veiculadas nas mensagens juntas pelo Queixoso, admitindo tratar-se dum mal entendido.
Complementarmente pronunciou-se, no prazo conferido, sobre o registo fonográfico que não lhe fora remetido e defendeu a não admissibilidade da gravação como prova, reiterou a veracidade da informação transmitida na mensagem e juntou duas faturas, comprovando que a ultrapassagem do limite de tráfego a que alude o Queixoso não dá origem a faturação adicional.

2. Enquadramento ético-legal

O Regulamento do JE prevê, no nº 1 do seu artigo 7º que as Secções do Júri são competentes para dirimir as queixas em matéria de comunicação comercial: a) Que lhe sejam submetidas por quaisquer pessoas, contra associados ou terceiros; b) Que lhe sejam submetidas por quaisquer pessoas, sobre comunicações comerciais decorrentes de alterações naquelas que tenham sido objecto de deliberações proferidas pelo JE; c) Que lhe sejam submetidas por quaisquer pessoas sobre comunicações comerciais veiculadas posteriormente noutros suportes que não tenham sido identificados na queixa.
O mesmo Regulamento prevê, no seu artigo 10º, nº 4 e 5 que: “A queixa prevista no artigo 7º, alíneas b) e c), apenas carece da apresentação por escrito da exposição dos factos e fundamentação do eventual incumprimento pela outra parte, bem como da junção da comunicação comercial em causa. 5. Serão recusadas a queixa ou qualquer documentação a ela junta que não reúnam todos os requisitos estabelecidos no presente artigo.”
Este artigo do Regulamento, no seu nº 2, estabelece que: “A queixa deverá ser entregue em suporte de papel e em suporte digital, neste último caso apenas no que respeita ao articulado e em formato Word, e deve ser acompanhada de toda a documentação referente aos actos alegados, sendo obrigatório juntar a comunicação comercial, cuja apreciação se pretende ver analisada, devidamente isolada, sem outra comunicação comercial e/ou conteúdo editorial, num suporte que, a reproduza, com fidelidade, tal como foi veiculada.” (sublinhado nosso)
A queixa levada à apreciação do Júri é suportada por documentos extraídos da página de internet da NOS e por um registo fonográfico, gravação efetuada pelo Queixoso, alegadamente, dum telefonema com um operador do call center da Denunciada, que transmite uma informação contrária ao constante dos documentos.
Independentemente da licitude de tal gravação, questionável, é certo, há que que referir a extrema dificuldade em perceber o diálogo encetado, sendo mais perceptíveis as questões, orientadoras, formuladas pelo Queixoso e quase inaudíveis as respostas da, alegadamente, operadora de call center.
Temos pois que, a queixa se baseia numa mensagem da NOS – que, diga-se, em si mesma não encerra uma violação do Código de Conduta do ICAP – cujo conteúdo seria contrariado pela prática comercial da denunciada.
Tem razão o queixoso quando diz que se o serviço é anunciado como possuindo um tráfego ilimitado não pode existir a introdução de limites. Aliás, a entidade reguladora do sector das comunicações – ANACOM – tem-se pronunciado nesse mesmo sentido, tendo como entendimento, quanto à designação como “ilimitada” de ofertas comerciais de serviços de comunicações electrónicas que:
“a) A expressão “ilimitado” utilizada para designar, anunciar e caracterizar diversas ofertas, nomeadamente as disponibilizadas pelos prestadores de acesso à internet e de serviços telefónicos (incluindo chamadas e/ou mensagens), deve ter o significado que lhe atribui um utilizador normal, isto é, “sem limites” ou “sem restrições”; b) Não pode ser designada como “oferta de tráfego ilimitado”, “oferta de chamadas/SMS ilimitadas” ou outra expressão suscetível de induzir os utilizadores na mesma conclusão quanto ao seu significado, como seja “sem limites”, “sem restrições” (quanto à classificação das ofertas), “infinito/as”, “infindo/as” ou “absoluto” (quanto à classificação do tráfego/chamadas/SMS) a disponibilização de serviços em que ocorra o condicionamento da sua utilização para além de situações justificadas por circunstâncias excecionais, com o objetivo de evitar que seja esgotada a capacidade num segmento de rede, nos termos da LCE; c) As medidas restritivas aplicadas em situações justificadas por circunstâncias excecionais devem ser: o Adequadas e proporcionais ao fim que visam atingir, quer quanto à medida em si, quer quanto à respetiva duração, devendo a normalidade ser reposta logo que termine a situação ou circunstância excecional; o Equitativas, no tratamento dos diferentes utilizadores com o mesmo tarifário/pacote;d) As “políticas de utilização responsável” (PUR) e/ou “políticas de utilização aceitável” (PUA), quando existam, devem constar das condições de oferta das empresas que incluem, no caso da divulgação nos respetivos sítios na internet, as páginas onde é disponibilizada a informação sobre os tarifários e as suas características) de forma clara e transparente e, no caso das “ofertas de tráfego ilimitado”, apenas podem ter o enquadramento referido em b) e c) e devem especificar devidamente as restrições aplicáveis. “
Segundo o Queixoso, é a circunstância da NOS não praticar aquilo que afirma na mensagem publicitária que motiva a queixa.
Tal é peremptoriamente negado pela NOS, que reitera que o tarifário XL corresponde, efetivamente, a um tráfego móvel ilimitado e junta faturas em que o tráfego foi excedido sem dar lugar à aplicação de qualquer adicional.
Cabendo ao anunciante, nos termos do artigo 12º do Código de Conduta, o ónus da comprovação da veracidade da mensagem veiculada, considera o Júri que este procedeu a essa demonstração de veracidade com as faturas juntas.
Assim, como do conteúdo ou da apresentação da mensagem em si mesma não resulta a violação das normas invocadas, e a denunciada comprovou, como lhe competia, a veracidade do afirmado, o Júri entende deliberar pela improcedência da queixa.

3. Decisão

Termos em que a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido da improcedência da queixa.

A Presidente da Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP

1. Decisão compulsável em www.anacom.pt.

Auto Regulação1J / 2016 :: Pessoa Singular vs. NOS Comunicações
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2J / 2016 :: Lactogal – Prod. Alimentares vs. NUTRE – Ind. Alimentares

2J/2016

LACTOGAL- Prod. Alimentares
vs.
NUTRE – Ind. Alimentares

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no décimo dia do mês de Fevereiro do ano de dois mil e dezasseis, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 2J/2016 tendo deliberado o seguinte:

Processo nº 2J/2016

1. Objecto dos Autos 

1.   A LACTOGAL – PRODUTOS ALIMENTARES, S.A. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por LACTOGAL ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a NUTRE – INDÚSTRIAS ALIMENTARES, S.A. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por NUTRE ou Requerida), relativamente a comunicação comercial à sua marca “Shoyce”, promovida pela última nos suportes, outdoor, Internet e embalagem – tal, por alegada violação dos artigos 9.º, 10.º e 14.º do Código de Conduta do ICAP, artigo 7.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-lei 57/2008, artigo 23.º, n.º 1, alínea a) e n.ºs 2 e 3 do Decreto-lei 560/99, artigo 8.º do Decreto-lei 74/2010, artigos 3.º, 10.º, n.º 1, 12.º, alínea a), 13.º, n.º 1, do Regulamento (CE) 1924/2006, bem como do artigo 7.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Regulamento (UE) n.º 1169/2011.

1.1.   Notificada para o efeito, a NUTRE apresentou a sua contestação.Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.

1.2. Questão prévia
Alega a NUTRE em sede de contestação que, “O Instituto Civil da Autodisciplina da Comunicação Comercial (doravante “ICAP”) é uma associação de direito privado que tem por base o seu acto constitutivo e estatutos, apenas vinculando os seus associados, membros ou aqueles que voluntariamente aderirem aos seus estatutos, códigos ou normas internas do ICAP” (sic. art.º 1), que “…nos termos do artigo 30.º do Código de Conduta do ICAP (…) e do artigo 13.º do Regulamento do Júri de Ética (…), só estão vinculados àquele Código de Conduta e às deliberações do Júri de Ética (…) que dirimam litígios, os sócios do ICAP, seus associados e as entidades que, não sendo membros, tenham submetido questões à apreciação do JE.” (sic. art.º 2) e que “A Nutre não é sócia, membro ou associada do ICAP, nem submeteu qualquer litígio ou questões à apreciação do JE do ICAP.”(sic. art.º 3).
De onde retira a Requerida a conclusão no sentido de que “…a NUTRE não está vinculada a respeitar o Código de Conduta ou o Regulamento do JE do ICAP ou qualquer decisão que venha a ser proferida relativamente aos alegados factos denunciados pela LACTOGAL.” (sic. art.º 4) e que “Desta forma, quer para a Nutre ou para quaisquer terceiros, uma eventual deliberação do JE sobre a queixa apresentada poderia eventual e apenas vir a ser considerada uma mera opinião sobre a alegada incorrecção ética da publicidade em apreço.” (sic. art.º 5.).
No que tange a esta posição da Requerida, cumpre ao Júri esclarecer que, não obstante não ser a NUTRE associada do ICAP, importa ter presente, designadamente, que muitos dos meios de comunicação de campanhas publicitárias o são, pelo que o respetivo Júri de Ética é materialmente competente para proferir a decisão e vincular a mesma Requerida quanto ao conteúdo decisório emanado. Com efeito, resulta do disposto no artigo 30.º do Código de Conduta do ICAP que, tal conteúdo é comunicado às Partes e vincula os meios de comunicação das ditas campanhas, no que respeita às decisões de cessação.
Por outro lado, e tal como ficou referido nas Decisões dos Processos 13J/2010 e 10J/2014, “…o efeito pretendido – célere, válido e eficaz – das deliberações do Júri é que, findo o prazo de recurso e efectuadas as devidas notificações, se verifique a cessação – ou não – da publicidade que o Júri apreciou à luz do Código de Conduta, sendo tal deliberação (auto) vinculativa para os membros do ICAP. Assim, não se pode descurar as importantes componentes didáctica e pedagógica das deliberações do JE quando, do ponto de vista da ética publicitária, procede à análise de uma comunicação comercial.”
Em conformidade com o exposto, e tendo presente o que, em tempo, foi respondido à NUTRE acerca do pedido de prolongamento de prazo para contestar, o Júri pronunciar-se-á sobre o mérito dos autos.

1.3.   Dos factos
A NUTRE divulgou através de Internet (designadamente, nas redes sociais e no seu site institucional) outdoor e embalagem, uma campanha publicitária destinada a promover o seu produto “Shoyce”, uma bebida de soja, sob o claim “não vai acreditar que não é leite”, entre outros, com a participação do humorista Nuno Markl. (Cfr. Docs. de 1 a 7 juntos à queixa).

1.3.1. Das alegações publicitárias
Em conformidade com o art.º 10.º da petição e dos sete documentos juntos aos autos com a mesma, são os seguintes, os claims ou alegações publicitárias colocadas em crise:

1.3.1.1.   Em suporte Internet

A)   Primeiro spot publicitário: “o espírito da vaca”
Surge o comediante Nuno Markl vestido de vaca, ouvindo-se ao longo de todo o filme o pronunciado mugir do animal  – simulado por ele e por uma voz  off (Cfr. Doc. n.º 5 da queixa), procedendo o primeiro aos seguintes depoimentos:

(i)   “revelar, de uma vez por todas, se Shoyce é ou não é leite”;(ii)   “a consistência é a do leite”;(iii)   “eiina … a proteína que aqui vai”, precedido do mugir da vaca;(iv)   “realmente parece não estar aqui o espírito da vaca, mas (v)   “lá que sabe a leite sabe”;(vi)   “nem vai acreditar que não é leite”.

B)   Segundo spot publicitário: “blind test”
Surge o comediante Nuno Markl vestido com uma bata, anunciando que vai fazer um teste cego (cfr. Doc. n.º 6 da queixa), o qual verbaliza as seguintes alegações:

(i)   “Para perceber a diferença de sabor entre Shoyce e o leite aceitei fazer um blind test”;(ii)   “é um teste em que não vemos o que estamos a provar”;(iii)   “Igual, não se nota a diferença, incrível, é igual”, alegação que se ouve após o interveniente ter pegado, num copo e depois noutro, como se estivesse a fazer uma prova cega, fazendo de conta que bebe o que está dentro de cada um deles e deitando o conteúdo para trás das costas;(iv)   “Nem vai acreditar que não é leite”.
C)   Terceiro spot publicitário: em site institucional http://shoyce.pt/
(i)   aparecimento de uma garrafa usada caracteristicamente para o leite;(ii)   “nem vai acreditar que não é leite”;(iii)   Disclaimer “sem/sin lactose”;(iv)   imagem do comediante Nuno Markl vestido de vaca;
D)   Quarto spot publicitário: em http://myshoyce.tumblr.com/
(i)   Nuno Markl vestido de vaca, lendo-se “é meu”, com destaque, vendo-se o humorista a beber um copo com “Shoyce” e percebendo-se que diz “é meu”;(ii)   “nem vai acreditar que não é leite”;(iii)   “Mas que sabe a leite, sabe!” (cfr. Doc. n.º 3 da queixa);

1.3.1.2.   Em suporte outdoor

A)   Primeiro outdoor “o espírito da vaca”
(i)   Nuno Markl vestido de vaca;(ii)   “nem vai acreditar que não é leite” associada ao disclaimer “sem/sin lactose” (cfr. Doc. n.º 1 da petição).
(i)   Nuno Markl, com uma imagem do filme “blind test”, com as alegações “nem vai acreditar que não é leite” e “sem/sin lactose” (cfr. Doc. n.º 2 da queixa).

1.3.1.3.   Em suporte embalagem
(i)   “Shoyce é uma bebida saudável”;(ii)   “Your healthy & delicious”;(iii)   Disclaimer “Sem/sin lactose”;(iv)   ”com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite”; (cfr. Doc. n.º 7 da petição).

1.4. Das alegações das Partes

1.4.1. Em síntese, alega a LACTOGAL em sede de queixa que a campanha publicitária da responsabilidade da NUTRE à sua bebida de soja “Shoyce”, sob o mote “não vai acreditar que não é leite”, se encontra em desconformidade com o quadro ético-legal europeu em matéria de princípio da veracidade em matéria de comunicações comerciais, publicidade comparativa e princípios a que devem obedecer as chamadas alegações de saúde. A Requerente sustenta, designadamente, que “A publicidade e a rotulagem em causa não se encontram conformes à legislação comunitária e nacional aplicável, designadamente (i) ao regime jurídico das práticas comerciais desleais (DL 57/2008 de 26 de Março), (ii) ao regime jurídico da rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios (DL 560/99, de 18 de Dezembro), (iii) ao regime jurídico relativo às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos (Regulamento (CE) 1924/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de Dezembro); (iv) ao regime relativo aos géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial (DL 74/2010, de 21 de Junho); (v) ao regime comunitário relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios (Regulamento (UE) nº 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Outubro de 2011) e (vi) ao Código de Conduta do ICAP.” (sic. art.º 11).
1.4.2. Contestando a denúncia da LACTOGAL, vem a NUTRE defender a ética e a legalidade da sua campanha publicitária em razão, designadamente, de em todos os meios utilizados ser clara e transparente a menção a que Shoyce é uma bebida de soja, indicando-se de forma expressa, e sem margem para qualquer dúvida, que não se trata de um produto lácteo e de não existir, por isso, qualquer motivo para que o consumidor possa ser induzido em erro quanto à natureza do produto por força de qualquer omissão na campanha publicitária. (Cfr. art.ºs 15, 18 e 19 da contestação).

2. Enquadramento ético-legal

Próprio dos Regulamentos da União Europeia (e, assim, dos citados pela LACTOGAL em sede de queixa), é o chamado efeito directo ou o da aplicabilidade directa do direito produzido no âmbito da EU, no quadro do princípio do primado.
Logo, os critérios restritivos de licitude em matéria de publicidade e rotulagem, quer a géneros alimentícios em geral, quer a produtos não-lácteos em particular, é imperativo e imediato, obrigando directamente todos na União Europeia, incluindo as empresas.
Ora, de acordo com o disposto nos artigos 4.º, n.º 1 e 5.º do Código de Conduta do ICAP, as comunicações comerciais devem ser legais.
De onde, analisada a campanha publicitária da NUTRE, nas suas várias vertentes (cfr. Docs. n.ºs 1 a 7 da queixa) e ponderada a argumentação das Partes, compete ao Júri pronunciar-se, tomando por referência três questões principais, a saber:

– 1. Da alegada desconformidade legal do disclaimer “sem/sin lactose”;
– 2. Da alegada desconformidade legal das alegações “bebida saudável” e “Your healthy & delicious”;
– 3. Da prática de publicidade alegadamente desconforme com o quadro ético-legal em matéria de comunicações comerciais comparativas e princípios da veracidade e da livre e leal concorrência.

2.1. Da alegada desconformidade legal do disclaimer “sem/sin lactose”
Alega a Requerente em sede de petição que, “O uso da alegação “Sem/sin lactose” encontra-se (…) regulado, sendo que esta só pode ser utilizada no quadro dos géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial, acompanhada de informação de que esses produtos são aptos à satisfação de necessidades nutricionais especiais de pessoas cujo processo de assimilação ou cujo metabolismo se encontra perturbado, desde que especificamente formulados para tal e sujeitos a notificação à DGAV (cfr. art. 7º, nº 1 do Regulamento (UE) nº 1169/2008)” (sic. art.º 37), concluindo que a referida menção “…é, neste caso, ilegal, constituindo violação das regras do regime relativo aos géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial (DL 74/2010) e ao regime comunitário relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios (Regulamento (UE) nº 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho).“ (sic. art.º 39.º).
Neste tocante, constitui posição da NUTRE, a seguinte: “Invoca a queixosa no ponto 38 da queixa que a Direcção Geral de Alimentação e Veterinária (“DGAV”) concretizou orientações precisas quanto à referência ao teor de lactose nos bens alimentares, reproduzindo uma clarificação de “perguntas frequentes” do site daquela Autoridade Administrativa” (sic. art.º 57), acrescentado que “…a Nutre também solicitou junto daquela mesma Autoridade Administrativa clarificação sobre se, de acordo com a legislação em vigor, podia ou não utilizar a menção “sem lactose” na rotulgem dos produtos” (sic art.º 58), “Ao que aquela Autoridade Administrativa afirmou, no parecer com a REF 1370/0811/000/000-2015-TC, que ““sem glúten” e “sem lactose” não são alegações no âmbito do Regulamento (CE) Nº 1924/2006 mas informações ao consumidor. Podem ser utilizadas desde que cumpram o disposto no artº 7º do Regulamento (UE) Nº 1169/2011, relativo às práticas leais de informação, ou seja, só devem ser apostas a alimentos em que o consumidor possa ter dúvidas sobre a sua presença”.” (sic. art.º 59, cfr. Doc. n.º 2 da contestação).
Em coerência, constata o Júri que a NUTRE logrou comprovar a ausência de desconformidade do discaimer “sem/sin lactose”, com o disposto no mencionado Regulamento da União Europeia. Mais, no mesmo Doc. n.º 2 junto aos autos com a contestação, ainda se encontra expressamente referido que, “…os “alimentos naturalmente isentos de lactose e glúten como as bebidas vegetais que substituem o leite podem ostentar essas menções, mas não ser considerados como alimentos que tenham sido especialmente produzidos para a eliminação de glúten ou lactose, não carecendo de notificação.”
Alega igualmente a Requerente, na sua petição, que a campanha publicitária da responsabilidade da NUTRE se encontra desconforme com o quadro normativo do Decreto-lei 74/2010, o qual estabelece o regime jurídico ao qual deve obedecer a comercialização de géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial, concretamente, com o disposto no seu artigo 8.º (cfr. CONCLUSOES, H) e art.º 11), sem, no entanto, fundamentar as razões de tal.
Por maioria de razão do que ficou exposto, entende o JE que a campanha publicitária em apreciação não é subsumível no regime jurídico do Decreto-lei 74/2010 e que o disclaimer “sem/sin lactose” não se encontra em desconformidade com a moldura legal do Regulamento (UE) nº 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, ao contrário do que afirma a LACTOGAL na sua queixa (Cfr. J/CONCLUSÕES).

2.2. Da alegada desconformidade legal das alegações bebida saudável, Your healthy & delicious e com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite

2.2.1. Da alegada comunicação sobre propriedades de prevenção de doenças humanas
Defende a LACTOGAL a art.ºs 31 e 32 da sua queixa, que os claims “bebida saudável” e “Your healthy & delicious” consubstanciam alegações de saúde que invocam propriedades de prevenção de doenças humanas sendo, por isso, proibidas à luz do artigo 23.º, n.º 2, do Decreto-lei 560/99 de 18 de dezembro e, entre outros normativos de fonte comunitária, face ao artigo 12.º, alínea a) do Regulamento (CE 1924/2006).
De acordo com o disposto no artigo 23.º, n.º 2, do Decreto-lei 560/99 de 18 de Dezembro, “Sem prejuízo das disposições aplicáveis aos produtos destinados a uma alimentação especial e às águas minerais naturais, não é permitido atribuir a um género alimentício propriedades de prevenção, de tratamento e de cura de doenças humanas, nem mencionar tais propriedades.”.
Por seu turno, dispõe-se no referido artigo 12.º, alínea a) do Regulamento (CE) 1924/2006, sob a epígrafe “Restrições quanto à utilização de determinadas alegações de saúde” que, “São proibidas as (…) Alegações que sugiram que a saúde pode ser afectada pelo facto de não se consumir o alimento”.
Entende o Júri que, de facto, aqui se trata de alegações de saúde, as quais, nos termos do artigo 2.º, n.º 5 do mesmo Regulamento (CE) 1924/2006, são aquelas que declarem, sugiram ou impliquem a existência de uma relação entre uma categoria de alimentos, um alimento ou um dos seus constituintes e a saúde.
Contudo, o JE subscreve a posição da NUTRE, definida a art.º 41, § 1.º da contestação. Com efeito, as alegações claims “bebida saudável” e “Your healthy & delicious” não são de molde a incentivar o consumo excessivo do produto ou a sugerir a prevenção de doenças humanas e, muito menos, que a saúde pode ser afectada, caso não se consuma “Shoyce”.

2.2.2. Da alegada enganosidade das alegações de saúde
Sustenta ainda a LACTOGAL, em sede de petição, que “As alegações “bebida saudável” e “Your healthy & delicious” pretendem estabelecer a existência de uma relação entre a bebida de soja Shoyce e a saúde (cfr. doc. nº 7 embalagem do leite e www.shoyce.pt)” (sic. art.º 23), que se tratam “…portanto, de duas alegações de saúde (cfr. art. 2º, 2./5) do Regulamento (CE) 1924/2006)”, (sic. art.º 24) e que, “As alegações de saúde que não tenham sido autorizadas pela Comissão, ou que não constem da lista aprovada pela mesma Autoridade Comunitária, são proibidas (cfr. art. 3º, 10º, nº 1, 12º, al. a) e 13º, nº 1 do Regulamento (CE) 1924/2006)” (sic. art.º 25), para concluir que “A referida alegação não foi autorizada, nem consta de nenhuma lista, sendo, por isso, proibida.” (sic. art.º 26).
A propósito, acrescenta ainda a LACTOGAL que, “Independentemente disso, quanto às alegações de saúde incluídas na publicidade e/ou na rotulagem, as mesmas só são permitidas quando seja indicada a quantidade do alimento e o modo de consumo requeridos para obter o efeito benéfico alegado” (sic. art.º 27) que, “Neste caso sempre se registaria a ausência de informação sobre a dose necessária para obter os alegados efeitos benéficos decorrentes da ingestão da bebida de soja” (sic. art.º 28), e que “A ausência daquela informação é susceptível de criar uma impressão errada no consumidor quanto à eficácia do produto, induzindo-o em erro” (sic. art.º 29), já que “…as alegações de saúde não devem ser ambíguas ou enganosas…” (sic. art.º 30).
Pelos motivos que ficaram expostos no ponto anterior, o Júri não subscreve esta linha de argumentação.
As alegações “bebida saudável” e “Your healthy & delicious” ora colocadas em crise, constam da embalagem de “Shoye” (sem prejuízo de serem visíveis noutros suportes), tal como também consta o claim ”com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite” (cfr. Doc. n.º 7 da petição), as quais, atentos os juízos de qualidade inerentes, fazem com que a mesma embalagem seja um suporte publicitário.
Sustenta o JE que, as alegações de saúde “bebida saudável” e “Your healthy & delicious” são susceptíveis de ser interpretadas pelo consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido e informado (na acepção que tem sido sobejamente divulgada pela jurisprudência comunitária e do JE) por referência ao claim ”com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite”, bem como à alegação publicitária divulgada através de Internet:” “eiina … a proteína que aqui vai” (precedida do som de mugido de vaca).
Em conformidade, o destinatário da comunicação comercial da responsabilidade da NUTRE ora em análise, perceberá que “”Shoyce”” é uma bebida saudável porque possui doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite”.
Ora, ao contrário do referido pela NUTRE a art.ºs 33 34 da contestação, decorre do alegado pela LACTOGAL a art.ºs 20 a 22 da queixa, o entendimento de que os claims ”com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite”, e  “eiina … a proteína que aqui vai” (precedido do mugir da vaca e divulgado em suporte internet), constituem uma prática de publicidade enganosa, por violação do princípio da veracidade quanto à natureza e composição de Shoyce, o que traduz, igualmente, uma prática comercial desleal. Logo, também se encontram feridas de tais ilicitudes, as alegações de saúde indissociáveis.
Tal, atenta a não junção aos autos por parte da Requerida – conforme estipulam os artigos 12º do Código de Conduta do ICAP e artigos 10.º e 11.º, n.º 3 do Código da Publicidade – de prova da veracidade de todas as alegações ora colocadas em crise.
Aliás, diga-se em jeito de nota de rodapé, e com o devido respeito, que parece ser a própria NUTRE a admitir, implicitamente, a desconformidade entre as alegações ”com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite”, e “eiina … a proteína que aqui vai” e a tabela nutricional e características de “Shoyce” constantes da embalagem, ao referir a art.º 30. da contestação que “De todo o modo, mesmo nas embalagem tal menção não é susceptível de induzir o consumidor em erro, tal como alega a Lactogal no ponto 20 da sua queixa, já que nessas mesmas embalagens consta igualmente a informação nutricional do produto e todas as suas características“ e que “Para mais, no site da Shoyce consta efectivamente uma tabela nutricional comparativa e detalhada (cfr. Disponível em formato digital em http://shoyce.pt/original/)”. (sic. art.º 31).
De facto, a NUTRE não apresenta prova, nem sequer defende em sede de contestação, que a tabela nutricional a que se refere permite comprovar que o seu produto “Shoyce” possui ”…doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite”.

2.2.3. Conclusão

De onde, conclui o Júri serem as alegações publicitárias “bebida saudável” e “Your healthy & delicious” desconformes com o disposto nos artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 12.º do Código de Conduta do ICAP, nos artigos 4.º, 6.º, alínea b), 7.º, n.º 1, alínea b) e 9.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, no artigo 23.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-lei 560/99, de 18 de dezembro, nos artigos 3.º, alínea a) e 10.º, n.º 1, do Regulamento (CE) 1924/2006, bem como no artigo 7.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 2 do Regulamento (UE) n.º 1169/2011, de 25 de Outubro.

2.3. Da alegada prática de publicidade comparativa ilícita
Segundo a queixa da LACTOGAL, “A campanha em causa assenta na tentativa descarada de comparação de dois produtos alimentícios distintos – o leite e a bebida de soja – tentando a NUTRE, através de determinadas alegações, entre outras, “lá que sabe a leite sabe” e “incrível, igual, não se nota a diferença, incrível, é igual” e, ainda, de outros meios que abaixo se enunciam, induzir em erro o consumidor quanto à natureza dos referidos bens alimentícios, bem como quanto às suas características, vantagens e composição.” (sic. art.º 5).
Defende a Requerente na sua petição que, “…as alegações “a consistência é a do leite”, “eiina … a proteína que aqui vai”, “lá que sabe a leite sabe”, “nem vai acreditar que não é leite”, “é meu”, “incrível, igual, não se nota a diferença, incrível, é igual” e ”com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite” (sic. art.º 11. A) “…são susceptíveis de fazer crer ao consumidor médio – aquele “normalmente informado e razoavelmente atento e advertido”  – que o Shoyce é, afinal, leite.” (sic. art.º 12) e que” A campanha publicitária em causa incide numa comparação entre um produto de natureza/origem vegetal da marca Shoyce com o leite.” (sic. art.º 14).
A prática de publicidade comparativa somente é consentida mediante a verificação concreta de determinados requisitos constantes do artigo 16.º do Código da Publicidade, os quais encontram a sua equivalência em sede de autoregulação, no artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP, sob a epígrafe “Comparações”.
Nos termos do n.º 1 de tal normativo, “É comparativa a comunicação comercial que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente.”
Ora, quanto ao caso em apreciação, e quanto às várias versões da campanha veiculadas nos suportes Internet e outdoor (este caso, através de decalque e alegoria aos filmes publicitários), bem como por via de embalagem (por virtude da alegação “com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite”) não tem o Júri dúvidas quanto à verificação de uma prática de publicidade comparativa.
Na realidade, a “Shoyce” é e assume-se como concorrente do leite. (cfr. Docs. n.ºs 1 a 7 da petição). Diga-se, aliás, que o critério restritivo de licitude em matéria de publicidade e rotulagem a produtos não-lácteos constitui, de resto, um instrumento indelével da regulação europeia. Atenda-se, a título de exemplo, ao consignado no Considerando 51 do Regulamento (CE) 1234/2007 de 22 de Outubro, segundo o qual se visa, expressamente, “…melhorar a posição do leite e produtos lácteos no mercado, em benefício de produtores e consumidores”, acrescentando-se que ”As regras […] visam proteger o consumidor e criar condições de concorrência entre produtos lácteos e produtos concorrentes, no domínio da designação, rotulagem e publicidade dos produtos, que evitem qualquer distorção.”
Quanto aos requisitos cumulativos a que a prática de publicidade comparativa deve obedecer, considera o Júri serem relevantes no caso em apreciação, os de:
– referência objectiva a uma ou mais características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses bens ou serviços;
– identificação de apenas bens ou serviços que respondam às mesmas necessidades ou que tenham os mesmos objectivos;
– não enganosidade;
– respeito pelo princípio da livre e leal concorrência.

2.3.1. Da referência objectiva a uma ou mais características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas de bens ou serviços
Alega a LACTOGAL, em sede de petição, que ao longo do spot publicitário “o espírito da vaca” não é mencionada uma única característica da bebida de soja que possa estabelecer uma comparação de forma objectiva com o leite” (sic art.º 17) e que “Em nenhum momento se ouve ou lê qualquer referência a “bebida de soja”, mas apenas a “Shoyce”. (sic. art.º 18).
O Júri não concorda com a Requerente, quanto às duas afirmações.
Em “vários momentos” se ouve ou lê a frase “bebida de soja”.
Por outro lado, em todos os suportes são mencionadas características da bebida de soja passíveis de estabelecer uma comparação de forma objectiva com o leite.
No caso do suporte embalagem, o claim “com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite” compara características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas do último género alimentício, pelo que qualquer ilicitude, quanto a tal requisito, se refere à ausência de comprovação, em termos de veracidade, como se concluiu no ponto anterior. (Cfr. Doc. n.º 7 junto aos autos com a queixa).
Logo, entende o Júri que tal alegação se encontra desconforme com o disposto no artigo 15.º, n.º 2, alíneas a), c) e d) do Código de Conduta do ICAP, constituindo uma prática de publicidade comparativa ilícita.
No que tange aos filmes divulgados através da Internet e às respectivas imagens fixas em outdoor, entende o JE que são comparados como características essenciais, pertinentes e comprováveis (cfr. Docs. n.ºs 1 a 6 junto aos autos com a queixa):
– o sabor (a leite);- a consistência (igual à do leite),
cuja ausência de comprovação por parte da NUTRE não se permite o Júri considerar para quaisquer efeitos, na medida em que em concreto, e directa ou indirectamente, não constituem factos alegados por parte da LACTOGAL em sede de petição.
De qualquer forma, não se diga, como o faz a NUTRE na sua contestação, que “O sabor constitui uma característica comparável, nada impedindo a que se faça essa comparação, desde que a mesma esteja assente em evidências, conforme é efectivamente o caso” (sic. art.º 28).
Tal, já que o sabor de “shoyce” não é um facto público e notório…

2.3.2. Da identificação de apenas bens ou serviços que respondam às mesmas necessidades ou que tenham os mesmos objectivos
No caso do suporte embalagem, o claim “com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite” identifica um objectivo (o de nutrição, e só este) que se poderia considerar como uma “zona de intersecção” entre a bebida de soja e o leite, não fosse, mais uma vez, a ausência de comprovação em termos de veracidade, como já se concluiu. (Cfr. Doc. n.º 7 junto aos autos com a queixa).
De onde, neste tocante, tal alegação se encontra desconforme com o disposto no artigo 15.º, n.º 2, alíneas a), b) e d) do Código de Conduta do ICAP, consubstanciando uma prática de publicidade comparativa ilícita.

2.3.3. Do requisito de não enganosidade e de respeito pelo princípio da livre e leal concorrência.
Concluiu o JE no ponto 2.2. que as alegações constantes da embalagem de “Shoyce”, “bebida saudável” e “Your healthy & delicious” consubstanciam uma violação dos princípios da veracidade e da livre e leal concorrência. Assim, por maioria de razão, traduzem uma prática de publicidade comparativa ilícita.
Igualmente sustentou o Júri no ponto anterior que, as alegações de saúde “bebida saudável” e “Your healthy & delicious” são susceptíveis de ser interpretadas pelo consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido e informado (na acepção que tem sido sobejamente divulgada jurisprudência comunitária e do JE) por referência ao claim ”com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite”. É altura agora de afirmar que, também todas as alegações (verbais e visuais) inseridas nas restantes peças publicitárias que integram uma campanha conjugada em vários suportes – como a ora em análise – serão entendidas à luz da primeiras e das outras. Diga-se, aliás, ser esta a razão a contrario – pela qual, no artigo 9.º, n.º 2, sob a epígrafe “Omissões Enganosas” do Decreto-lei 57/2008, de 26 de Março, se consagra a norma excepcional: “Quando o meio de comunicação utilizado para a prática comercial impuser limitações de espaço ou de tempo, essas limitações bem como quaisquer medidas tomadas pelo profissional para disponibilizar a informação aos consumidores por outros meios devem ser tomadas em conta para decidir se foi emitida a informação”.
Dito de outra forma, não só informações entre meios podem ser completadas, como a interpretação de claims entre meios pode ser sugerida, como se de uma só fonte textual se tratasse. Tal, na medida em que os textos publicitários constantes dos vários suportes utilizados numa determinada campanha publicitária, funcionam como um lugar privilegiado de representação da linguagem – tanto verbal como imagética – cuja interpretação e sentido persuasivo é construída pelo destinatário, o qual não o faz tomando os vários suportes e as várias frases publicitárias e, ou, disclaimers como compartimentos estanques em termos de percepção.
Assim sendo, tais textos constantes de vários suportes terão que ser analisados como um todo, por referência ao respectivo significado simbólico. Para além do literal. Como signos.
De onde, o Júri apreciará a conformidade da campanha publicitária da responsabilidade da NUTRE, por referência à conjugação de todos os claims veiculados nos vários suportes, para além da embalagem de “Shoyce”, ou seja, procederá a uma análise “na totalidade”.
Refere-se o Júri, quer ao mote da campanha publicitária colocada em crise “não vai acreditar que não é leite”, quer aos claims visuais “comediante vestido de vaca” e “garrafa caracteristicamente usada para o leite”, quer aos claims sonoros traduzidos por “sucessivos mugidos de vaca”, quer ainda aos claims verbais “revelar, de uma vez por todas, se Shoyce é ou não é leite”, “a consistência é a do leite”, “eiina … a proteína que aqui vai”, (precedido do mugir da vaca) “realmente parece não estar aqui o espírito da vaca, mas  lá que sabe a leite sabe”, “para perceber a diferença de sabor entre Shoyce e o leite aceitei fazer um blind test”, “é um teste em que não vemos o que estamos a provar”, “Igual, não se nota a diferença, incrível, é igual”, “é meu” (associado a Nuno Markl vestido de vaca), “vendo-se o humorista a beber um copo com “Shoyce” e percebendo-se que diz “é meu”. (Cfr. Docs. 1 a 6 da petição).
Defende a Lactogal, no ponto 12 da sua queixa, que as alegações utilizadas “são susceptíveis de fazer crer ao consumidor médio – aquele “normalmente informado e razoavelmente atento e advertido – que Shoyce é, afinal, leite”. (Negrito e sublinhado do Júri).
Contrariando tal posição, vem a Requerida sustentar em sede de contestação que, “…em todos os meios publicitários utilizados é clara e transparente a menção a que Shoyce é uma bebida de soja. (sic. art.º 15), que “Seja nos mupis, seja nos vídeos, seja nas embalagens, seja nos meios digitais, é sempre escrito e/ou dito, de forma clara, legível e audível, que a Shoyce é uma bebida de soja.“ (sic. art.º 16) e que “Aliás, os próprios documentos com os n.ºs 1, 2, 3 e 4 juntos com a queixa da Lactogal comprovam a menção expressa “Bebida de Soja” nos veículos de publicidade.” (sic. art. 17).
O Júri concorda…
Tal, muito embora o destaque dado a tal disclamer seja bastante reduzido, por comparação com os restantes, designadamente, aravés de outdoor (em termos de tamanho de caracteres utilizados) e de filmes (através de duração por comparação com as restantes sequências de imagem).
No que o Júri já não concorda, é com o acrescentado pela NUTRE na contestação, no sentido de que, “Não existe, por isso, qualquer motivo para que o consumidor possa ser induzido em erro quanto à natureza do produto por força de qualquer omissão na campanha publicitária” (sic. art.º 19), e de que “todo o propósito da campanha assenta precisamente no princípio de que Shoyce não é leite, e ao teaser de que se “vai revelar, de uma vez por todas, se Shoyce é ou não é leite”, a resposta que se retira do anúncio é que inequivocamente não é (“não está o espírito da vaca”).” (sic. art.º 22).
Entende o JE que “não está o espírito da vaca”, mas existe a susceptibilidade de o consumidor médio esquecer ou nem chegar a interiorizar “que também não está o seu leite”.
Tal, entre outras razões, porque um dos claims conjugado é “Igual, não se nota a diferença, incrível, é igual”, “é meu” (associado a Nuno Markl vestido de vaca), “vendo-se o humorista a beber um copo com “Shoyce” e percebendo-se que diz “é meu” e, também, porquanto o mote constantemente repetido é “não vai acreditar que não é leite”: a âncora da anáfora indirecta que suporta todas as alegações publicitárias colocadas em crise e que lhes “acrescenta” sentido e desvenda a trama por detrás das palavras. Aliás, o sentido que contraria o literamente disposto no artigo 65.º, alínea a)  do Regulamento (CE) 1234/2007, de 22 de Outubro: “Para efeitos da presente secção, entende-se por: a)”Leite”: o produto proveniente da ordenha de uma ou mais vacas”…
Com efeito, colocado perante a conjugação de todas os claims referidos, o Júri não consegue deixar de recordar o antigo silogismo: “se caminha como um pato, nada como um pato, come como um pato e parece um pato, é um pato”. Ninguém vai acreditar que não é um pato, mesmo que se diga que é um ganso…
Assim, se a vaca (personificada por uma pessoa com recurso ao impacto do humor), que constantemente muge em off diz que o Shoyce é dela e “não vai acreditar que não é leite”, que tem a consistência do leite e “não vai acreditar que não é leite”, o sabor é igual a leite, não se nota a diferença, e “não vai acreditar que não é leite”, “eiina … a proteína que aqui vai” e ”com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite”, de facto, poderá acontecer que, também pela repetição do mote, o consumidor médio se esqueça de que não é leite” ou “que não chegue a  interiorizar que não é leite”..
Metaforicamente falando, “Até a vaca se esquece, porque prefere Shoyce”…
Com efeito, a repetição é o complemento necessário da afirmação. Repetir muitas vezes uma palavra, uma ideia, uma formula, é transformá-la em crença.
Assim, ao analisar os principais factores que, através dos claims a que se reporta o JE, perpassam o texto publicitário da totalidade da campanha objecto de denúncia, pode-se concluir que, pela utilização de recursos linguístico-argumentativos que conferem à dita efeitos de sentido capazes de persuadir o respectivo destinatário – por meio dos (aparentemente simples) jogos de linguagem e de imagética ancorados na anáfora indirecta “não vai acreditar que não é leite” -, não existe qualquer diferença entre “Shoyce” e o mesmo leite.
O que careceria de comprovação por parte da NUTRE, atenta a inversão do ónus da prova em matéria de publicidade comparativa e de princípio da veracidade.

2.3.4. Conclusão
De onde se conclui que todos os claims referidos concorrem para uma prática de publicidade comparativa ilícita enganosa e ofensiva do princípio da livre e leal concorrência, sendo interditos à luz do quadro legal interno e europeu em matéria de alegações de publicidade a géneros alimentícios, seja por que suporte for.

3. Decisão 

Termos em que, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da NUTRE, em apreciação no presente processo – e nos seus vários suportes – se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 12.º e 15.º, n.º 2., alíneas a), b) c) e d) do Código de Conduta do ICAP, bem como nos artigos 4.º, 6.º, alínea b), 7.º, n.º 1, alínea b) e 9.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, artigo 23.º, n.º 1, alíneas a) e b), artigos 3.º, alínea a) e 10.º, n.º 1, do Regulamento (CE) 1924/2006 e artigo 7.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 2 do Regulamento (UE) n.º 1169/2011, de 25 de Outubro, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipo de ilícito apurados pelo JE.».

A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP

Auto Regulação2J / 2016 :: Lactogal – Prod. Alimentares vs. NUTRE – Ind. Alimentares
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6J / 2015 – Recurso :: Sovena Portugal vs. Gallo Worldwide

6J/2015
Recurso

 

Sovena Portugal
vs.
Gallo Worldwide

 

COMISSÃO DE APELO

Proc. n.º 6J/2015

Recorrente:
“SOVENA PORTUGAL, CONSUMER GOODS, SA”

versus:

“GALLO WORLDWIDE, LDA.”

 

I- RELATÓRIO

A Sovena Portugal – Consumer Goods, S.A., adiante designada apenas por “SOVENA”, recorre para esta Comissão de Apelo da Deliberação da 2ª Secção do JE proferida em 18 de Setembro de 2015, no âmbito do processo acima referenciado, que deu razão a uma queixa apresentada por Gallo Worldwide, Ld.ª, adiante designada apenas por “GALLO”.

1 – Síntese do processo

O processo teve início com uma queixa apresentada pela GALLO, relativa à comunicação comercial da marca de azeite “Oliveira da Serra”, promovida pela SOVENA nos suportes televisão e Internet, por alegada violação dos artigos 9.º, n.º 2, alíneas a) e f) e 12.º do Código de Conduta do ICAP.

No essencial a queixa assenta nos seguintes argumentos.

– O anúncio ora em causa utiliza quatro alegações de superioridade absoluta: Oliveira da Serra, nasceu no maior olival do mundo, cresceu no maior lagar do mundo, conquistou os maiores especialistas do mundo e, finalmente, tornou-se na marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo. Não coloca reservas nem qualificações nem às afirmações que veicula.

– O anúncio em causa também não apresenta nem remete para quaisquer provas, dados, estudos ou investigações que comprovem ou, pelo menos, permitam as conclusões a que se chega e a superioridade que se alega.

– Quanto à primeira alegação em causa – “Nasceu no maior olival do mundo” – não se indica onde se situa tal olival, quais as suas dimensões ou quais as suas características diferenciadoras, nem se remete para qualquer estudo ou levantamento sobre os olivais existentes em todo o mundo ou sequer sobre a dimensão média de tais olivais, que permita inferir que o olival de Oliveira da Serra é o maior ou pertence à categoria dos maiores.

– Quanto à segunda alegação – “Cresceu no maior lagar do mundo”- também não se indicam as dimensões, nem as características de tal lagar, nem onde se situa, nem se apresenta qualquer estudo ou levantamento sobre os outros lagares, designadamente, sobre os lagares da concorrência, que permitam concluir com a alegação de que o lagar onde se produz o produto Oliveira da Serra é o “maior lagar do mundo”.

– Quanto à terceira alegação – “Conquistou os maiores especialistas em todo o mundo”; e à quarta – “Marca portuguesa mais premiada do mundo” – não se refere quais os especialistas conquistados em todo o mundo, nem por que razão tais especialistas serão “os maiores”.

– Não existe um ranking de especialistas em azeite que permita diferenciar os “maiores” dos “menores”, nem se descrevem nem invocam quais, em concreto, são os prémios ganhos por Oliveira da Serra.

– A publicidade em questão não apresenta nem sequer remete para qualquer estudo que demonstre ser “Oliveira da Serra” a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo.

– Tal não é verdade, nem sequer verosímil.

– A marca “Oliveira da Serra” é uma marca com visibilidade bastante recente no mercado português, datando o seu registo do ano de 1969, ao passo que a marca de azeite “Gallo” existe no mercado há mais de cem anos, ganhando prémios recorrentemente desde 1908.

– A publicidade em causa refere-se a características essenciais do produto (azeite) que pretende promover, como sejam, o local onde é produzido e a dimensão (e, conclui-se, a capacidade e qualidade) do olival e do lagar onde é produzido.

– E fá-lo recorrendo a ambiguidades, exageros e, acrescentaríamos, falsidades, susceptíveis de induzir em erro o consumidor, em violação clara da alínea a) do n.º 2 do Artigo 9.º do CCICAP.

– Tal é susceptível de induzir, em erro o consumidor no que respeita a “reconhecimento ou homologação oficial, recompensas, tais como a atribuição de medalhas, prémios, diplomas e distinções de natureza similar”, violando assim a alínea f) do n.º 2 do citado Artigo.

– É pois enganosa, nos termos do disposto no artigo 9.º do Código de Conduta do ICAP.
– Nos termos do artigo 12.º do CCICAP caberá à SOVENA, em resposta à denúncia, apresentar ao ICAP a competente comprovação, que deverá abranger toda a extensão da alegação publicitária em causa

– Na falta de tais comprovações, não poderá deixar de se considerar a publicidade em causa como ilegítima à luz do referido artigo 12.º do CCICAP.

– Não tendo ficado clara a legitimidade das alegações, nos termos em que são feitas, é à SOVENA que cabe o ónus de provar as alegações publicitárias que utiliza.

Pediu no final que o JE mandasse cessar de imediato a dita campanha publicitária, ordenando a interrupção imediata da utilização das alegações publicitárias objecto da queixa, em quaisquer suportes.

Contestou a SOVENA, argumentando, em suma, que:

– A campanha publicitária em apreço não viola as normas invocadas.

– Inexiste qualquer norma que imponha que os anúncios publicitários apresentem ou remetam para provas que sustentem os factos nos mesmos referidos.

– As descrições, alegações ou ilustrações relativas a factos de uma comunicação comercial devem, sim, ser susceptíveis de comprovação, que deve estar disponível para apresentação por mera solicitação do ICAP.

– No mesmo sentido dispõe o artigo 10º, n.º 2, do Código da Publicidade.

– A Requerente alega genericamente que a publicidade em apreço recorre a ambiguidades, exageros e até falsidades, sem apresentar um único facto ou prova que infirme as alegações constantes do anúncio.

– A Requerente parece laborar num (para si conveniente) erro relativamente ao ónus da prova, escudando-se para tanto no disposto no Artigo 12º do Código de Conduta do ICAP, mas desta disposição não se pode inferir que ao queixoso bastaria questionar a veracidade das alegações apresentadas em campanhas publicitárias para que se pudesse concluir que as mesmas são falsas.

– Cabia à Requerente, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil, para sustentar a sua Queixa e a grave pretensão que nela deduz, provar e demonstrar as alegações que faz, designadamente que a publicidade em causa é enganosa porque (i) existe um olival maior do que o da Requerida e porque (ii) a marca portuguesa de azeite mais premiada e que conquistou os maiores especialistas foi outra que não a Oliveira da Serra – demonstração que não fez.

– Isto porque o Código de Conduta do ICAP, assim como os de outros organismos de auto-regulação, não afastam os preceitos da lei, designadamente aqueles que se referem à repartição do ónus da prova, por força dos quais a prova dos factos constitutivos de um direito cabe àquele que o invocar, em juízo ou fora dele.

– Quanto à primeira alegação – nasceu no maior olival do mundo, – o olival onde nasce o azeite Oliveira da Serra tem, actualmente, mais de 10.000 hectares e encontra-se localizado no Alentejo, em três pólos distintos: Ferreira do Alentejo, Elvas e Avis (Docs. 1 a 4).

– A dimensão extraordinária encontra-se amplamente demonstrada nos documentos 1 a 168: do Doc. 5 resulta que, para efeitos de candidatura ao Pedido Único de 2015, foi submetida por sociedades que pertencem ao grupo Elaia/Sovena uma área de olival no total de 8.047,6400ha, e dos Docs. 6 a 168 resulta que sociedades do grupo Elaia/Sovena são proprietárias de prédios rústicos que totalizam uma área aproximada de 9.955,0703ha, sendo que existe ainda uma área significativa de olival, com uma dimensão superior a 2.000ha que é explorada pelas mesmas entidades através de terrenos que são arrendados.

– Da informação disponível ao público resulta que os segundo, terceiro e quarto maiores olivais na Península Ibérica têm, respectivamente, cerca de 5.000 hectares, 2.400 hectares e 2.000 hectares, pertencentes aos grupos económicos que produzem/comercializam, receptivamente, os azeites Innoliva, Belloliva e De Prado (Docs. 169 a 171).

– De acordo com o levantamento levado a cabo pela Requerida, a empresa australiana Boundary Bend Limited detém uma das maiores áreas de olival no mundo, com cerca de 6.000 hectares de olival (Doc. 172).

– De acordo com o levantamento feito pela Requerida com base em informação que se encontra publicamente disponível, não existem olivais de dimensão superior aos anteriormente identificados, seja na Península Ibérica e/ou no resto do mundo.

– A informação de que o grupo Sovena/Elaia tem o maior olival do Mundo tem sido amplamente divulgada em diversos meios de comunicação social, pelo menos desde 2010 (Docs. 2 a 4), não tendo sofrido até à apresentação da Queixa qualquer contestação de terceiros, designadamente da Requerente

– Quanto à segunda alegação, a Requerente queixa-se de que no anúncio sub judice é dito que o azeite Oliveira da Serra nasceu no maior lagar do mundo, mas o que se diz no anúncio é “cresceu no melhor lagar do mundo”,

– Não deve a mesma ser submetida à apreciação deste Júri, sendo absolutamente infundada, nesta parte, a Queixa da Requerida.

– Quanto à terceira e quarta alegações – Conquistou os maiores especialistas em todo o mundo – e – é a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo – o azeite Oliveira da Serra conquistou, de facto, os maiores especialistas em todo o mundo.

– Todos os anos, a organização internacional World’s Best Olive Oils produz o ranking dos melhores azeites do mundo e dos melhores produtores de azeite do mundo com base nos resultados obtidos nos concursos de azeite internacionais mais relevantes e objetivos, que adoptem métodos e standards reconhecidos internacionalmente (Docs. 173 e 174).

– Os rankings são organizados segundo um esquema de pontos consoante a importância dos prémios recebidos (por ex., são atribuídos 5 pontos ao azeite que tenha recebido o primeiro prémio em determinado concurso, 4 ao que tenha recebido o segundo prémio e assim sucessivamente). Adicionalmente, são também atribuídos pontos em função do cumprimento, nos concursos internacionais em causa, de determinadas regras do mais relevante concurso internacional de azeite, o “Mario Solinas Award” do Comité Internacional de Azeite (International Olive Oil Council’s), tais como a recolha de amostras e de documentação por um notário ou entidade equivalente, a selagem dos depósitos de azeite de onde as amostras foram retiradas, o envolvimento de peritos experientes e internacionalmente reconhecidos no painel da competição, etc. (Docs. 173 e 174).

– Os azeites Oliveira da Serra receberam, na campanha 2014/2015, um elevado número de prémios, pelo que os primeiros lugares no ranking dos melhores azeites (Ranking of the World’s Best Olive Oils 2014/2015) conquistados por azeites portugueses pertencem a azeites Oliveira da Serra (Doc. 175).

– Também na campanha 2014/2015, a Requerida ficou em primeiro lugar no ranking dos melhores produtores de azeite do mundo (Ranking of the World’s Best Olive Oil Mills 2014/2015) (Doc. 176).

– As afirmações constantes do anúncio submetidas à apreciação deste Júri são verdadeiras e legítimas, resultando também evidente que a publicidade em causa não recorre a quaisquer ambiguidades, exageros ou falsidades.

Terminou pedindo que fosse negado provimento à queixa e que o processo fosse arquivado.

Juntou 207 documentos para prova do que alegou, os quais se acham nos autos.

A 2ª Secção do JE, pela deliberação que é objecto do presente recurso, entendeu, com base nos fundamentos desta constantes, que:

– Quanto ao ónus da prova, não só à Requerente não “…bastaria questionar a veracidade das alegações apresentadas em campanhas publicitárias para que se pudesse concluir que as mesmas são falsas”, como tal conclusão não resulta do articulado da petição.
– Bastará colocar em causa a veracidade dos claims que integram a comunicação comercial colocada em crise, não impendendo sobre a Requerente – ao contrário do que sustenta a Requerida -, a obrigação de, “… nos termos do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil, para sustentar a sua Queixa e a grave pretensão que nela deduz, provar e demonstrar as alegações que faz, designadamente que a publicidade em causa é enganosa porque (i) existe um olival maior do que o da Requerida e porque (ii) a marca portuguesa de azeite mais premiada e que conquistou os maiores especialistas foi outra que não a Oliveira da Serra”. (sic. art.º 20.º da contestação).

– Foi entendido quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matéria de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. actual n.º 3 do artigo 11.º do Código da Publicidade) nos termos da qual se presumem inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado dos artigos 4.º, 5.º e 12.º do Código de Conduta do ICAP se encontram em consonância, pelo que impende sobre a SOVENA, o ónus da prova das alegações publicitárias em lide.

– A publicidade de tom exclusivo constitui uma modalidade de publicidade que a doutrina estrangeira (maxime a alemã e a espanhola) tem definido como aquela através da qual “o anunciante pretende excluir da posição que ocupa os restantes concorrentes (…) alcançando uma posição superior à dos seus rivais” (vd. Carlos Lema Devesa in “La Publicidad de Tono Excluyente”, Editorial Moncorvo, 1980), limitando-se “a realçar a sua posição de proeminência sem fazer nenhuma referência directa aos seus concorrentes” (vd. Anexo Tato Plaza in “La Publicidad Comparativa”, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A. Madrid, 1996, p.50), o que é o caso objecto da questão controvertida.

Tal originará, de forma implícita, a negação de que as prestações dos concorrentes gozem dessa qualidade ou característica. No caso vertente, a de prestígio. O efeito principal deste tipo de publicidade não consiste, pois, no efeito comparativo, que tem carácter acessório – e que, in casu, não se verifica, atenta a extensão do mercado em causa – , mas sim, na afirmação peremptória de uma posição de proeminência no mesmo mercado, posição essa não alcançada pelos restantes concorrentes em geral.

– Quanto ao claim “nasceu no maior olival do mundo”, a Requerida logrou provar que:
– (i) procedeu à aquisição ou, e, arrendamento de terrenos, num olival de uma extensão aproximada de 10.000 hectares, distribuído por 57 quintas e herdades e constituído por mais de 10 milhões de oliveiras (Cfr. Docs 5 a 168);

– (ii) a empresa australiana Boundary Bend Limited detém uma área de cerca de 6.000 (seis mil) hectares de olival (Cfr. Doc. 172),
mas não juntou aos autos comprovação da superioridade absoluta ínsita ao claim “Nasceu no maior olival do mundo”.

– Quanto aos claims “e conquistou os maiores especialistas em todo o mundo” e “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo”, a SOVENA logrou provar que a marca de azeite Oliveira da Serra conquistou especialistas em todo o Mundo, atento o ter dos Docs. 173.º e 174.º juntos à contestação. Contudo, não apresentou qualquer comprovação que permita demonstrar a veracidade do claim “e conquistou os maiores especialistas em todo o mundo” e isto, por dois motivos: porque não existe um ranking de especialistas em azeite que permita diferenciar os “maiores” dos “menores” (e este sim, poderá ser um facto público e notório), pelo que, em princípio, estar-se-á aqui em presença de uma alegação insusceptível de comprovação; e porque permite fazer crer ao destinatário da mensagem que outras marcas portuguesas não conquistaram os ditos especialistas.

– Quanto à alegação publicitária “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo!”, nenhum dos documentos anexos à contestação permitem fazer prova: (i) de que essas “outras” concorreram às distinções atribuídas, facto que faz resvalar os dois claims em apreço para a susceptibilidade de indução em erro do consumidor médio razoavelmente atento, esclarecido e informado; (ii) de que os prémios recebidos pela marca Oliveira da Serra, de acordo com os docs. 173 e 174 da contestação foram, em termos significativos (atenta a superioridade alegada na comunicação comercial colocada em crise) em maior quantidade do que os atribuídos a outras marcas de azeite portuguesas, por outras quaisquer entidades prestigiadas.

– Quanto à alegação publicitária “cresceu no melhor lagar do mundo”, o lapso cometido pela GALLO não só é desculpável, como se encontra suprido pelo facto de o DOC. 1 da petição, para o qual os articulados da mesma remetem, reproduzir a comunicação comercial em análise, obviamente, com os claims correctos.

– Tal claim não respeita os referidos requisitos, porquanto a compreensão da expressão “melhor lagar” integra parâmetros de índole subjectiva e, logo, insusceptíveis de comprovação. E, de facto, nenhum documento foi junto aos autos com a contestação que a permita.

Concluiu, assim, que a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida, quer considerada pela óptica dos seus claims individuais, quer no seu todo, é susceptível de induzir o consumidor médio em erro quanto à superioridade do prestígio mundial da marca de azeite Oliveira da Serra consubstanciando, assim, uma prática de publicidade enganosa.

E deliberou, a final, no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da SOVENA – veiculada nos suportes televisão e Internet – em apreciação no presente processo – , se encontra desconforme com os artigos 4.º, n.º 1, 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e f) do Código de Conduta do ICAP, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurado pelo JE.

Desta deliberação interpôs a SOVENA recurso para esta Comissão de Apelo.

Na sua douta alegação argumentou, em suma:

– Da regra de que as alegações relativas a factos de uma comunicação comercial devem ser exactas e passíveis de prova perante as instâncias competentes, não pode inferir-se que à Recorrida bastaria colocar em causa a veracidade dos claims que integram a comunicação comercial em apreço, recorrendo a umas “afirmações genéricas”.

– É certo que o Código de Conduta do ICAP e o Código da Publicidade determinam uma inversão do ónus da prova, fazendo impender sobre o anunciante a obrigação de apresentar provas da exactidão material dos dados de facto contidos na publicidade.

– No entanto, a apresentação de qualquer queixa pressupõe — ou deve pressupor, à luz do princípio da boa-fé processual (artigo 8º do Código de Processo Civil) — que haja fundamentos plausíveis para legitimamente se questionar e acusar de falsidade as alegações veiculadas na publicidade objecto da queixa.

O entendimento contrário não só não tem correspondência quer na letra quer no espírito da lei, como fomenta uma prática absolutamente condenável, que é a apresentação de queixas sem qualquer fundamento e com o objectivo único de prejudicar os concorrentes.

– E a verdade é que, in casu, não foi colocada em dúvida, de forma minimamente fundamentada, a publicidade da Recorrente.

– A total ausência de fundamento da Queixa da Recorrida não poderá, assim, deixar de ser valorada pelo Júri de Ética, designadamente na apreciação da prova carreada para os autos pela Recorrente.

– A Recorrente fez prova da veracidade das alegações contidas na campanha publicitária sub judice.

– Quanto à alegação Nasceu no maior olival do mundo o JE considerou como provado que a Sovena explora aproximadamente 10.000 (dez mil) hectares de olival e que a empresa australiana Boundary Bend Limited detém uma área de cerca de 6.000 (seis mil) hectares de olival.

– In casu, não seria possível, porquanto essa informação não se encontra sistematizada a nível internacional, juntar um estudo cabal que comparasse todos os olivais do mundo.

– A Sovena considerou que não se justificava apresentar as dimensões de todos os outros olivais relativamente aos quais há informação publicamente disponível, pelo que carreou para os autos informação e prova sobre a dimensão do olival da empresa que detém uma das maiores áreas de olival no mundo e a dos maiores olivais na Península Ibérica, cujas dimensões são significativamente inferiores aos da Recorrente. Apresentou, assim, as conclusões relevantes da análise comparativa por si levada a cabo.

– E as mesmas não podem deixar de ser apreciadas e valoradas em termos probatórios, pois a Sovena é, naturalmente, possuidora de um conhecimento amplo e profundo do mercado dos azeites a nível mundial.

– Em face dos elementos carreados para os autos, é forçoso também concluir (pelo menos) que a Sovena diligenciou de boa-fé no sentido de apurar que a afirmação em apreço tem o mínimo de plausibilidade.

– Em publicidade, as afirmações de superioridade absoluta não são proibidas, ainda que sejam de prova mais difícil, sendo certo que, em decisões anteriores, o JE não exigiu que a prova apresentada pelo anunciante fosse absolutamente inequívoca.

– Os elementos carreados pela Sovena para os autos, aliados ao conhecimento do mercado e, em particular, da dimensão e características dos maiores olivais do mundo que a Sovena, sendo um dos maiores grupos de azeite do mundo, não poderia deixar de ter, demonstram a sustentabilidade das convicções da Recorrente sobre a veracidade das mensagens comerciais que utilizou.

– A informação de que o grupo Sovena/Elaia tem o maior olival do Mundo, amplamente divulgada em diversos meios de comunicação social, pelo menos desde 2010, não sofreu até à apresentação da Queixa que deu origem ao presente processo, qualquer contestação de terceiros, designadamente da Recorrida.

– Quanto às alegações Conquistou os maiores especialistas em todo o mundo e É a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo, os azeites Oliveira da Serra terem sido, na campanha 2014/2015, os mais premiados nos concursos que uma entidade internacional independente, a World’s Best Olive Oils, considera – com base em critérios objectivos – serem os mais prestigiantes.

– A referida organização internacional produz anualmente o ranking dos melhores azeites do mundo e dos melhores produtores de azeite do mundo com base nos resultados obtidos nos concursos de azeite internacionais mais relevantes e objetivos, que adoptem métodos e standards reconhecidos internacionalmente (cf. Docs. 173 e 174 juntos à Contestação). Trata-se, em síntese, de uma compilação dos resultados das mais relevantes competições internacionais.

– O concurso “Mario Solinas” é considerado e reconhecido por toda a indústria como o mais prestigiante e rigoroso concurso internacional de azeite, sendo o único reconhecido pelo Comité Olivícola Internacional e, como tal, serve como referência na classificação pela World’s Best Olive Oils dos outros concursos internacionais, em função da medida em que os mesmos obedeçam às regras do concurso “Mario Solinas” (cf. Doc. 174 junto à Contestação).

– Os rankings são organizados segundo um esquema de pontos consoante a importância dos prémios recebidos (por ex., são atribuídos 5 pontos ao azeite que tenha recebido o primeiro prémio em determinado concurso, 4 ao que tenha recebido o segundo prémio e assim sucessivamente). Adicionalmente, são também atribuídos pontos em função do cumprimento, nos concursos internacionais em causa, de determinadas regras do mais relevante concurso internacional de azeite, o “Mario Solinas Award” (cf. Docs. 173 e 174 juntos à Contestação).
– Um dos elementos considerados pela World’s Best Olive Oils na elaboração do ranking dos melhores azeites é precisamente a composição do painel de avaliação por peritos em azeite internacionalmente reconhecidos e experientes (“involvement of internationally recognised and trained olive oil experts for the competition panel”) (cf. Doc. 174 junto à Contestação).

– Os primeiros lugares no ranking dos melhores azeites conquistados por azeites portugueses — realizado com base em critérios objectivos, designadamente o número de prémios recebidos e o rigor dos concursos internacionais considerados, sendo ponderada, em concreto, a composição do júri — pertencem a azeites Oliveira da Serra.

– A afirmação de que o azeite Oliveira da Serra conquistou os maiores especialistas em todo o mundo corresponde à verdade.

– No que respeita à alegação “a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo”, perante tal afirmação, o consumidor médio razoavelmente atento, informado e esclarecido poderá concluir (apenas) que a marca Oliveira da Serra foi mais premiada que as suas concorrentes portuguesas, não sendo expectável que tire a conclusão acrescida a que alude a Deliberação, ie. que as outras marcas participaram exactamente nos mesmos concursos – especialmente quando não há nada na afirmação sub judice, absolutamente nada, que promova essa interpretação.

– Nenhum fundamento existe para que seja exigida à Recorrente a prova de que as outras marcas concorreram aos prémios atribuídos à marca Oliveira da Serra.

– Não se percebe o motivo pelo qual se parece exigir que a diferença no número de prémios recebidos pela marca Oliveira da Serra e as outras marcas de azeite portuguesas fosse significativa: bastaria que a marca Oliveira da Serra tivesse recebido apenas mais um prémio que as suas concorrentes para que a alegação fosse verdadeira e legítima.

– Sempre se dirá contudo que da prova apresentada com a Contestação resulta que os prémios recebidos pela marca Oliveira da Serra foram significativamente em maior quantidade do que os atribuídos a outras marcas de azeite portuguesas: a Recorrente recebeu, no ano de 2015, 58 (cinquenta e oito) prémios (cf. Docs. 178 a 207 juntos à Contestação), sendo que, de acordo com a informação divulgada no seu site, a Recorrida recebeu em 2015 um total de apenas 32 (trinta e dois) prémios, atribuídos na América do Norte, na Europa e na Ásia (cf. Doc. 177 junto à Contestação).

– É forçoso concluir que as afirmações (i) conquistou os maiores especialistas em todo o mundo e (ii) Oliveira da Serra é a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo não são suscetíveis de induzir o consumidor em erro, como erradamente se conclui na Deliberação ora em crise, sendo verdadeiras e legítimas.

– Quanto à alegação cresceu no melhor lagar do mundo o JE entendeu dever pronunciar-se sobre o claim “cresceu no melhor lagar do mundo”, não apenas porque considera que o lapso cometido pela Recorrida é desculpável e se encontra suprido, mas também porque se está na presença de auto-regulação – o que foi, nesta parte, uma “decisão-surpresa”, inadmissível à luz do princípio do contraditório.

– Mesmo assim, o Doc. 176 junto à Contestação faz prova de que a Sovena tem o melhor lagar do mundo, conforme resulta de forma mais clara do documento que ora se junta sob o número 1 — cuja junção ao processo se requer considerando que a Recorrente apenas não apresentou tal prova em momento anterior porque o claim em apreço não foi contestado pela Recorrida na sua Queixa.

– Não poderá a Deliberação em crise deixar de ser revogada.

A recorrida GALLO contra-alegou, em síntese, o seguinte:

a) O ónus da prova da veracidade das alegações publicitárias de superioridade absoluta em lide cabe, única e exclusivamente, à Recorrente;
b) A Recorrente não demonstrou, conforme lhe competia, de forma objectiva e concludente, que os claims “o maior olival do mundo!”, “o melhor lagar do mundo!”, “os maiores especialistas em todo o mundo!”, a “marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo!”, não padecem de exageros e ambiguidades;
c) À luz da regra de direito probatório nos termos da qual se presumem inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, não podemos deixar de concluir que a campanha veiculada pela Recorrente é susceptível de induzir o consumidor médio em erro quanto à superioridade do prestígio mundial da marca de azeite de Oliveira da Serra, consubstanciando, assim, uma prática de publicidade enganosa, conforme doutamente decidido na decisão recorrida, que não merece, por isso, qualquer censura.

E terminou a sua douta alegação pedindo que seja negado provimento ao recurso, com as legais consequências.

2 – Questões prévias processuais

Há que abordar duas: a primeira, se a 2ª Secção do JE poderia, ou não, ocupar-se do claim “cresceu no melhor lagar do mundo”, que tão havia sido questionado nesses termos, mas sim, por lapso, como se fosse “cresceu no maior lagar do mundo”; a segunda, se é aceitável a junção aos autos, nesta fase de recurso, do Doc. nº 1.

Trataremos das duas questões em conjunto porque ambas são suscitadas em consequência do mencionado lapso da Queixosa.

Num estrito rigor formalista, o aproveitamento pela deliberação recorrida do tópico relativo ao claim do “lagar”, deveria ser considerado irregular, pois uma coisa é “o maior lagar do mundo” e outra, inteiramente diferente é “o melhor lagar do mundo. As categorias do pensamento que subjazem ao sentido das duas referidas diferentes proposições são bem distintas – a quantidade e a qualidade. E a realidade empírica revela não existir correspondência entre o que é “maior” e o que é “melhor”.

Mas é também evidente que a GALLO, na sua queixa se referia a um dos quatro claims que localizara – o que se reportava ao “lagar”. E que, embora tendo aí invocado e sustentado a irregularidade dum claim de “maior do mundo”, ela se referia ao claim “melhor do mundo”.

Ora o JE do ICAP não tem de reger-se pelo rigor formalista. O formalismo dos processos que aprecia deve ser apenas o quantum satis. Não é bom que resvale para uma preocupação de tão severo rigor, que sobreleve a finalidade do Código de Conduta, a qual diz muito mais respeito à ética do que ao legalismo, e visa uma ética muito mais material do que formal.

Não choca, portanto que, no caso presente, a deliberação recorrida haja aproveitado a queixa suprindo por sua conta o lapso manifesto constante da queixa. Com isso interpretou duma forma razoável o verdadeiro sentido daquele tópico da queixa.

Todavia, como contraponto deste entendimento, a Comissão de Apelo não pode deixar de considerar curial a junção aos autos do doc. nº 1, apresentado na fase de recurso.

O Regulamento do JE do ICAP permite junção de novas provas em fase de recurso «se comprovadamente não puderam ter sido apresentadas perante a Secção» (art. 15º, nº 5).

Ora se a SOVENA não fora confrontada com fundamentos da queixa especificamente relativos ao claim de “melhor lagar do mundo”, e só o foi a partir do aproveitamento desse tópico da queixa, feito na deliberação recorrida por meio da correcção oficiosa do lapso, é forçoso reconhecer que não pudera apresentar prova relativa ao claim assim corrigido.

O dito documento deve pois ser admitido como tempestivo.

3 – Questões de meritis controvertidas

As alegações publicitárias em causa são as mesmas que foram apontadas na queixa (corrigido o já aludido lapso), a saber:

– a) “Nasceu no maior olival do mundo!”;
– b) “Cresceu no melhor lagar do mundo”;
– c) “E conquistou os maiores especialistas em todo o mundo!”;
– d) “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo!”.

O que importa decidir de mérito é se são conformes, ou não, com as normas do Código de Conduta do ICAP e, por remissão deste, da lei, no que toca à prova da sua veracidade e à sua invocada susceptibilidade de induzirem em erro o consumidor.

Abordá-las-emos especificadamente, pois pelo menos a apreciação da matéria de facto o exige.

4 – Matéria de facto relevante para a decisão do recurso

Dos documentos juntos pelas partes, para prova do que alegam, há que salientar os relativos ao primeiro dos claims em causa. São os nºs 1 a 172.

Compulsados os mesmos e visto o que, nesse particular disseram as partes nas suas alegações de recurso, conclui esta Comissão de Apelo:

– é de considerar provado, para este processo, que o grupo em que a azeitona da qual a SOVENA extrai o azeite que produz e comercializa é produzida, pelo menos, em três grandes áreas de olival, nos concelhos de Ferreira do Alentejo, de Elvas e de Avis, pertencentes a empresas do grupo da SOVENA, num total ligeiramente superior a 8 mil hectares.

– deve ser considerado provado que acrescem potencialmente a esse olival mais cerca de 2 mil hectares de prédios rústicos pertencentes ao mesmo grupo, o que perfaz um total de cerca de 10 mil hectares.

– mais deve ser considerado provado, por inferência a partir desses factos, que o azeite promovido pela publicidade em questão é produzido nessas áreas de olival que em conjunto têm mais de 8 mil hectares e poderão mesmo vir a somar cerca de 10 mil hectares.

Mas fica igualmente provado que o dito azeite não nasce num só olival, mas sim em três olivais.

Não pode contudo ser considerado provado que não haja no mundo outro olival que tenha uma área igual ou superior a 10 mil hectares. Não entende esta Comissão de Apelo suficientes para tal prova o conteúdo dos citados documentos, nem designadamente, a afirmação produzida em órgãos da imprensa portuguesa, sem evidência que a baseasse (docs. 2 e 4), de que o olival do grupo SOVENA se tornara no maior do mundo.

No que concerne os outros três claims, entende esta Comissão de Apelo que deve ser considerado provado:

– que a World Best Olive Oils é uma organização que classifica num ranking, pela qualidade, os azeites premiados por instituições credíveis em todo o mundo (doc. 173);

– que esse ranking assenta num método público a aceitável de ponderação de tais prémios e recompensas (doc. 174);

– que é generalizadamente aceite nos meios da especialidade mundiais, o referido ranking como um critério válido para aferir da efectiva qualidade dos azeites (World’s Best Olive Oils) que obtiveram os ditos prémios;

– que o ranking relativo à época 2014-2015, tal como foi publicado, é aceitável para os efeitos mencionados;

– que nesse ranking de 2014-2015, dois produtos de marca Oliveira da Serra, produzidos pela SOVENA, figuram respectivamente no 5º e 7º lugares;
– que no mesmo ranking, sem contar aqueles dois produtos, a marca portuguesa com mais elevada classificação figura em 12º lugar;

– que no ranking referido, a SOVENA ocupa o lugar do melhor lagar de azeite do mundo (World’s Best Olive Oil Mills) – (docs. 176 e doc. 1 junto com a petição de recurso);

– que os detalhes destas classificações se acham documentados nos autos (docs. 177 e segs.).

5 – Apreciação de jure do objecto da questões

Com base nesta matéria de facto, importa abordar as seguintes questões jurídicas.

Ter-se provado que a SOVENA se abastece de olivais do grupo que somam uma área extensa e intensa (mesmo que fossem os 10 mil hectares), não justifica a inferência de que tal área fosse o maior olival do mundo. Não foi prova nem esta Comissão de Apelo dispõe de qualquer informação de que não exista olival maior em toda a superfície da Terra.

Por outro lado, a prova produzida foi de que os olivais do grupo SOVENA são três, e não um só. São distanciados geograficamente, visto que se situam em concelhos que, embora alentejanos, se não tocam (Ferreira do Alentejo, Elvas e Avis).

Ora o primeiro claim posto em causa é que o azeite veiculado nasceu “no maior olival do mundo”.

Nem se prova que no mundo não haja olival maior do que a soma dos referidos três olivais; nem é válida a argumentação da SOVENA quando considera, para base de tal claim, as três áreas como um só olival.

No claim, o “olival” está no singular. E o sentido atribuído à palavra, no singular, pelo consumidor médio não pode deixar de ser o de que o que o impressiona não é a soma jurídica de áreas distantes, mas a extensão duma área num local único, que ele até pode comentar ser “a perder de vista”. É essa a referência da grandeza física do campo cultivado de oliveiras que ele interioriza, quando recebe uma mensagem relativa à dimensão dum olival.

Assim, só se houvesse sido feita prova de que não há no mundo olival maior do que o maior dos três olivais possuídos pelo grupo SOVENA, é que poderia afirmar-se provado o claim em questão.

Ora esta Comissão de Apelo entende que o ónus de provar o claim é de quem apresenta este. Desde que a veracidade deste seja posta em causa perante este JE, em processo e na forma próprios do seu Regulamento, desencadeia-se esse efeito no ónus da prova. Não se torna necessário que se produza qualquer princípio de prova da falta de veracidade. Basta que a dúvida seja posta nos termos regulamentados.

A deliberação recorrida contém uma fundamentação muito bem sucedida desse entendimento, com a qual esta Comissão de Apelo concorda.

Tem pois de entender-se que o claim “nasceu no maior olival do mundo” infringe os preceitos do Código de Conduta do ICAP que foram mencionados na deliberação recorrida, pelo que, quanto a esse ponto a deliberação não deve ser alterada.

Quanto aos outros três outros claims, porém, a prova produzida no processo vai no sentido de considerá-los verdadeiros.

Foi bastante essa prova de que, na época de 2014-2015, que é a última apurada, ou seja, a vigente na actualidade,
– o azeite veiculado

– cresceu no melhor lagar do mundo, pois o lagar da SOVENA foi pela mencionada organização classificado como o melhor do mundo;
– e conquistou os maiores especialistas em todo o mundo, pois as entidades que conferiram os prémios que baseiam o supracitado ranking devem ser considerados neste meios como os maiores especialistas do mundo;
– e “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo.

É certo que não está dita na publicidade qual a época a que se refere essa classificação. Mas o sentido que o consumidor médio pode dar à mensagem publicitária, de ser no último biénio apurado, isto é, na actualidade, é francamente mais provável do que o de considerar um período de vários anos ou de várias décadas, de acumulação desde o arranque da marca, de todos os prémios conseguidos. Este último sentido nem sequer é sugerido pela letra dos claims.

De resto, se em futuro biénio o azeite da SOVENA perder aquela posição do ranking, é de entender que claims iguais aos ora questionados deixarão de ser verazes.

Mas, enquanto o aludido ranking de 2014-2105 estiver em vigor, não pode dizer-se que os ditos três claims não correspondam à verdade.

6 – Decisão

Termos em que decidem dar parcial provimento ao recurso interposto pela SOVENA, confirmando a recorrida deliberação da 2ª Secção do JE do ICAP, no tocante ao claim “nasceu no maior olival do mundo”, mas revogando-a no tocante aos três outros claims, pelo que, quanto a estes, a publicidade questionada da SOVENA pode ser reposta enquanto e na medida em que o justificar a sua posição e a dos azeites publicitados no acima mencionado ranking.».

Lisboa, 16 de Outubro de 2015

Maria do Rosário Morgado
Presidente da Comissão de Apelo

Augusto Ferreira do Amaral
Vice-Presidente Comissão Apelo

Francisco Xavier do Amaral
Vice-Presidente Comissão Apelo

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7J / 2015 :: Unicer Bebidas de Portugal vs. SCC-Soc. Central de Cervejas e Bebidas

7J/2015

Unicer Bebidas
vs.
SCC- Soc. Central de Cervejas e Bebidas

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no sexto dia do mês de Outubro do ano de dois mil e quinze, a Primeira Seção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 7J/2015 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 7J/2015

1.   Objeto dos autos

1.1.   A UNICER BEBIDAS, S.A., adiante designada por Requerente ou UNICER, veio apresentar queixa junto do Júri de Ética Publicitária do ICAP contra a SCC — Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, S.A., adiante designada por Requerida ou SCC, relativamente à comunicação publicitária subsumida na expressão “A Cerveja Oficial do Futebol”, referente à marca “Sagres” e veiculada em suporte televisivo, por violação do disposto nos artigos 4.º, 9.º e 12.º do Código de Conduta do ICAP e nos artigos 10.º, 11.º n.° 1 e 2, alínea c), do Código da Publicidade.

1.2.   Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua contestação.

1.3.   Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e documentos juntos pelas Partes.

1.4.   Síntese das alegações das da Requerente (claims):

“A SCC lançou recentemente uma campanha publicitária à sua marca Sagres, veiculada na televisão em programas e eventos e provas desportivas de futebol, alusiva ao futebol, a qual inclui a frase” A Cerveja Oficial do Futebol” (…)”. Entende a Requerente que “a campanha publicitária em causa, ao identificar a marca Sagres como “A Cerveja Oficial do Futebol” de forma ostensiva consubstancia uma publicidade ilícita, falsa e enganosa, com violação das normas que consagram os princípios da honestidade e da veracidade da publicidade, que proíbem, em especial, a publicidade enganosa”, fazendo crer ao consumidor“ a existência de um reconhecimento “oficial” relativo à marca Sagres que não lhe foi conferido por qualquer instância, organismo ou entidade oficial, (…).”

Mais alega a Requerente a detenção de vários contratos de patrocínio desportivo no âmbito desta modalidade e relativamente a marcas próprias e distintas, embora sem qualquer tipo de demonstração complementar.

Invocando a Requerente a similitude do caso em apreço com o decidido pelo Júri de Ética do ICAP na deliberação relativa ao Processo n.º 18J/2005 e respetivo recurso, remete para as mesmas a fundamentação da sua argumentação, invocando a existência de um dolo intenso por parte da Requerida por advogar agora um comportamento que então criticou quer em sede de júri quer em sede de Comissão de Apelo e que mereceu igualmente a reprovação por parte destes órgãos.

Termina requerendo a ”suspensão imediata da Campanha Publicitária, independentemente dos meios e suportes em que a mesma se venha a apresentar, por manifesta violação do disposto nos artigos 4º, 9° e 12º do Código de Conduta do ICAP e artigos 10º, 11º n.° 1 e 2, alínea c), do Código da Publicidade” e a emissão de advertência à Requerida.

1.5.   Síntese das alegações da Requerida

A Requerida, em contestação, vem alegar que a referida campanha, a decorrer, teve início em 31 de janeiro de 2015 e que, contrariamente ao afirmado na queixa, é veiculada apenas “nos suportes estáticos conhecidos como «linha RED» nos estádios de futebol em que os mesmos estão disponíveis.”

Mais refere que a campanha é realizada no âmbito de “contratos de patrocínio validamente celebrados com as entidades detentoras de tais direitos”.

Contestando a colação à matéria apreciada por este Júri no Processo n.º 18J/2015, vem a Requerida alegar ser o futebol “oficialmente representado em Portugal pela Federação Portuguesa de Futebol, nos termos do n.º 1, do art.º 2.º e a alínea a) do n.º 2 do art.º 2.º dos Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol”, e o futebol profissional português representado pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, entidades que celebraram “contratos de patrocínio com a SCC, relativamente à sua marca «sagres», no âmbito dos quais concederam-lhe o direito ao uso exclusivo para o mercado cervejeiro da expressão “A cerveja Oficial” das seleções, competições e/ou torneios de futebol que organizam”, juntando para o efeito declarações:

– doc. 1 – emitente: Liga Portuguesa de Futebol; declara: ”ter atribuído contratualmente a esta para uso exclusivo pela marca SAGRES no mercado cervejeiro em que está inserida, pelo menos os títulos de:- «Sponsor Oficial da Liga Portugal»;- «Sponsor Oficial da LPFP»;- «Sponsor Oficial da Primeira Liga»;- «Sponsor Oficial da Taça da Liga»;- «Sponsor Oficial das Competições Profissionais»;- «Sagres Cerveja Oficial da LPFP»;- «Sagres Cerveja Oficial da Taça da Liga»”

A declaração considera a alegação publicitária em análise como concretizadora do papel que a marca tem tido junto das entidades responsáveis.

– doc. 2 – emitente: Olivedesportos – Publicidade, Televisão e Media, S.A.; declara: ”ter contratualmente autorizado o uso por esta das seguintes expressões relativamente à marca SAGRES:- «Patrocinador Oficial da Seleção Nacional»;- «Patrocinador Oficial da Seleção e/ou das Seleções Nacionais»; e- «Patrocinador Oficial da Seleção Nacional de Sub-21»”.-

doc. 3 – emitente: Federação Portuguesa de Futebol; declara: a autorização para usar as seguintes expressões:“- «Patrocinador Oficial da Seleção Nacional»;- «Produto Oficial da Seleção e/ou das Seleções Nacionais»;- «Produto Oficial da Seleção Nacional de Sub-21»;- «Patrocinador Oficial da prova Supertaça Cândido de Oliveira»;- «patrocinador exclusivo dos 100 anos da FPF»;”- (…);A Requerida considera que, os documentos juntos aos autos comprovam a alegação publicitária sendo “situações de facto e de direito absolutamente distintas das aplicáveis aos “Festivais de Verão” objeto do referido Processo n.º 18J/2005.

Alega a Requerida, ainda, quanto a este ponto, ser “a marca mais espontaneamente associada em Portugal a este tipo de desporto”, juntando, para efeitos de comprovação do nível de associação do consumidor da marca ao desporto, estudos de opinião, pelo que a campanha “não deforma a realidade dos factos ou altera a perceção dos consumidores portugueses quanto ao papel desempenhado pela CERVEJA SAGRES no futebol”.

Termina, requerendo a confirmação da legalidade da alegação publicitária; a confirmação da revogação do n.º 2 do Código da Publicidade e, consequentemente, a não apreciação da situação fática ao abrigo da norma revogada e, em decorrência, o não provimento da claim apresentada.

2.   Enquadramento ético-publicitário

2.1.   Do suporte publicitário

Dada a posição divergente das Partes e não obstante a irrelevância da questão para a solução da lide, que versa sobre a alegação publicitária como tal, entende o Júri, nesta matéria, face ao veiculado aos autos, dever considerar-se que a campanha usou dos suportes estáticos denominados «linha RED», não sendo, no entanto, despiciendo a audiência proporcionada pela transmissão televisiva de imagens de eventos desportivos nos estádios onde estes suportes estão disponíveis.

2.2.   Do caráter enganador da alegação publicitária

Alega a Requerente que a frase aposta pela Requerida no âmbito da campanha em análise “faz crer ao consumidor a existência de um reconhecimento «oficial» relativo à marca Sagres que não lhe foi conferido por qualquer instância, organismo ou entidade oficial, faltando à verdade e enganando os destinatários e os consumidores.

Dispõe o artigo 9.º do Código de Conduta do ICAP, sob a epígrafe “veracidade”, que “A Comunicação Comercial deve proscrever qualquer declaração, alegação ou tratamento auditivo ou visual que seja de natureza a, directa ou indirectamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou ser susceptível de induzir, em erro o Consumidor, designadamente no que respeita a: (…) f) reconhecimento ou homologação oficial, recompensas, tais como a atribuição de medalhas, prémios, diplomas e distinções de natureza similar”.

O Júri não pode deixar de acompanhar o deliberado no Processo n.º 18J/2005 invocado pela Requerente e onde foi apreciada a licitude de uma comunicação publicitária com iguais expressões, reiterando aqui o entendimento que, da forma expressa, a expressão “cerveja oficial” não comporta qualquer ambiguidade, resultando da adjetivação da “cerveja” como “oficial” como tendo sido atribuído pelas autoridades competentes um direito exclusivo, remetendo-se, quanto à análise morfo-semântica da expressão, para o argumentado na dita decisão.

Assim, no caso em apreço, a verificar-se que a expressão “oficial” corresponde a uma utilização não autorizada, e encontrando-se já assente pelo Júri de Ética do ICAP, mediante as deliberações deste e confirmação pela Comissão de Apelo no Processo n.º 18J/2005, que a expressão é suscetível de induzir em erro o consumidor médio quanto à qualidade do anunciante, no sentido de um reconhecimento ou aprovação oficiais, sendo assim determinante de uma decisão de transação, a comunicação comercial em lide poderá consubstanciar uma prática de publicidade ilícita, porque em violação do princípio da veracidade, nos termos do art.º 9.º, n.º 1 e n.º 2, alínea f) do Código de Conduta do ICAP.

Invocando a Requerente o n.º 1 e a alínea c) do n.º 2 do art.º 11.º do Código da Publicidade, refere-se que, não obstante este artigo ter sofrido alterações e a redação invocada já não se encontrar em vigor, como invocado pela Requerida, o enquadramento mantém-se e encontra previsão mediante a remissão do n.º 1 do mesmo artigo para o Decreto-Lei n.º 57/2008, no caso, para a alínea c) do n.º 1 do art.º 7.º, tendo expressa previsão, igualmente, no art.º 9.º n.º 2, alínea f) do Código de Conduta do ICAP.

Note-se que, com a recente alteração a este diploma – promovida pelo Decreto-Lei n.º 205/2015 e publicada no passado dia 23 de setembro – foi aditado um n.º 3 que reforça a ética exigível ao profissional, mediante a expressa qualificação como enganosa da prática comercial que, “que contenha informação falsa ou que, mesmo sendo factualmente correta, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja suscetível de induzir em erro” em relação a determinados elementos, nomeadamente, quanto à “utilização de qualquer afirmação ou símbolo indicativos de que o profissional, o bem ou o serviço beneficiam, direta ou indiretamente, de patrocínio ou de apoio”.

Estando a ação a decorrer, entende o Júri de Ética dever atender também a esta disposição.

Não procede, assim, a pretensão da Requerente no que respeita à não apreciação da situação fática por erro na indicação do enquadramento normativo, dado que, em termos de enquadramento legal, se encontra este Júri afeto, naturalmente, ao Código de Conduta que o rege, sendo ou não o mesmo invocado de forma própria.

O art.º 8.º do Código de Conduta do ICAP estabelece que as alegações publicitárias devem ser suscetíveis de comprovação, vigorando uma presunção de inexatidão relativa às afirmações contidas em mensagens publicitárias, no caso de as provas exigidas não serem apresentadas ou serem insuficientes, conforme o n.º 3 do art.º 11.º do Código da Publicidade.

A Requerida, em contestação, vem invocar a detenção de contratos de patrocínio, alegando que lhe foi conferido pelas entidades responsáveis pela modalidade em Portugal o estatuto de patrocinadora oficial, e o estatuto de “Cerveja Oficial” quanto à marca Sagres, juntando para o efeito as respetivas declarações, já descritas, concluindo pela veracidade das alegações publicitárias em causa.

Compulsados os documentos juntos aos autos, verifica-se que os mesmos atestam apenas a qualidade de patrocinador oficial dos eventos discriminadamente enunciados no ponto 1.5..

Sendo que, valerá também aqui, o entendimento expresso pela Comissão de Apelo no Processo n.º 18J/2005, no sentido de considerar que a expressão “do futebol” – análoga na semântica à então analisada “dos festivais de verão” – encerra um valor absoluto, uma exclusividade relativamente ao conjunto da modalidade, ou seja, em todo e qualquer evento da modalidade desportiva, o que não se verifica.

Entende-se, assim, que a Requerida não fez, nestes autos, como obriga o n.º 2 do art.º 10.º do Código da Publicidade, prova da exatidão daquelas afirmações.

As mesmas, comprovando que a Requerida detém vários contratos de patrocínio desportivo, não comprovam que detenha a qualidade em exclusivo para todos os eventos e ações da modalidade, como decorre da apreciação semântica do termo, já efetuada no Processo n.º 18J/2005 e para cujas deliberações se remeteu.

2.3.   Do contrato de Patrocínio

O Código de Conduta do ICAP, no seu Capítulo II, introduz disposições específicas aplicáveis às comunicações publicitárias emitidas ao abrigo de contratos de patrocínio que relevam para a decisão da lide, atenta a defesa da Requerida.

Nos termos da alínea h) do ponto II da secção B do Código de Conduta do ICAP, o termo “Patrocínio” refere-se a “todo e qualquer acordo comercial pelo qual o Patrocinador, para benefício mútuo, seu e do patrocinado, oferece contratualmente apoio financeiro ou outro, visando estabelecer uma associação entre a imagem, marcas, bens, ou serviços do Patrocinador e o objeto patrocinado, em troca dos direitos de comunicar publicamente esta associação e/ou para garantir determinados benefícios, diretos ou indiretos, que tenham sido objeto de acordo.”

Sem dúvida que o patrocínio desportivo é aquele que mais releva em termos económicos, sendo de referir que o Código de Conduta do ICAP segue a regulamentação produzida no plano internacional pela Câmara de Comércio Internacional (“Code on Sponsorship”).

Ora, nos termos do Código de Conduta do ICAP, art.º B1, o patrocínio, para além de se basear nas obrigações legais e contratuais estabelecidas pelo contrato de patrocínio, deverá ser identificado como tal e seguir os ditames da boa-fé.

O artigo B8, por seu turno, estabelece, em nome da ética que “Sempre que (…) coexistam diversos Patrocinadores, as partes devem usar os seus melhores esforços para que se estabeleçam claramente os direitos, limites e obrigações respectivos de cada um dos Patrocinadores, aqui se incluindo, além do mais, os detalhes de qualquer exclusividade”.

Assim, as alegações publicitárias deverão ser detalhadas, i.e. rigorosas, evitando ações ou omissões suscetíveis de alterar de forma desleal o equilíbrio entre as contribuições dos diferentes Patrocinadores.

Refira-se, ainda, que entendendo o Júri de Ética que a Requerente não juntou documentação comprovativa do alegado quanto à detenção de contratos de patrocínio, não se provando assim a situação de patrocínio múltiplo, sabendo-se ser esta uma situação comum no sponsoring desportivo, o rigor e detalhe aqui exigido conforma-se ao sentido de responsabilidade social e profissional e o princípio da leal concorrência estabelecidos pelo Código de Conduta no seu art.º 4.º.

Por outro lado, entende-se que os documentos juntos pela Requerida não permitem concluir pela atribuição oficial de um direito exclusivo sobre todos os eventos da modalidade desportiva, facto que por si só leva a que a alegação publicitária seja inexata e, como tal, suscetível de indução em erro.

No entanto, retira-se do art.º B4 do mesmo Código a relevância da perceção do consumidor quando à mensagem veiculada.

A primeira exigência para considerar uma determinada publicidade como enganosa é que esta derive de uma mensagem com carácter enganador, sendo certo que o engano relevante não se cinge às falsas afirmações, abrangendo também as afirmações que embora não sejam falsas, possam induzir em erro o consumidor. Neste contexto, o sentido captado pelo consumidor médio poderá ser relevante.

É também a tese da Requerida que junta, para o efeito, estudos de opinião realizados com o objetivo de medir a notoriedade da marca.
No entanto, também aqui se dirá que ser patrocinador da modalidade não é o mesmo que ser o único patrocinador, pelo que a existência de uma perceção de notoriedade da marca por parte da audiência e de que a mesma patrocina eventos desportivos não invalida a suscetibilidade da alegação publicitária em análise poder incutir na mesma audiência a perceção de patrocinador absoluto e exclusivo.
É assim, suscetível de induzir em erro.

2.4.   Do dolo

Não obstante a Requerente invocar uma atitude dolosa por parte da Requerida, a possibilidade de indução em erro é suficiente para qualificar uma publicidade como enganosa, isto porque a Lei não exige o animus decipiendi (intenção de enganar). Não compete, assim, a este Júri a emissão de juízos de valor quanto a intenções como pretende a Requerente.

3.   Decisão 

Assim, entende este Júri que a Requerida, surgindo associada a muitos eventos desportivos, não detém um direito exclusivo sobre a modalidade desportiva, mostrando-se que a campanha publicitária com a alegação “Sagres a cerveja oficial do futebol” viola o princípio da veracidade previsto no art.º 10º do Código da Publicidade, bem como os art.ºs 4.º e 9.º do Código de Conduta do ICAP, devendo cessar de imediato caso tal não tenha ainda sucedido e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipos de ilícito apurado pelo JE.».

A Primeira Seção do Júri de Ética do ICAP

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6J / 2015 :: Gallo Worldwide vs. Sovena Portugal

6J/2015

Gallo Worldwide
vs.
Sovena Portugal

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no décimo oitavo dia do mês de Setembro do ano de dois mil e quinze, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 6J/2015 tendo deliberado o seguinte:

Processo nº 6J/2015

1. Objecto dos Autos 

1.1.   A GALLO WORLDWIDE, LDA., (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por GALLO ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a SOVENA PORTUGAL – CONSUMER GOODS, S.A. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por SOVENA ou Requerida), relativamente a comunicação comercial à marca de azeite “Oliveira da Serra”, promovida pela última nos suportes televisão e Internet – tal, por alegada violação dos artigos 9.º, n.º 2, alíneas a) e f) e 12.º do Código de Conduta do ICAP.

1.2.   Notificada para o efeito, a SOVENA apresentou a sua contestação.

Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.

1.3. Questão prévia

1.3.1. Refere a SOVENA em sede de contestação que a GALLO alega na sua queixa que “…no anúncio sub judice é dito que o azeite Oliveira da Serra nasceu no maior lagar do mundo…” (sic. art.º 41.º) e que “… a alegação em causa a que a Requerida se refere não é feita em momento algum no anúncio em causa, conforme resulta evidente da mera audição do mesmo” (sic. art.º 42.º) esclarecendo que, “…o que se diz no anúncio é “cresceu no melhor lagar do mundo”, afirmação esta que não é contestada pela Requerente nem objecto da sua Queixa, pelo que, muito embora a mesma corresponda à verdade e seja legítima, sobre a Requerida não incide o ónus demonstrar nesta sede a sua veracidade” (sic. art.º 43.º) e que, “… não sendo a alegação “cresceu no maior lagar do mundo” apresentada no anúncio em análise, não deve a mesma ser submetida à apreciação deste Exmo. Júri, sendo absolutamente infundada, nesta parte, a Queixa da Requerida.” (sic. art.º 44.º).

Analisado o conteúdo da comunicação comercial em lide, entende o Júri assistir razão à Requerida. (Cfr. Doc. 1 em CD-ROM junto à petição). Com efeito, a artigos 3.º, 11.º, 12.º e 13.º da queixa, invoca a Requerente a desconformidade do claim “cresceu no maior lagar do mundo” com o quadro ético-legal em matéria de princípio da veracidade, não constando este da peça publicitária objecto dos autos. Assim, não cumpre a JE debruçar-se sobre a alegada desconformidade.

1.3.2. Sustenta ainda a Requerida na sua contestação que, “…em 2010 a Requerente utilizou uma técnica publicitária muito semelhante àquela de que agora se vem queixar — as alegações de “superioridade absoluta”, reproduzindo-se aqui a expressão reiteradamente utilizada pela Requerente na sua Queixa — precisamente para publicitar o seu azeite Gallo, recorrendo à expressão “Gallo o melhor azeite do mundo” (cf. anúncio publicitário da Gallo que se junta à presente Contestação)” (sic. art.º 65.º) concluindo que, “A sua queixa não pode, em razão disso, deixar de ser configurada como uma conduta contraditória: um venire contra factum proprium violador do princípio da boa-fé e por isso mesmo merecedor de particular censura por parte deste Exmo. Júri de Ética, que não deixará de aferir também à luz desta circunstância a legitimidade da presente Queixa.” (sic. art.º 66.º).No que a esta questão concerne, constitui entendimento do JE o de que qualquer eventual “censura” teria que ter sido produzida em sede própria, ou seja, no âmbito de uma denúncia específica junto do ICAP e sob condição de ausência de comprovação da veracidade das alegações de superioridade referidas, denúncia essa que não teve lugar. Por motivos por demais óbvios -. os quais, por razões de economia, o Júri se absterá de elencar -, nunca a legitimidade da presente queixa poderia ser aferida “à luz” da circunstância alegada pela SOVENA.

1.4. Dos factos

1.4.1. Das alegações publicitárias ou claims

Considerando a totalidade da comunicação comercial divulgada nos suportes televisão e Internet (cfr. DOC. 1 da queixa), resulta da análise das peças processuais e dos documentos juntos pelas Partes serem as seguintes, as alegações publicitárias ou claims objecto da questão controvertida:
– (i) “Nasceu no maior olival do mundo!”;
– (ii) “Cresceu no melhor lagar do mundo”;
– (iii) “E conquistou os maiores especialistas em todo o mundo!”;
– (iv) “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo!”.

1.5. Das alegações das Partes

1.5.1. Considera a GALLO, em sede de petição, que a campanha publicitária da responsabilidade da SOVENA – por virtude dos claims de superioridade da mesma constantes – ofende os normativos éticos em vigor em matéria de princípio da veracidade nas comunicações comerciais concluindo, em síntese, que, “…caberá à SOVENA, em resposta à presente denúncia, apresentar ao ICAP a competente comprovação (sic. art.º 32.º) e que, “Tal comprovação deverá abranger toda a extensão da alegação publicitária em causa, isto é: a. Deve comprovar que comparou o seu olival e o seu lagar com todos os lagares e olivais utilizados no mercado mundial; b. Deve comprovar que determinou quais são os melhores especialistas em todo o mundo e que tais especialistas preferem Oliveira da Serra; c. Deve comprovar que comparou os prémios recebidos pelas várias marcas de azeite portuguesas e que obteve mais prémios do que todas e quaisquer outras marcas.” (sic. art.º 33.º), “Pois só assim podem fundamentar as alegações de superioridade absoluta.” (sic. art.º 34.º).

1.5.2. Contestando a denúncia da GALLO, vem a SOVENA defender a ética e a legalidade subjacentes à sua comunicação comercial, juntando para tal duzentos e sete documentos, considerando demonstrar que as afirmações constantes do anúncio submetidas à apreciação do Júri são verdadeiras e legítimas e que resulta também evidente que a publicidade em causa não recorre a quaisquer ambiguidades, exageros ou nem é susceptível de induzir o consumidor em erro. (Cfr. art.º 65.º da contestação).

2.   Enquadramento ético-legal

2.1. Do ónus da prova

Alega a SOVENA em sede de contestação que “…a Requerente parece laborar num (…) erro relativamente ao ónus da prova, escudando-se para tanto no disposto no Artigo 12º do Código de Conduta do ICAP” (sic. art.º 17.º), para concluir que “…desta disposição não se pode inferir — como a Requerente conveniente mas erradamente parece fazer — que ao queixoso bastaria questionar a veracidade das alegações apresentadas em campanhas publicitárias para que se pudesse concluir que as mesmas são falsas!” (sic. art.º 17.º).

Com a devida vénia, contrapõe o Júri que:
– não só à Requerente não “…bastaria questionar a veracidade das alegações apresentadas em campanhas publicitárias para que se pudesse concluir que as mesmas são falsas”, como tal conclusão não resulta do articulado da petição. Atenda-se, designadamente, ao teor do respectivo art.º 34.º;
– porém, bastará colocar em causa a veracidade dos claims que integram a comunicação comercial colocada em crise, não impendendo sobre a mesma Requerente – ao contrário do que sustenta a Requerida -, a obrigação de, “… nos termos do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil, para sustentar a sua Queixa e a grave pretensão que nela deduz, provar e demonstrar as alegações que faz, designadamente que a publicidade em causa é enganosa porque (i) existe um olival maior do que o da Requerida e porque (ii) a marca portuguesa de azeite mais premiada e que conquistou os maiores especialistas foi outra que não a Oliveira da Serra”. (sic. art.º 20.º da contestação).

Num aspecto concorda o Júri com a SOVENA. De facto, “…o Código de Conduta do ICAP, assim como os de outros organismos de auto-regulação, evidentemente não afastam os preceitos da lei…” (sic. art.º 21.º da contestação). Exactamente por esta razão, dispõe-se no artigo 4.º, n.º 1 daquele Código, sob a epígrafe “Princípios Fundamentais” que, “Todas as comunicações comerciais devem ser legais, decentes, honestas e verdadeiras” (negrito e sublinhado do JE) sendo que, de acordo com o artigo 5.º do mesmo Código, as mesmas devem “…respeitar os valores, direitos e princípios reconhecidos na Constituição e na restante legislação aplicável”.

Ora, foi entendido quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matéria de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. actual n.º 3 do artigo 11.º do Código da Publicidade) nos termos da qual se presumem inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado dos artigos 4.º, 5.º e 12.º do Código de Conduta do ICAP se encontram em consonância, pelo que impende sobre a SOVENA, o ónus da prova das alegações publicitárias em lide.

Com efeito, nos termos do referido artigo 12.º, “As descrições, alegações ou ilustrações relativas a factos verificáveis de uma comunicação comercial, devem ser susceptíveis de comprovação” (1) e “Esta comprovação deve estar disponível de maneira que a prova possa ser prontamente apresentada por mera solicitação do ICAP”. (2).

Por outro lado, como decerto a Requerida compreenderá, tal entendimento, em contexto, não se encontra arrepiado na decisão do processo 2J/2001 do ICAP (Recurso – Ausónia & Arbora e Johnsons).

De onde, ao contrário do defendido pela SOVENA em sede de contestação, não caberia à GALLO apresentar qualquer “…prova que infirme – ou que ponha sequer em dúvida – os factos referidos na publicidade da Requerida ou que demonstre a susceptibilidade de indução em erro do consumidor”, bastando as alegadas “…afirmações genéricas” (sic. art.º 24.º), as quais, aliás, no entender do Júri, não serão tão “genéricas” quanto isso. (Cfr. art.ºs 4.º, 6.º, 17.º, 20.º a 23.º, 26.º a 28.º e 32.º a 42.º da petição).2.2. Da prática de publicidade de tom exclusivo
As alegações “Nasceu no maior olival do mundo!”, “E conquistou os maiores especialistas em todo o mundo!”, “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo!”, com inclusão do claim “cresceu no melhor lagar do mundo” (Cfr. DOC. 1 junto à petição) – quer consideradas individualmente, quer por referência à percepção que o destinatário terá do seu conjunto – constituem um caso de publicidade de tom exclusivo, na medida em que são de molde a afirmar uma posição de proeminência e isolamento da marca em relação a todas as outras marcas de azeite do Mundo, sendo que tal supremacia, no caso da alegação isolada “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo!” se reporta, somente, às marcas portuguesas.

Com efeito, a publicidade de tom exclusivo constitui uma modalidade de publicidade que a doutrina estrangeira (maxime a alemã e a espanhola) tem definido como aquela através da qual “o anunciante pretende excluir da posição que ocupa os restantes concorrentes (…) alcançando uma posição superior à dos seus rivais” (vd. Carlos Lema Devesa in “La Publicidad de Tono Excluyente”, Editorial Moncorvo, 1980), limitando-se “a realçar a sua posição de proeminência sem fazer nenhuma referência directa aos seus concorrentes” (vd. Anxo Tato Plaza in “La Publicidad Comparativa”, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A. Madrid, 1996, p.50), o que é o caso objecto da questão controvertida.

Tal originará, de forma implícita, a negação de que as prestações dos concorrentes gozem dessa qualidade ou característica. No caso vertente, a de prestígio. O efeito principal deste tipo de publicidade não consiste, pois, no efeito comparativo, que tem carácter acessório – e que, in casu, não se verifica, atenta a extensão do mercado em causa – , mas sim, na afirmação peremptória de uma posição de proeminência no mesmo mercado, posição essa não alcançada pelos restantes concorrentes em geral.

Assim sendo, e em conformidade com o que se expendeu no ponto anterior em matéria de inversão do ónus da prova, cumpre ao Júri averiguar a bondade da apresentada pela Requerida, por referência à observância do disposto nos artigos 4.º, n.º 1, 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e f) e 12.º do Código de Conduta do ICAP, entendimento que não se considera prejudicado pela razão que assiste à Requerida, quanto ao alegado nos art.ºs 4.º e 8.º da sua contestação no sentido de que, e respectivamente:

– “inexiste qualquer norma que imponha que os anúncios publicitários apresentem ou remetam para provas que sustentem os factos nos mesmos referidos.” (sic).

– “A publicidade deve, naturalmente, ser verdadeira e os factos referidos nas comunicações comerciais devem ser susceptíveis de demonstração; no entanto, as provas dos mesmos não têm de ser – nem podem sê-lo em muitos casos – apresentadas nos próprios anúncios.” (sic).

2.3. Da bondade da prova apresentada pela SOVENA

2.3.1. Do claim “nasceu no maior olival do mundo!”;
Analisados os 207 documentos juntos à contestação, entende o Júri que a Requerida logrou provar que:

– (i) procedeu à aquisição ou, e, arrendamento de terrenos, num olival de uma extensão aproximada de 10.000 hectares, distribuído por 57 quintas e herdades e constituído por mais de 10 milhões de oliveiras (Cfr. Docs 5 a 168);

– (ii) a empresa australiana Boundary Bend Limited detém uma área de cerca de 6.000 (seis mil) hectares de olival (Cfr. Doc. 172).

Ponderado o teor dos mesmos documentos, de par com as alegações da Requerida em sede de contestação de art.ºs 37.º e 40.º, constitui posição do JE que a SOVENA não juntou aos autos comprovação da superioridade absoluta ínsita ao claim “Nasceu no maior olival do mundo!”, porquanto:

(i) se, de acordo com o alegado “…levantamento feito pela Requerida com base em informação que se encontra publicamente disponível, não existem olivais de dimensão superior aos anteriormente identificados, seja na Península Ibérica e/ou no resto do mundo” (sic. art.º 37.º da contestação), tal levantamento e tal informação “publicamente disponível” deveriam ter sido juntos aos autos com um estudo comparativo, já que qualquer um dos dois está bastante longe de configurar um facto público notório;

– (ii) a prova junta com a contestação quanto à dimensão do olival da empresa australiana Boundary Bend Limited acima referida (cfr. Doc. 172) e a qual a SOVENA toma como referência de alegada superioridade invocando a art.º 36.º da contestação tratar-se de “uma das maiores áreas de olival no mundo” (mais uma vez, como tal se tratasse de um facto público e notório) não é de molde a comprovar que Oliveira da Serra “Nasceu no maior olival do mundo!”. Com efeito, “feitas contas”, seria necessária a comprovação de que a Boundary Bend Limited é possuidora do segundo maior olival do mundo…;

– (iii) Por maioria de razão é irrelevante em termos de prova exigível da veracidade do claim “Nasceu no maior olival do mundo”, quer o alegado a art.º 35.º da contestação no sentido de que “da informação disponível ao público resulta que os segundo, terceiro e quarto maiores olivais na Península Ibérica têm, respectivamente, cerca de 5.000 (cinco mil) hectares, 2.400 (dois mil e quatrocentos) hectares e 2.000 (dois mil) hectares, pertencentes aos grupos económicos que produzem/comercializam, respectivamente, os azeites Innoliva, Belloliva e De Prado” (sic.), quer o teor dos Docs. 169 a 171 da mesma contestação. De facto, a SOVENA não se coloca numa posição de supremacia somente em relação ao mercado da Península Ibérica;

– (iv) Por último, e em coerência com que se acabou de concluir, quaisquer reportagens veiculadas através da comunicação social em que se refira que a SOVENA detém o maior olival do Mundo, as mesmas, não fundadas ou desacompanhadas dos necessários estudos comparativos (cfr. Docs 2 a 4 da contestação) não constituirão prova do claim “Nasceu no maior olival do mundo”. Tal, com contestação ou sem contestação de terceiros. (Cfr. art.º 39.º).

Pelo exposto, conclui o Júri que a alegação publicitária em apreço constitui uma prática de publicidade enganosa quanto a um elemento determinante para o prestígio da marca Oliveira da Serra, por desconformidade com o disposto nos artigos 9.º, n.ºs 1 e 2 e 12.º do Código de Conduta do ICAP.

2.3.2. Dos claims “e conquistou os maiores especialistas em todo o mundo!” e “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo!”

2.3.2.1. Sustenta o Júri que os dois claims ora considerados são indissociáveis em termos semânticos. Com efeito, para o destinatário da comunicação social, – entendido este de acordo com a acepção amplamente divulgada – os respectivos significados apresentam uma zona de intersecção, por virtude de a “conquista de especialistas”, in casu, decorrer de prémios atribuídos.

Sem prejuízo do que ora afirma, entende o JE que a SOVENA logrou provar que a marca de azeite Oliveira da Serra conquistou especialistas em todo o Mundo, atento o ter dos Docs. 173.º e 174.º juntos à contestação. Contudo, não apresentou qualquer comprovação que permita demonstrar a veracidade do claim “e conquistou os maiores especialistas em todo o mundo!” e isto, por dois motivos:

– (i) Em primeiro lugar, tal como alega a Requerente a art.º 17.º da queixa não existe um ranking de especialistas em azeite que permita diferenciar os “maiores” dos “menores” (e este sim, poderá ser um facto público e notório), pelo que, em princípio, estar-se-á aqui em presença de uma alegação insusceptível de comprovação e, deste modo, desconforme com o quadro ético-legal em matéria de princípio da veracidade nas comunicações comerciais. Com efeito, nenhum dos documentos juntos aos autos pela SOVENA permitem comprovar que os especialistas que atribuíram prémios e distinções à marca Oliveira da Serra são “os maiores especialistas em todo o mundo”;

– (ii) Em segundo lugar, a alegada “conquista” de par com o claim “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo!” permite fazer crer ao destinatário da mensagem que outras marcas portuguesas não conquistaram os ditos especialistas, tendo sido preteridas, como melhor se discorrerá no ponto seguinte, atenta a intersecção entre claims que ficou referida.

2.3.2.2. No que concerne à alegação publicitária “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo!”, nenhum dos documentos anexos à contestação permitem fazer prova:

– (i) de que essas “outras” concorreram às distinções atribuídas, facto que faz resvalar os dois claims em apreço para a susceptibilidade de indução em erro do consumidor médio razoavelmente atento, esclarecido e informado;

– (ii) de que os prémios recebidos pela marca Oliveira da Serra, de acordo com os docs. 173 e 174 da contestação foram, em termos significativos (atenta a superioridade alegada na comunicação comercial colocada em crise) em maior quantidade do que os atribuídos a outras marcas de azeite portuguesas, por outras quaisquer entidades prestigiadas.

Ora, no que tange à primeira das considerações que se acabaram de tecer, entende o JE dever pronunciar-se de forma mais aprofundada, o que passa pelo perfil que se deve entender como destinatário da publicidade em análise. (Cfr. artigos 3.º, n.ºs 2, 3 e 5 do Código de Conduta do ICAP).

Em coerência com decisões anteriores, continua o Júri a sustentar que, quanto a tal definição, se deve aceitar a jurisprudência comunitária do Tribunal de Justiça sobre o quadro de interpretação da Directiva 84/50/CEE consignada no Acórdão proferido no Processo C-220/98, no qual se declarou que “para se determinar se uma denominação, marca ou indicação publicitária é ou não enganosa, se deve ter em conta a presumível expectativa de uma consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido (v.g. Acórdão de 16 de Julho de 1988, Gut Springenheide e Tusky, C-210/96, Colec., p I-4657, n.º 31)”.

Ora, entende o JE que a alegação “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo!”, considerada no conjunto das restantes alegações publicitárias (cf. ponto 1.4.1.) é susceptível de induzir em erro o consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido. Na realidade, colocado perante a mensagem publicitária, existe a susceptibilidade de aquele concluir que, de entre as várias marcas de azeite portuguesas, é a Oliveira da Serra, a marca mais premiada do mundo!” e que, logo, todas as outras ou, pelo menos, as mais conhecidas, não o foram (como bem se intui pelo que a própria Requerida refere a SOVENA a 14.º e 58.º  da contestação), sendo que a alegada premiação por parte dos maiores especialistas de todo o mundo” é, naturalmente, um factor evidente para a supremacia da sua credibilidade.

Com efeito, “premiar” implica “distinguir” e, esta palavra, do latim distinguere significa, “diferenciar; separar; discriminar; divisar; (..) tornar notável; notar diferenças; preferir; dar distinção; salientar-se; diferenciar-se” (cit. Augusto Moreno in Dicionário Complementar da Língua Portuguesa, Editora Educação Nacional, 7.ª Ed., Porto, 1961) não confundir; diferençar. Separar; estabelecer diferença. Fazer distinção.” (cit. José Pedro Machado in Dicionário da Língua Portuguesa, Edições Dom Quixote, 2000).

Dito de outra forma ser “distinguido” – no contexto da alegação publicitária em apreço -, significa ser escolhido, separado, diferenciado, discriminado, preferido, salientado ou não confundido com outro ou outros. Aqueles cuja prova de que concorreram aos prémios atribuídos, não foi produzida pela SOVENA.

2.3.3. Da legitimidade da alegação publicitária “cresceu no melhor lagar do mundo”

Constitui posição do JE que os claims objecto da questão controvertida carecem de comprovação esta, por referência, mais uma vez, à característica de tom exclusivo que ficou referida e que deve ser aferida no contexto da totalidade da comunicação comercial.

Ora, refere a SOVENA em sede de contestação que a GALLO alega na sua queixa que “…no anúncio sub judice é dito que o azeite Oliveira da Serra nasceu no maior lagar do mundo…” (sic. art.º 41.º) e que “… a alegação em causa a que a Requerida se refere não é feita em momento algum no anúncio em causa, conforme resulta evidente da mera audição do mesmo” (sic. art.º 42.º) esclarecendo que, “…o que se diz no anúncio é “cresceu no melhor lagar do mundo”, afirmação esta que não é contestada pela Requerente nem objecto da sua Queixa, pelo que, muito embora a mesma corresponda à verdade e seja legítima, sobre a Requerida não incide o ónus demonstrar nesta sede a sua veracidade” (sic. art.º 43.º) e que, “… não sendo a alegação “cresceu no maior lagar do mundo” apresentada no anúncio em análise, não deve a mesma ser submetida à apreciação deste Exmo. Júri, sendo absolutamente infundada, nesta parte, a Queixa da Requerida.” (sic. art.º 44.º), no que o Júri concordou em sede de questões prévias.

Contudo, o lapso cometido pela GALLO não só é desculpável, como se encontra suprido pelo facto de o DOC. 1 da petição, para o qual os articulados da mesma remetem, reproduzir a comunicação comercial em análise, obviamente, com os claims correctos.

Assim sendo, e também porque se está aqui em presença de auto-regulação, entende o JE dever pronunciar-se sobre o claim “cresceu no melhor lagar do mundo”.

Quanto a este, dir-se-á que parece ser um ponto incontroverso, o de que à luz do quadro ético-legal em matéria do princípio da veracidade das comunicações comerciais, quaisquer alegações de superioridade face à concorrência devem incidir sobre factos passíveis de serem verificados ou, dito de outra forma, passíveis de comprovação. Logo, objectivos.

Ora, crê o Júri que o claim “cresceu no melhor lagar do mundo” não respeita tais requisitos, porquanto a compreensão da expressão “melhor lagar” integra parâmetros de índole subjectiva e, logo, insusceptíveis de comprovação. E, de facto, nenhum documento foi junto aos autos com a contestação que a permita.

2.4. Conclusão

Pelo exposto, entende o JE que a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida, quer considerada pela óptica dos seus claims individuais, quer no seu todo, é susceptível de induzir o consumidor médio em erro quanto à superioridade do prestígio mundial da marca de azeite Oliveira da Serra consubstanciando, assim, uma prática de publicidade enganosa.

3. Decisão

Termos em que a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da SOVENA – veiculada nos suportes televisão e Internet – em apreciação no presente processo – , se encontra desconforme com os artigos  4.º, n.º 1, 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e f) do Código de Conduta do ICAP, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurado pelo JE.

A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP

Auto Regulação6J / 2015 :: Gallo Worldwide vs. Sovena Portugal
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4J / 2015 – Recurso :: ANIL vs. FIMA OLÁ – Produtos Alimentares e Unilever Jerónimo Martins e FIMA OLÁ-Produtos Alimentares e Unilever Jerónimo Martins vs. ANIL

4J/2015
Recurso

 

ANIL
vs.
FIMA OLA – Produtos Alimentares e Unilever Jerónimo Martins
E
FIMA OLA – Produtos Alimentares e Unilever Jerónimo Martins
vs.
ANIL

 

COMISSÃO DE APELO

Proc. n.º 4J/2015

Recorrente:
ANIL – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS INDUSTRIAIS DE LACTICÍNIOS”

versus:

“FIMA OLÁ – PRODUTOS ALIMENTARES, SA.”
“UNILEVER JERÓNIMO MARTINS, LDA.”

E

Recorrente:
“FIMA OLÁ – PRODUTOS ALIMENTARES, SA.”
“UNILEVER JERÓNIMO MARTINS, LDA.”

versus:
“ANIL – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS INDUSTRIAIS DE LACTICÍNIOS

I- RELATÓRIO

Ambas as partes, identificadas nos autos, por um lado ANIL – Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios, adiante designada apenas por “ANIL”, e pelo outro OLÁ – Produtos Alimentares, SA., e Unilever Jerónimo Martins, Lda, adiante designadas apenas por “OLÁ”, recorrem para esta Comissão de Apelo da Deliberação da 2ª Secção do JE proferida em 13 de Julho de 2015, no particular em que cada uma se não considera conformada com tal deliberação, no âmbito do processo acima referenciado.

1 – Síntese da tramitação deste processo

O processo teve início com uma queixa apresentada pela ANIL, relativa a comunicação comercial promovida pela OLÁ nos suportes rotulagem, televisão, internet e linear de supermercado, pela qual

Contestou a OLÁ, argumentando, em suma, que

A 2ª Secção do JE, pela deliberação que é objecto dos presentes recursos, decidiu, com base nos fundamentos dela constantes.

No essencial distinguiu entre três espécies de comunicação que estão em causa no presente processo:

1 – a veiculada em suporte televisão e Internet;
2 – a veiculada em suporte embalagem;
3 – a veiculada em suporte linear de supermercado.

Quanto à primeira, entendeu que os claims denunciados na queixa eram: i) a imagem de caracol visual feito com o produto, que estaria associada exclusivamente à manteiga; ii) a afirmação “Derrete-te com o novo creme vegetal Flora”; iii) a afirmação “Agora com mais leite dos Açores”; e iv) a afirmação “Agora com 15% de leite dos Açores”. Destes claims a deliberação recorrida considerou desconformes com as normas aplicáveis apenas as duas últimas, uma vez que «apesar de a FIMA OLÁ ter apresentado prova bastante de que utiliza leite em pó magro dos Açores (cfr. DOC. 1 junta à contestação), não logrou comprovar a veracidade dos claims “Agora com mais leite dos Açores” e “Agora com 15% de leite dos Açores”.

Quanto à segunda deliberou a Secção recorrida «no que concerne à embalagem da FLORA» «não existir qualquer desconformidade com o quadro ético-legal em matéria de comunicações comerciais» nem «com a decisão da Comissão de Apelo proferida no âmbito do Processo n.º 4J/2014 do ICAP». Isto porque entendeu que, quanto a aposição de informações obrigatórias ao consumidor na embalagem da Flora em causa, não se está «em presença de publicidade».

Quanto à terceira das espécies de comunicação, a deliberação ora recorrida decidiu «que um linear de supermercado que possua uma alegação publicitária como «Porquê manteiga?» e disponha as várias unidades de um só creme vegetal (a Flora) juntamente com marcas de manteiga (cfr. DOCS. 35 a 38, juntos à petição) está a comunicar o dito creme vegetal como se de manteiga se tratasse.» E, sendo a Requerida responsável por tal colocação, não tendo provado que tivesse recomendado o contrário, isso constitui publicidade enganosa pela qual responde.

O sentido da deliberação foi o corolário destes fundamentos.

Desta deliberação interpuseram, primeiro a ANIL e depois a OLÁ, recurso para esta Comissão de Apelo.

Alegaram doutamente as recorrentes, a saber:

A recorrente ANIL:

«4.1 – A indicação “Leite magro reconstituído (15%)” constitui um juízo de valor, uma alegação “criativa” que visa promover a Flora com “15% de leite dos Açores”, o que é aliás confessado pelas Recorridas na “comunicação de acatamento” enviada ao ICAP no passado dia 20 de Julho de 2015.

4.2 – Não tendo as Recorridas demonstrado a exactidão da indicação “Leite magro reconstituído (15%)”, a mesma presume-se falsa e é, portanto, susceptível de induzir em erro o consumidor médio, em infracção do disposto nos nºs 1, 2 e 4 do artigo 7º do Regulamento (EU) nº 1169/2011.

4.3 – O regime especial estabelecido pelo Regulamento (UE) 1308/2013, de 17 de Dezembro prevalece sobre o regime geral das alegações nutricionais sobre alimentos estabelecido pelo Regulamento (CE) nº 1924/2006, sendo de resto igualmente posterior a este.

4.4 – Não sendo a manteiga uma matéria-prima de base da Flora, nem sequer um ingrediente usado no seu fabrico, qualquer indicação à manteiga e / ou às suas características e propriedades veiculada em qualquer embalagem ou outro suporte relativo da Flora é simplesmente proibida, nos termos do disposto na Parte III do Anexo VII ao Regulamento (UE) nº. 1308/2013.

4.5 – As Recorridas não provaram a conformidade do formato de letra, em função da dimensão real das embalagens, pelo que se deve presumir que as menções inseridas em geral na embalagem, nomeadamente a denominação de venda, a lista de ingredientes e os demais elementos nominativos comunicados, são igualmente susceptíveis, por este motivo, de induzir em erro o consumidor médio, em infracção do disposto nos nºs 1, 2 e 4 do artigo 7º do Regulamento (EU) nº 1169/2011.

4.6 – O comportamento comercial das Recorridas, de que é sintomático quer o incumprimento reiterado das decisões da Comissão de Apelo do ICAP, quer a “comunicação de acatamento” enviada ao ICAP no passado dia 20 de Julho de 2015, visam (continuar) a romper a barreira normativa existente entre manteiga (produto lácteo) e margarina (produto não lácteo), de modo a incrementar o valor do creme vegetal para barrar a 79% e o seu retorno económico. Não se pode todavia publicitar este produto com a indicação a manteiga e às características comparadas da manteiga com a Flora veiculada na respectiva embalagem (artigo 78º do Regulamento (UE) 1308/2013 de 17 de Dezembro).

4.7 – A comunicação comercial da nova Flora, aposta na embalagem da Flora, nomeadamente as indicações combinadas “Agora com mais Sabor”, “LEITE magro reconstituído (15%) ”, “Manteiga” (bem como a indicação das suas características comparadas) e o tamanho de letra utilizado em geral, infringem também os princípios da veracidade e da honestidade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 4°, nºs 1 a 3, 7º nº 1, 9º nºs 1 e 2 aI. a), todos do CCICAP, art.º 7° nº1 aI. b) do DL 57/2008 de 26 de Março, artigos 10° nº 1, 11° nº 1, ambos do Código da Publicidade, devendo ser deliberada a cessação imediata do seu uso em qualquer suporte comercial relativo à Flora.»

A recorrida OLÁ:

«O Júri de Ética não deixou de se pronunciar sobre todas as questões que tinha para apreciar, pelo que a decisão não padece de qualquer nulidade, designadamente omissão de pronúncia.
A decisão proferida, nessa parte, não merece qualquer espécie de
censura devendo, assim, ser confirmada.»

A recorrente OLÁ:

a) os fundamentos da decisão recorrida não encontram apoio na lei e no Código de Conduta do ICAP;

b) dos factos enunciados e, mais ainda, da lista de ingredientes constante da embalagem, o que decorre é que os claims não só são verdadeiros como não carecem sequer de comprovação;

c) a própria queixosa não põe em causa a veracidade daquelas menções;

d) o JE não podia ter deixado de fazer uso do disposto no artigo 12º do Código de Conduta e não, como fez, proibir imediatamente a divulgação dos filmes publicitários, apenas porque não se fez prova da veracidade das menções;

e) o JE devia ter sido dada oportunidade às recorrentes de fazer essa prova;

f) a decisão recorrida ao proibir a divulgação imediata dos filmes publicitários, apenas porque não se fez prova da veracidade das menções “Agora com mais leite dos Açores” e “Agora com 15% de leite dos Açores”, violou o disposto nos artigos 4.º, 7.º, 9.º e 12º do Código de Conduta do ICAP, 5.º e 7.º, n.º 1, alínea b), do D.L. 57/2008, de 26 de Março, e artigos 6º a 13º do Código da Publicidade.

A recorrida ANIL:

1 – As indicações “Agora com mais leite dos Açores” e “Agora com 15% de leite dos Açores” são ilícitas pelas mesmas normas que proíbem a entrega de “leite magro reconstituído” como leite para beber – artigo 78º, n.ºs 1, alínea c) e n.º 2 do Regulamento (EU) n.º 1308/2013 e Parte IV do Anexo VII.

2 – As Recorrentes não indicam, nem fizeram qualquer prova, de que usam o leite no fabrico da Flora; muito menos que o produto Flora incorpora 15% de leite dos Açores.

3 – As indicações “Agora com leite dos Açores” e “Agora com 15% de leite dos Açores“ são ilícitas porque a designação “leite” não constitui qualquer dos ingredientes do produto Flora, nem qualquer destes ingredientes identifica aquela designação “leite”, conforme é exigido pelo disposto no nº 6 da Parte III do Anexo VII do Regulamento (UE) n.º 1308/2013.

4 – As indicações “Agora com mais leite dos Açores” e/ou “Agora com 15% de leite dos Açores” sugerem fortemente a percepção de que o produto Flora contém um teor substancial de matéria gorda láctea, claramente superior ao valor máximo de 2% legalmente permitido, e a uma origem que efectivamente não possui.

5 – A indicação “leite magro reconstituído (15%)” é incorrecta e enganosa; não identifica os diferentes ingredientes usados na sua produção (i.e. o leite magro em pó e a água corrente) e os respectivos percentuais de incorporação, conforme o disposto no artigo 2º, alínea f) e no artigo 9º, nº1, alínea b) do Regulamento (UE) nº 1169/2011, de 25 de Outubro de 2011.

6 – Como exemplarmente se notou na decisão anterior da Comissão de Apelo, não pode publicitar-se um produto não lácteo dando destaque às características essenciais de um produto lácteo.
A comunicação comercial da nova Flora ofende os princípios da veracidade e da honestidade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 4°, nºs 1 a 3, 7º nº 1, 9º nºs 1 e 2 aI. a), todos do CCICAP, artigo 7° nº1 aI. b) do DL 57/2008 de 26 de Março, e artigos 10° nº 1, e 11° nº 1 do Código da Publicidade.»

Terminaram as recorrentes pretendendo desta Comissão de Apelo:

A recorrente ANIL:
«deve o presente recurso ser julgado procedente, alterando-se parcialmente a douta decisão recorrida nos termos peticionados, deliberando-se em consequência:

a) A cessação imediata de divulgação a indicação “Leite magro reconstituído (15%)”, não devendo a mesma ser reposta;

b) A cessação imediata de divulgação da indicação “manteiga”, bem como da indicação de características ou propriedades da manteiga, em qualquer suporte da comunicação comercial da Flora, não devendo a mesma ser reposta;

c) A cessação imediata de divulgação da indicação “Agora com mais SABOR” sob a tira de manteiga enrolada, em qualquer suporte da comunicação comercial da Flora, não devendo a mesma ser reposta; e a cessação imediata de divulgação de quaisquer indicações na embalagem Flora em tamanho de letra menor que o tamanho legal mínimo exigido, não devendo a mesma ser reposta.»

A recorrente OLÁ:

que deve ser «revogada parcialmente a decisão recorrida, permitindo-se que as recorrentes continuem a comunicação comercial relativa ao produto FLORA, nos suportes televisão e internet, utilizando os filmes com as menções “Agora com mais leite dos Açores” e “Agora com 15% de leite dos Açores”».

Não se suscitam questões prévias processuais e esta Comissão de Apelo entende que, sendo o mesmo o litígio, na fase de recurso em que se acha, os dois recursos podem ser decididos conjuntamente.

Verifica-se outrossim que nenhuma das partes recorreu da parte da deliberação que julgou a dita publicidade no linear de supermercado desconforme com diversas normas aplicáveis, pelo que não haverá que versar tal problemática nesta Comissão de Apelo. Sempre se dirá, no entanto, que esta entende acertados o sentido e a fundamentação, nesse particular, da deliberação recorrida.

Estão pois em causa três questões fundamentais, que adiante se enunciarão e abordarão.

2 – Matéria de facto assente relevante para a decisão do recurso

Cumpre enunciar os factos apurados sem controvérsia, que se consideram mais relevantes para decidir sobre essas questões.

Numa das laterais da embalagem de 500g da nova Flora e na base inferior da embalagem de 250g, consta a lista de ingredientes nos seguintes termos: «Ingredientes: óleo de girassol, matérias gordas vegetais (palmaesterarina e gordura de palmiste em proporções variáveis), água, LEITE magro reconstituído (15%), sal (1,8%), LEITELHO, emulsionantes (lecticina, mono e diglicéridos de ácidos gordos), conservante (sorbato de potássio), regulador de acidez (ácido cítrico), aromas, vitamina A, vitamina D e corante (betacaroteno)».
O produto em causa não contém gordura láctea.

Por baixo da denominação de venda do creme vegetal Flora, insere-se uma tabela com três quadros simétricos, com as seguintes indicações “Valores médios por 100g” (no 1º quadro), “Por porção 10g” (no 2º quadro) e “Manteiga por porção 10g” (no 3º quadro).
Em anúncios na televisão e na internet têm sido usados, relativamente a este produto, os claims “Agora com 15% de leite dos Açores” e “Agora com mais leite dos Açores”.

Na tampa da embalagem da nova Flora consta um selo representando um “caracol” aparentemente feito com o produto e, por baixo, a legenda “Agora com mais sabor”.

Além destes factos, há porém ainda um cujo apuramento merece especial atenção, visto como é matéria que se mantém controversa.

Deverá, ou não, ser considerado provado, no âmbito do presente processo, que a nova Flora em causa contém 15% de leite dos Açores?

A ANIL sustenta que não, porque o “leite magro reconstituído” não é leite, porque «as Recorrentes não indicam, nem fizeram qualquer prova de que usam o leite no fabrico da Flora e muito menos de que o produto Flora incorpora 15% de leite dos Açores», e porque «a Flora é um creme vegetal para barrar a 79% sem qualquer gordura láctea».

A OLÁ sustenta que está provado, por documento anexo à sua contestação da queixa que o produto em questão contém leite em pó produzido nos Açores, e que a ANIL não pôs em causa a veracidade das menções da lista de ingredientes constantes da embalagem, pelo que não teve necessidade de provar tal veracidade; que, no entanto tal prova consta de um documento que juntou agora, na fase de recurso, a saber, uma declaração do Bureau Veritas com sede em Paris, pelo seu perito de Lisboa.

Nessa declaração lê-se que, «efetuada uma amostragem aleatória com o objetivo de validar os pressupostos da especificação de produto e respetivas instruções de fabrico, para a fase aquosa», «do produto Flora 250g no dia 16-07-2015, confirmamos que os valores de dosagem dos ingredientes está conforme a referida especificação devidamente aprovada pelo Diretor Fabril. Observámos a introdução de todos os ingredientes tendo sido confirmada a origem dos mesmos.»

Nos termos do nº 5 do art. 15º do Regulamento do Júri de Ética do ICAP, «apenas serão admitidas novas provas se comprovadamente não
puderam ter sido apresentadas perante a Secção».

Ora a dosagem dos ingredientes do produto não tinha inicialmente sido questionada. O que, sim, fora posto em causa, desde a queixa, era se aquilo que na lista dos ingredientes era chamado “leite” poderia ser assim designado.

Só em face da deliberação recorrida é que esse esclarecimento se tornou necessário.

Por outro lado, a ANIL não se opôs à junção deste documento, nesta fase e nada disse contra o seu conteúdo na sua contra-alegação.

Esta Comissão de Apelo entende portanto que o dito documento é oportuno e susceptível de ser levado em conta para efeitos da presente deliberação.

Deve portanto ser dado como provado que o produto em causa contém 15% de um ingrediente a que a OLÁ chama “leite”.

E também, porque tal se conclui do doc. 1 junto com a contestação da queixa, que esse ingrediente tem por base leite em pó originário dos Açores.

Resta saber se tal designação é correcta. Mas essa é uma questão de jure, que será versada adiante.

3 – Apreciação jurídica do objecto da queixa

Com base nesta matéria de facto, importa abordar as seguintes três questões jurídicas:

– devem ser declaradas contrárias às normas aplicáveis as indicações eventualmente inverídicas ou susceptíveis de induzir o consumidor em engano, que constam apenas das indicações obrigatórias insertas na rotulagem do produto em questão?

– devem ser declarados contrários a essas normas os claims “Agora com 15% de leite dos Açores” e “Agora com mais leite dos Açores”, por não ter sido feita prova da sua veracidade?

– ainda que hajam sido feita tal prova, deverá a publicidade que reside nesses claims ser considerada enganosa, por induzir o consumidor na falsa ideia de que o produto em causa é um produto lácteo?

3.1 – O Júri de Ética do ICAP não tem nem deve ocupar-se, por princípio, de questões relativas à rotulagem das embalagens. Há um corpo de normas legislativas que à rotulagem dizem respeito e a apreciação da conformidade de quaisquer embalagens com tais normas fica, como tal, fora do âmbito do ICAP.

O Código de Conduta do ICAP, conforme o nº 1 do seu art. 1º, «aplica-se genericamente ao conjunto da Publicidade e de outras formas de Comunicação Comercial destinadas à promoção de um qualquer tipo de bem ou serviço».

E a alínea b) do seu art. 2º contém a seguinte definição:

«a expressão “Comunicação Comercial” abrange a Publicidade bem como outras técnicas, tais como promoções, patrocínios e marketing directo e deve ser interpretada de forma lata de modo a poder designar toda a comunicação produzida directamente, por ou em representação de um operador de mercado, que pretenda essencialmente promover Produtos ou influenciar o comportamento dos Consumidores».

O Júri de Ética apenas tem competência para decidir sobre matéria de rotulagem na medida em que, no caso concreto, ela seja directamente usada para publicidade ou para outras formas de promoção dos produtos; na medida em que seja, em si, essencialmente, uma forma de promover produtos.

Ora não é esse, manifestamente, o caso sub judice. Os rótulos das embalagens dos produtos cuja publicidade aqui é discutida são rótulos vulgaríssimos, do tipo dos usados pela generalidade dos produtos e comerciantes dos produtos alimentares.

E como já foi decidido em caso anterior e muito bem se expõe na deliberação ora recorrida, as informações do tipo das que constam dos rótulos das embalagens ora questionados só serão aptas a propiciar quaisquer juízos de valor promocionais junto do destinatário quando, cumulativamente,

– possuam um destaque não obrigatório por lei e

– resvalem para o conceito de publicidade por via duma associação verbal e/ou visual com claims que lhe alterem o significado.

Não podem ser apreciadas, portanto, por esta Comissão de Apelo, as questões que digam respeito à correcção ou legalidade dos rótulos do produto Flora, a que o presente litígio diz respeito.

Não quer isto dizer que a matéria de facto relativa aos ditos rótulos não seja porventura relevante para a decisão do pleito. Somente, a sê-lo, é apenas para efeitos de se confrontar com o conteúdo deles a publicidade ao produto feita noutra sede – que não no próprio rótulo.

Nada tem a decidir, portanto, esta Comissão de Apelo, quanto às numerosas alegadas incorrecções ou ilegalidades dos rótulos das embalagens invocadas na queixa que deu origem ao presente processo.
Nesse particular deliberou bem a 2ª Secção do JE.

3.2 – Entrando na segunda questão acima enunciada, cabe abordar os claims “Agora com 15% de leite dos Açores” e “Agora com mais leite dos Açores”

Aqui, sim, já o que está em causa é a publicidade e não a rotulagem.
Mas, sublinhe-se neste caso, assim como, no silogismo da apreciação jurídica da sua correcção, a premissa menor não contém a decisão sobre questão de saber se o rótulo está correcto, também não contém apenas a resolução da questão de saber se os claims usados conferem com os enunciados no rótulo. Os claims devem não só conferir com as indicações constantes dos rótulos, como também com a realidade dos ingredientes que entram no produto. A realidade, à qual deve corresponder as afirmações feitas na publicidade, não é somente uma realidade formal, afirmada na rotulagem. Deve ser também a realidade material, ainda que discrepante da que é indicada pelos rótulos.

O principal problema que neste particular se suscita foi atrás levantado a propósito da matéria de facto: será que deve entender-se que o leite em pó, mesmo depois de reconstituído, deve considera-se “leite”, para efeito das afirmações publicitárias?

É que, se não puder, então os claims “Agora com 15% de leite dos Açores” e “Agora com mais leite dos Açores” não correspondem à realidade. E serão publicidade enganosa. Isto porque ficou provado que o ingrediente em causa foi leite em pó originário dos Açores.

Há que abordar a dúvida, quer à luz do sentido que hipoteticamente é captado pelo destinatário – neste caso o consumidor médio – quer à luz de eventuais preceitos legais que imponham determinado sentido ao termos e às expressões

Quanto ao sentido que na realidade lhe é atribuído em Portugal:

Há abundantemente no mercado português produtos alimentares como chocolates ou gelados, apresentados e anunciados como contendo “leite” e até sendo “de leite”, cujo ingrediente lácteo decisivo é leite em pó reconstituído.

O sentido que o consumidor médio atribui à afirmação de que um produto “contém leite”, não implica que se trate unicamente de leite líquido, “leite para beber”. Esta Comissão entende que na ideia de “leite”, para o consumidor médio, além do leite para beber, se incluem o leite magro, o leite em pó ou o leite reconstituído.

Assim, um claim do tipo de “com 15% de leite” ou “com mais leite”, não deve, por si só, ser considerado enganoso à luz da semântica predominante da comunicação com o consumidor médio.

Quanto às normas legais:

A lei, como sustenta a ANIL, impõe certos requisitos para que um produto possa ser posto à venda como “leite de consumo” ou “leite para beber”. Assim é, efectivamente, como se vê pelos preceitos por ela citados do Regulamento (UE) nº 1308/2013, de 17 de Dezembro de 2013, do Parlamento Europeu e do Conselho.

E pela matéria de facto apurada se verifica que vários desses requisitos não são satisfeitos no produto em causa.

Porém tal proibição diz apenas respeito ao leite para beber. Não ao leite como ingrediente minoritário de um qualquer género alimentício. Como componente dum outro produto alimentar, nomeadamente dum creme, nada se descortina naquele Regulamento que vede a possibilidade de chamar “leite” ao leite reconstituído a partir de leite em pó magro. Além do mais pelo raciocínio a contrario sensu.

Não será acertada, portanto, a conclusão de que um produto como a Flora em questão, não possa, por lei, indicar que contém leite, quando contém leite em pó reconstituído. Até porque, conforme resulta de vários preceitos do Regulamento (UE) nº 1169/2011, de 25 de Outubro de 2011, do Parlamento Europeu e do Conselho, as indicações sobre o ingrediente leite, feitas nos rótulos das embalagens daquele produto, parecem devidas.

3.3 – Finalmente – última questão de jure – deve entender-se que o produto em causa se apresenta na publicidade em causa como um “produto lácteo”’, com o que estaria a contrariar o princípio da veracidade?

Quanto aos claims “com 15% de leite e “com mais leite”, já se definiu o entendimento desta Comissão de Apelo.
Acrescente-se agora, somente, que se entende que tais afirmações não implicam a ideia, nem se descortina que pretendam inculcá-la, de que seja o produto em causa, seja a gordura deste, sejam “lácteos”. Tal não é dito nem, ao que parece a esta Comissão de Apelo, insinuado.

Resta saber se o selo fotocopiado nos autos, representando um “caracol” aparentemente feito com o produto e, por baixo, a legenda “Agora com mais sabor”, tem tal efeito.

Não se afigura. Nem o próprio selo em si, que não contém qualquer alusão a “leite” ou a “lácteo”, nem sequer as associações, que a ANIL invoca, ao histórico da publicidade deste produto, nem a imagem do “caracol” de creme, sugerem que se trate de produto lácteo. E a afirmação “Agora com mais sabor” ainda que pudesse sustentar-se que, associada à expressão “leite dos Açores”, não aponta para que se trate dum produto lácteo. Isto ainda que o “sabor” que seja percepcionado por muitos seja o sabor a leite. Só se o sabor a leite fosse exclusivo dos produtos lácteos – o que se entende não ser o caso.

4 – Decisão

Termos em que decidem negar provimento ao recurso interposto pela ANIL e conceder provimento ao recurso interposto pela OLÁ, revogando a ordem constante da deliberação da 2ª Secção do JE do ICAP, acima mencionada, de que cessasse a publicidade do produto em causa visada na queixa, salvo na parte da publicidade que era veiculada pelo linear de supermercado, que se mantém interdita pelos fundamentos e nos termos da referida deliberação.

Lisboa, 6 de Agosto de 2015

Auto Regulação4J / 2015 – Recurso :: ANIL vs. FIMA OLÁ – Produtos Alimentares e Unilever Jerónimo Martins e FIMA OLÁ-Produtos Alimentares e Unilever Jerónimo Martins vs. ANIL
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5J / 2015 :: Pessoa Singular vs. Portucel Soporcel

5J/2015

Pessoa Singular
vs.
PORTUCEL SOPORCEL

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no vigésimo oitavo dia do mês de Julho do ano de dois mil e quinze, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 5J/2015 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 5J/2015

1. Objecto dos autos

A pessoa singular identificada nos autos (adiante indiscriminadamente abreviada por denunciante, queixosa ou requerente) veio, por intermédio da ASA – Advertising Standards Authority, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante abreviada e indiscriminadamente designado por Júri ou JE) apresentar queixa contra a PORTUCEL SOPORCEL (adiante abreviada e indiscriminadamente designado por PORTUCEL, denunciado ou requerido), por lhe ter sido negado um prémio no âmbito duma campanha promocional do papel da marca NAVIGATOR comercializado por esta última e constante do seu sítio da internet.

1.1. Notificado para o efeito, a PORTUCEL não apresentou qualquer contestação.

1.2. Dão-se por reproduzidos a queixa e documentos juntos à mesma, todos na língua inglesa, a saber: reprodução dum mail cujo assunto é identificado como “RE:Congratulations” e o regulamento concursal.

1.3. Síntese da Queixa

1.3.1. Vem a queixosa a sua petição dizer, em síntese, o seguinte:• The competition was advertised on packs/reams of Navigator paper November and December 2014;• (…) complain about not recieving my prize from an On pack Navigator Paper promotion (…) there were 500 ipad mini’s to win and it closed on 31st January 2015.• (…) you could apply for a “no purchase necessary” code throught the website, and this is what I did. I entered the code and got the congratulations screen. I then recieved a congratulations email with the verification code. Unfortunately, I am unable to access the winning email. After a great deal of delay, I recieved an email saying they could not trace me as a winner, and that anyway, I would have to produce a paper ream wrapper to claim (…)

1.3.2. Na resposta, reproduzida pelo queixoso, que a PORTUCEL terá dado, é referido:• (…) we were checking what might have happened. The fact is that we don’t have you in our listo f winners and your verification code is diferente from the ones we send to our winners. Furthermore, as you can see in the rules of our promotion, to be a valid winner you need to send us the ream wrapper with the winning code, a copy of your ID and the confirmation email taht you recieved right after your winning participation and we didn’t recieve it yet (…)

1.3.3. Resumindo-se a queixa, no essencial, à existência dum concurso e duma possível mensagem ou prática comercial enganadora.

2. Enquadramento ético-publicitário

O Júri tem a sua competência material circunscrita à apreciação da publicidade e comunicações comerciais, não podendo, nem devendo, pronunciar-se sobre questões de natureza diversa, designadamente contratuais, que as Partes poderão, querendo, a qualquer momento, suscitar junto doutras instâncias como sendo os tribunais ou, no caso de pessoas singulares e em situações transfronteiriças, junto de mecanismos alternativos de resolução de conflitos como sendo os CEC ou Centros Europeus do Consumidor.

2.1. Dos factos e seu enquadramento

Atentos os elementos disponibilizados para apreciação do JE, há que tecer algumas considerações no que toca à prática comercial que a queixa chama à colação.

Desde logo, dizer que, nos termos da lei nacional e comunitária, declarar que se organiza um concurso ou uma promoção com prémio, sem entregar os prémios descritos ou um equivalente razoável, assim como como descrever o bem ou serviço como «grátis», «gratuito», «sem encargos» ou equivalente, se o consumidor tiver de pagar mais do que o custo indispensável para responder à prática comercial e para ir buscar o bem ou pagar pela sua entrega, são consideradas práticas comerciais enganosas em qualquer circunstância (cf. art. 8º, alíneas x) e z) do decreto lei nº 57/2008, de 26 de março).

No domínio da autorregulação, as práticas de promoção de vendas, pela sua importância também merecem um tratamento normativo cuidado.

Com efeito, o Código de Conduta do ICAP estabelece não apenas como regra geral que “As promoções de vendas devem ser concebidas de forma a permitirem ao beneficiário identificar com clareza e facilidade as condições e termos da oferta. Deve ter-se o cuidado de evitar exagerar o valor do benefício adicional, assim como também não se deve encobrir ou dissimular o preço do produto principal.” (cf. Artigo A2) como, ainda, desenvolve com detalhe (cf. Artigo A5) a forma como deve ser feita a apresentação aos beneficiários.

I – Informação aos participantes

1. As promoções de vendas devem ser apresentadas de forma a assegurar que os seus beneficiários, antes da decisão de aquisição, estão conscientes ou têm meios para estarem conscientes de todas e quaisquer condições que de alguma forma possam afectar a sua decisão de compra.

2. A informação deve conter, sempre que for relevante:

a) instruções claras sobre o método de obter ou participar na oferta promocional, por exemplo as condições para se obterem os benefícios adicionais ou para participarem nos prémios de jogo;

b) principais características dos benefícios adicionais oferecidos;

c) qualquer prazo fixado para aproveitar a oferta promocional;

d) quaisquer restrições à participação (por exemplo relacionadas com questões geográficas ou etárias), disponibilidade dos benefícios adicionais ou quaisquer outras limitações de stocks. No caso desta oferta disponível ser limitada, os beneficiários devem ser adequada e devidamente informados das medidas previstas para as substituições alternativas ou reembolsos;

e) o valor de um vale ou selo oferecido, quando uma alternativa em numerário seja possível;

f) quaisquer despesas envolvidas, incluindo custos de tratamento e expedição e as condições de pagamento;

g) o nome completo e morada do promotor e a indicação do local para onde devem ser endereçadas as queixas ou reclamações (caso este endereço seja diferente do indicado pelo promotor).

II – Informações sobre prémios de jogo

Sempre que uma promoção de venda implique um prémio de jogo, aos destinatários deve, previamente à participação e independentemente da aquisição do produto principal, ser fornecida ou disponibilizada, se solicitada, a seguinte informação:

a) quaisquer normas relativas às condições de elegibilidade de participação na promoção do concurso;

b) quaisquer custos associados à participação, para além dos custos de comunicação em tarifa normal ou reduzida (mail, telefone, etc.);

c) o número, valor e natureza dos prémios a serem concedidos e se uma alternativa em numerário está prevista como substituição do prémio;

d) no caso de um concurso de talentos, a natureza do concurso e os critérios de apreciação de candidatos;

e) o procedimento de selecção para atribuição de prémios;

f) a data de encerramento do concurso;

g) a data e modo de divulgação dos resultados;

h) a eventual obrigação do beneficiário de pagar taxas ou impostos como consequência da obtenção do prémio;

i) o período fixado para a reclamação de prémios;

j) sempre que deva existir um júri, a sua composição;

k) qualquer intenção de utilizar os vencedores ou contribuições vencedoras, em actividades posteriores.

Sendo este contexto o normativo de fundo, é importante que o JE se cinja à queixa concreta que foi apresentada, veiculada pelo denunciante por intermédio da ASA.Nela, destacamos as afirmações de que o queixoso participou, por intermédio do website, na modalidade sem compras que estaria prevista e que o email comunicando a vitória já não estava acessível.

Constata o JE que, não se encontram visíveis as datas das comunicações em causa (do “e-mail intitulado “Re Congratulations” e do e-mail resposta da denunciada) e que o regulamento anexo aponta, efetivamente, para um conjunto de procedimentos de validação.

A mensagem/prática questionada não tem suporte ou demonstração para além da que é afirmada na queixa.

O Júri tem ciente, tal como o seu próprio Regulamento o assume, que, ao nível de prova e construção da queixa, não é exigível ao consumidor, ademais transfronteiriço, que estruture, detalhe e comprove os factos que alega dum modo preciso e profissional.

Aliás, o ónus da comprovação da veracidade das afirmações constantes nas mensagens recai sobre o anunciante, considerando-se inexatos se, sendo pedidos, não forem apresentadas provas ou estas forem insuficientes (cf. art. 22º do Decreto-Lei nº 57/2008).

Contudo, o JE entende ser necessário que o processo que lhe é submetido – nele incluindo a queixa e os documentos juntos e, existindo, a contestação e os documentos anexos – possua elementos sólidos e suficientes para que, de forma séria e credível, possa fazer uma apreciação.

No caso concreto, os documentos anexos e o teor da queixa deixam de dúvidas quanto à mensagem/prática veiculada, à data da mesma e ao seu próprio enquadramento.Na realidade, para efeitos de aplicação do diploma das práticas comerciais desleais, inexiste uma decisão de contratar baseada na alegada mensagem/prática e, para aferir sobre a suscetibilidade da mensagem/prática distorcer de maneira substancial o comportamento económico do consumidor seu destinatário seria fundamental aceder a elementos complementares que não figuram no processo.

Nestes termos, em virtude dos factos alegados e elementos juntos não serem suficientes para que o Júri possa apreciar a queixa com segurança e concluir hialinamente sobre a existência, ou não, duma prática violadora do Código de Conduta, resta ao Júri decidir pela inexistência de indícios de desconformidade da prática comercial, entendida no seu todo, com o disposto no Código de Conduta do ICAP e no Decreto-Lei nº 57/2008, de 28 de março.

O Júri sublinha que, uma vez que o cerne da sua apreciação são as campanhas publicitárias/comunicações comerciais do ponto de vista da ética publicitária, não promove a resolução individual de litígios de natureza contratual podendo as Partes, se assim o entenderem, suscitar e discutir eventuais danos e, ou, prejuízos contratuais junto das instâncias judiciais ou extrajudiciais competentes.

3. Decisão

Nestes termos, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, delibera no sentido da improcedência da queixa apresentada.».

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