Mais recentes

5J / 2016 :: Pessoa Singular vs. NOS Comunicações

5J/2016

Pessoa Singular
vs.
NOS Comunicações

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no vigésimo oitavo dia do mês de Abril do ano de dois mil e dezasseis, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 5J/2016 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 5J/2016

1.   Objeto dos Autos 

1.1.   Através do “Formulário de Reclamações para Pessoas Singulares” disponibilizado pelo ICAP no seu sítio da internet, um Particular devidamente identificado nos autos e adiante abreviadamente designado por Queixoso, apresentou junto do Júri de Ética Publicitária do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), uma queixa contra a NOS-Comunicações S.A. (adiante NOS ou Denunciada), pela publicidade difundida na televisão e que o Queixoso identifica como sendo publicidade à “marca super bock publicitada em anuncio televisivo fora do horário legal” e como tal, violar violar o artigo 17º do Código da Publicidade.

1.2.   Notificada para o efeito, a NOS apresentou contestação;

1.3.   Dão-se por reproduzidos a queixa e a contestação, bem como o spot televisivo em causa na queixa apresentada, visível no link https://www.youtube.com/watch?v=8dVf3mE_N7s.

1.4.   Síntese das posições das partes

1.4.1.   Na queixa que apresenta, o Queixoso defende que a publicidade viola as normas éticas e/ou a lei pois, a marca de cerveja super bock aparece publicitada, em tv, fora do horário previsto no código da publicidade para a categoria de bebidas alcoólicas, que é a partir das 22h30m.
Mais afirma o Queixoso que, apesar de a publicidade ser relativa à empresa UNICER, enquanto parceira da NOS, o que é visível e destacado no anúncio televisivo são grades de cerveja super bock e suas linhas de enchimento o que constituiria, na sua opinião, claramente uma forma de aproveitamento para publicitar bebidas alcoólicas contornando a legislação.

1.4.2.   Na contestação que apresenta, a NOS nega o afirmado pelo Queixoso, alegando, em síntese:
– “a NOS lançou uma campanha publicitária multi-meios destinada a promover a NOS EMPRESAS e que diversos clientes empresariais da NOS aceitaram endossar os seus serviços de comunicações, comprovando a sua qualidade e as respetivas vantagens para o seu negócio em anúncios publicitários da NOS “ (cf. art. 3º e 4º).
– “o referido anúncio não tem qualquer intuito de promover a marca Super Bock ou o consumo de cerveja, mas tão só convencer outras empresas a fazer como a UNICER e a escolher a NOS” (cf. art. 6º).
– Não é feito nenhum “claim” ao consumo de cerveja, nem se divulgam quaisquer mensagens, diretas ou indiretas, com vista à aquisição de cerveja da marca Super Bock. (cf. art. 7º);
– não existe o “objetivo, direto ou indireto, de promover, com vista à sua comercialização ou alienação”, a cerveja de marca Super Bock (cf. art. 8º)
– a perceção que terá qualquer consumidor médio, normalmente informado e advertido ao ver o anúncio em causa, será o da mera promoção dos serviços de comunicações da NOS específicos para empresas, e não que se está a promover o consumo ou aquisição de cerveja; (cf. art. 9º)
– a queixa carece em absoluto de elementos que permitam preencher qualquer tipo de ilícito. (cf. art. 12º)

1.5. Síntese do anúncio
Visualizado atentamente o spot televisivo, o Júri entende poder descreve-lo como segue:
O anúncio inicia-se com a música habitualmente utilizada e já identificada como genérico da NOS. Dentro dum edifício, surge a figura dum homem jovem que aparece num plano mais próximo a olhar para o telemóvel em cujo ecrã, em primeiro plano exclusivo, aparece o símbolo circular da NOS. Então, as cores do símbolo da NOS elevam-se, saem do ecrã e polarizam-se em pontos/linhas coloridos que começam a percorrer o que parece ser uma linha de produção fabril, dando uma imagem futurista, de filme de ficção cientifica. O movimento dos pontos/linhas coloridos pelo espaço continua rápido, acompanhando a música de fundo, ouvindo-se a voz off: “Nós somos uma das empresas portuguesas que mais investe em inovação”.No final da frase é possível perceber num elevador fabril uma caixa com a marca SUPER BOCK. Continua a voz off :“E escolhemos a operadora que garante que toda a rede está ligada e atualizada ao segundo”Enquanto os pontos/linhas coloridos continuam a percorrer rapidamente as instalações e ouve-se:“Nós somos a UNICER e escolhemos a NOS”.Neste momento surge, de novo ocupando todo o ecrã, o símbolo da NOS e a imagem ainda em segundo plano das instalações transforma-se num fundo negro no qual se mantem visível o símbolo da NOS. Surge do lado esquerdo do ecrã “Ligue 16999” e do lado direito do símbolo da NOS as palavras:EmpresasProfissionaisInstituições PublicasFinalmente, em fecho, a expressão NOS Empresas acompanhando a voz off dizendo “Há mais em NOS”

2.   Enquadramento ético-legal

2.1. Adequação formal
O Regulamento do JE prevê, no nº 1 do seu artigo 7º que as Secções do Júri são competentes para dirimir as queixas em matéria de comunicação comercial: a) Que lhe sejam submetidas por quaisquer pessoas, contra associados ou terceiros; b) Que lhe sejam submetidas por quaisquer pessoas, sobre comunicações comerciais decorrentes de alterações naquelas que tenham sido objecto de deliberações proferidas pelo JE; c) Que lhe sejam submetidas por quaisquer pessoas sobre comunicações comerciais veiculadas posteriormente noutros suportes que não tenham sido identificados na queixa.
O mesmo Regulamento prevê, no seu artigo 10º nº 4 e 5 que: “A queixa prevista no artigo 7º, alíneas b) e c), apenas carece da apresentação por escrito da exposição dos factos e fundamentação do eventual incumprimento pela outra parte, bem como da junção da comunicação comercial em causa. (…) Serão recusadas a queixa ou qualquer documentação a ela junta que não reúnam todos os requisitos estabelecidos no presente artigo.”.
A queixa trazida à apreciação do Júri comporta os elementos regulamentarmente necessários e embora careça informação quanto à efetiva difusão do spot entre as 7h00 e as 22h30m, esse facto tampouco é contestado pelo denunciado.
Compete, assim, proceder à análise da queixa e ao devido enquadramento ético-legal.

2.2.   Conceito de publicidade
Valerá a pena, antes do mais, recordar que o Código da Publicidade adota uma definição assaz ampla de publicidade, abrangendo qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma atividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo direto ou indireto de: a) Promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços; b) Promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições.  (cf. art. 3º).
A mensagem publicitária em apreço, embora possua todos os elementos duma mensagem publicitária tradicional (aquela em que um anunciante – a NOS – promove diretamente um bem ou serviço que comercializa – o NOS Empresas – o que configuraria simultaneamente uma comunicação comercial), vem integrar na mesma mensagem a marca forte (SUPER BOCK) dum seu parceiro de negócios (UNICER).
É o parceiro de negócios do denunciado que testemunha em favor daquele que é o objeto direto da publicidade – “E escolhemos a operadora que garante que toda a rede está ligada e atualizada ao segundo” “Nós somos a UNICER e escolhemos a NOS” – e, ao fazê-lo, autopromove-se, dá visibilidade à sua própria marca: “Nós somos uma das empresas portuguesas que mais investe em inovação”. “Nós somos a UNICER e escolhemos a NOS”.
Do ponto de vista do enquadramento jurídico, o Júri entende estar perante uma publicidade testemunhal, permitida nos termos do art. 15º do Código da Publicidade e 17º do Código de Conduta. Mas não só. A testemunha, pela notoriedade própria que não se pode deixar de reconhecer, é também ela beneficiária da publicidade, promove-se quer como organização empresarial, quer também ao seu produto e marca umbrella, a SUPER BOCK que é uma cerveja com álcool.
O Júri não tem dúvida em identificar a NOS como anunciante da mensagem i.e. aquele que difunde a comunicação comercial tendo em vista a promoção dos seus produtos ou influenciar o comportamento do consumidor (cf. art. 2º alínea a) do Código de Conduta do ICAP).
Mas se atender à noção de anunciante dada pelo Código da Publicidade – a pessoa singular ou colectiva no interesse de quem se realiza a publicidade (cf. art. 5º nº 1 alínea a) – será fácil concluir que a mensagem em apreciação é feita também no interesse da UNICER.
O Júri desconhece, nem precisa de conhecer, os termos da parceria entre os anunciantes. Basta-lhe constatar que, da publicidade em apreciação, resulta um benefício para a imagem e marca tanto de um, que promove diretamente a sua marca e produto – NOS e NOS Empresas -, como de outro, a “testemunha/anunciante” que indiretamente vê promovida a sua firma e marca forte – Unicer e SUPER BOCK.
Contrariamente ao que afirma o Denunciado na sua contestação, o JE entende que a mensagem em apreciação gera confusão no destinatário, desde logo quanto ao anunciante, não subscrevendo que “a perceção que terá qualquer consumidor médio, normalmente informado e advertido ao ver o anúncio em causa, será o da mera promoção dos serviços de comunicações da NOS específicos para empresas, e não que se está a promover o consumo ou aquisição de cerveja;”.
É verdade que inexistem claims específicos quanto ao produto do parceiro de negócios e reconhece-se não é esse o objeto direto da publicidade em apreço.
Mas será o seu objeto indireto?
O Júri crê que sim, que esse é o resultado de, numa aparente publicidade com um único anunciante e produto, explorar consentidamente a reputação de outra entidade, com utilização, dos nomes, siglas, logótipos e/ou marcas e notoriedade.
Mas nem o tipo de publicidade, testemunhal, nem a dualidade de anunciantes com exploração recíproca e consentida das reputações, suscita ao Júri particulares questões de licitude, legalidade ou conformidade ao Código de Conduta do ICAP.
Existe, contudo, o leit motiv da própria queixa: o facto da marca SUPER BOCK ser uma marca de cervejas comercializadas pela UNICER, com notoriedade no mercado de cervejas com álcool (ainda que, com a mesma marca, seja também comercializada cerveja sem álcool).
Ora, a publicidade a bebidas alcoólicas encontra-se parametrizada no art.º 17º do Código da Publicidade.
As restrições legais à publicidade a bebidas alcoólicas emanam de decisões políticas nacionais e comunitárias que visam proteger interesses como a saúde pública, os menores, a condução de veículos e aspectos sociais e de saúde e interesses económicos dos consumidores.
A legislação portuguesa contempla dois tipos de restrições à publicidade a bebidas alcoólicas.
•   Na televisão e na rádio, não é permitida a publicidade a bebidas alcoólicas entre as 7h00 e as 22h30, limitação que se aplica à publicidade direta e indireta a bebidas alcoólicas.
•   Qualquer que seja o meio utilizado, devem ser respeitados os seguintes critérios: não se dirigir especificamente a menores; não encorajar um consumo excessivo; não menosprezar os não consumidores; não sugerir sucesso, êxito social ou especiais aptidões devido ao consumo de tal bebida; não sugerir a existência, nas bebidas alcoólicas, de propriedades terapêuticas ou de efeitos estimulantes ou sedativos; não associar o consumo ao exercício físico ou à condução de veículos; não sublinhar o teor alcoólico como qualidade positiva. Como já referido, no caso sub judice, o problema que se coloca é o da difusão fora da restrição horária contida no nº 2 do art. 17º do Código da Publicidade, de publicidade à marca de cerveja SUPER BOCK. Por arrasto da eventual violação do Código da Publicidade, estará também em causa a possível violação, pela publicidade em apreço, do disposto nos art.º 5º e 14º nº 1 do Código de Conduta do ICAP que prescrevem:Artigo 5 Legalidade A Comunicação Comercial deve respeitar os valores, direitos e princípios reconhecidos na Constituição e na restante legislação aplicável.Artigo 14 Identidade 1. A identidade do Comerciante/Anunciante ou a marca deve ser evidente
A NOS ao optar por difundir e incorporar na sua publicidade além do testemunho, reputação e endosso de confiança do parceiro comercial UNICER, insere a marca SUPER BOCK que, como não pode deixar de conhecer, é notoriamente reconhecida e identificada como uma marca de cerveja, bebida alcoólica, deve conformar-se às restrições que aquele produto possui enquanto objeto publicitário, ainda que indiretamente visado na sua publicidade.
A NOS explora e beneficia da reputação da UNICER e da cerveja SUPER BOCK, produto que está presente, visível e identificável nas mensagens por parte dos seus destinatários.
Entende, assim, o JE que, embora o objecto direto da mensagem publicitária seja o serviço NOS Empresas, o seu parceiro UNICER é beneficiado e a sua marca forte, a cerveja SUPER BOCK, surge suficientemente identificada e presente na mensagem publicitária: o depoente torna-se co-anunciante e o seu produto é objeto indireto da mensagem.
No contexto da publicidade indireta é indiferente que o consumidor médio percepcione que o produto diretamente anunciado seja completamente diverso ou dum anunciante distinto.
Na verdade, todo e qualquer destinatário que visualize a mensagem da NOS, nunca deixará de recordar a marca SUPER BOCK e associá-la à cerveja, produto com as restrições horárias para efeitos de difusão televisiva que já foram referidas.
O Júri avalia, por isso, que existe publicidade indireta à cerveja SUPER BOCK e é plenamente aplicável à publicidade em apreço a proibição constante do nº 2 do art. 17º do Código da Publicidade.

3. Decisão

Nestes termos, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP delibera, por maioria, que a mensagem publicitária objecto destes autos viola o artigo 5.º do Código de Conduta do ICAP e o art. 17.º, n.º 2 do Código da Publicidade devendo conformar-se às restrições horárias constantes da lei.

Declaração de Voto de Vencido
Votou vencido o Doutor Miguel Varela que formulou a seguinte

Declaração de Voto:
“Parece-me que a publicidade indirecta é à Unicer e não à Super Bock.A visualização de uma grade a dizer Super Bock não me parece suficiente para considerar publicidade indirecta, nem promove o seu consumo. Para isso teríamos que retirar todos os product placement da produção nacional de tv que é emitida em prime time com inúmeras referências visuais a bebidas alcoólicas.”.».

A Presidente da Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP

Auto Regulação5J / 2016 :: Pessoa Singular vs. NOS Comunicações