2015

6J / 2015 – Recurso :: Sovena Portugal vs. Gallo Worldwide

6J/2015
Recurso

 

Sovena Portugal
vs.
Gallo Worldwide

 

COMISSÃO DE APELO

Proc. n.º 6J/2015

Recorrente:
“SOVENA PORTUGAL, CONSUMER GOODS, SA”

versus:

“GALLO WORLDWIDE, LDA.”

 

I- RELATÓRIO

A Sovena Portugal – Consumer Goods, S.A., adiante designada apenas por “SOVENA”, recorre para esta Comissão de Apelo da Deliberação da 2ª Secção do JE proferida em 18 de Setembro de 2015, no âmbito do processo acima referenciado, que deu razão a uma queixa apresentada por Gallo Worldwide, Ld.ª, adiante designada apenas por “GALLO”.

1 – Síntese do processo

O processo teve início com uma queixa apresentada pela GALLO, relativa à comunicação comercial da marca de azeite “Oliveira da Serra”, promovida pela SOVENA nos suportes televisão e Internet, por alegada violação dos artigos 9.º, n.º 2, alíneas a) e f) e 12.º do Código de Conduta do ICAP.

No essencial a queixa assenta nos seguintes argumentos.

– O anúncio ora em causa utiliza quatro alegações de superioridade absoluta: Oliveira da Serra, nasceu no maior olival do mundo, cresceu no maior lagar do mundo, conquistou os maiores especialistas do mundo e, finalmente, tornou-se na marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo. Não coloca reservas nem qualificações nem às afirmações que veicula.

– O anúncio em causa também não apresenta nem remete para quaisquer provas, dados, estudos ou investigações que comprovem ou, pelo menos, permitam as conclusões a que se chega e a superioridade que se alega.

– Quanto à primeira alegação em causa – “Nasceu no maior olival do mundo” – não se indica onde se situa tal olival, quais as suas dimensões ou quais as suas características diferenciadoras, nem se remete para qualquer estudo ou levantamento sobre os olivais existentes em todo o mundo ou sequer sobre a dimensão média de tais olivais, que permita inferir que o olival de Oliveira da Serra é o maior ou pertence à categoria dos maiores.

– Quanto à segunda alegação – “Cresceu no maior lagar do mundo”- também não se indicam as dimensões, nem as características de tal lagar, nem onde se situa, nem se apresenta qualquer estudo ou levantamento sobre os outros lagares, designadamente, sobre os lagares da concorrência, que permitam concluir com a alegação de que o lagar onde se produz o produto Oliveira da Serra é o “maior lagar do mundo”.

– Quanto à terceira alegação – “Conquistou os maiores especialistas em todo o mundo”; e à quarta – “Marca portuguesa mais premiada do mundo” – não se refere quais os especialistas conquistados em todo o mundo, nem por que razão tais especialistas serão “os maiores”.

– Não existe um ranking de especialistas em azeite que permita diferenciar os “maiores” dos “menores”, nem se descrevem nem invocam quais, em concreto, são os prémios ganhos por Oliveira da Serra.

– A publicidade em questão não apresenta nem sequer remete para qualquer estudo que demonstre ser “Oliveira da Serra” a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo.

– Tal não é verdade, nem sequer verosímil.

– A marca “Oliveira da Serra” é uma marca com visibilidade bastante recente no mercado português, datando o seu registo do ano de 1969, ao passo que a marca de azeite “Gallo” existe no mercado há mais de cem anos, ganhando prémios recorrentemente desde 1908.

– A publicidade em causa refere-se a características essenciais do produto (azeite) que pretende promover, como sejam, o local onde é produzido e a dimensão (e, conclui-se, a capacidade e qualidade) do olival e do lagar onde é produzido.

– E fá-lo recorrendo a ambiguidades, exageros e, acrescentaríamos, falsidades, susceptíveis de induzir em erro o consumidor, em violação clara da alínea a) do n.º 2 do Artigo 9.º do CCICAP.

– Tal é susceptível de induzir, em erro o consumidor no que respeita a “reconhecimento ou homologação oficial, recompensas, tais como a atribuição de medalhas, prémios, diplomas e distinções de natureza similar”, violando assim a alínea f) do n.º 2 do citado Artigo.

– É pois enganosa, nos termos do disposto no artigo 9.º do Código de Conduta do ICAP.
– Nos termos do artigo 12.º do CCICAP caberá à SOVENA, em resposta à denúncia, apresentar ao ICAP a competente comprovação, que deverá abranger toda a extensão da alegação publicitária em causa

– Na falta de tais comprovações, não poderá deixar de se considerar a publicidade em causa como ilegítima à luz do referido artigo 12.º do CCICAP.

– Não tendo ficado clara a legitimidade das alegações, nos termos em que são feitas, é à SOVENA que cabe o ónus de provar as alegações publicitárias que utiliza.

Pediu no final que o JE mandasse cessar de imediato a dita campanha publicitária, ordenando a interrupção imediata da utilização das alegações publicitárias objecto da queixa, em quaisquer suportes.

Contestou a SOVENA, argumentando, em suma, que:

– A campanha publicitária em apreço não viola as normas invocadas.

– Inexiste qualquer norma que imponha que os anúncios publicitários apresentem ou remetam para provas que sustentem os factos nos mesmos referidos.

– As descrições, alegações ou ilustrações relativas a factos de uma comunicação comercial devem, sim, ser susceptíveis de comprovação, que deve estar disponível para apresentação por mera solicitação do ICAP.

– No mesmo sentido dispõe o artigo 10º, n.º 2, do Código da Publicidade.

– A Requerente alega genericamente que a publicidade em apreço recorre a ambiguidades, exageros e até falsidades, sem apresentar um único facto ou prova que infirme as alegações constantes do anúncio.

– A Requerente parece laborar num (para si conveniente) erro relativamente ao ónus da prova, escudando-se para tanto no disposto no Artigo 12º do Código de Conduta do ICAP, mas desta disposição não se pode inferir que ao queixoso bastaria questionar a veracidade das alegações apresentadas em campanhas publicitárias para que se pudesse concluir que as mesmas são falsas.

– Cabia à Requerente, nos termos do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil, para sustentar a sua Queixa e a grave pretensão que nela deduz, provar e demonstrar as alegações que faz, designadamente que a publicidade em causa é enganosa porque (i) existe um olival maior do que o da Requerida e porque (ii) a marca portuguesa de azeite mais premiada e que conquistou os maiores especialistas foi outra que não a Oliveira da Serra – demonstração que não fez.

– Isto porque o Código de Conduta do ICAP, assim como os de outros organismos de auto-regulação, não afastam os preceitos da lei, designadamente aqueles que se referem à repartição do ónus da prova, por força dos quais a prova dos factos constitutivos de um direito cabe àquele que o invocar, em juízo ou fora dele.

– Quanto à primeira alegação – nasceu no maior olival do mundo, – o olival onde nasce o azeite Oliveira da Serra tem, actualmente, mais de 10.000 hectares e encontra-se localizado no Alentejo, em três pólos distintos: Ferreira do Alentejo, Elvas e Avis (Docs. 1 a 4).

– A dimensão extraordinária encontra-se amplamente demonstrada nos documentos 1 a 168: do Doc. 5 resulta que, para efeitos de candidatura ao Pedido Único de 2015, foi submetida por sociedades que pertencem ao grupo Elaia/Sovena uma área de olival no total de 8.047,6400ha, e dos Docs. 6 a 168 resulta que sociedades do grupo Elaia/Sovena são proprietárias de prédios rústicos que totalizam uma área aproximada de 9.955,0703ha, sendo que existe ainda uma área significativa de olival, com uma dimensão superior a 2.000ha que é explorada pelas mesmas entidades através de terrenos que são arrendados.

– Da informação disponível ao público resulta que os segundo, terceiro e quarto maiores olivais na Península Ibérica têm, respectivamente, cerca de 5.000 hectares, 2.400 hectares e 2.000 hectares, pertencentes aos grupos económicos que produzem/comercializam, receptivamente, os azeites Innoliva, Belloliva e De Prado (Docs. 169 a 171).

– De acordo com o levantamento levado a cabo pela Requerida, a empresa australiana Boundary Bend Limited detém uma das maiores áreas de olival no mundo, com cerca de 6.000 hectares de olival (Doc. 172).

– De acordo com o levantamento feito pela Requerida com base em informação que se encontra publicamente disponível, não existem olivais de dimensão superior aos anteriormente identificados, seja na Península Ibérica e/ou no resto do mundo.

– A informação de que o grupo Sovena/Elaia tem o maior olival do Mundo tem sido amplamente divulgada em diversos meios de comunicação social, pelo menos desde 2010 (Docs. 2 a 4), não tendo sofrido até à apresentação da Queixa qualquer contestação de terceiros, designadamente da Requerente

– Quanto à segunda alegação, a Requerente queixa-se de que no anúncio sub judice é dito que o azeite Oliveira da Serra nasceu no maior lagar do mundo, mas o que se diz no anúncio é “cresceu no melhor lagar do mundo”,

– Não deve a mesma ser submetida à apreciação deste Júri, sendo absolutamente infundada, nesta parte, a Queixa da Requerida.

– Quanto à terceira e quarta alegações – Conquistou os maiores especialistas em todo o mundo – e – é a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo – o azeite Oliveira da Serra conquistou, de facto, os maiores especialistas em todo o mundo.

– Todos os anos, a organização internacional World’s Best Olive Oils produz o ranking dos melhores azeites do mundo e dos melhores produtores de azeite do mundo com base nos resultados obtidos nos concursos de azeite internacionais mais relevantes e objetivos, que adoptem métodos e standards reconhecidos internacionalmente (Docs. 173 e 174).

– Os rankings são organizados segundo um esquema de pontos consoante a importância dos prémios recebidos (por ex., são atribuídos 5 pontos ao azeite que tenha recebido o primeiro prémio em determinado concurso, 4 ao que tenha recebido o segundo prémio e assim sucessivamente). Adicionalmente, são também atribuídos pontos em função do cumprimento, nos concursos internacionais em causa, de determinadas regras do mais relevante concurso internacional de azeite, o “Mario Solinas Award” do Comité Internacional de Azeite (International Olive Oil Council’s), tais como a recolha de amostras e de documentação por um notário ou entidade equivalente, a selagem dos depósitos de azeite de onde as amostras foram retiradas, o envolvimento de peritos experientes e internacionalmente reconhecidos no painel da competição, etc. (Docs. 173 e 174).

– Os azeites Oliveira da Serra receberam, na campanha 2014/2015, um elevado número de prémios, pelo que os primeiros lugares no ranking dos melhores azeites (Ranking of the World’s Best Olive Oils 2014/2015) conquistados por azeites portugueses pertencem a azeites Oliveira da Serra (Doc. 175).

– Também na campanha 2014/2015, a Requerida ficou em primeiro lugar no ranking dos melhores produtores de azeite do mundo (Ranking of the World’s Best Olive Oil Mills 2014/2015) (Doc. 176).

– As afirmações constantes do anúncio submetidas à apreciação deste Júri são verdadeiras e legítimas, resultando também evidente que a publicidade em causa não recorre a quaisquer ambiguidades, exageros ou falsidades.

Terminou pedindo que fosse negado provimento à queixa e que o processo fosse arquivado.

Juntou 207 documentos para prova do que alegou, os quais se acham nos autos.

A 2ª Secção do JE, pela deliberação que é objecto do presente recurso, entendeu, com base nos fundamentos desta constantes, que:

– Quanto ao ónus da prova, não só à Requerente não “…bastaria questionar a veracidade das alegações apresentadas em campanhas publicitárias para que se pudesse concluir que as mesmas são falsas”, como tal conclusão não resulta do articulado da petição.
– Bastará colocar em causa a veracidade dos claims que integram a comunicação comercial colocada em crise, não impendendo sobre a Requerente – ao contrário do que sustenta a Requerida -, a obrigação de, “… nos termos do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil, para sustentar a sua Queixa e a grave pretensão que nela deduz, provar e demonstrar as alegações que faz, designadamente que a publicidade em causa é enganosa porque (i) existe um olival maior do que o da Requerida e porque (ii) a marca portuguesa de azeite mais premiada e que conquistou os maiores especialistas foi outra que não a Oliveira da Serra”. (sic. art.º 20.º da contestação).

– Foi entendido quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matéria de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. actual n.º 3 do artigo 11.º do Código da Publicidade) nos termos da qual se presumem inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado dos artigos 4.º, 5.º e 12.º do Código de Conduta do ICAP se encontram em consonância, pelo que impende sobre a SOVENA, o ónus da prova das alegações publicitárias em lide.

– A publicidade de tom exclusivo constitui uma modalidade de publicidade que a doutrina estrangeira (maxime a alemã e a espanhola) tem definido como aquela através da qual “o anunciante pretende excluir da posição que ocupa os restantes concorrentes (…) alcançando uma posição superior à dos seus rivais” (vd. Carlos Lema Devesa in “La Publicidad de Tono Excluyente”, Editorial Moncorvo, 1980), limitando-se “a realçar a sua posição de proeminência sem fazer nenhuma referência directa aos seus concorrentes” (vd. Anexo Tato Plaza in “La Publicidad Comparativa”, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A. Madrid, 1996, p.50), o que é o caso objecto da questão controvertida.

Tal originará, de forma implícita, a negação de que as prestações dos concorrentes gozem dessa qualidade ou característica. No caso vertente, a de prestígio. O efeito principal deste tipo de publicidade não consiste, pois, no efeito comparativo, que tem carácter acessório – e que, in casu, não se verifica, atenta a extensão do mercado em causa – , mas sim, na afirmação peremptória de uma posição de proeminência no mesmo mercado, posição essa não alcançada pelos restantes concorrentes em geral.

– Quanto ao claim “nasceu no maior olival do mundo”, a Requerida logrou provar que:
– (i) procedeu à aquisição ou, e, arrendamento de terrenos, num olival de uma extensão aproximada de 10.000 hectares, distribuído por 57 quintas e herdades e constituído por mais de 10 milhões de oliveiras (Cfr. Docs 5 a 168);

– (ii) a empresa australiana Boundary Bend Limited detém uma área de cerca de 6.000 (seis mil) hectares de olival (Cfr. Doc. 172),
mas não juntou aos autos comprovação da superioridade absoluta ínsita ao claim “Nasceu no maior olival do mundo”.

– Quanto aos claims “e conquistou os maiores especialistas em todo o mundo” e “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo”, a SOVENA logrou provar que a marca de azeite Oliveira da Serra conquistou especialistas em todo o Mundo, atento o ter dos Docs. 173.º e 174.º juntos à contestação. Contudo, não apresentou qualquer comprovação que permita demonstrar a veracidade do claim “e conquistou os maiores especialistas em todo o mundo” e isto, por dois motivos: porque não existe um ranking de especialistas em azeite que permita diferenciar os “maiores” dos “menores” (e este sim, poderá ser um facto público e notório), pelo que, em princípio, estar-se-á aqui em presença de uma alegação insusceptível de comprovação; e porque permite fazer crer ao destinatário da mensagem que outras marcas portuguesas não conquistaram os ditos especialistas.

– Quanto à alegação publicitária “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo!”, nenhum dos documentos anexos à contestação permitem fazer prova: (i) de que essas “outras” concorreram às distinções atribuídas, facto que faz resvalar os dois claims em apreço para a susceptibilidade de indução em erro do consumidor médio razoavelmente atento, esclarecido e informado; (ii) de que os prémios recebidos pela marca Oliveira da Serra, de acordo com os docs. 173 e 174 da contestação foram, em termos significativos (atenta a superioridade alegada na comunicação comercial colocada em crise) em maior quantidade do que os atribuídos a outras marcas de azeite portuguesas, por outras quaisquer entidades prestigiadas.

– Quanto à alegação publicitária “cresceu no melhor lagar do mundo”, o lapso cometido pela GALLO não só é desculpável, como se encontra suprido pelo facto de o DOC. 1 da petição, para o qual os articulados da mesma remetem, reproduzir a comunicação comercial em análise, obviamente, com os claims correctos.

– Tal claim não respeita os referidos requisitos, porquanto a compreensão da expressão “melhor lagar” integra parâmetros de índole subjectiva e, logo, insusceptíveis de comprovação. E, de facto, nenhum documento foi junto aos autos com a contestação que a permita.

Concluiu, assim, que a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida, quer considerada pela óptica dos seus claims individuais, quer no seu todo, é susceptível de induzir o consumidor médio em erro quanto à superioridade do prestígio mundial da marca de azeite Oliveira da Serra consubstanciando, assim, uma prática de publicidade enganosa.

E deliberou, a final, no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da SOVENA – veiculada nos suportes televisão e Internet – em apreciação no presente processo – , se encontra desconforme com os artigos 4.º, n.º 1, 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e f) do Código de Conduta do ICAP, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurado pelo JE.

Desta deliberação interpôs a SOVENA recurso para esta Comissão de Apelo.

Na sua douta alegação argumentou, em suma:

– Da regra de que as alegações relativas a factos de uma comunicação comercial devem ser exactas e passíveis de prova perante as instâncias competentes, não pode inferir-se que à Recorrida bastaria colocar em causa a veracidade dos claims que integram a comunicação comercial em apreço, recorrendo a umas “afirmações genéricas”.

– É certo que o Código de Conduta do ICAP e o Código da Publicidade determinam uma inversão do ónus da prova, fazendo impender sobre o anunciante a obrigação de apresentar provas da exactidão material dos dados de facto contidos na publicidade.

– No entanto, a apresentação de qualquer queixa pressupõe — ou deve pressupor, à luz do princípio da boa-fé processual (artigo 8º do Código de Processo Civil) — que haja fundamentos plausíveis para legitimamente se questionar e acusar de falsidade as alegações veiculadas na publicidade objecto da queixa.

O entendimento contrário não só não tem correspondência quer na letra quer no espírito da lei, como fomenta uma prática absolutamente condenável, que é a apresentação de queixas sem qualquer fundamento e com o objectivo único de prejudicar os concorrentes.

– E a verdade é que, in casu, não foi colocada em dúvida, de forma minimamente fundamentada, a publicidade da Recorrente.

– A total ausência de fundamento da Queixa da Recorrida não poderá, assim, deixar de ser valorada pelo Júri de Ética, designadamente na apreciação da prova carreada para os autos pela Recorrente.

– A Recorrente fez prova da veracidade das alegações contidas na campanha publicitária sub judice.

– Quanto à alegação Nasceu no maior olival do mundo o JE considerou como provado que a Sovena explora aproximadamente 10.000 (dez mil) hectares de olival e que a empresa australiana Boundary Bend Limited detém uma área de cerca de 6.000 (seis mil) hectares de olival.

– In casu, não seria possível, porquanto essa informação não se encontra sistematizada a nível internacional, juntar um estudo cabal que comparasse todos os olivais do mundo.

– A Sovena considerou que não se justificava apresentar as dimensões de todos os outros olivais relativamente aos quais há informação publicamente disponível, pelo que carreou para os autos informação e prova sobre a dimensão do olival da empresa que detém uma das maiores áreas de olival no mundo e a dos maiores olivais na Península Ibérica, cujas dimensões são significativamente inferiores aos da Recorrente. Apresentou, assim, as conclusões relevantes da análise comparativa por si levada a cabo.

– E as mesmas não podem deixar de ser apreciadas e valoradas em termos probatórios, pois a Sovena é, naturalmente, possuidora de um conhecimento amplo e profundo do mercado dos azeites a nível mundial.

– Em face dos elementos carreados para os autos, é forçoso também concluir (pelo menos) que a Sovena diligenciou de boa-fé no sentido de apurar que a afirmação em apreço tem o mínimo de plausibilidade.

– Em publicidade, as afirmações de superioridade absoluta não são proibidas, ainda que sejam de prova mais difícil, sendo certo que, em decisões anteriores, o JE não exigiu que a prova apresentada pelo anunciante fosse absolutamente inequívoca.

– Os elementos carreados pela Sovena para os autos, aliados ao conhecimento do mercado e, em particular, da dimensão e características dos maiores olivais do mundo que a Sovena, sendo um dos maiores grupos de azeite do mundo, não poderia deixar de ter, demonstram a sustentabilidade das convicções da Recorrente sobre a veracidade das mensagens comerciais que utilizou.

– A informação de que o grupo Sovena/Elaia tem o maior olival do Mundo, amplamente divulgada em diversos meios de comunicação social, pelo menos desde 2010, não sofreu até à apresentação da Queixa que deu origem ao presente processo, qualquer contestação de terceiros, designadamente da Recorrida.

– Quanto às alegações Conquistou os maiores especialistas em todo o mundo e É a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo, os azeites Oliveira da Serra terem sido, na campanha 2014/2015, os mais premiados nos concursos que uma entidade internacional independente, a World’s Best Olive Oils, considera – com base em critérios objectivos – serem os mais prestigiantes.

– A referida organização internacional produz anualmente o ranking dos melhores azeites do mundo e dos melhores produtores de azeite do mundo com base nos resultados obtidos nos concursos de azeite internacionais mais relevantes e objetivos, que adoptem métodos e standards reconhecidos internacionalmente (cf. Docs. 173 e 174 juntos à Contestação). Trata-se, em síntese, de uma compilação dos resultados das mais relevantes competições internacionais.

– O concurso “Mario Solinas” é considerado e reconhecido por toda a indústria como o mais prestigiante e rigoroso concurso internacional de azeite, sendo o único reconhecido pelo Comité Olivícola Internacional e, como tal, serve como referência na classificação pela World’s Best Olive Oils dos outros concursos internacionais, em função da medida em que os mesmos obedeçam às regras do concurso “Mario Solinas” (cf. Doc. 174 junto à Contestação).

– Os rankings são organizados segundo um esquema de pontos consoante a importância dos prémios recebidos (por ex., são atribuídos 5 pontos ao azeite que tenha recebido o primeiro prémio em determinado concurso, 4 ao que tenha recebido o segundo prémio e assim sucessivamente). Adicionalmente, são também atribuídos pontos em função do cumprimento, nos concursos internacionais em causa, de determinadas regras do mais relevante concurso internacional de azeite, o “Mario Solinas Award” (cf. Docs. 173 e 174 juntos à Contestação).
– Um dos elementos considerados pela World’s Best Olive Oils na elaboração do ranking dos melhores azeites é precisamente a composição do painel de avaliação por peritos em azeite internacionalmente reconhecidos e experientes (“involvement of internationally recognised and trained olive oil experts for the competition panel”) (cf. Doc. 174 junto à Contestação).

– Os primeiros lugares no ranking dos melhores azeites conquistados por azeites portugueses — realizado com base em critérios objectivos, designadamente o número de prémios recebidos e o rigor dos concursos internacionais considerados, sendo ponderada, em concreto, a composição do júri — pertencem a azeites Oliveira da Serra.

– A afirmação de que o azeite Oliveira da Serra conquistou os maiores especialistas em todo o mundo corresponde à verdade.

– No que respeita à alegação “a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo”, perante tal afirmação, o consumidor médio razoavelmente atento, informado e esclarecido poderá concluir (apenas) que a marca Oliveira da Serra foi mais premiada que as suas concorrentes portuguesas, não sendo expectável que tire a conclusão acrescida a que alude a Deliberação, ie. que as outras marcas participaram exactamente nos mesmos concursos – especialmente quando não há nada na afirmação sub judice, absolutamente nada, que promova essa interpretação.

– Nenhum fundamento existe para que seja exigida à Recorrente a prova de que as outras marcas concorreram aos prémios atribuídos à marca Oliveira da Serra.

– Não se percebe o motivo pelo qual se parece exigir que a diferença no número de prémios recebidos pela marca Oliveira da Serra e as outras marcas de azeite portuguesas fosse significativa: bastaria que a marca Oliveira da Serra tivesse recebido apenas mais um prémio que as suas concorrentes para que a alegação fosse verdadeira e legítima.

– Sempre se dirá contudo que da prova apresentada com a Contestação resulta que os prémios recebidos pela marca Oliveira da Serra foram significativamente em maior quantidade do que os atribuídos a outras marcas de azeite portuguesas: a Recorrente recebeu, no ano de 2015, 58 (cinquenta e oito) prémios (cf. Docs. 178 a 207 juntos à Contestação), sendo que, de acordo com a informação divulgada no seu site, a Recorrida recebeu em 2015 um total de apenas 32 (trinta e dois) prémios, atribuídos na América do Norte, na Europa e na Ásia (cf. Doc. 177 junto à Contestação).

– É forçoso concluir que as afirmações (i) conquistou os maiores especialistas em todo o mundo e (ii) Oliveira da Serra é a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo não são suscetíveis de induzir o consumidor em erro, como erradamente se conclui na Deliberação ora em crise, sendo verdadeiras e legítimas.

– Quanto à alegação cresceu no melhor lagar do mundo o JE entendeu dever pronunciar-se sobre o claim “cresceu no melhor lagar do mundo”, não apenas porque considera que o lapso cometido pela Recorrida é desculpável e se encontra suprido, mas também porque se está na presença de auto-regulação – o que foi, nesta parte, uma “decisão-surpresa”, inadmissível à luz do princípio do contraditório.

– Mesmo assim, o Doc. 176 junto à Contestação faz prova de que a Sovena tem o melhor lagar do mundo, conforme resulta de forma mais clara do documento que ora se junta sob o número 1 — cuja junção ao processo se requer considerando que a Recorrente apenas não apresentou tal prova em momento anterior porque o claim em apreço não foi contestado pela Recorrida na sua Queixa.

– Não poderá a Deliberação em crise deixar de ser revogada.

A recorrida GALLO contra-alegou, em síntese, o seguinte:

a) O ónus da prova da veracidade das alegações publicitárias de superioridade absoluta em lide cabe, única e exclusivamente, à Recorrente;
b) A Recorrente não demonstrou, conforme lhe competia, de forma objectiva e concludente, que os claims “o maior olival do mundo!”, “o melhor lagar do mundo!”, “os maiores especialistas em todo o mundo!”, a “marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo!”, não padecem de exageros e ambiguidades;
c) À luz da regra de direito probatório nos termos da qual se presumem inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, não podemos deixar de concluir que a campanha veiculada pela Recorrente é susceptível de induzir o consumidor médio em erro quanto à superioridade do prestígio mundial da marca de azeite de Oliveira da Serra, consubstanciando, assim, uma prática de publicidade enganosa, conforme doutamente decidido na decisão recorrida, que não merece, por isso, qualquer censura.

E terminou a sua douta alegação pedindo que seja negado provimento ao recurso, com as legais consequências.

2 – Questões prévias processuais

Há que abordar duas: a primeira, se a 2ª Secção do JE poderia, ou não, ocupar-se do claim “cresceu no melhor lagar do mundo”, que tão havia sido questionado nesses termos, mas sim, por lapso, como se fosse “cresceu no maior lagar do mundo”; a segunda, se é aceitável a junção aos autos, nesta fase de recurso, do Doc. nº 1.

Trataremos das duas questões em conjunto porque ambas são suscitadas em consequência do mencionado lapso da Queixosa.

Num estrito rigor formalista, o aproveitamento pela deliberação recorrida do tópico relativo ao claim do “lagar”, deveria ser considerado irregular, pois uma coisa é “o maior lagar do mundo” e outra, inteiramente diferente é “o melhor lagar do mundo. As categorias do pensamento que subjazem ao sentido das duas referidas diferentes proposições são bem distintas – a quantidade e a qualidade. E a realidade empírica revela não existir correspondência entre o que é “maior” e o que é “melhor”.

Mas é também evidente que a GALLO, na sua queixa se referia a um dos quatro claims que localizara – o que se reportava ao “lagar”. E que, embora tendo aí invocado e sustentado a irregularidade dum claim de “maior do mundo”, ela se referia ao claim “melhor do mundo”.

Ora o JE do ICAP não tem de reger-se pelo rigor formalista. O formalismo dos processos que aprecia deve ser apenas o quantum satis. Não é bom que resvale para uma preocupação de tão severo rigor, que sobreleve a finalidade do Código de Conduta, a qual diz muito mais respeito à ética do que ao legalismo, e visa uma ética muito mais material do que formal.

Não choca, portanto que, no caso presente, a deliberação recorrida haja aproveitado a queixa suprindo por sua conta o lapso manifesto constante da queixa. Com isso interpretou duma forma razoável o verdadeiro sentido daquele tópico da queixa.

Todavia, como contraponto deste entendimento, a Comissão de Apelo não pode deixar de considerar curial a junção aos autos do doc. nº 1, apresentado na fase de recurso.

O Regulamento do JE do ICAP permite junção de novas provas em fase de recurso «se comprovadamente não puderam ter sido apresentadas perante a Secção» (art. 15º, nº 5).

Ora se a SOVENA não fora confrontada com fundamentos da queixa especificamente relativos ao claim de “melhor lagar do mundo”, e só o foi a partir do aproveitamento desse tópico da queixa, feito na deliberação recorrida por meio da correcção oficiosa do lapso, é forçoso reconhecer que não pudera apresentar prova relativa ao claim assim corrigido.

O dito documento deve pois ser admitido como tempestivo.

3 – Questões de meritis controvertidas

As alegações publicitárias em causa são as mesmas que foram apontadas na queixa (corrigido o já aludido lapso), a saber:

– a) “Nasceu no maior olival do mundo!”;
– b) “Cresceu no melhor lagar do mundo”;
– c) “E conquistou os maiores especialistas em todo o mundo!”;
– d) “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo!”.

O que importa decidir de mérito é se são conformes, ou não, com as normas do Código de Conduta do ICAP e, por remissão deste, da lei, no que toca à prova da sua veracidade e à sua invocada susceptibilidade de induzirem em erro o consumidor.

Abordá-las-emos especificadamente, pois pelo menos a apreciação da matéria de facto o exige.

4 – Matéria de facto relevante para a decisão do recurso

Dos documentos juntos pelas partes, para prova do que alegam, há que salientar os relativos ao primeiro dos claims em causa. São os nºs 1 a 172.

Compulsados os mesmos e visto o que, nesse particular disseram as partes nas suas alegações de recurso, conclui esta Comissão de Apelo:

– é de considerar provado, para este processo, que o grupo em que a azeitona da qual a SOVENA extrai o azeite que produz e comercializa é produzida, pelo menos, em três grandes áreas de olival, nos concelhos de Ferreira do Alentejo, de Elvas e de Avis, pertencentes a empresas do grupo da SOVENA, num total ligeiramente superior a 8 mil hectares.

– deve ser considerado provado que acrescem potencialmente a esse olival mais cerca de 2 mil hectares de prédios rústicos pertencentes ao mesmo grupo, o que perfaz um total de cerca de 10 mil hectares.

– mais deve ser considerado provado, por inferência a partir desses factos, que o azeite promovido pela publicidade em questão é produzido nessas áreas de olival que em conjunto têm mais de 8 mil hectares e poderão mesmo vir a somar cerca de 10 mil hectares.

Mas fica igualmente provado que o dito azeite não nasce num só olival, mas sim em três olivais.

Não pode contudo ser considerado provado que não haja no mundo outro olival que tenha uma área igual ou superior a 10 mil hectares. Não entende esta Comissão de Apelo suficientes para tal prova o conteúdo dos citados documentos, nem designadamente, a afirmação produzida em órgãos da imprensa portuguesa, sem evidência que a baseasse (docs. 2 e 4), de que o olival do grupo SOVENA se tornara no maior do mundo.

No que concerne os outros três claims, entende esta Comissão de Apelo que deve ser considerado provado:

– que a World Best Olive Oils é uma organização que classifica num ranking, pela qualidade, os azeites premiados por instituições credíveis em todo o mundo (doc. 173);

– que esse ranking assenta num método público a aceitável de ponderação de tais prémios e recompensas (doc. 174);

– que é generalizadamente aceite nos meios da especialidade mundiais, o referido ranking como um critério válido para aferir da efectiva qualidade dos azeites (World’s Best Olive Oils) que obtiveram os ditos prémios;

– que o ranking relativo à época 2014-2015, tal como foi publicado, é aceitável para os efeitos mencionados;

– que nesse ranking de 2014-2015, dois produtos de marca Oliveira da Serra, produzidos pela SOVENA, figuram respectivamente no 5º e 7º lugares;
– que no mesmo ranking, sem contar aqueles dois produtos, a marca portuguesa com mais elevada classificação figura em 12º lugar;

– que no ranking referido, a SOVENA ocupa o lugar do melhor lagar de azeite do mundo (World’s Best Olive Oil Mills) – (docs. 176 e doc. 1 junto com a petição de recurso);

– que os detalhes destas classificações se acham documentados nos autos (docs. 177 e segs.).

5 – Apreciação de jure do objecto da questões

Com base nesta matéria de facto, importa abordar as seguintes questões jurídicas.

Ter-se provado que a SOVENA se abastece de olivais do grupo que somam uma área extensa e intensa (mesmo que fossem os 10 mil hectares), não justifica a inferência de que tal área fosse o maior olival do mundo. Não foi prova nem esta Comissão de Apelo dispõe de qualquer informação de que não exista olival maior em toda a superfície da Terra.

Por outro lado, a prova produzida foi de que os olivais do grupo SOVENA são três, e não um só. São distanciados geograficamente, visto que se situam em concelhos que, embora alentejanos, se não tocam (Ferreira do Alentejo, Elvas e Avis).

Ora o primeiro claim posto em causa é que o azeite veiculado nasceu “no maior olival do mundo”.

Nem se prova que no mundo não haja olival maior do que a soma dos referidos três olivais; nem é válida a argumentação da SOVENA quando considera, para base de tal claim, as três áreas como um só olival.

No claim, o “olival” está no singular. E o sentido atribuído à palavra, no singular, pelo consumidor médio não pode deixar de ser o de que o que o impressiona não é a soma jurídica de áreas distantes, mas a extensão duma área num local único, que ele até pode comentar ser “a perder de vista”. É essa a referência da grandeza física do campo cultivado de oliveiras que ele interioriza, quando recebe uma mensagem relativa à dimensão dum olival.

Assim, só se houvesse sido feita prova de que não há no mundo olival maior do que o maior dos três olivais possuídos pelo grupo SOVENA, é que poderia afirmar-se provado o claim em questão.

Ora esta Comissão de Apelo entende que o ónus de provar o claim é de quem apresenta este. Desde que a veracidade deste seja posta em causa perante este JE, em processo e na forma próprios do seu Regulamento, desencadeia-se esse efeito no ónus da prova. Não se torna necessário que se produza qualquer princípio de prova da falta de veracidade. Basta que a dúvida seja posta nos termos regulamentados.

A deliberação recorrida contém uma fundamentação muito bem sucedida desse entendimento, com a qual esta Comissão de Apelo concorda.

Tem pois de entender-se que o claim “nasceu no maior olival do mundo” infringe os preceitos do Código de Conduta do ICAP que foram mencionados na deliberação recorrida, pelo que, quanto a esse ponto a deliberação não deve ser alterada.

Quanto aos outros três outros claims, porém, a prova produzida no processo vai no sentido de considerá-los verdadeiros.

Foi bastante essa prova de que, na época de 2014-2015, que é a última apurada, ou seja, a vigente na actualidade,
– o azeite veiculado

– cresceu no melhor lagar do mundo, pois o lagar da SOVENA foi pela mencionada organização classificado como o melhor do mundo;
– e conquistou os maiores especialistas em todo o mundo, pois as entidades que conferiram os prémios que baseiam o supracitado ranking devem ser considerados neste meios como os maiores especialistas do mundo;
– e “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo.

É certo que não está dita na publicidade qual a época a que se refere essa classificação. Mas o sentido que o consumidor médio pode dar à mensagem publicitária, de ser no último biénio apurado, isto é, na actualidade, é francamente mais provável do que o de considerar um período de vários anos ou de várias décadas, de acumulação desde o arranque da marca, de todos os prémios conseguidos. Este último sentido nem sequer é sugerido pela letra dos claims.

De resto, se em futuro biénio o azeite da SOVENA perder aquela posição do ranking, é de entender que claims iguais aos ora questionados deixarão de ser verazes.

Mas, enquanto o aludido ranking de 2014-2105 estiver em vigor, não pode dizer-se que os ditos três claims não correspondam à verdade.

6 – Decisão

Termos em que decidem dar parcial provimento ao recurso interposto pela SOVENA, confirmando a recorrida deliberação da 2ª Secção do JE do ICAP, no tocante ao claim “nasceu no maior olival do mundo”, mas revogando-a no tocante aos três outros claims, pelo que, quanto a estes, a publicidade questionada da SOVENA pode ser reposta enquanto e na medida em que o justificar a sua posição e a dos azeites publicitados no acima mencionado ranking.».

Lisboa, 16 de Outubro de 2015

Maria do Rosário Morgado
Presidente da Comissão de Apelo

Augusto Ferreira do Amaral
Vice-Presidente Comissão Apelo

Francisco Xavier do Amaral
Vice-Presidente Comissão Apelo

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7J / 2015 :: Unicer Bebidas de Portugal vs. SCC-Soc. Central de Cervejas e Bebidas

7J/2015

Unicer Bebidas
vs.
SCC- Soc. Central de Cervejas e Bebidas

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no sexto dia do mês de Outubro do ano de dois mil e quinze, a Primeira Seção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 7J/2015 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 7J/2015

1.   Objeto dos autos

1.1.   A UNICER BEBIDAS, S.A., adiante designada por Requerente ou UNICER, veio apresentar queixa junto do Júri de Ética Publicitária do ICAP contra a SCC — Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, S.A., adiante designada por Requerida ou SCC, relativamente à comunicação publicitária subsumida na expressão “A Cerveja Oficial do Futebol”, referente à marca “Sagres” e veiculada em suporte televisivo, por violação do disposto nos artigos 4.º, 9.º e 12.º do Código de Conduta do ICAP e nos artigos 10.º, 11.º n.° 1 e 2, alínea c), do Código da Publicidade.

1.2.   Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua contestação.

1.3.   Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e documentos juntos pelas Partes.

1.4.   Síntese das alegações das da Requerente (claims):

“A SCC lançou recentemente uma campanha publicitária à sua marca Sagres, veiculada na televisão em programas e eventos e provas desportivas de futebol, alusiva ao futebol, a qual inclui a frase” A Cerveja Oficial do Futebol” (…)”. Entende a Requerente que “a campanha publicitária em causa, ao identificar a marca Sagres como “A Cerveja Oficial do Futebol” de forma ostensiva consubstancia uma publicidade ilícita, falsa e enganosa, com violação das normas que consagram os princípios da honestidade e da veracidade da publicidade, que proíbem, em especial, a publicidade enganosa”, fazendo crer ao consumidor“ a existência de um reconhecimento “oficial” relativo à marca Sagres que não lhe foi conferido por qualquer instância, organismo ou entidade oficial, (…).”

Mais alega a Requerente a detenção de vários contratos de patrocínio desportivo no âmbito desta modalidade e relativamente a marcas próprias e distintas, embora sem qualquer tipo de demonstração complementar.

Invocando a Requerente a similitude do caso em apreço com o decidido pelo Júri de Ética do ICAP na deliberação relativa ao Processo n.º 18J/2005 e respetivo recurso, remete para as mesmas a fundamentação da sua argumentação, invocando a existência de um dolo intenso por parte da Requerida por advogar agora um comportamento que então criticou quer em sede de júri quer em sede de Comissão de Apelo e que mereceu igualmente a reprovação por parte destes órgãos.

Termina requerendo a ”suspensão imediata da Campanha Publicitária, independentemente dos meios e suportes em que a mesma se venha a apresentar, por manifesta violação do disposto nos artigos 4º, 9° e 12º do Código de Conduta do ICAP e artigos 10º, 11º n.° 1 e 2, alínea c), do Código da Publicidade” e a emissão de advertência à Requerida.

1.5.   Síntese das alegações da Requerida

A Requerida, em contestação, vem alegar que a referida campanha, a decorrer, teve início em 31 de janeiro de 2015 e que, contrariamente ao afirmado na queixa, é veiculada apenas “nos suportes estáticos conhecidos como «linha RED» nos estádios de futebol em que os mesmos estão disponíveis.”

Mais refere que a campanha é realizada no âmbito de “contratos de patrocínio validamente celebrados com as entidades detentoras de tais direitos”.

Contestando a colação à matéria apreciada por este Júri no Processo n.º 18J/2015, vem a Requerida alegar ser o futebol “oficialmente representado em Portugal pela Federação Portuguesa de Futebol, nos termos do n.º 1, do art.º 2.º e a alínea a) do n.º 2 do art.º 2.º dos Estatutos da Federação Portuguesa de Futebol”, e o futebol profissional português representado pela Liga Portuguesa de Futebol Profissional, entidades que celebraram “contratos de patrocínio com a SCC, relativamente à sua marca «sagres», no âmbito dos quais concederam-lhe o direito ao uso exclusivo para o mercado cervejeiro da expressão “A cerveja Oficial” das seleções, competições e/ou torneios de futebol que organizam”, juntando para o efeito declarações:

– doc. 1 – emitente: Liga Portuguesa de Futebol; declara: ”ter atribuído contratualmente a esta para uso exclusivo pela marca SAGRES no mercado cervejeiro em que está inserida, pelo menos os títulos de:- «Sponsor Oficial da Liga Portugal»;- «Sponsor Oficial da LPFP»;- «Sponsor Oficial da Primeira Liga»;- «Sponsor Oficial da Taça da Liga»;- «Sponsor Oficial das Competições Profissionais»;- «Sagres Cerveja Oficial da LPFP»;- «Sagres Cerveja Oficial da Taça da Liga»”

A declaração considera a alegação publicitária em análise como concretizadora do papel que a marca tem tido junto das entidades responsáveis.

– doc. 2 – emitente: Olivedesportos – Publicidade, Televisão e Media, S.A.; declara: ”ter contratualmente autorizado o uso por esta das seguintes expressões relativamente à marca SAGRES:- «Patrocinador Oficial da Seleção Nacional»;- «Patrocinador Oficial da Seleção e/ou das Seleções Nacionais»; e- «Patrocinador Oficial da Seleção Nacional de Sub-21»”.-

doc. 3 – emitente: Federação Portuguesa de Futebol; declara: a autorização para usar as seguintes expressões:“- «Patrocinador Oficial da Seleção Nacional»;- «Produto Oficial da Seleção e/ou das Seleções Nacionais»;- «Produto Oficial da Seleção Nacional de Sub-21»;- «Patrocinador Oficial da prova Supertaça Cândido de Oliveira»;- «patrocinador exclusivo dos 100 anos da FPF»;”- (…);A Requerida considera que, os documentos juntos aos autos comprovam a alegação publicitária sendo “situações de facto e de direito absolutamente distintas das aplicáveis aos “Festivais de Verão” objeto do referido Processo n.º 18J/2005.

Alega a Requerida, ainda, quanto a este ponto, ser “a marca mais espontaneamente associada em Portugal a este tipo de desporto”, juntando, para efeitos de comprovação do nível de associação do consumidor da marca ao desporto, estudos de opinião, pelo que a campanha “não deforma a realidade dos factos ou altera a perceção dos consumidores portugueses quanto ao papel desempenhado pela CERVEJA SAGRES no futebol”.

Termina, requerendo a confirmação da legalidade da alegação publicitária; a confirmação da revogação do n.º 2 do Código da Publicidade e, consequentemente, a não apreciação da situação fática ao abrigo da norma revogada e, em decorrência, o não provimento da claim apresentada.

2.   Enquadramento ético-publicitário

2.1.   Do suporte publicitário

Dada a posição divergente das Partes e não obstante a irrelevância da questão para a solução da lide, que versa sobre a alegação publicitária como tal, entende o Júri, nesta matéria, face ao veiculado aos autos, dever considerar-se que a campanha usou dos suportes estáticos denominados «linha RED», não sendo, no entanto, despiciendo a audiência proporcionada pela transmissão televisiva de imagens de eventos desportivos nos estádios onde estes suportes estão disponíveis.

2.2.   Do caráter enganador da alegação publicitária

Alega a Requerente que a frase aposta pela Requerida no âmbito da campanha em análise “faz crer ao consumidor a existência de um reconhecimento «oficial» relativo à marca Sagres que não lhe foi conferido por qualquer instância, organismo ou entidade oficial, faltando à verdade e enganando os destinatários e os consumidores.

Dispõe o artigo 9.º do Código de Conduta do ICAP, sob a epígrafe “veracidade”, que “A Comunicação Comercial deve proscrever qualquer declaração, alegação ou tratamento auditivo ou visual que seja de natureza a, directa ou indirectamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou ser susceptível de induzir, em erro o Consumidor, designadamente no que respeita a: (…) f) reconhecimento ou homologação oficial, recompensas, tais como a atribuição de medalhas, prémios, diplomas e distinções de natureza similar”.

O Júri não pode deixar de acompanhar o deliberado no Processo n.º 18J/2005 invocado pela Requerente e onde foi apreciada a licitude de uma comunicação publicitária com iguais expressões, reiterando aqui o entendimento que, da forma expressa, a expressão “cerveja oficial” não comporta qualquer ambiguidade, resultando da adjetivação da “cerveja” como “oficial” como tendo sido atribuído pelas autoridades competentes um direito exclusivo, remetendo-se, quanto à análise morfo-semântica da expressão, para o argumentado na dita decisão.

Assim, no caso em apreço, a verificar-se que a expressão “oficial” corresponde a uma utilização não autorizada, e encontrando-se já assente pelo Júri de Ética do ICAP, mediante as deliberações deste e confirmação pela Comissão de Apelo no Processo n.º 18J/2005, que a expressão é suscetível de induzir em erro o consumidor médio quanto à qualidade do anunciante, no sentido de um reconhecimento ou aprovação oficiais, sendo assim determinante de uma decisão de transação, a comunicação comercial em lide poderá consubstanciar uma prática de publicidade ilícita, porque em violação do princípio da veracidade, nos termos do art.º 9.º, n.º 1 e n.º 2, alínea f) do Código de Conduta do ICAP.

Invocando a Requerente o n.º 1 e a alínea c) do n.º 2 do art.º 11.º do Código da Publicidade, refere-se que, não obstante este artigo ter sofrido alterações e a redação invocada já não se encontrar em vigor, como invocado pela Requerida, o enquadramento mantém-se e encontra previsão mediante a remissão do n.º 1 do mesmo artigo para o Decreto-Lei n.º 57/2008, no caso, para a alínea c) do n.º 1 do art.º 7.º, tendo expressa previsão, igualmente, no art.º 9.º n.º 2, alínea f) do Código de Conduta do ICAP.

Note-se que, com a recente alteração a este diploma – promovida pelo Decreto-Lei n.º 205/2015 e publicada no passado dia 23 de setembro – foi aditado um n.º 3 que reforça a ética exigível ao profissional, mediante a expressa qualificação como enganosa da prática comercial que, “que contenha informação falsa ou que, mesmo sendo factualmente correta, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja suscetível de induzir em erro” em relação a determinados elementos, nomeadamente, quanto à “utilização de qualquer afirmação ou símbolo indicativos de que o profissional, o bem ou o serviço beneficiam, direta ou indiretamente, de patrocínio ou de apoio”.

Estando a ação a decorrer, entende o Júri de Ética dever atender também a esta disposição.

Não procede, assim, a pretensão da Requerente no que respeita à não apreciação da situação fática por erro na indicação do enquadramento normativo, dado que, em termos de enquadramento legal, se encontra este Júri afeto, naturalmente, ao Código de Conduta que o rege, sendo ou não o mesmo invocado de forma própria.

O art.º 8.º do Código de Conduta do ICAP estabelece que as alegações publicitárias devem ser suscetíveis de comprovação, vigorando uma presunção de inexatidão relativa às afirmações contidas em mensagens publicitárias, no caso de as provas exigidas não serem apresentadas ou serem insuficientes, conforme o n.º 3 do art.º 11.º do Código da Publicidade.

A Requerida, em contestação, vem invocar a detenção de contratos de patrocínio, alegando que lhe foi conferido pelas entidades responsáveis pela modalidade em Portugal o estatuto de patrocinadora oficial, e o estatuto de “Cerveja Oficial” quanto à marca Sagres, juntando para o efeito as respetivas declarações, já descritas, concluindo pela veracidade das alegações publicitárias em causa.

Compulsados os documentos juntos aos autos, verifica-se que os mesmos atestam apenas a qualidade de patrocinador oficial dos eventos discriminadamente enunciados no ponto 1.5..

Sendo que, valerá também aqui, o entendimento expresso pela Comissão de Apelo no Processo n.º 18J/2005, no sentido de considerar que a expressão “do futebol” – análoga na semântica à então analisada “dos festivais de verão” – encerra um valor absoluto, uma exclusividade relativamente ao conjunto da modalidade, ou seja, em todo e qualquer evento da modalidade desportiva, o que não se verifica.

Entende-se, assim, que a Requerida não fez, nestes autos, como obriga o n.º 2 do art.º 10.º do Código da Publicidade, prova da exatidão daquelas afirmações.

As mesmas, comprovando que a Requerida detém vários contratos de patrocínio desportivo, não comprovam que detenha a qualidade em exclusivo para todos os eventos e ações da modalidade, como decorre da apreciação semântica do termo, já efetuada no Processo n.º 18J/2005 e para cujas deliberações se remeteu.

2.3.   Do contrato de Patrocínio

O Código de Conduta do ICAP, no seu Capítulo II, introduz disposições específicas aplicáveis às comunicações publicitárias emitidas ao abrigo de contratos de patrocínio que relevam para a decisão da lide, atenta a defesa da Requerida.

Nos termos da alínea h) do ponto II da secção B do Código de Conduta do ICAP, o termo “Patrocínio” refere-se a “todo e qualquer acordo comercial pelo qual o Patrocinador, para benefício mútuo, seu e do patrocinado, oferece contratualmente apoio financeiro ou outro, visando estabelecer uma associação entre a imagem, marcas, bens, ou serviços do Patrocinador e o objeto patrocinado, em troca dos direitos de comunicar publicamente esta associação e/ou para garantir determinados benefícios, diretos ou indiretos, que tenham sido objeto de acordo.”

Sem dúvida que o patrocínio desportivo é aquele que mais releva em termos económicos, sendo de referir que o Código de Conduta do ICAP segue a regulamentação produzida no plano internacional pela Câmara de Comércio Internacional (“Code on Sponsorship”).

Ora, nos termos do Código de Conduta do ICAP, art.º B1, o patrocínio, para além de se basear nas obrigações legais e contratuais estabelecidas pelo contrato de patrocínio, deverá ser identificado como tal e seguir os ditames da boa-fé.

O artigo B8, por seu turno, estabelece, em nome da ética que “Sempre que (…) coexistam diversos Patrocinadores, as partes devem usar os seus melhores esforços para que se estabeleçam claramente os direitos, limites e obrigações respectivos de cada um dos Patrocinadores, aqui se incluindo, além do mais, os detalhes de qualquer exclusividade”.

Assim, as alegações publicitárias deverão ser detalhadas, i.e. rigorosas, evitando ações ou omissões suscetíveis de alterar de forma desleal o equilíbrio entre as contribuições dos diferentes Patrocinadores.

Refira-se, ainda, que entendendo o Júri de Ética que a Requerente não juntou documentação comprovativa do alegado quanto à detenção de contratos de patrocínio, não se provando assim a situação de patrocínio múltiplo, sabendo-se ser esta uma situação comum no sponsoring desportivo, o rigor e detalhe aqui exigido conforma-se ao sentido de responsabilidade social e profissional e o princípio da leal concorrência estabelecidos pelo Código de Conduta no seu art.º 4.º.

Por outro lado, entende-se que os documentos juntos pela Requerida não permitem concluir pela atribuição oficial de um direito exclusivo sobre todos os eventos da modalidade desportiva, facto que por si só leva a que a alegação publicitária seja inexata e, como tal, suscetível de indução em erro.

No entanto, retira-se do art.º B4 do mesmo Código a relevância da perceção do consumidor quando à mensagem veiculada.

A primeira exigência para considerar uma determinada publicidade como enganosa é que esta derive de uma mensagem com carácter enganador, sendo certo que o engano relevante não se cinge às falsas afirmações, abrangendo também as afirmações que embora não sejam falsas, possam induzir em erro o consumidor. Neste contexto, o sentido captado pelo consumidor médio poderá ser relevante.

É também a tese da Requerida que junta, para o efeito, estudos de opinião realizados com o objetivo de medir a notoriedade da marca.
No entanto, também aqui se dirá que ser patrocinador da modalidade não é o mesmo que ser o único patrocinador, pelo que a existência de uma perceção de notoriedade da marca por parte da audiência e de que a mesma patrocina eventos desportivos não invalida a suscetibilidade da alegação publicitária em análise poder incutir na mesma audiência a perceção de patrocinador absoluto e exclusivo.
É assim, suscetível de induzir em erro.

2.4.   Do dolo

Não obstante a Requerente invocar uma atitude dolosa por parte da Requerida, a possibilidade de indução em erro é suficiente para qualificar uma publicidade como enganosa, isto porque a Lei não exige o animus decipiendi (intenção de enganar). Não compete, assim, a este Júri a emissão de juízos de valor quanto a intenções como pretende a Requerente.

3.   Decisão 

Assim, entende este Júri que a Requerida, surgindo associada a muitos eventos desportivos, não detém um direito exclusivo sobre a modalidade desportiva, mostrando-se que a campanha publicitária com a alegação “Sagres a cerveja oficial do futebol” viola o princípio da veracidade previsto no art.º 10º do Código da Publicidade, bem como os art.ºs 4.º e 9.º do Código de Conduta do ICAP, devendo cessar de imediato caso tal não tenha ainda sucedido e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipos de ilícito apurado pelo JE.».

A Primeira Seção do Júri de Ética do ICAP

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6J / 2015 :: Gallo Worldwide vs. Sovena Portugal

6J/2015

Gallo Worldwide
vs.
Sovena Portugal

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no décimo oitavo dia do mês de Setembro do ano de dois mil e quinze, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 6J/2015 tendo deliberado o seguinte:

Processo nº 6J/2015

1. Objecto dos Autos 

1.1.   A GALLO WORLDWIDE, LDA., (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por GALLO ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a SOVENA PORTUGAL – CONSUMER GOODS, S.A. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por SOVENA ou Requerida), relativamente a comunicação comercial à marca de azeite “Oliveira da Serra”, promovida pela última nos suportes televisão e Internet – tal, por alegada violação dos artigos 9.º, n.º 2, alíneas a) e f) e 12.º do Código de Conduta do ICAP.

1.2.   Notificada para o efeito, a SOVENA apresentou a sua contestação.

Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.

1.3. Questão prévia

1.3.1. Refere a SOVENA em sede de contestação que a GALLO alega na sua queixa que “…no anúncio sub judice é dito que o azeite Oliveira da Serra nasceu no maior lagar do mundo…” (sic. art.º 41.º) e que “… a alegação em causa a que a Requerida se refere não é feita em momento algum no anúncio em causa, conforme resulta evidente da mera audição do mesmo” (sic. art.º 42.º) esclarecendo que, “…o que se diz no anúncio é “cresceu no melhor lagar do mundo”, afirmação esta que não é contestada pela Requerente nem objecto da sua Queixa, pelo que, muito embora a mesma corresponda à verdade e seja legítima, sobre a Requerida não incide o ónus demonstrar nesta sede a sua veracidade” (sic. art.º 43.º) e que, “… não sendo a alegação “cresceu no maior lagar do mundo” apresentada no anúncio em análise, não deve a mesma ser submetida à apreciação deste Exmo. Júri, sendo absolutamente infundada, nesta parte, a Queixa da Requerida.” (sic. art.º 44.º).

Analisado o conteúdo da comunicação comercial em lide, entende o Júri assistir razão à Requerida. (Cfr. Doc. 1 em CD-ROM junto à petição). Com efeito, a artigos 3.º, 11.º, 12.º e 13.º da queixa, invoca a Requerente a desconformidade do claim “cresceu no maior lagar do mundo” com o quadro ético-legal em matéria de princípio da veracidade, não constando este da peça publicitária objecto dos autos. Assim, não cumpre a JE debruçar-se sobre a alegada desconformidade.

1.3.2. Sustenta ainda a Requerida na sua contestação que, “…em 2010 a Requerente utilizou uma técnica publicitária muito semelhante àquela de que agora se vem queixar — as alegações de “superioridade absoluta”, reproduzindo-se aqui a expressão reiteradamente utilizada pela Requerente na sua Queixa — precisamente para publicitar o seu azeite Gallo, recorrendo à expressão “Gallo o melhor azeite do mundo” (cf. anúncio publicitário da Gallo que se junta à presente Contestação)” (sic. art.º 65.º) concluindo que, “A sua queixa não pode, em razão disso, deixar de ser configurada como uma conduta contraditória: um venire contra factum proprium violador do princípio da boa-fé e por isso mesmo merecedor de particular censura por parte deste Exmo. Júri de Ética, que não deixará de aferir também à luz desta circunstância a legitimidade da presente Queixa.” (sic. art.º 66.º).No que a esta questão concerne, constitui entendimento do JE o de que qualquer eventual “censura” teria que ter sido produzida em sede própria, ou seja, no âmbito de uma denúncia específica junto do ICAP e sob condição de ausência de comprovação da veracidade das alegações de superioridade referidas, denúncia essa que não teve lugar. Por motivos por demais óbvios -. os quais, por razões de economia, o Júri se absterá de elencar -, nunca a legitimidade da presente queixa poderia ser aferida “à luz” da circunstância alegada pela SOVENA.

1.4. Dos factos

1.4.1. Das alegações publicitárias ou claims

Considerando a totalidade da comunicação comercial divulgada nos suportes televisão e Internet (cfr. DOC. 1 da queixa), resulta da análise das peças processuais e dos documentos juntos pelas Partes serem as seguintes, as alegações publicitárias ou claims objecto da questão controvertida:
– (i) “Nasceu no maior olival do mundo!”;
– (ii) “Cresceu no melhor lagar do mundo”;
– (iii) “E conquistou os maiores especialistas em todo o mundo!”;
– (iv) “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo!”.

1.5. Das alegações das Partes

1.5.1. Considera a GALLO, em sede de petição, que a campanha publicitária da responsabilidade da SOVENA – por virtude dos claims de superioridade da mesma constantes – ofende os normativos éticos em vigor em matéria de princípio da veracidade nas comunicações comerciais concluindo, em síntese, que, “…caberá à SOVENA, em resposta à presente denúncia, apresentar ao ICAP a competente comprovação (sic. art.º 32.º) e que, “Tal comprovação deverá abranger toda a extensão da alegação publicitária em causa, isto é: a. Deve comprovar que comparou o seu olival e o seu lagar com todos os lagares e olivais utilizados no mercado mundial; b. Deve comprovar que determinou quais são os melhores especialistas em todo o mundo e que tais especialistas preferem Oliveira da Serra; c. Deve comprovar que comparou os prémios recebidos pelas várias marcas de azeite portuguesas e que obteve mais prémios do que todas e quaisquer outras marcas.” (sic. art.º 33.º), “Pois só assim podem fundamentar as alegações de superioridade absoluta.” (sic. art.º 34.º).

1.5.2. Contestando a denúncia da GALLO, vem a SOVENA defender a ética e a legalidade subjacentes à sua comunicação comercial, juntando para tal duzentos e sete documentos, considerando demonstrar que as afirmações constantes do anúncio submetidas à apreciação do Júri são verdadeiras e legítimas e que resulta também evidente que a publicidade em causa não recorre a quaisquer ambiguidades, exageros ou nem é susceptível de induzir o consumidor em erro. (Cfr. art.º 65.º da contestação).

2.   Enquadramento ético-legal

2.1. Do ónus da prova

Alega a SOVENA em sede de contestação que “…a Requerente parece laborar num (…) erro relativamente ao ónus da prova, escudando-se para tanto no disposto no Artigo 12º do Código de Conduta do ICAP” (sic. art.º 17.º), para concluir que “…desta disposição não se pode inferir — como a Requerente conveniente mas erradamente parece fazer — que ao queixoso bastaria questionar a veracidade das alegações apresentadas em campanhas publicitárias para que se pudesse concluir que as mesmas são falsas!” (sic. art.º 17.º).

Com a devida vénia, contrapõe o Júri que:
– não só à Requerente não “…bastaria questionar a veracidade das alegações apresentadas em campanhas publicitárias para que se pudesse concluir que as mesmas são falsas”, como tal conclusão não resulta do articulado da petição. Atenda-se, designadamente, ao teor do respectivo art.º 34.º;
– porém, bastará colocar em causa a veracidade dos claims que integram a comunicação comercial colocada em crise, não impendendo sobre a mesma Requerente – ao contrário do que sustenta a Requerida -, a obrigação de, “… nos termos do artigo 342º, n.º 1, do Código Civil, para sustentar a sua Queixa e a grave pretensão que nela deduz, provar e demonstrar as alegações que faz, designadamente que a publicidade em causa é enganosa porque (i) existe um olival maior do que o da Requerida e porque (ii) a marca portuguesa de azeite mais premiada e que conquistou os maiores especialistas foi outra que não a Oliveira da Serra”. (sic. art.º 20.º da contestação).

Num aspecto concorda o Júri com a SOVENA. De facto, “…o Código de Conduta do ICAP, assim como os de outros organismos de auto-regulação, evidentemente não afastam os preceitos da lei…” (sic. art.º 21.º da contestação). Exactamente por esta razão, dispõe-se no artigo 4.º, n.º 1 daquele Código, sob a epígrafe “Princípios Fundamentais” que, “Todas as comunicações comerciais devem ser legais, decentes, honestas e verdadeiras” (negrito e sublinhado do JE) sendo que, de acordo com o artigo 5.º do mesmo Código, as mesmas devem “…respeitar os valores, direitos e princípios reconhecidos na Constituição e na restante legislação aplicável”.

Ora, foi entendido quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matéria de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. actual n.º 3 do artigo 11.º do Código da Publicidade) nos termos da qual se presumem inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado dos artigos 4.º, 5.º e 12.º do Código de Conduta do ICAP se encontram em consonância, pelo que impende sobre a SOVENA, o ónus da prova das alegações publicitárias em lide.

Com efeito, nos termos do referido artigo 12.º, “As descrições, alegações ou ilustrações relativas a factos verificáveis de uma comunicação comercial, devem ser susceptíveis de comprovação” (1) e “Esta comprovação deve estar disponível de maneira que a prova possa ser prontamente apresentada por mera solicitação do ICAP”. (2).

Por outro lado, como decerto a Requerida compreenderá, tal entendimento, em contexto, não se encontra arrepiado na decisão do processo 2J/2001 do ICAP (Recurso – Ausónia & Arbora e Johnsons).

De onde, ao contrário do defendido pela SOVENA em sede de contestação, não caberia à GALLO apresentar qualquer “…prova que infirme – ou que ponha sequer em dúvida – os factos referidos na publicidade da Requerida ou que demonstre a susceptibilidade de indução em erro do consumidor”, bastando as alegadas “…afirmações genéricas” (sic. art.º 24.º), as quais, aliás, no entender do Júri, não serão tão “genéricas” quanto isso. (Cfr. art.ºs 4.º, 6.º, 17.º, 20.º a 23.º, 26.º a 28.º e 32.º a 42.º da petição).2.2. Da prática de publicidade de tom exclusivo
As alegações “Nasceu no maior olival do mundo!”, “E conquistou os maiores especialistas em todo o mundo!”, “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo!”, com inclusão do claim “cresceu no melhor lagar do mundo” (Cfr. DOC. 1 junto à petição) – quer consideradas individualmente, quer por referência à percepção que o destinatário terá do seu conjunto – constituem um caso de publicidade de tom exclusivo, na medida em que são de molde a afirmar uma posição de proeminência e isolamento da marca em relação a todas as outras marcas de azeite do Mundo, sendo que tal supremacia, no caso da alegação isolada “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo!” se reporta, somente, às marcas portuguesas.

Com efeito, a publicidade de tom exclusivo constitui uma modalidade de publicidade que a doutrina estrangeira (maxime a alemã e a espanhola) tem definido como aquela através da qual “o anunciante pretende excluir da posição que ocupa os restantes concorrentes (…) alcançando uma posição superior à dos seus rivais” (vd. Carlos Lema Devesa in “La Publicidad de Tono Excluyente”, Editorial Moncorvo, 1980), limitando-se “a realçar a sua posição de proeminência sem fazer nenhuma referência directa aos seus concorrentes” (vd. Anxo Tato Plaza in “La Publicidad Comparativa”, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A. Madrid, 1996, p.50), o que é o caso objecto da questão controvertida.

Tal originará, de forma implícita, a negação de que as prestações dos concorrentes gozem dessa qualidade ou característica. No caso vertente, a de prestígio. O efeito principal deste tipo de publicidade não consiste, pois, no efeito comparativo, que tem carácter acessório – e que, in casu, não se verifica, atenta a extensão do mercado em causa – , mas sim, na afirmação peremptória de uma posição de proeminência no mesmo mercado, posição essa não alcançada pelos restantes concorrentes em geral.

Assim sendo, e em conformidade com o que se expendeu no ponto anterior em matéria de inversão do ónus da prova, cumpre ao Júri averiguar a bondade da apresentada pela Requerida, por referência à observância do disposto nos artigos 4.º, n.º 1, 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e f) e 12.º do Código de Conduta do ICAP, entendimento que não se considera prejudicado pela razão que assiste à Requerida, quanto ao alegado nos art.ºs 4.º e 8.º da sua contestação no sentido de que, e respectivamente:

– “inexiste qualquer norma que imponha que os anúncios publicitários apresentem ou remetam para provas que sustentem os factos nos mesmos referidos.” (sic).

– “A publicidade deve, naturalmente, ser verdadeira e os factos referidos nas comunicações comerciais devem ser susceptíveis de demonstração; no entanto, as provas dos mesmos não têm de ser – nem podem sê-lo em muitos casos – apresentadas nos próprios anúncios.” (sic).

2.3. Da bondade da prova apresentada pela SOVENA

2.3.1. Do claim “nasceu no maior olival do mundo!”;
Analisados os 207 documentos juntos à contestação, entende o Júri que a Requerida logrou provar que:

– (i) procedeu à aquisição ou, e, arrendamento de terrenos, num olival de uma extensão aproximada de 10.000 hectares, distribuído por 57 quintas e herdades e constituído por mais de 10 milhões de oliveiras (Cfr. Docs 5 a 168);

– (ii) a empresa australiana Boundary Bend Limited detém uma área de cerca de 6.000 (seis mil) hectares de olival (Cfr. Doc. 172).

Ponderado o teor dos mesmos documentos, de par com as alegações da Requerida em sede de contestação de art.ºs 37.º e 40.º, constitui posição do JE que a SOVENA não juntou aos autos comprovação da superioridade absoluta ínsita ao claim “Nasceu no maior olival do mundo!”, porquanto:

(i) se, de acordo com o alegado “…levantamento feito pela Requerida com base em informação que se encontra publicamente disponível, não existem olivais de dimensão superior aos anteriormente identificados, seja na Península Ibérica e/ou no resto do mundo” (sic. art.º 37.º da contestação), tal levantamento e tal informação “publicamente disponível” deveriam ter sido juntos aos autos com um estudo comparativo, já que qualquer um dos dois está bastante longe de configurar um facto público notório;

– (ii) a prova junta com a contestação quanto à dimensão do olival da empresa australiana Boundary Bend Limited acima referida (cfr. Doc. 172) e a qual a SOVENA toma como referência de alegada superioridade invocando a art.º 36.º da contestação tratar-se de “uma das maiores áreas de olival no mundo” (mais uma vez, como tal se tratasse de um facto público e notório) não é de molde a comprovar que Oliveira da Serra “Nasceu no maior olival do mundo!”. Com efeito, “feitas contas”, seria necessária a comprovação de que a Boundary Bend Limited é possuidora do segundo maior olival do mundo…;

– (iii) Por maioria de razão é irrelevante em termos de prova exigível da veracidade do claim “Nasceu no maior olival do mundo”, quer o alegado a art.º 35.º da contestação no sentido de que “da informação disponível ao público resulta que os segundo, terceiro e quarto maiores olivais na Península Ibérica têm, respectivamente, cerca de 5.000 (cinco mil) hectares, 2.400 (dois mil e quatrocentos) hectares e 2.000 (dois mil) hectares, pertencentes aos grupos económicos que produzem/comercializam, respectivamente, os azeites Innoliva, Belloliva e De Prado” (sic.), quer o teor dos Docs. 169 a 171 da mesma contestação. De facto, a SOVENA não se coloca numa posição de supremacia somente em relação ao mercado da Península Ibérica;

– (iv) Por último, e em coerência com que se acabou de concluir, quaisquer reportagens veiculadas através da comunicação social em que se refira que a SOVENA detém o maior olival do Mundo, as mesmas, não fundadas ou desacompanhadas dos necessários estudos comparativos (cfr. Docs 2 a 4 da contestação) não constituirão prova do claim “Nasceu no maior olival do mundo”. Tal, com contestação ou sem contestação de terceiros. (Cfr. art.º 39.º).

Pelo exposto, conclui o Júri que a alegação publicitária em apreço constitui uma prática de publicidade enganosa quanto a um elemento determinante para o prestígio da marca Oliveira da Serra, por desconformidade com o disposto nos artigos 9.º, n.ºs 1 e 2 e 12.º do Código de Conduta do ICAP.

2.3.2. Dos claims “e conquistou os maiores especialistas em todo o mundo!” e “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo!”

2.3.2.1. Sustenta o Júri que os dois claims ora considerados são indissociáveis em termos semânticos. Com efeito, para o destinatário da comunicação social, – entendido este de acordo com a acepção amplamente divulgada – os respectivos significados apresentam uma zona de intersecção, por virtude de a “conquista de especialistas”, in casu, decorrer de prémios atribuídos.

Sem prejuízo do que ora afirma, entende o JE que a SOVENA logrou provar que a marca de azeite Oliveira da Serra conquistou especialistas em todo o Mundo, atento o ter dos Docs. 173.º e 174.º juntos à contestação. Contudo, não apresentou qualquer comprovação que permita demonstrar a veracidade do claim “e conquistou os maiores especialistas em todo o mundo!” e isto, por dois motivos:

– (i) Em primeiro lugar, tal como alega a Requerente a art.º 17.º da queixa não existe um ranking de especialistas em azeite que permita diferenciar os “maiores” dos “menores” (e este sim, poderá ser um facto público e notório), pelo que, em princípio, estar-se-á aqui em presença de uma alegação insusceptível de comprovação e, deste modo, desconforme com o quadro ético-legal em matéria de princípio da veracidade nas comunicações comerciais. Com efeito, nenhum dos documentos juntos aos autos pela SOVENA permitem comprovar que os especialistas que atribuíram prémios e distinções à marca Oliveira da Serra são “os maiores especialistas em todo o mundo”;

– (ii) Em segundo lugar, a alegada “conquista” de par com o claim “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo!” permite fazer crer ao destinatário da mensagem que outras marcas portuguesas não conquistaram os ditos especialistas, tendo sido preteridas, como melhor se discorrerá no ponto seguinte, atenta a intersecção entre claims que ficou referida.

2.3.2.2. No que concerne à alegação publicitária “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo!”, nenhum dos documentos anexos à contestação permitem fazer prova:

– (i) de que essas “outras” concorreram às distinções atribuídas, facto que faz resvalar os dois claims em apreço para a susceptibilidade de indução em erro do consumidor médio razoavelmente atento, esclarecido e informado;

– (ii) de que os prémios recebidos pela marca Oliveira da Serra, de acordo com os docs. 173 e 174 da contestação foram, em termos significativos (atenta a superioridade alegada na comunicação comercial colocada em crise) em maior quantidade do que os atribuídos a outras marcas de azeite portuguesas, por outras quaisquer entidades prestigiadas.

Ora, no que tange à primeira das considerações que se acabaram de tecer, entende o JE dever pronunciar-se de forma mais aprofundada, o que passa pelo perfil que se deve entender como destinatário da publicidade em análise. (Cfr. artigos 3.º, n.ºs 2, 3 e 5 do Código de Conduta do ICAP).

Em coerência com decisões anteriores, continua o Júri a sustentar que, quanto a tal definição, se deve aceitar a jurisprudência comunitária do Tribunal de Justiça sobre o quadro de interpretação da Directiva 84/50/CEE consignada no Acórdão proferido no Processo C-220/98, no qual se declarou que “para se determinar se uma denominação, marca ou indicação publicitária é ou não enganosa, se deve ter em conta a presumível expectativa de uma consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido (v.g. Acórdão de 16 de Julho de 1988, Gut Springenheide e Tusky, C-210/96, Colec., p I-4657, n.º 31)”.

Ora, entende o JE que a alegação “Oliveira da Serra, a marca portuguesa de azeite mais premiada do mundo!”, considerada no conjunto das restantes alegações publicitárias (cf. ponto 1.4.1.) é susceptível de induzir em erro o consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido. Na realidade, colocado perante a mensagem publicitária, existe a susceptibilidade de aquele concluir que, de entre as várias marcas de azeite portuguesas, é a Oliveira da Serra, a marca mais premiada do mundo!” e que, logo, todas as outras ou, pelo menos, as mais conhecidas, não o foram (como bem se intui pelo que a própria Requerida refere a SOVENA a 14.º e 58.º  da contestação), sendo que a alegada premiação por parte dos maiores especialistas de todo o mundo” é, naturalmente, um factor evidente para a supremacia da sua credibilidade.

Com efeito, “premiar” implica “distinguir” e, esta palavra, do latim distinguere significa, “diferenciar; separar; discriminar; divisar; (..) tornar notável; notar diferenças; preferir; dar distinção; salientar-se; diferenciar-se” (cit. Augusto Moreno in Dicionário Complementar da Língua Portuguesa, Editora Educação Nacional, 7.ª Ed., Porto, 1961) não confundir; diferençar. Separar; estabelecer diferença. Fazer distinção.” (cit. José Pedro Machado in Dicionário da Língua Portuguesa, Edições Dom Quixote, 2000).

Dito de outra forma ser “distinguido” – no contexto da alegação publicitária em apreço -, significa ser escolhido, separado, diferenciado, discriminado, preferido, salientado ou não confundido com outro ou outros. Aqueles cuja prova de que concorreram aos prémios atribuídos, não foi produzida pela SOVENA.

2.3.3. Da legitimidade da alegação publicitária “cresceu no melhor lagar do mundo”

Constitui posição do JE que os claims objecto da questão controvertida carecem de comprovação esta, por referência, mais uma vez, à característica de tom exclusivo que ficou referida e que deve ser aferida no contexto da totalidade da comunicação comercial.

Ora, refere a SOVENA em sede de contestação que a GALLO alega na sua queixa que “…no anúncio sub judice é dito que o azeite Oliveira da Serra nasceu no maior lagar do mundo…” (sic. art.º 41.º) e que “… a alegação em causa a que a Requerida se refere não é feita em momento algum no anúncio em causa, conforme resulta evidente da mera audição do mesmo” (sic. art.º 42.º) esclarecendo que, “…o que se diz no anúncio é “cresceu no melhor lagar do mundo”, afirmação esta que não é contestada pela Requerente nem objecto da sua Queixa, pelo que, muito embora a mesma corresponda à verdade e seja legítima, sobre a Requerida não incide o ónus demonstrar nesta sede a sua veracidade” (sic. art.º 43.º) e que, “… não sendo a alegação “cresceu no maior lagar do mundo” apresentada no anúncio em análise, não deve a mesma ser submetida à apreciação deste Exmo. Júri, sendo absolutamente infundada, nesta parte, a Queixa da Requerida.” (sic. art.º 44.º), no que o Júri concordou em sede de questões prévias.

Contudo, o lapso cometido pela GALLO não só é desculpável, como se encontra suprido pelo facto de o DOC. 1 da petição, para o qual os articulados da mesma remetem, reproduzir a comunicação comercial em análise, obviamente, com os claims correctos.

Assim sendo, e também porque se está aqui em presença de auto-regulação, entende o JE dever pronunciar-se sobre o claim “cresceu no melhor lagar do mundo”.

Quanto a este, dir-se-á que parece ser um ponto incontroverso, o de que à luz do quadro ético-legal em matéria do princípio da veracidade das comunicações comerciais, quaisquer alegações de superioridade face à concorrência devem incidir sobre factos passíveis de serem verificados ou, dito de outra forma, passíveis de comprovação. Logo, objectivos.

Ora, crê o Júri que o claim “cresceu no melhor lagar do mundo” não respeita tais requisitos, porquanto a compreensão da expressão “melhor lagar” integra parâmetros de índole subjectiva e, logo, insusceptíveis de comprovação. E, de facto, nenhum documento foi junto aos autos com a contestação que a permita.

2.4. Conclusão

Pelo exposto, entende o JE que a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida, quer considerada pela óptica dos seus claims individuais, quer no seu todo, é susceptível de induzir o consumidor médio em erro quanto à superioridade do prestígio mundial da marca de azeite Oliveira da Serra consubstanciando, assim, uma prática de publicidade enganosa.

3. Decisão

Termos em que a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da SOVENA – veiculada nos suportes televisão e Internet – em apreciação no presente processo – , se encontra desconforme com os artigos  4.º, n.º 1, 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e f) do Código de Conduta do ICAP, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurado pelo JE.

A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP

Auto Regulação6J / 2015 :: Gallo Worldwide vs. Sovena Portugal
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4J / 2015 – Recurso :: ANIL vs. FIMA OLÁ – Produtos Alimentares e Unilever Jerónimo Martins e FIMA OLÁ-Produtos Alimentares e Unilever Jerónimo Martins vs. ANIL

4J/2015
Recurso

 

ANIL
vs.
FIMA OLA – Produtos Alimentares e Unilever Jerónimo Martins
E
FIMA OLA – Produtos Alimentares e Unilever Jerónimo Martins
vs.
ANIL

 

COMISSÃO DE APELO

Proc. n.º 4J/2015

Recorrente:
ANIL – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS INDUSTRIAIS DE LACTICÍNIOS”

versus:

“FIMA OLÁ – PRODUTOS ALIMENTARES, SA.”
“UNILEVER JERÓNIMO MARTINS, LDA.”

E

Recorrente:
“FIMA OLÁ – PRODUTOS ALIMENTARES, SA.”
“UNILEVER JERÓNIMO MARTINS, LDA.”

versus:
“ANIL – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS INDUSTRIAIS DE LACTICÍNIOS

I- RELATÓRIO

Ambas as partes, identificadas nos autos, por um lado ANIL – Associação Nacional dos Industriais de Lacticínios, adiante designada apenas por “ANIL”, e pelo outro OLÁ – Produtos Alimentares, SA., e Unilever Jerónimo Martins, Lda, adiante designadas apenas por “OLÁ”, recorrem para esta Comissão de Apelo da Deliberação da 2ª Secção do JE proferida em 13 de Julho de 2015, no particular em que cada uma se não considera conformada com tal deliberação, no âmbito do processo acima referenciado.

1 – Síntese da tramitação deste processo

O processo teve início com uma queixa apresentada pela ANIL, relativa a comunicação comercial promovida pela OLÁ nos suportes rotulagem, televisão, internet e linear de supermercado, pela qual

Contestou a OLÁ, argumentando, em suma, que

A 2ª Secção do JE, pela deliberação que é objecto dos presentes recursos, decidiu, com base nos fundamentos dela constantes.

No essencial distinguiu entre três espécies de comunicação que estão em causa no presente processo:

1 – a veiculada em suporte televisão e Internet;
2 – a veiculada em suporte embalagem;
3 – a veiculada em suporte linear de supermercado.

Quanto à primeira, entendeu que os claims denunciados na queixa eram: i) a imagem de caracol visual feito com o produto, que estaria associada exclusivamente à manteiga; ii) a afirmação “Derrete-te com o novo creme vegetal Flora”; iii) a afirmação “Agora com mais leite dos Açores”; e iv) a afirmação “Agora com 15% de leite dos Açores”. Destes claims a deliberação recorrida considerou desconformes com as normas aplicáveis apenas as duas últimas, uma vez que «apesar de a FIMA OLÁ ter apresentado prova bastante de que utiliza leite em pó magro dos Açores (cfr. DOC. 1 junta à contestação), não logrou comprovar a veracidade dos claims “Agora com mais leite dos Açores” e “Agora com 15% de leite dos Açores”.

Quanto à segunda deliberou a Secção recorrida «no que concerne à embalagem da FLORA» «não existir qualquer desconformidade com o quadro ético-legal em matéria de comunicações comerciais» nem «com a decisão da Comissão de Apelo proferida no âmbito do Processo n.º 4J/2014 do ICAP». Isto porque entendeu que, quanto a aposição de informações obrigatórias ao consumidor na embalagem da Flora em causa, não se está «em presença de publicidade».

Quanto à terceira das espécies de comunicação, a deliberação ora recorrida decidiu «que um linear de supermercado que possua uma alegação publicitária como «Porquê manteiga?» e disponha as várias unidades de um só creme vegetal (a Flora) juntamente com marcas de manteiga (cfr. DOCS. 35 a 38, juntos à petição) está a comunicar o dito creme vegetal como se de manteiga se tratasse.» E, sendo a Requerida responsável por tal colocação, não tendo provado que tivesse recomendado o contrário, isso constitui publicidade enganosa pela qual responde.

O sentido da deliberação foi o corolário destes fundamentos.

Desta deliberação interpuseram, primeiro a ANIL e depois a OLÁ, recurso para esta Comissão de Apelo.

Alegaram doutamente as recorrentes, a saber:

A recorrente ANIL:

«4.1 – A indicação “Leite magro reconstituído (15%)” constitui um juízo de valor, uma alegação “criativa” que visa promover a Flora com “15% de leite dos Açores”, o que é aliás confessado pelas Recorridas na “comunicação de acatamento” enviada ao ICAP no passado dia 20 de Julho de 2015.

4.2 – Não tendo as Recorridas demonstrado a exactidão da indicação “Leite magro reconstituído (15%)”, a mesma presume-se falsa e é, portanto, susceptível de induzir em erro o consumidor médio, em infracção do disposto nos nºs 1, 2 e 4 do artigo 7º do Regulamento (EU) nº 1169/2011.

4.3 – O regime especial estabelecido pelo Regulamento (UE) 1308/2013, de 17 de Dezembro prevalece sobre o regime geral das alegações nutricionais sobre alimentos estabelecido pelo Regulamento (CE) nº 1924/2006, sendo de resto igualmente posterior a este.

4.4 – Não sendo a manteiga uma matéria-prima de base da Flora, nem sequer um ingrediente usado no seu fabrico, qualquer indicação à manteiga e / ou às suas características e propriedades veiculada em qualquer embalagem ou outro suporte relativo da Flora é simplesmente proibida, nos termos do disposto na Parte III do Anexo VII ao Regulamento (UE) nº. 1308/2013.

4.5 – As Recorridas não provaram a conformidade do formato de letra, em função da dimensão real das embalagens, pelo que se deve presumir que as menções inseridas em geral na embalagem, nomeadamente a denominação de venda, a lista de ingredientes e os demais elementos nominativos comunicados, são igualmente susceptíveis, por este motivo, de induzir em erro o consumidor médio, em infracção do disposto nos nºs 1, 2 e 4 do artigo 7º do Regulamento (EU) nº 1169/2011.

4.6 – O comportamento comercial das Recorridas, de que é sintomático quer o incumprimento reiterado das decisões da Comissão de Apelo do ICAP, quer a “comunicação de acatamento” enviada ao ICAP no passado dia 20 de Julho de 2015, visam (continuar) a romper a barreira normativa existente entre manteiga (produto lácteo) e margarina (produto não lácteo), de modo a incrementar o valor do creme vegetal para barrar a 79% e o seu retorno económico. Não se pode todavia publicitar este produto com a indicação a manteiga e às características comparadas da manteiga com a Flora veiculada na respectiva embalagem (artigo 78º do Regulamento (UE) 1308/2013 de 17 de Dezembro).

4.7 – A comunicação comercial da nova Flora, aposta na embalagem da Flora, nomeadamente as indicações combinadas “Agora com mais Sabor”, “LEITE magro reconstituído (15%) ”, “Manteiga” (bem como a indicação das suas características comparadas) e o tamanho de letra utilizado em geral, infringem também os princípios da veracidade e da honestidade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 4°, nºs 1 a 3, 7º nº 1, 9º nºs 1 e 2 aI. a), todos do CCICAP, art.º 7° nº1 aI. b) do DL 57/2008 de 26 de Março, artigos 10° nº 1, 11° nº 1, ambos do Código da Publicidade, devendo ser deliberada a cessação imediata do seu uso em qualquer suporte comercial relativo à Flora.»

A recorrida OLÁ:

«O Júri de Ética não deixou de se pronunciar sobre todas as questões que tinha para apreciar, pelo que a decisão não padece de qualquer nulidade, designadamente omissão de pronúncia.
A decisão proferida, nessa parte, não merece qualquer espécie de
censura devendo, assim, ser confirmada.»

A recorrente OLÁ:

a) os fundamentos da decisão recorrida não encontram apoio na lei e no Código de Conduta do ICAP;

b) dos factos enunciados e, mais ainda, da lista de ingredientes constante da embalagem, o que decorre é que os claims não só são verdadeiros como não carecem sequer de comprovação;

c) a própria queixosa não põe em causa a veracidade daquelas menções;

d) o JE não podia ter deixado de fazer uso do disposto no artigo 12º do Código de Conduta e não, como fez, proibir imediatamente a divulgação dos filmes publicitários, apenas porque não se fez prova da veracidade das menções;

e) o JE devia ter sido dada oportunidade às recorrentes de fazer essa prova;

f) a decisão recorrida ao proibir a divulgação imediata dos filmes publicitários, apenas porque não se fez prova da veracidade das menções “Agora com mais leite dos Açores” e “Agora com 15% de leite dos Açores”, violou o disposto nos artigos 4.º, 7.º, 9.º e 12º do Código de Conduta do ICAP, 5.º e 7.º, n.º 1, alínea b), do D.L. 57/2008, de 26 de Março, e artigos 6º a 13º do Código da Publicidade.

A recorrida ANIL:

1 – As indicações “Agora com mais leite dos Açores” e “Agora com 15% de leite dos Açores” são ilícitas pelas mesmas normas que proíbem a entrega de “leite magro reconstituído” como leite para beber – artigo 78º, n.ºs 1, alínea c) e n.º 2 do Regulamento (EU) n.º 1308/2013 e Parte IV do Anexo VII.

2 – As Recorrentes não indicam, nem fizeram qualquer prova, de que usam o leite no fabrico da Flora; muito menos que o produto Flora incorpora 15% de leite dos Açores.

3 – As indicações “Agora com leite dos Açores” e “Agora com 15% de leite dos Açores“ são ilícitas porque a designação “leite” não constitui qualquer dos ingredientes do produto Flora, nem qualquer destes ingredientes identifica aquela designação “leite”, conforme é exigido pelo disposto no nº 6 da Parte III do Anexo VII do Regulamento (UE) n.º 1308/2013.

4 – As indicações “Agora com mais leite dos Açores” e/ou “Agora com 15% de leite dos Açores” sugerem fortemente a percepção de que o produto Flora contém um teor substancial de matéria gorda láctea, claramente superior ao valor máximo de 2% legalmente permitido, e a uma origem que efectivamente não possui.

5 – A indicação “leite magro reconstituído (15%)” é incorrecta e enganosa; não identifica os diferentes ingredientes usados na sua produção (i.e. o leite magro em pó e a água corrente) e os respectivos percentuais de incorporação, conforme o disposto no artigo 2º, alínea f) e no artigo 9º, nº1, alínea b) do Regulamento (UE) nº 1169/2011, de 25 de Outubro de 2011.

6 – Como exemplarmente se notou na decisão anterior da Comissão de Apelo, não pode publicitar-se um produto não lácteo dando destaque às características essenciais de um produto lácteo.
A comunicação comercial da nova Flora ofende os princípios da veracidade e da honestidade, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 4°, nºs 1 a 3, 7º nº 1, 9º nºs 1 e 2 aI. a), todos do CCICAP, artigo 7° nº1 aI. b) do DL 57/2008 de 26 de Março, e artigos 10° nº 1, e 11° nº 1 do Código da Publicidade.»

Terminaram as recorrentes pretendendo desta Comissão de Apelo:

A recorrente ANIL:
«deve o presente recurso ser julgado procedente, alterando-se parcialmente a douta decisão recorrida nos termos peticionados, deliberando-se em consequência:

a) A cessação imediata de divulgação a indicação “Leite magro reconstituído (15%)”, não devendo a mesma ser reposta;

b) A cessação imediata de divulgação da indicação “manteiga”, bem como da indicação de características ou propriedades da manteiga, em qualquer suporte da comunicação comercial da Flora, não devendo a mesma ser reposta;

c) A cessação imediata de divulgação da indicação “Agora com mais SABOR” sob a tira de manteiga enrolada, em qualquer suporte da comunicação comercial da Flora, não devendo a mesma ser reposta; e a cessação imediata de divulgação de quaisquer indicações na embalagem Flora em tamanho de letra menor que o tamanho legal mínimo exigido, não devendo a mesma ser reposta.»

A recorrente OLÁ:

que deve ser «revogada parcialmente a decisão recorrida, permitindo-se que as recorrentes continuem a comunicação comercial relativa ao produto FLORA, nos suportes televisão e internet, utilizando os filmes com as menções “Agora com mais leite dos Açores” e “Agora com 15% de leite dos Açores”».

Não se suscitam questões prévias processuais e esta Comissão de Apelo entende que, sendo o mesmo o litígio, na fase de recurso em que se acha, os dois recursos podem ser decididos conjuntamente.

Verifica-se outrossim que nenhuma das partes recorreu da parte da deliberação que julgou a dita publicidade no linear de supermercado desconforme com diversas normas aplicáveis, pelo que não haverá que versar tal problemática nesta Comissão de Apelo. Sempre se dirá, no entanto, que esta entende acertados o sentido e a fundamentação, nesse particular, da deliberação recorrida.

Estão pois em causa três questões fundamentais, que adiante se enunciarão e abordarão.

2 – Matéria de facto assente relevante para a decisão do recurso

Cumpre enunciar os factos apurados sem controvérsia, que se consideram mais relevantes para decidir sobre essas questões.

Numa das laterais da embalagem de 500g da nova Flora e na base inferior da embalagem de 250g, consta a lista de ingredientes nos seguintes termos: «Ingredientes: óleo de girassol, matérias gordas vegetais (palmaesterarina e gordura de palmiste em proporções variáveis), água, LEITE magro reconstituído (15%), sal (1,8%), LEITELHO, emulsionantes (lecticina, mono e diglicéridos de ácidos gordos), conservante (sorbato de potássio), regulador de acidez (ácido cítrico), aromas, vitamina A, vitamina D e corante (betacaroteno)».
O produto em causa não contém gordura láctea.

Por baixo da denominação de venda do creme vegetal Flora, insere-se uma tabela com três quadros simétricos, com as seguintes indicações “Valores médios por 100g” (no 1º quadro), “Por porção 10g” (no 2º quadro) e “Manteiga por porção 10g” (no 3º quadro).
Em anúncios na televisão e na internet têm sido usados, relativamente a este produto, os claims “Agora com 15% de leite dos Açores” e “Agora com mais leite dos Açores”.

Na tampa da embalagem da nova Flora consta um selo representando um “caracol” aparentemente feito com o produto e, por baixo, a legenda “Agora com mais sabor”.

Além destes factos, há porém ainda um cujo apuramento merece especial atenção, visto como é matéria que se mantém controversa.

Deverá, ou não, ser considerado provado, no âmbito do presente processo, que a nova Flora em causa contém 15% de leite dos Açores?

A ANIL sustenta que não, porque o “leite magro reconstituído” não é leite, porque «as Recorrentes não indicam, nem fizeram qualquer prova de que usam o leite no fabrico da Flora e muito menos de que o produto Flora incorpora 15% de leite dos Açores», e porque «a Flora é um creme vegetal para barrar a 79% sem qualquer gordura láctea».

A OLÁ sustenta que está provado, por documento anexo à sua contestação da queixa que o produto em questão contém leite em pó produzido nos Açores, e que a ANIL não pôs em causa a veracidade das menções da lista de ingredientes constantes da embalagem, pelo que não teve necessidade de provar tal veracidade; que, no entanto tal prova consta de um documento que juntou agora, na fase de recurso, a saber, uma declaração do Bureau Veritas com sede em Paris, pelo seu perito de Lisboa.

Nessa declaração lê-se que, «efetuada uma amostragem aleatória com o objetivo de validar os pressupostos da especificação de produto e respetivas instruções de fabrico, para a fase aquosa», «do produto Flora 250g no dia 16-07-2015, confirmamos que os valores de dosagem dos ingredientes está conforme a referida especificação devidamente aprovada pelo Diretor Fabril. Observámos a introdução de todos os ingredientes tendo sido confirmada a origem dos mesmos.»

Nos termos do nº 5 do art. 15º do Regulamento do Júri de Ética do ICAP, «apenas serão admitidas novas provas se comprovadamente não
puderam ter sido apresentadas perante a Secção».

Ora a dosagem dos ingredientes do produto não tinha inicialmente sido questionada. O que, sim, fora posto em causa, desde a queixa, era se aquilo que na lista dos ingredientes era chamado “leite” poderia ser assim designado.

Só em face da deliberação recorrida é que esse esclarecimento se tornou necessário.

Por outro lado, a ANIL não se opôs à junção deste documento, nesta fase e nada disse contra o seu conteúdo na sua contra-alegação.

Esta Comissão de Apelo entende portanto que o dito documento é oportuno e susceptível de ser levado em conta para efeitos da presente deliberação.

Deve portanto ser dado como provado que o produto em causa contém 15% de um ingrediente a que a OLÁ chama “leite”.

E também, porque tal se conclui do doc. 1 junto com a contestação da queixa, que esse ingrediente tem por base leite em pó originário dos Açores.

Resta saber se tal designação é correcta. Mas essa é uma questão de jure, que será versada adiante.

3 – Apreciação jurídica do objecto da queixa

Com base nesta matéria de facto, importa abordar as seguintes três questões jurídicas:

– devem ser declaradas contrárias às normas aplicáveis as indicações eventualmente inverídicas ou susceptíveis de induzir o consumidor em engano, que constam apenas das indicações obrigatórias insertas na rotulagem do produto em questão?

– devem ser declarados contrários a essas normas os claims “Agora com 15% de leite dos Açores” e “Agora com mais leite dos Açores”, por não ter sido feita prova da sua veracidade?

– ainda que hajam sido feita tal prova, deverá a publicidade que reside nesses claims ser considerada enganosa, por induzir o consumidor na falsa ideia de que o produto em causa é um produto lácteo?

3.1 – O Júri de Ética do ICAP não tem nem deve ocupar-se, por princípio, de questões relativas à rotulagem das embalagens. Há um corpo de normas legislativas que à rotulagem dizem respeito e a apreciação da conformidade de quaisquer embalagens com tais normas fica, como tal, fora do âmbito do ICAP.

O Código de Conduta do ICAP, conforme o nº 1 do seu art. 1º, «aplica-se genericamente ao conjunto da Publicidade e de outras formas de Comunicação Comercial destinadas à promoção de um qualquer tipo de bem ou serviço».

E a alínea b) do seu art. 2º contém a seguinte definição:

«a expressão “Comunicação Comercial” abrange a Publicidade bem como outras técnicas, tais como promoções, patrocínios e marketing directo e deve ser interpretada de forma lata de modo a poder designar toda a comunicação produzida directamente, por ou em representação de um operador de mercado, que pretenda essencialmente promover Produtos ou influenciar o comportamento dos Consumidores».

O Júri de Ética apenas tem competência para decidir sobre matéria de rotulagem na medida em que, no caso concreto, ela seja directamente usada para publicidade ou para outras formas de promoção dos produtos; na medida em que seja, em si, essencialmente, uma forma de promover produtos.

Ora não é esse, manifestamente, o caso sub judice. Os rótulos das embalagens dos produtos cuja publicidade aqui é discutida são rótulos vulgaríssimos, do tipo dos usados pela generalidade dos produtos e comerciantes dos produtos alimentares.

E como já foi decidido em caso anterior e muito bem se expõe na deliberação ora recorrida, as informações do tipo das que constam dos rótulos das embalagens ora questionados só serão aptas a propiciar quaisquer juízos de valor promocionais junto do destinatário quando, cumulativamente,

– possuam um destaque não obrigatório por lei e

– resvalem para o conceito de publicidade por via duma associação verbal e/ou visual com claims que lhe alterem o significado.

Não podem ser apreciadas, portanto, por esta Comissão de Apelo, as questões que digam respeito à correcção ou legalidade dos rótulos do produto Flora, a que o presente litígio diz respeito.

Não quer isto dizer que a matéria de facto relativa aos ditos rótulos não seja porventura relevante para a decisão do pleito. Somente, a sê-lo, é apenas para efeitos de se confrontar com o conteúdo deles a publicidade ao produto feita noutra sede – que não no próprio rótulo.

Nada tem a decidir, portanto, esta Comissão de Apelo, quanto às numerosas alegadas incorrecções ou ilegalidades dos rótulos das embalagens invocadas na queixa que deu origem ao presente processo.
Nesse particular deliberou bem a 2ª Secção do JE.

3.2 – Entrando na segunda questão acima enunciada, cabe abordar os claims “Agora com 15% de leite dos Açores” e “Agora com mais leite dos Açores”

Aqui, sim, já o que está em causa é a publicidade e não a rotulagem.
Mas, sublinhe-se neste caso, assim como, no silogismo da apreciação jurídica da sua correcção, a premissa menor não contém a decisão sobre questão de saber se o rótulo está correcto, também não contém apenas a resolução da questão de saber se os claims usados conferem com os enunciados no rótulo. Os claims devem não só conferir com as indicações constantes dos rótulos, como também com a realidade dos ingredientes que entram no produto. A realidade, à qual deve corresponder as afirmações feitas na publicidade, não é somente uma realidade formal, afirmada na rotulagem. Deve ser também a realidade material, ainda que discrepante da que é indicada pelos rótulos.

O principal problema que neste particular se suscita foi atrás levantado a propósito da matéria de facto: será que deve entender-se que o leite em pó, mesmo depois de reconstituído, deve considera-se “leite”, para efeito das afirmações publicitárias?

É que, se não puder, então os claims “Agora com 15% de leite dos Açores” e “Agora com mais leite dos Açores” não correspondem à realidade. E serão publicidade enganosa. Isto porque ficou provado que o ingrediente em causa foi leite em pó originário dos Açores.

Há que abordar a dúvida, quer à luz do sentido que hipoteticamente é captado pelo destinatário – neste caso o consumidor médio – quer à luz de eventuais preceitos legais que imponham determinado sentido ao termos e às expressões

Quanto ao sentido que na realidade lhe é atribuído em Portugal:

Há abundantemente no mercado português produtos alimentares como chocolates ou gelados, apresentados e anunciados como contendo “leite” e até sendo “de leite”, cujo ingrediente lácteo decisivo é leite em pó reconstituído.

O sentido que o consumidor médio atribui à afirmação de que um produto “contém leite”, não implica que se trate unicamente de leite líquido, “leite para beber”. Esta Comissão entende que na ideia de “leite”, para o consumidor médio, além do leite para beber, se incluem o leite magro, o leite em pó ou o leite reconstituído.

Assim, um claim do tipo de “com 15% de leite” ou “com mais leite”, não deve, por si só, ser considerado enganoso à luz da semântica predominante da comunicação com o consumidor médio.

Quanto às normas legais:

A lei, como sustenta a ANIL, impõe certos requisitos para que um produto possa ser posto à venda como “leite de consumo” ou “leite para beber”. Assim é, efectivamente, como se vê pelos preceitos por ela citados do Regulamento (UE) nº 1308/2013, de 17 de Dezembro de 2013, do Parlamento Europeu e do Conselho.

E pela matéria de facto apurada se verifica que vários desses requisitos não são satisfeitos no produto em causa.

Porém tal proibição diz apenas respeito ao leite para beber. Não ao leite como ingrediente minoritário de um qualquer género alimentício. Como componente dum outro produto alimentar, nomeadamente dum creme, nada se descortina naquele Regulamento que vede a possibilidade de chamar “leite” ao leite reconstituído a partir de leite em pó magro. Além do mais pelo raciocínio a contrario sensu.

Não será acertada, portanto, a conclusão de que um produto como a Flora em questão, não possa, por lei, indicar que contém leite, quando contém leite em pó reconstituído. Até porque, conforme resulta de vários preceitos do Regulamento (UE) nº 1169/2011, de 25 de Outubro de 2011, do Parlamento Europeu e do Conselho, as indicações sobre o ingrediente leite, feitas nos rótulos das embalagens daquele produto, parecem devidas.

3.3 – Finalmente – última questão de jure – deve entender-se que o produto em causa se apresenta na publicidade em causa como um “produto lácteo”’, com o que estaria a contrariar o princípio da veracidade?

Quanto aos claims “com 15% de leite e “com mais leite”, já se definiu o entendimento desta Comissão de Apelo.
Acrescente-se agora, somente, que se entende que tais afirmações não implicam a ideia, nem se descortina que pretendam inculcá-la, de que seja o produto em causa, seja a gordura deste, sejam “lácteos”. Tal não é dito nem, ao que parece a esta Comissão de Apelo, insinuado.

Resta saber se o selo fotocopiado nos autos, representando um “caracol” aparentemente feito com o produto e, por baixo, a legenda “Agora com mais sabor”, tem tal efeito.

Não se afigura. Nem o próprio selo em si, que não contém qualquer alusão a “leite” ou a “lácteo”, nem sequer as associações, que a ANIL invoca, ao histórico da publicidade deste produto, nem a imagem do “caracol” de creme, sugerem que se trate de produto lácteo. E a afirmação “Agora com mais sabor” ainda que pudesse sustentar-se que, associada à expressão “leite dos Açores”, não aponta para que se trate dum produto lácteo. Isto ainda que o “sabor” que seja percepcionado por muitos seja o sabor a leite. Só se o sabor a leite fosse exclusivo dos produtos lácteos – o que se entende não ser o caso.

4 – Decisão

Termos em que decidem negar provimento ao recurso interposto pela ANIL e conceder provimento ao recurso interposto pela OLÁ, revogando a ordem constante da deliberação da 2ª Secção do JE do ICAP, acima mencionada, de que cessasse a publicidade do produto em causa visada na queixa, salvo na parte da publicidade que era veiculada pelo linear de supermercado, que se mantém interdita pelos fundamentos e nos termos da referida deliberação.

Lisboa, 6 de Agosto de 2015

Auto Regulação4J / 2015 – Recurso :: ANIL vs. FIMA OLÁ – Produtos Alimentares e Unilever Jerónimo Martins e FIMA OLÁ-Produtos Alimentares e Unilever Jerónimo Martins vs. ANIL
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5J / 2015 :: Pessoa Singular vs. Portucel Soporcel

5J/2015

Pessoa Singular
vs.
PORTUCEL SOPORCEL

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no vigésimo oitavo dia do mês de Julho do ano de dois mil e quinze, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 5J/2015 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 5J/2015

1. Objecto dos autos

A pessoa singular identificada nos autos (adiante indiscriminadamente abreviada por denunciante, queixosa ou requerente) veio, por intermédio da ASA – Advertising Standards Authority, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante abreviada e indiscriminadamente designado por Júri ou JE) apresentar queixa contra a PORTUCEL SOPORCEL (adiante abreviada e indiscriminadamente designado por PORTUCEL, denunciado ou requerido), por lhe ter sido negado um prémio no âmbito duma campanha promocional do papel da marca NAVIGATOR comercializado por esta última e constante do seu sítio da internet.

1.1. Notificado para o efeito, a PORTUCEL não apresentou qualquer contestação.

1.2. Dão-se por reproduzidos a queixa e documentos juntos à mesma, todos na língua inglesa, a saber: reprodução dum mail cujo assunto é identificado como “RE:Congratulations” e o regulamento concursal.

1.3. Síntese da Queixa

1.3.1. Vem a queixosa a sua petição dizer, em síntese, o seguinte:• The competition was advertised on packs/reams of Navigator paper November and December 2014;• (…) complain about not recieving my prize from an On pack Navigator Paper promotion (…) there were 500 ipad mini’s to win and it closed on 31st January 2015.• (…) you could apply for a “no purchase necessary” code throught the website, and this is what I did. I entered the code and got the congratulations screen. I then recieved a congratulations email with the verification code. Unfortunately, I am unable to access the winning email. After a great deal of delay, I recieved an email saying they could not trace me as a winner, and that anyway, I would have to produce a paper ream wrapper to claim (…)

1.3.2. Na resposta, reproduzida pelo queixoso, que a PORTUCEL terá dado, é referido:• (…) we were checking what might have happened. The fact is that we don’t have you in our listo f winners and your verification code is diferente from the ones we send to our winners. Furthermore, as you can see in the rules of our promotion, to be a valid winner you need to send us the ream wrapper with the winning code, a copy of your ID and the confirmation email taht you recieved right after your winning participation and we didn’t recieve it yet (…)

1.3.3. Resumindo-se a queixa, no essencial, à existência dum concurso e duma possível mensagem ou prática comercial enganadora.

2. Enquadramento ético-publicitário

O Júri tem a sua competência material circunscrita à apreciação da publicidade e comunicações comerciais, não podendo, nem devendo, pronunciar-se sobre questões de natureza diversa, designadamente contratuais, que as Partes poderão, querendo, a qualquer momento, suscitar junto doutras instâncias como sendo os tribunais ou, no caso de pessoas singulares e em situações transfronteiriças, junto de mecanismos alternativos de resolução de conflitos como sendo os CEC ou Centros Europeus do Consumidor.

2.1. Dos factos e seu enquadramento

Atentos os elementos disponibilizados para apreciação do JE, há que tecer algumas considerações no que toca à prática comercial que a queixa chama à colação.

Desde logo, dizer que, nos termos da lei nacional e comunitária, declarar que se organiza um concurso ou uma promoção com prémio, sem entregar os prémios descritos ou um equivalente razoável, assim como como descrever o bem ou serviço como «grátis», «gratuito», «sem encargos» ou equivalente, se o consumidor tiver de pagar mais do que o custo indispensável para responder à prática comercial e para ir buscar o bem ou pagar pela sua entrega, são consideradas práticas comerciais enganosas em qualquer circunstância (cf. art. 8º, alíneas x) e z) do decreto lei nº 57/2008, de 26 de março).

No domínio da autorregulação, as práticas de promoção de vendas, pela sua importância também merecem um tratamento normativo cuidado.

Com efeito, o Código de Conduta do ICAP estabelece não apenas como regra geral que “As promoções de vendas devem ser concebidas de forma a permitirem ao beneficiário identificar com clareza e facilidade as condições e termos da oferta. Deve ter-se o cuidado de evitar exagerar o valor do benefício adicional, assim como também não se deve encobrir ou dissimular o preço do produto principal.” (cf. Artigo A2) como, ainda, desenvolve com detalhe (cf. Artigo A5) a forma como deve ser feita a apresentação aos beneficiários.

I – Informação aos participantes

1. As promoções de vendas devem ser apresentadas de forma a assegurar que os seus beneficiários, antes da decisão de aquisição, estão conscientes ou têm meios para estarem conscientes de todas e quaisquer condições que de alguma forma possam afectar a sua decisão de compra.

2. A informação deve conter, sempre que for relevante:

a) instruções claras sobre o método de obter ou participar na oferta promocional, por exemplo as condições para se obterem os benefícios adicionais ou para participarem nos prémios de jogo;

b) principais características dos benefícios adicionais oferecidos;

c) qualquer prazo fixado para aproveitar a oferta promocional;

d) quaisquer restrições à participação (por exemplo relacionadas com questões geográficas ou etárias), disponibilidade dos benefícios adicionais ou quaisquer outras limitações de stocks. No caso desta oferta disponível ser limitada, os beneficiários devem ser adequada e devidamente informados das medidas previstas para as substituições alternativas ou reembolsos;

e) o valor de um vale ou selo oferecido, quando uma alternativa em numerário seja possível;

f) quaisquer despesas envolvidas, incluindo custos de tratamento e expedição e as condições de pagamento;

g) o nome completo e morada do promotor e a indicação do local para onde devem ser endereçadas as queixas ou reclamações (caso este endereço seja diferente do indicado pelo promotor).

II – Informações sobre prémios de jogo

Sempre que uma promoção de venda implique um prémio de jogo, aos destinatários deve, previamente à participação e independentemente da aquisição do produto principal, ser fornecida ou disponibilizada, se solicitada, a seguinte informação:

a) quaisquer normas relativas às condições de elegibilidade de participação na promoção do concurso;

b) quaisquer custos associados à participação, para além dos custos de comunicação em tarifa normal ou reduzida (mail, telefone, etc.);

c) o número, valor e natureza dos prémios a serem concedidos e se uma alternativa em numerário está prevista como substituição do prémio;

d) no caso de um concurso de talentos, a natureza do concurso e os critérios de apreciação de candidatos;

e) o procedimento de selecção para atribuição de prémios;

f) a data de encerramento do concurso;

g) a data e modo de divulgação dos resultados;

h) a eventual obrigação do beneficiário de pagar taxas ou impostos como consequência da obtenção do prémio;

i) o período fixado para a reclamação de prémios;

j) sempre que deva existir um júri, a sua composição;

k) qualquer intenção de utilizar os vencedores ou contribuições vencedoras, em actividades posteriores.

Sendo este contexto o normativo de fundo, é importante que o JE se cinja à queixa concreta que foi apresentada, veiculada pelo denunciante por intermédio da ASA.Nela, destacamos as afirmações de que o queixoso participou, por intermédio do website, na modalidade sem compras que estaria prevista e que o email comunicando a vitória já não estava acessível.

Constata o JE que, não se encontram visíveis as datas das comunicações em causa (do “e-mail intitulado “Re Congratulations” e do e-mail resposta da denunciada) e que o regulamento anexo aponta, efetivamente, para um conjunto de procedimentos de validação.

A mensagem/prática questionada não tem suporte ou demonstração para além da que é afirmada na queixa.

O Júri tem ciente, tal como o seu próprio Regulamento o assume, que, ao nível de prova e construção da queixa, não é exigível ao consumidor, ademais transfronteiriço, que estruture, detalhe e comprove os factos que alega dum modo preciso e profissional.

Aliás, o ónus da comprovação da veracidade das afirmações constantes nas mensagens recai sobre o anunciante, considerando-se inexatos se, sendo pedidos, não forem apresentadas provas ou estas forem insuficientes (cf. art. 22º do Decreto-Lei nº 57/2008).

Contudo, o JE entende ser necessário que o processo que lhe é submetido – nele incluindo a queixa e os documentos juntos e, existindo, a contestação e os documentos anexos – possua elementos sólidos e suficientes para que, de forma séria e credível, possa fazer uma apreciação.

No caso concreto, os documentos anexos e o teor da queixa deixam de dúvidas quanto à mensagem/prática veiculada, à data da mesma e ao seu próprio enquadramento.Na realidade, para efeitos de aplicação do diploma das práticas comerciais desleais, inexiste uma decisão de contratar baseada na alegada mensagem/prática e, para aferir sobre a suscetibilidade da mensagem/prática distorcer de maneira substancial o comportamento económico do consumidor seu destinatário seria fundamental aceder a elementos complementares que não figuram no processo.

Nestes termos, em virtude dos factos alegados e elementos juntos não serem suficientes para que o Júri possa apreciar a queixa com segurança e concluir hialinamente sobre a existência, ou não, duma prática violadora do Código de Conduta, resta ao Júri decidir pela inexistência de indícios de desconformidade da prática comercial, entendida no seu todo, com o disposto no Código de Conduta do ICAP e no Decreto-Lei nº 57/2008, de 28 de março.

O Júri sublinha que, uma vez que o cerne da sua apreciação são as campanhas publicitárias/comunicações comerciais do ponto de vista da ética publicitária, não promove a resolução individual de litígios de natureza contratual podendo as Partes, se assim o entenderem, suscitar e discutir eventuais danos e, ou, prejuízos contratuais junto das instâncias judiciais ou extrajudiciais competentes.

3. Decisão

Nestes termos, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, delibera no sentido da improcedência da queixa apresentada.».

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2J / 2015 – Recurso :: Henkel Ibérica Portugal vs. Unilever Jerónimo Martins

2J/2015
Recurso

 

Henkel Ibérica Portugal
vs.
Unilever Jerónimo Martins

 

COMISSÃO DE APELO

 

Proc. n.º 2J/2015

Recorrente:
“HENKEL IBÉRICA PORTUGAL, UNIP., LDA.”

versus:

“UNILVER JERÓNIMO MARTINS, LDA.”

 

I- RELATÓRIO

HENKEL Ibérica Portugal, Unipessoal, L.da, identificada nos autos, adiante abreviadamente designada por “HENKEL”, parte contrária de UNILEVER Jerónimo Martins, L.da, identificada nos autos, adiante abreviadamente designada por “ULJM”, recorre para esta Comissão de Apelo da Deliberação da 2ª Secção do JE proferida em 19 de Junho de 2015, no âmbito do processo acima referenciado.

1 – Síntese da tramitação deste processo

O processo teve início com uma queixa apresentada pela ULJM, que visando uma campanha publicitária da marca Persil, sobre um produto detergente em cápsulas, denominado Novo Persil Power Mix Caps, da responsabilidade da HENKEL, feita através de suporte televisivo em vários canais, conforme documento junto pela queixosa.

O anúncio em causa utiliza uma criança em posição destacada em imagem, argumento e narração.

Nele se afirma que o produto em causa é o primeiro detergente do mercado que junta gel e pó. E é apresentado como uma “mistura revolucionária”, conotada na sequência duma fantasia a abrir o anúncio, proclamada com entusiasmo pela criança, em jogo informático – uma mãe fictícia, “mãe do futuro”, com “três pernas e quatro braços”, que “pode jogar ao computador o tempo que quiser”

E nele se faz publicidade comparativa, reclamando-se a cápsula publicitada de “melhor cápsula do mercado”, ao mesmo tempo que numa espécie de gráfico de cinco cápsulas, quatro das quais implicitamente identificáveis com produtos concorrentes, em que na coluna do meio se destaca o produto publicitado que evolui por forma tal que essa coluna sobe destacadamente em relação às demais.

A ULJM questiona legalidade da utilização da criança, uma vez que tem dúvidas de que exista relação directa entre o produto anunciado e as crianças.

Sustenta que a afirmação de prioridade no mercado da mistura do gel tira-nódoas com potenciador em pó não corresponde à verdade e tal é um “exagero inadmissível”, porque, segundo ela, não foi a HENKEL quem introduziu internacionalmente no mercado tal tipo de cápsulas e no mercado português elas chegaram ao mesmo tempo que cápsulas Skip, produto dela, ULJM. Tal afirmação seria, por isso, enganosa.

Sustenta também que a superioridade geral, que constitui claim do anúncio do produto em causa, não está provada e deveria sê-lo, numa comparação “com todos os detergentes presentes no mercado português”, “relativamente a todas e quaisquer características do produto e não apenas em algumas circunstâncias”, e que tal vantagem “é muito significativa”. Junta documentos com vista a provar que tal não ocorre no caso vertente e que a HENKEL tem o ónus de provar tais claims.

Termina pedindo que seja mandado «cessar de imediato a campanha publicitária objecto da denúncia, ordenando a interrupção imediata da utilização das alegações publicitárias objecto da mesma, em quaisquer suportes».

A cópia da queixa foi pelo ICAP remetida à HENKEL, por carta registada com aviso de recepção, no dia 2 de junho de 2015. Era dirigida a “Henkel Ibérica, S.A.”, e na linha inferior da desse destinatário figurava a indicação “A/C Dra. Luís Oliveira”. Tal correio foi recepcionado pelos serviços de segurança do edifício onde a HENKEL tem a sua sede, no dia seguinte, que foi uma quarta-feira.

Decorreu o prazo de resposta – cinco dias úteis, que terminava em 11 de junho – sem que a HENKEL haja contestado nem juntado qualquer documento.

Em 15 de junho deu entrada no ICAP um requerimento subscrito pelo ilustre advogado, com procuração, da HENKEL, no qual esta alega, escorada numa declaração dos seus Recursos Humanos, que a referida Dra. Luísa Oliveira, «esteve férias no período entre os dias 4 e 12 de junho de 2015». Mais é afirmado nesse requerimento que, «tendo em conta a forma como a correspondência em causa estava dirigida – a uma pessoa singular específica dentro da empresa -, a mesma não foi aberta por mais ninguém». E que, nesse caso, «devia-se ter procedido, também, necessariamente, à notificação do advogado signatário», que interviera num acto de mediação, munido de procuração, que fora anteriormente efectuada entre as partes relativamente ao litígio que subjaz no presente processo.

Pelo dito requerimento se pretende que seja declarada a nulidade do processo perante o Júri de Ética do ICAP, pela falta de notificação da petição da ULJM e a abertura dum novo prazo de 5 dias para apresentar a contestação.
A Presidente da 2ª Secção do Júri de Ética, em 16 de junho, decidiu, com fundamentação que expôs «que não existem motivos para deferimento do requerido».

Em 17 de junho o mesmo mandatário de HENKEL apresentou em nome desta um conjunto de sete documentos «que se lhe figuram relevantes para a boa decisão da causa». E anunciou que não apresentava contestação porque tal seria um acto inútil, dada a referida decisão da Presidente da 2ª Secção.

A 2ª Secção do JE, pela deliberação que é objecto dos presentes recurso, decidiu, com base nos fundamentos dela constantes:

– não alterar a decisão que a Presidente tomara de indeferir o requerimento apresentado em 15 de junho;
– que os sete referidos documentos apresentados pela HENKEL a 16 de junho não seriam tomados em consideração pelo Júri;
– que a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida se encontra em desconformidade com o disposto nos artigos 4º e 17º, nºs 1, do Código de Conduta do ICAP e 14º, nº 2 do Código da Publicidade, pois no caso em apreço «a intervenção principal da menor cabe no conceito de “criança-álibi”, o que determina a ausência do requisito “relação direta” entre aquela e o produto comunicado»;
– que no caso há uma prática de publicidade enganosa por omissão, que abrange a ilegibilidade do disclaimer relativo à alegação “Na melhor cápsula do mercado”, e por os claims visuais da sequência de imagens de um gráfico não habilitarem o destinatário com a perceção do alegado grau de superioridade, nem se conformarem com os requisitos de objetividade e suscetibilidade de comprovação exigíveis na publicidade comparativa.

Concluiu deliberando «no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da HENKEL, em apreciação no presente processo, se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4º, nº 1, 9º, nºs. 1 e 2, alínea a) 12º, 15º, nº 2, alíneas a), d), f) e h) e 17º. Nº 1 do Código de Conduta do ICAP, bem como dos artigos 14º, nº 2 e 16º, nº 2, alíneas a) e) e g) do Código da Publicidade e, ainda, 7º, nºa 1, alínea b) e 9º, nº 1, alíneas a) e b) do Decreto-Lei nº 57/2008, de 26 de Março, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipos de ilícito apurados pelo JE».

Desta deliberação interpôs a HENKEL recurso para esta Comissão de Apelo.

Alegou doutamente e concluiu do seguinte modo:

«1ª
Ao julgar improcedente a arguição de nulidade deduzida pela Henkel com fundamento na falta de notificação da queixa, apresentada pela ULJM, ao advogado já constituído por aquela, o JE interpretou mal e violou o artigo 11.º, n.ºs 1 e 2, do RJE, o artigo 247.º do CPC (que consagra um princípio geral de direito processual), o artigo 61.º, n.º 3, do EOA e o artigo 20.º, n.º 2, da CRP.

Consequentemente, deve a Comissão de Apelo revogar a referida decisão e conceder agora prazo à Henkel, de 5 dias úteis, para que esta apresente a sua contestação.

2.ª

Ao indeferir o requerimento de junção de documentos aos autos, apresentado pela Henkel em 17 de junho de 2015, o JE interpretou mal e violou os artigos 11.º, n.º 3, 12.º e 15.º, n.º 5, do RJE e o artigo 423.º, n.º 2, do CPC. Consequentemente, devem os sete documentos apresentados a 17 de junho de 2015 ser agora admitidos pela Comissão de Apelo e, seguidamente, tidos devidamente em conta, no quadro da nova composição do litígio a que venha a proceder.

Subsidiariamente: o JE esteve especificamente mal quanto aos Docs. n.ºs 4, 5 e 7, juntos pelo requerimento de 17 de junho de 2015, dado que os referidos documentos têm data posterior do término do prazo que foi considerado pelo JE para apresentação de contestação e, por conseguinte, comprovadamente não poderiam ter sido apresentados dentro do referido prazo, pelo que, nos termos conjugados do artigo 15.º, n.º 5, do RJE e do artigo 423.º, n.º 2, última parte, do CPC, deviam ter sido sempre considerados. Não se tendo o JE pronunciado acerca desta questão, deve fazê-lo agora a Comissão de Apelo, no sentido de admitir a junção dos três documentos aqui em causa aos autos.

3.ª

Ao decidir ter-se verificado a prática de publicidade testemunhal em violação do artigo 17.º, n.º 1, do CC, o JE conheceu de questão que não foi suscitada pela ULJM e da qual, por conseguinte, não podia conhecer, tendo feito errada interpretação e aplicação do artigo 13.º do RJE.

Consequentemente, deve a Comissão de Apelo declarar a nulidade da decisão, ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.

Subsidiariamente: ao decidir ter-se verificado a prática de publicidade testemunhal o JE fez errada interpretação e aplicação do artigo 17.º, n.º 1, do CC.

O que deve ser reconhecido por essa Comissão de Apelo, que deverá então proferir nova decisão que interprete e aplique a referida normas em linha com o que aqui se pugna.

4.ª

O JE, ao decidir que a publicidade em apreço violou, pelas razões expostas supra e para as quais expressamente se remete, os artigos 4.º, n.º 1, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 12.º, 15.º, n.º 2, alíneas a), d), f) e h), e 17.º, n.º 1, do CC, bem como os artigos 14.º, n.º 2, e 16.º, n.º 2, alíneas a), e) e g), do CP, bem como ainda os artigos 7.º, n.º 1, alínea b), e 9.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 57/2008, fez errada interpretação das referidas disposições e aplicou-as mal.

O que deve ser reconhecido por essa Comissão de Apelo, que deverá então proferir nova decisão que interprete e aplique as referidas normas em linha com o que aqui se pugna.»

Contestou este recurso a ULJM, alegando doutamente e concluindo:

«a) A HENKEL foi devidamente “notificada” da queixa apresentada pela ULJM e não apresentou qualquer contestação;
b) De acordo com as normas aplicáveis, directa ou subsidiariamente, o ICAP não se encontrava obrigado a notificar o mandatário da HENKEL;
c) Como tal, não enferma o presente processo de qualquer ilegalidade processual;
d) A publicidade ora em causa utiliza como interveniente principal um menor;
e) Não existe uma relação directa entre o menor e o produto anunciado;
f) A HENKEL não apresentou comprovação da alegação publicitária que afirma o seu produto como tendo primazia no mercado e sendo inovador;
g) A HENKEL não apresentou comprovação da afirmação segundo a qual o seu produto é significativamente melhor do que os seus concorrentes;
h) A publicidade em causa faz uma comparação entre o produto anunciado e um conjunto de outros produtos concorrentes;
i) Essa comparação apresenta os produtos concorrentes como sendo ineficazes;
j) Razão pela qual a publicidade ora em causa se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4.º, n.º 1, 9.º, n.º 1 e 2 alínea a), 12.º e 15.º, n.º 2 alíneas a), d), f) e h) do CCICAP, bem como no artigo 14.º, n.º 2, 16.º, n.º 2 alíneas a), e) e g) do Código da Publicidade e artigo 7.º, n.º 1 alínea b) e 9.º, n.º 1 alíneas a) e b) do Decreto-Lei 57/2008, de 26 de Março.»

Terminou pretendendo que esta Comissão de Apelo deve

«deliberar manter a decisão proferida pela 2ª Secção do JE, sendo confirmada a determinação no sentido de considerar que a campanha em questão viola as supra citadas disposições do Código de Conduta do ICAP, Código da Publicidade e DL 57/2008.»

2 – Questões prévias processuais

Suscitam-se, no caso sub judice três questões processuais que devem ser decididas antes de se passar à apreciação do mérito da causa.

A primeira é a de saber se houve nulidade do processo a partir da rejeição do requerimento da HENKEL apresentado em 15 de junho; a segunda é a de saber se deviam ser juntos aos autos e levados em consideração na deliberação da Secção recorrida os documentos apresentados pela Henkel em 17 de junho; a terceira é a de saber se a deliberação recorrida foi nula por ter conhecido duma questão não suscitada pela ULJM, designadamente a prática irregular de publicidade testemunhal.

Analisemo-las separadamente:

2.1 – O prazo para a Henkel contestar a queixa da ULJM

O processado depois da rejeição do requerimento de prazo feito em 15 de junho seria nulo, na tese da recorrente, porque ainda não estava precludido o prazo para contestar a queixa. Isto porque, segundo o mesmo requerimento, a notificação da Henkel não fora feita em 3 de junho, pois só nesse dia 15 tomara conhecimento da dita queixa.

Importa pois decidir, com base nos factos resultantes do processo, se a dita notificação foi, ou não, regularmente feita.

A recorrente aponta duas irregularidades para o acto de notificação, a saber: a correspondência enviada pelo ICAP foi dirigida a uma pessoa singular específica dentro da empresa – a dirigente do sector de detergentes, Dr.ª Luísa Oliveira – que entre 4 e 14 de junho estava ausente do escritório da Henkel, no gozo de férias; e uma vez que era dirigida a uma pessoa singular, deveria ter sido remetida também para o advogado constituído, que interviera já, com procuração, no acto de mediação a que a questão subjacente a este litígio fora já submetida.

Quanto à primeira não tem razão a recorrente, pois a mencionada correspondência foi efectivamente dirigida à empresa, e não à Dr.ª Luísa Oliveira. É certo que, por baixo da destinatária, que era a pessoa colectiva, figurava a indicação habitualmente usada da abreviatura de “ao cuidado de” – “A/C”. Mas essa indicação não tinha, neste caso, nem tem habitualmente, um sentido de “reservada” ou “restrita”. Destina-se a ajudar a orientar a distribuição rápida para o sector da pessoa colectiva que provavelmente se ocupará do assunto. Tanto assim é que, havendo aviso de recepção, este não é exigido que seja assinado pela tal pessoa singular referida no “ao cuidado de”. O sentido de indicação restritiva a determinada pessoa singular é dado por outros sinais, como “reservado” ou “em mão”. E não foi esse o caso.

Ora é geralmente admitido – mesmo expressamente pela própria lei processual civil, que nestas matérias é formalista e regulamentada – que a citação de pessoas colectivas se faz quando qualquer seu funcionário na sua sede a recebe. Sem prejuízo do princípio geral aflorado no art. 224º do Código Civil, e sem que isso implique uma aplicação analógica ou sequer subsidiária das normas concretas que regem o processo civil, é este o entendimento que deve ser seguido, como regime normal, na notificação da queixa feita pelo ICAP à parte contra quem esta é dirigida, regulada no art. 11º do Regulamento do Júri de Ética do ICAP.

Também não tem razão a recorrente quando invoca a exigência de envio da notificação em causa para o escritório do advogado mandatário. Mesmo sem necessidade de se invocarem quaisquer outros fundamentos, a mediação não é parte do presente processo, mas sim uma série de diligências inteiramente independentes dele. Não pode ser considerada, sequer uma fase preliminar deste; de forma nenhuma se aproxima das tentativas de conciliação que a lei já tem consagrado como formalidades prévias ao processo ordinário. A mediação é uma via alternativa dos processos, como o vertente, suscitados por queixa (art. 19º do RJE do ICAP). Rege-se por normas e princípios inteiramente diversos.

A notificação a que se refere o nº 1 do art. 11º do RJE do ICAP foi portanto regularmente feita e eficaz em 3 de junho de 2015, como, certeiramente, sustentou a recorrida e decidiu a Secção a qua. O prazo para a contestação terminou em 11 de junho. Por aí não houve nulidade alguma no processo.

2.2 – Oportunidade da junção dos documentos de 17 de junho

Uma vez que não contestou, deveriam os sete documentos apresentados em 17 de junho ter sido juntos aos autos e levados em consideração na deliberação ora recorrida?

É de entender que não.

No processo perante o JE do ICAP, a documentação apresentada pelo contestante deve acompanhar a contestação (art. 11º, nº 3, do RJE do ICAP). Esse é o princípio. Só excepcionalmente será de admitir a junção de novos documentos. E a esses casos não se aplicam, se quer subsidiariamente, as normas do processo civil, as quais, sem embargo de deverem ser tidas em consideração quando reflictam princípios gerais, regulam uma realidade muito diferente do processo perante este Júri de Ética emergente da autorregulação.

A tal respeito, a norma deste processo é a de que apenas serão admitidas novas provas – e só na fase de recurso – se comprovadamente não puderem ter sido apresentadas perante a Secção (art. 15º, nº 5). Para essa impossibilidade não releva por si a data do documento. Se a parte interessada fora já eficazmente notificada, o ónus de apresentar oportunamente documentos com a contestação era seu. Se no prazo que se lhe abriu por essa notificação, ela não contestou, não poderá prevalecer-se da data posterior para invocar a dita impossibilidade em relação a quaisquer documentos, mesmo que emitidos posteriormente ao termo desse prazo.

O requerimento da sua junção aos autos e a sua consideração para efeitos da matéria de facto na questão litigada foi, pois, bem indeferido. E pelos mesmos motivos não devem os ditos documentos ser considerados em sede do presente recurso.

2.3 – Nulidade por conhecimento, pelo Júri, de questões não suscitadas na queixa

Pretende a recorrente que, pelo facto de, segundo ela, a 2ª Secção ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento provocaria a nulidade da decisão ora recorrida.

A questão não suscitada seria a de ver um testemunho não genuíno nem responsável numa afirmação do menor que intervém no anúncio em causa – a proclamação do produto publicitado como “super poderoso”, o que, segundo a deliberação ora recorrida, contraria o disposto no nº 1 do art. 17º do Código de Conduta do ICAP.

Não pode ser provida tal pretensão.

Ainda que se aceitasse que tal pudesse ser uma questão não suscitada nos autos e que, como tal, não devesse ser objecto de decisão – a retirada de tal fundamento em nada alteraria o sentido da deliberação final. Seria pois algo que vitiatur sed non vitiat. Como tal não há razão alguma para que produzisse um efeito tão grave e desproporcionado como a nulidade do julgado pretendida pela recorrente.

Mesmo que a nulidade da sentença fosse neste caso o efeito num processo regido pelo Código de Processo Civil, maxime por força do seu art. 615º, nº 1, tal regime nunca deveria ser considerado aplicável ao processo perante o JE do ICAP, que se rege por um princípio fundamental de celeridade e do qual a desformalização é o pano de fundo.

A deliberação recorrida não é pois nula pela aludida razão.

3 – Matéria de facto assente relevante para a decisão do recurso

Quanto à questão de meritis, os factos invocados pela queixosa, não tendo sido infirmados pela contestante, e mostrando-se conformes com a prova produzida pela queixosa e com as conclusões da livre apreciação da prova levadas a cado pelo JE, quer na 2ª Secção quer nesta Comissão de Apelo, não conflituando com o que se conhece e é público e notório, devem ser geralmente considerados como provados, nos termos em que o foram pela deliberação ora recorrida.

4 – Apreciação jurídica do objecto da queixa

Tais factos configuram várias violações às normas legais e da autorregulação, a saber:

4.1. – A criança é manifestamente uma interveniente principal do anúncio questionado, até porque a sua intervenção se interliga sintática e semanticamente com os claims invocados sobre o produto. A sua lógica profunda é complementar e acumulada à mensagem fundamental da publicidade, para reforçar a ideia de inovação para maior eficácia, que é leit motif do anúncio.

Mas não há qualquer relação directa entre o menor e o produto anunciado, o que constitui uma infracção ao nº 2 do art. 14º do Código da Publicidade.

4.2. – A superioridade do produto anunciado é apresentada sem restrição a circunstâncias nem critérios. Nessas condições, como não está provada em todas as circunstâncias nem segundo quaisquer critérios, fere o princípio da veracidade (art. 10º, nº 1 do C.P).

4.3. – Também não foi provada neste processo, pela Henkel, como era seu ónus, de que o produto em questão fosse inovador no mercado e que fosse sua a primazia, pelo que o respectivo claim, para efeitos da decisão do processo, também contraria o dito princípio (art. 10º, nº 2 do CP).

4.4. – A publicidade em causa é comparativa. E o modo como é feita infringe as imposições das normas legais e da autorregulação sobre tal forma de publicidade (nomeadamente art. 16º do C.P. e art. 15º do Código de Conduta do ICAP).

Nisso, como em tudo o mais, e ainda em geral quanto aos fundamentos invocados, decidiu bem a 2ª Secção do JE, pelo que se entende que a deliberação recorrida não deve ser revista.

5 – Decisão

Termos em que decidem negar provimento ao recurso, confirmando a deliberação recorrida.».

Lisboa, 14 de Julho de 2015

Augusto Ferreira do Amaral
Vice-Presidente Comissão Apelo

Francisco Xavier do Amaral
Vice-Presidente Comissão Apelo

Auto Regulação2J / 2015 – Recurso :: Henkel Ibérica Portugal vs. Unilever Jerónimo Martins
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4J / 2015 :: ANIL vs. FIMA OLÁ – Produtos Alimentares e Unilever Jerónimo Martins

4J/2015

ANIL
vs.
FIMA OLÁ – PRODUTOS ALIMENTARES
E
UNILEVER JERÓNIMO MARTINS

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no décimo terceiro dia do mês de Julho do ano de dois mil e quinze, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 4J/2015 tendo deliberado o seguinte:

Processo nº 4J/2015

1. Objecto dos Autos

A ANIL – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS INDUSTRIAIS DE LACTICÍNIOS (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por ANIL ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a FIMA OLÁ – PRODUTOS ALIMENTARES, SA. e UNILEVER JERÓNIMO MARTINS, Lda. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por FIMA OLÁ ou Requerida ), relativamente a comunicação comercial ao seu produto “FLORA” – promovida pela última nos suportes rotulagem, televisão, Internet e linear de supermercado – tal, por alegada violação dos artigos 4°, n.ºs 1 a 3, 5.º, 7.º, n.º 1, 9.º n.ºs 1 e 2, aIínea a) e 30.º, todos do Código de Conduta do ICAP, artigo 14.º do Regulamento do JE, artigos 10.°, n.º 1, 11.°, n.º 1 e 16.º do Código da Publicidade, 5.º, 6.º e 7.°, n.º 1, alínea b) do DL 57/2008 de 26 de Março, bem como dos artigos 2.º, 7.º, n.ºs 1, alínea d), 2 e 4, 9.º, 13.º, 18.º, 22.º 26.º e 36.º do Regulamento (UE) nº 1169/2011, 9.º do Regulamento (CE) n.º 1924/2006, artigos 3.º, 7.º, nºs 1 e 2 e 13.º, n.º 2 da Directiva 2000/13/CE, artigo 78.º e Parte III do Anexo VII ao Regulamento (UE) nº 1308/2013, de 17 de Dezembro e, ainda, do disposto no Anexo XII do Regulamento (CE) 1234/2007, de 22 de Outubro de 2007.

1.1. Notificada para o efeito, a FIMA OLÁ apresentou a sua contestação.Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.

1.2. Questões prévias

1.2.1. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Regulamento do JE, sob a epígrafe “Petição”, “A queixa deverá ser feita por escrito, devendo o queixoso indicar com precisão os suportes que pretende ver analisados, expor os factos e a fundamentação, tão sintética quanto possível, indicar as disposições do Código de Conduta do ICAP, e, ou, outras fontes que considere infringidas e formular com clareza a sua pretensão, salvo quando apresentada por consumidor nos temos definidos na Lei de Defesa do Consumidor”. (Negrito e sublinhado do JE).

Esta é, aliás, uma prática sobre a qual o Júri teve já a oportunidade de se pronunciar, designadamente, no âmbito dos Processos 8J/2009, 17J/2009, 2J/ 2010, 16J/2012 e 4J/2014 do ICAP.

Ora, o articulado da petição (para além de escusadamente extenso) não é claro, quer em termos de listagem e definição de suportes a analisar por referência às alegações publicitárias que integram cada um deles (a título de exemplo, atenda-se aos art.ºs 8.º, 42.º e 45.º da queixa), quer no que tange à separação entre os claims da comunicação comercial ora colocada em crise e os que integravam as campanhas publicitárias que foram objecto dos Processos 4J/2009 e 14J/2014 do ICAP.

Neste tocante, aliás, concorda o JE com a Requerida quanto ao alegado em sede de contestação no sentido de que, “Trata-se, portanto, de uma enorme confusão quando se mistura embalagem com anúncios (filmes), embalagem antiga com a nova e, logo a seguir e no meio disto, ingredientes.” (sic. art.º 14.º da contestação).

Em conformidade, e com o devido respeito, o Júri solicita à ANIL que, em peças processuais futuras observe as mencionadas clareza e síntese, a bem da desejável celeridade em matéria de autoregulação, sendo que esta é igualmente inconsentânea com outra situação que se passará a referir.

1.2.2. Uma embalagem de um produto só consubstancia um suporte publicitário, caso possua alegações que encerrem juízos de valor que caibam no conceito ético-legal de publicidade. Caso contrário, estar-se-á em presença de informação ao consumidor aposta em rotulagem.

Dito de outra forma, entende o JE que tal informação apenas será apta, per se, a propiciar quaisquer juízos de valor promocionais junto do destinatário – e, logo, a ser considerada um disclaimer de uma comunicação comercial caso, cumulativamente:

– Possua um destaque não obrigatório por lei;

– Não consubstanciando em si mesma algo que não seja uma mera informação ao consumidor “resvale” para o conceito de publicidade, por via de uma associação verbal e, ou, visual com claims publicitários.
Com efeito, a averiguação de qualquer alegado incumprimento do princípio do respeito pelos direitos do consumidor em matéria de publicidade implica a existência da última. A assim não ser, estar-se-ia em presença de uma tautologia…

Pelo exposto, esclarece o Júri que somente apreciará o teor de menções apostas na rotulagem da Flora que se possam considerar comunicações comerciais, vulgo publicidade, ou que, não o sendo, emprestem significado a claims publicitários por associação possível por parte do consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido e informado, porquanto tal é o que faz parte da competência material do ICAP, designadamente, nos termos do artigo 4º dos seus Estatutos.

1.2.3. Constitui objecto de denúncia da ANIL, o incumprimento por parte da Fima/Unilever de decisão da Comissão de Apelo proferida no âmbito do Processo nº 4J/2014. Tendo-se verificado que, com a contestação, foi junto um Parecer subscrito por um membro do JE que havia participado na decisão de Secção Ad-Hoc recorrida, o Júri entendeu dever não tomar conhecimento do mesmo Parecer.

1.3. Dos factos

1.3.1. Dos suportes

Através da análise da globalidade do articulado da petição e dos trinta e oito documentos juntos ao processo com a mesma, conclui o Júri que a denúncia se reporta a comunicação comercial ao produto Flora da responsabilidade da Requerida, nos suportes embalagem, televisão, Internet e linear de supermercado.

1.3.2. Das alegações publicitárias ou claims

São objecto de denúncia da ANIL, as alegações publicitárias ou claims (cfr. art.º I. 8.º da petição e DOCS. 1 a 38 juntos) referentes a:

– “Recomposição do ingrediente leite magro reconstituído (15%);- Manutenção da Embalagem da Flora versão “Com leite dos Açores”;

– Reprodução dos anúncios publicitários da Flora “Com leite dos Açores”;

– Veiculação combinada de claims contendo sempre a designação “leite dos Açores” ; e

– Inserção do selo “Agora com mais SABOR” com o formato e a disposição análogos ao selo “Com leite dos Açores”.

2. Enquadramento ético-legal

Nos termos do artigo 4.º do Código de Conduta do ICAP, “Todas as comunicações comerciais devem ser legais, decentes, honestas e verdadeiras” (1.) e “…devem ser concebidas com sentido de responsabilidade social e profissional e devem ser conformes aos princípios da leal concorrência, tal como estes são comummente aceites em assuntos de âmbito comercial.” (2.). Segundo redação do artigo 5.º daquele Código, “A comunicação comercial deve respeitar os valores, direitos e princípios reconhecidos na Constituição e na restante legislação aplicável”.

Por seu turno, nos termos do disposto n.º 1, sob a epígrafe “Honestidade”, “A comunicação comercial deve ser concebida de forma a não abusar da confiança dos consumidores e a não explorar a sua falta de conhecimento ou de experiência”.

De acordo com o artigo 30.º, n.º 3 do mesmo Código de Conduta, sob a epígrafe “Respeito pelas decisões do ICAP”, os sócios deste “…e os membros associados das Associações e outras congéneres filiadas no Instituto, bem como quaisquer entidades, incluindo não membros, que submetam questões à apreciação do JE – Júri de Ética, são obrigados a acatar prontamente, na letra e no espírito, as decisões oriundas, nomeadamente, dos órgãos sociais do ICAP e do JE – Júri de Ética.”.

De onde, à luz da queixa do Requerente, importa averiguar se a comunicação comercial em lide é de molde a ofender o quadro ético-legal dos princípios da veracidade, honestidade, responsabilidade social e da livre e leal concorrência aplicáveis às comunicações comerciais (cfr. artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, 5.º, 7.º, n.º 1, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 12.º e 30.º, n.º 3 do Código de Conduta do ICAP, bem como 10.º e 11.º do Código da Publicidade, o último, com a redacção introduzida pelos artigos 4.º e 7.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março).
Em conformidade, cumpre ao Júri atender não só ao disposto no artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do mesmo Código de Conduta, sob a epígrafe “Veracidade”, como ao consignado no n.º 1, alínea b) do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março. Ora, segundo a mesma, “É enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que este não teria tomado de outro modo“, sendo que um desses elementos é o das “…características principais do bem ou serviço, tais como a sua (…) a sua composição”.

Acresce que, foi entendido quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matérias de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. actual n.º 3 do artigo 11.º) nos termos da qual se presumem como inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado dos artigos 5.º e 12.º do Código de Conduta do ICAP se encontra em consonância, pelo que impende sobre a FIMA OLÁ o ónus da prova das alegações publicitárias em lide.

2.1. Da alegada prática de publicidade enganosa e ofensiva dos princípios da veracidade, honestidade, responsabilidade social e livre e leal concorrência

Alega a ANIL em sede de petição que “Em 28 de Julho de 2014, no âmbito do processo n.º 4J/2014, a Comissão de Apelo do ICAP, reiterando o sentido e alcance da sua decisão de 15 de Maio de 2014, confirmou (i) a proibição de utilização da expressão “COM LEITE DOS AÇORES” em toda a comunicação comercial do creme vegetal Flora da Unilever, então em comercialização; e (ii) a proibição de indução ou associação desse produto à manteiga”. (sic. art.º I.1.º).

A decisão da Comissão de Apelo do ICAP de 28 de Julho de 2014 foi proferida no âmbito do Processo nº 14J/2014 e não do 4J/2014. Contudo, crê o Júri que a lógica dita estar a Requerente a referir-se a este último, não obstante o lapso.

Conclui a ANIL que “A comunicação comercial da Unilever (…), constitui uma violação intencional da decisão da Comissão de Apelo e consubstancia, concomitantemente, o desrespeito grave e censurável das suas obrigações, quer enquanto parte visada no processo nº 4J/2014, quer enquanto membro do ICAP.” (sic. art.º III.32.º).

Permite-se o Júri fazer uma rectificação quanto ao que foi confirmado pela Comissão de Apelo do ICAP acerca do claim “COM LEITE DOS AÇORES”. A conclusão no sentido da respectiva desconformidade com o quadro ético-legal em matéria de princípios da veracidade e de livre e leal concorrência fundou-se no entendimento de que a diminuta quantidade do leite (1%) não era de molde a justiçar tal menção publicitária, sendo que tal percentagem não era comunicada com destaque.

Importa, pois, averiguar se a campanha publicitária objecto dos presentes autos constitui uma violação da referida decisão da Comissão de Apelo, nos termos e pelos motivos expostos na petição e contestados pela UNILEVER e, ou, se se encontra desconforme com qualquer dos normativos invocados pela ANIL, cuja aplicação se enquadre na competência material do ICAP.

2.1.1. Da comunicação veiculada em suporte televisão e Internet

De acordo com os DOCS. 12., 13 e 14. em “CD-ROM” , em que se reproduzem três spots publicitários (não unitariamente identificados em gravação) e com os DOCS. 1., 3., 17., 18., 19., 20., 21.e 23., todos, da petição, relevam em sede de denúncia, os seguintes claims:

– (i) Imagem de caracol visual feito com o produto;

– (ii) “Derrete-te com o novo creme vegetal Flora”;

– (iii) “Agora com mais leite dos Açores”;- (iv) “Agora com 15% de leite dos Açores”.

Não é junta prova aos autos por parte da Requerente de que tal imagem de caracol ou rosca só possa ser usada por marcas de manteiga, de acordo com um registo em sede de Propriedade Industrial.

Por outro lado, entende o Júri que a imagem em apreço só seria susceptível de induzir o consumidor em erro e, logo, configurar uma prática de publicidade enganosa, caso não fosse um facto notório, o de que os cremes vegetais permitem a “construção” do dito caracol, não sendo tal característica exclusiva das manteigas. Logo, a mesma imagem, nem sequer se poderá considerar uma alegação publicitária visual, no sentido próprio do termo. O mesmo se diga do pão barrado e de outras imagens semelhantes e de utilização genérica.

Ao contrário do que alega ad nauseum a Requerente na sua petição, a comunicação comercial veiculada em suportes televisão e Internet é sobejamente clara quanto aos factos:

– (i) de estar a ser publicitado um creme vegetal e não, um produto lácteo. Tal, por virtude do destaque que é concedido ao claim “Derrete-te com o novo creme vegetal Flora”;

– (ii) de não se propiciar qualquer associação num único suporte entre o maior sabor alegado e os claims “Agora com mais leite dos Açores” e “Agora com 15% de leite dos Açores”;

– (iii) de não se gerar qualquer susceptibilidade de confusão entre a Flora e manteigas, a nível de comunicação comercial.

Já quanto às alegações publicitárias “Agora com mais leite dos Açores” e “Agora com 15% de leite dos Açores” per se, constacta o Júri que, no meio do emaranhado de alegações (que decorre da queixa e da contestação, bem como de documentos juntos) acerca de leite e leitelho, matérias gordas de origem animal e vegetal, lípidos provenientes de óleos e gorduras vegetais, qualidade de géneros alimentícios e aditivos alimentares, total de matéria gorda e de ácidos gordos saturados presentes nas manteigas, gordura insaturada, vitaminas A D e E, “VRN’s” acima de 15%, produtos light, perfil de lípidos, natas, tamanhos de embalagens e códigos de barras (algumas das matérias, a extravasar completamente a competência material do ICAP), poderia ser possível perder-se de vista que, ao contrário do alegado pela Requerida a art.º 150.º da sua contestação, o ónus a prova em matéria de práticas de publicidade enganosa recai sobre o anunciante e, logo, sobre as alegações referidas. Em conformidade, competir-lhe-ia juntar prova da veracidade dos claims em causa, em coerência com o alegado na contestação no sentido de que:

– “A receita foi reformulada e passou a contar com mais 50% do ingrediente leite magro reconstituído.” (sic. art.º 48.º);

– “….usou apenas a referência factualmente correcta, “Agora com 15% de leite dos Açores”, “Agora com mais leite dos Açores.” (sic. art.º 50.º);

– “…alteração da receita para 15% de leite dos Açores…” (sic. art.º 54.º);

– “…é que um constituinte presente apenas em 15% do total do produto…” (sic. art.º 70.º);

– “Tem mais leite…” (sic. art.º 73.º);

– “A fórmula anterior tinha menos 50% de leite do que esta, o que significa que o produto está diferente…” (sic. art.º 74.º);

– “… + 15% de leite magro reconstituído + …” (sic. art.º 85.º);

– “Como se disse, LEITE magro reconstituído (15%) é exacto pois refere a quantidade de leite no produto.” (sic. art.º 87.º);

– “E o consumidor não é enganado pois refere-se creme vegetal e leite magro reconstituído (15%), cumprindo-se assim o disposto na legislação. “ (sic. art.º 96.º).

Ora, entende o Júri que apesar de a FIMA OLÁ ter apresentado prova bastante de que utiliza leite em pó magro dos Açores (cfr. DOC. 1 junto à contestação), não logrou comprovar a veracidade dos claims “Agora com mais leite dos Açores” e “Agora com 15% de leite dos Açores”.

Pelo exposto, entende o JE que a comunicação comercial veiculada em suporte televisão e Internet, nas suas várias vertentes, se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, 5.º, 7.º, n.º 1, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 12.º e 30.º, n.º 3 do Código de Conduta do ICAP, bem como 10.º e 11.º do Código da Publicidade, o último, com a redacção introduzida pelos artigo 4.º e 7.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março. 2.1.2. Da publicidade veiculada através de suporte embalagem

Colocado perante o articulado da petição, conclui o Júri que a ANIL considera a rotulagem da Flora como recipiente de género alimentício em sede do qual é obrigatória a aposição de informações obrigatórias ao consumidor em matéria de natureza, composição, quantidade, prazo de validade, utilidade e forma de utilização, preço e demais características relevantes dos respectivos bens e serviços, retirando de tal entendimento, a conclusão de que se está aqui em presença de publicidade, o que o Júri veementemente rejeita, tal como já referiu.

Com efeito, entende o JE que, tal como defendeu em sede de Questões prévias, tais informações somente serão aptas a propiciar quaisquer juízos de valor promocionais junto do destinatário – e, logo, a serem consideradas comunicações comercais, caso, cumulativamente:

– Possuam um destaque não obrigatório por lei e, para além dele, o que não acontece in casu, com as menções apostas na rotulagem lateral e de fundo da Flora, conforme DOCS. 2., 7., 9., 10., 11. e 24. juntos à queixa, nestas se incluindo a menção “Creme para barrar a 79%” ;

– Não consubstanciando em si mesmas algo que não seja uma mera informação ao consumidor, “resvalem” para o conceito de publicidade, por via de uma associação verbal e, ou, visual com claims que lhes alterem o significado, o que não acontece com o chamado “selo” aposto na tampa da Flora, onde se lê isoladamente “Agora com mais sabor” em substituição da anterior alegação “Com leite dos Açores”.

Aliás, e sem conceder, diga-se que a FIMA OLÁ logrou comprovar que a alegação nutricional “manteiga/margarina/cremes para barrar” aposta no fundo da embalagem (ou na capa do mesmo fundo de acordo com DOC. 28 da contestação) é lícita, com fundamento no pressuposto legal de pertencerem todos os produtos referidos, à mesma categoria. (Cfr. DOC. 24. junto à mesma contestação).

Assim, por maioria de razão – e continuando a não conceder -, não assiste razão à ANIL quando sustenta em sede de queixa que: “A ideia de comparação alternativa entre a nova Flora e a Manteiga é igualmente induzida pela comunicação comercial ínsita na tabela nutricional comparativa com a “Manteiga” que consta das embalagens da Flora.” (sic. art.º 57.º).

Muito menos se poderá alegar, como o faz a Requerente a pág. 15 da sua petição que, “…ainda que se entendesse (…) que a tabela nutricional da “manteiga” não constitui uma alegação nutricional comparativa, as referências feitas infringem o disposto no artigo 16º do Código da Publicidade, porque a tabela compara características da nova Flora com supostas características da manteiga, um bem único que responde a necessidades e objectivos diferentes e é oferecido por terceiros concorrentes da Unilever”.

Com efeito, a existir uma eventual violação do artigo 16.º do Código da Publicidade, seria necessário, logo à partida, que se tratasse aqui de publicidade…Volta a referir o Júri que, uma menção colocada no fundo de uma embalagem com caracteres iguais aos da restante informação ao consumidor e indissociada de quaisquer claims publicitários – como é o caso – não consubstancia uma prática publicitária. (Cfr. artigo 3.º do Código da Publicidade). Mais, caso assim não fosse (em razão de destaque ou associação), qualquer eventual ofensa do regime jurídico estabelecido no referido artigo 16.º poderia não encontrar fundamento na “satisfação de necessidades e objectivos diferentes” mas sim, muito mais, na comparação entre características não representativas.

Por outro lado ainda, quer o Júri expressar a sua total discordância com o alegado em sede de queixa no sentido de que o claims: “Agora com mais sabor” (actual) e “Com leite dos Açores” (anterior) constituem “semelhanças” que induzem uma referenciação unívoca e coerente (cfr. art.º 44.º):

Agora com mais Sabor ↔ Agora com mais leite dos Açores
e que
Qualquer uma das duas premissas, por via da sua difusão reiterada, alternada ou simultânea, induz a percepção da outra e completa o seu significado, de modo que a repetição de uma remete o consumidor para a memória que retém da outra, reforçada pela continuidade da linha narrativa já presente na comunicação comercial da versão Flora “Com leite dos Açores””. (sic. art.º 45.º).

De facto, a assistir razão à Requerente, poder-se-ia sustentar, no limite, a irrelevância e inutilidade de reformulação de quaisquer comunicações comerciais ilícitas, atenta a fatalidade de existência de uma “memória colectiva”. Por outro lado ainda, diga-se que não assiste qualquer razão à ANIL quanto à conclusão que parece querer ver retirada pelo alegado a art.ºs 13.º e 14.º da petição.

De onde, no que concerne à embalagem da FLORA, entende o Júri não existir qualquer desconformidade com o quadro ético-legal em matéria de comunicações comerciais, vulgo publicidade (âmbito da sua competência material) e, logo, com a decisão da Comissão de Apelo proferida no âmbito do Processo n.º 4J/2014 do ICAP.

2.1.3. Da comunicação veiculada em suporte linear de supermercado

Alega a ANIL na sua petição que “A disposição da Flora entre as diversas manteigas oferecidas para venda em loja é aliás consequência directa (…) de indução enganosa, como um produto análogo à manteiga e uma alternativa equivalente de compra, o que confirma essa indução enganosa – cfr. fotos tiradas na loja do Pingo Doce nos Olivais que se juntam como documentos 35 a 38.”. (sic. art.º I. 56.º).

Contraditando a posição da Requerente, vem a FIMA OLÁ defender que: ”No que diz respeito à colocação de FLORA nas prateleiras destinadas às manteigas, o que é relevante é que a decisão de organização e colocação dos produtos nos lineares é da responsabilidade dos proprietários de cada loja ou retalhista.” (sic. art.º 11.º) e que “… podia também apresentar fotografias de muitos estabelecimentos onde a FLORA não está “nas prateleiras destinadas à venda das manteigas”, mas também nesses casos a decisão é dos responsáveis das lojas ou retalhistas.” (sic. art.º 12.º).

Entende o Júri que um linear de supermercado que possua uma alegação publicitária como “Porquê manteiga?” e disponha as várias unidades de um só creme vegetal (a Flora) juntamente com marcas de manteiga (cfr. DOCS. 35 a 38. juntos à petição) está a comunicar o dito creme vegetal como se de manteiga se tratasse.

Ora, por maioria de razão com o que já se concluiu e, bem assim, com o que foi objecto de decisão da Comissão de Apelo no âmbito do processo n.º 4J/2014 do ICAP, tal configura uma prática de publicidade enganosa.

Acresce que, nos termos do artigo 5.º, alínea a) do Código da Publicidade, anunciante é a pessoa singular ou colectiva no interesse de quem se realiza a comunicação comercial. Ora, no caso vertente, tal entidade é a Requerida. Assim, verificando-se a inversão do ónus da prova em razão de se estar aqui em presença de uma violação do princípio da veracidade em matéria de comunicações comerciais, impenderia sobre a FIMA OLÀ a comprovação da sua discordância junto dos supermercados em causa, quanto à forma de “arrumação” em linear do seu produto Flora, bem como ao claim “Porquê manteiga?” associado, ambos os casos chegados ao seu conhecimento, pelo menos, aquando do conhecimento da queixa.

Não tendo sido junta aos autos qualquer prova nesse sentido, entende o JE que a comunicação comercial em linear é da responsabilidade da Requerida, consubstanciando uma prática de publicidade enganosa e, assim, ofensiva dos princípios da veracidade, da honestidade, da responsabilidade social e da livre e leal concorrência, bem como um incumprimento da decisão da Comissão de Apelo no âmbito do processo n.º 4J/2014 do ICAP.

3. Decisão

Termos em que a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da FIMA OLÁ – veiculada nos suportes televisão, Internet e linear de supermercado – em apreciação no presente processo, se encontra desconforme com os artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, 5.º, 7.º, n.º 1, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 12.º e 30.º, n.º 3 do Código de Conduta do ICAP, bem como 10.º e 11.º do Código da Publicidade, o último, com a redacção introduzida pelos artigo 4.º e 7.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurados pelo JE.

Auto Regulação4J / 2015 :: ANIL vs. FIMA OLÁ – Produtos Alimentares e Unilever Jerónimo Martins
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3J / 2015 :: DECO vs. Vodafone

3J/2015

DECO
vs.
Vodafone

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no primeiro dia do mês de Julho do ano de dois mil e quinze, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 3J/2015 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 3J/2015

1.   Objecto dos autos

1.1.   A DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor, (ou DECO ou “Queixosa”) vem, nos temos do artigo 10.º do Regulamento do Júri de Ética do ICAP (“Regulamento JE”) apresentar queixa contra VODAFONE PORTUGAL, Comunicações Pessoais, S.A. (adiante abreviadamente “VODAFONE” ou denunciada), relativamente a relativamente à campanha publicitária/comunicação comercial efectuada à marca Vodafone, consubstanciada num folheto, por violação do disposto nos artigos n.º 1 do artigo 10.º, 11.º e 12.º do Código da Publicidade e nos artigos 7.º e 9.º da Lei de Defesa do Consumidor, bem como n.º 1 artigo 7.º, na alínea a) e b) do n.º 2 do artigo 9.º do Código de Conduta do ICAP.

1.2.   Notificada para o efeito, a VODAFONE apresentou a sua contestação.

1.3.   Dão-se por reproduzidas a queixa, a contestação e os documentos apresentados pelas Partes.

1.4.   Síntese da posição da parte queixosa

– A comunicação realizada pelo anunciante aos consumidores visa a promoção de um produto denominado por Vodafone TV NET Voz, i.e., a prestação de serviços de comunicações eletrónicas de televisão, internet e telefone fixo.

– Para o efeito, o anunciante – Vodafone – utiliza como suporte publicitário, entre outros, um folheto em suporte físico, disponível nos seus estabelecimentos, conforme doc. 2 que se junta.

– A mensagem realizada pelo anunciante, referente ao serviço atrás descrito, encontra-se a ser publicitado a um preço de 25,90€.

– Vejamos, pois, detalhadamente os serviços e condições que o anunciante publicita:

a)   Do serviço de televisão:

– Este serviço, conforme anunciado, inclui mais de 100 canais.

– No entanto, pelo preço publicitado, o anunciante disponibiliza mais de 100 canais onde se inclui os canais de rádio e interativos, pelo que os referidos 100 canais não são apenas de televisão.

– De referir ainda que caso o consumidor pretenda usufruir da oferta de €25: €20 videoclue + €5 Karaoke é necessário que alugue ao anunciante um equipamento denominado TvBox, o que acarretará um encargo mensal de 4,50€ ou 5,50€, caso do serviço de televisão ser prestado através da tecnologia de ADSL ou fibra respetivamente.

b)   Do serviço de internet

– O anunciante publicita este serviço como tendo tráfego ilimitado e velocidade até 50 Mbps.

– No que diz respeito à prestação do serviço de internet, muito embora ser aquela a velocidade publicitada, a verdade é que, analisadas as condições contratuais desta operadora, o anunciante não garante a velocidade oferecida para toda e qualquer ligação, a qualquer momento, uma vez que depende do nível de utilização de rede e do servidor.

– Em suma, o preço publicitado de 25,90€ por mês, não corresponde aos serviços publicitados.

– Na medida em que o consumidor que pretenda contratar os serviços de 100 canais publicitadas pelo anunciante e usufruir das referidas oferta, despenderá um montante mensal superior ao preço publicitado relativo ao aluguer da TvBox.

– Assim se conclui que a mensagem publicitada, neste suporte, é suscetíveis de induzir o consumidor em erro, conduzindo-o a contratar aquele serviço, desconhecendo informações essenciais do contrato, nomeadamente o preço final, bem como as funcionalidades e qualidade do serviço contratado. – Ora, a comunicação comercial aqui em crise para além de violar diretamente os artigos atrás indicados, viola também o princípio da veracidade, correspondente ao n.º 1 do artigo 10.º, bem como o direito à informação e à proteção dos interesses económicos dos consumidores previstos nos artigos 7.º e 9.º da Lei de Defesa do Consumidor.

– É enganosa a prática comercial que contenha informações falsas, ou sendo factualmente corretas – que não são, diga-se – pela sua apresentação geral, induza ou seja suscetível de induzir em erro o consumidor em relação aos elementos do contrato, conforme decorre do disposto no n.º 1 do artigo 7.º do Decreto-Lei nº 57/2008 de 26 de Março, concretizado, a comunicação comercial do anunciante deve ser concebida de forma a não abusar da confiança dos Consumidores e a não explorar a sua falta de conhecimento ou de experiência, conforme o principio da honestidade na publicidade consagrado no n.º 1 artigo 7.º do Código de Conduta do ICAP.

– A mensagem publicitada e aqui em crise omite – enganosamente – requisitos essenciais para uma decisão negocial esclarecida do consumidor, conforme alínea a) e b) do n.º 1 do artigo 9.º do já identificado diploma legal, carecendo de veracidade conforme também estabelecido na alínea a) e b) do n.º 2 do artigo 9.º do Código de Conduta do ICAP.

1.5.   Síntese da posição da parte denunciada

– Nos termos do artigo 10º do Regulamento do JE, cabe ao queixoso indicar com precisão os suportes que pretende ver analisados, expor os fatos e a fundamentação, indicar as normas alegadamente infringidas e formular com clareza a sua pretensão.

– Ademais, para aferição da conformidade ou desconformidade de uma determinada comunicação comercial é necessário que a mensagem seja analisada no seu todo e não em apenas parte da mesma.

– A reclamante indica que a Vodafone utiliza como suporte publicitário, entre outros, um folheto em suporte físico.

– Ora, atento o plasmado no referido artigo 10º do Regulamento do JE, a presente queixa incide apenas no referido doc. 2, já que foi apenas este suporte junto aos autos e expressamente referido pela reclamante.

– Assim, o suporte em apreço – folheto em suporte físico – é destinado a novos Clientes do serviço da Vodafone prestado na tecnologia FIBRA.

– Este folheto é constituído por várias páginas, nas quais se pode encontrar:

a)   Referência ao âmbito do serviço e à tecnologia em que o mesmo é prestado;

b)   O preço, características e ofertas disponíveis para os dois packs do serviço (“Tv Net Voz” e “Tv Net Voz + Telemóvel”);c)   Funcionalidades disponíveis; d)   Descrição detalhada dos canais para cada um dos packs acima referidos; ee)   Indicação dos contatos onde é possível obter informações adicionais, nomeadamente o site da Vodafone, sito em www.vodafone.pt.

– Identificado o suporte, vejamos então quais os fatos referidos pela reclamante que, na sua opinião, fundamentam a alegada desconformidade da comunicação comercial da Vodafone com os preceitos legais que regulam a atividade publicitária.

– Conforme facilmente a requerida constatou, resulta claro e evidente do suporte em apreço que o serviço da Vodafone disponibiliza mais de 100 canais!

– Aliás, para sermos mais precisos – e porque tal resulta evidente do referido suporte publicitário – o serviço permite o acesso a 108 canais, sendo 88 canais de Tv, 6 canais de Tv interativos e 14 canais de rádio.

– Assim, também conforme facilmente a requerida constatou pela análise da informação disponível no folheto, os 100 canais não são APENAS de televisão.

– Ao contrário do que a reclamante pretende fazer crer, em lado algum do suporte em apreço a Vodafone pretende dar a entender que o cliente terá acesso a mais de 100 canais APENAS de televisão (o que, aliás, ao contrário do que parece ser o entendimento da reclamante, tal não se traduziria numa vantagem mas sim numa ENORME desvantagem competitiva, pois é sabido que os canais alternativos como os de rádio, jogos e interativos são cada vez mais apreciados, principalmente pelos jovens).

– Com efeito, a comunicação comercial em apreço indica “canais” e não “canais de tv” e, ainda, na última página do folheto são indicados TODOS os canais disponíveis, sendo que os mesmos estão CLARAMENTE identificados e devidamente diferenciados por categoria, por côr e por simbologia:

a)   “i” de interativo; b)   “HQ” de High Quality;c)   “HD” de High Definition; ed)   “Fm” de Rádio

– Pelo exposto, o fato supra descrito pela reclamante não constitui qualquer violação das regras que regulam a atividade publicitária já que a afirmação da Vodafone é objetiva e totalmente verdadeira, conforme ficou devidamente evidenciado!

– Aliás, tal como a reclamante não teve qualquer dificuldade em compreender a mensagem comercial veiculada pela Vodafone, também qualquer consumidor médio conseguirá tal resultado, basta para o efeito, ler o panfleto que lhe foi fornecido pela Vodafone – o que aliás, é a sua obrigação.

– Com efeito, tal como a requerente, qualquer consumidor médio é capaz de ler a comunicação da Vodafone e verificar que, efetivamente, os canais indicados não são APENAS canais de Tv.

– Na verdade, qualquer consumidor médio é capaz de ler e interpretar a última página do folheto, onde estão claramente identificados os canais disponíveis e, ao mesmo tempo, compreender que, por exemplo, o canal de trailers de videoclube, o canal de Karaoke, o canal de jogos e o canal da TSF não são canais de Televisão, no sentido de emitirem emissões típicas de um canal de televisão.

– Quanto a este fato, («De referir ainda que caso o consumidor pretenda usufruir da oferta de € 25: € 20 videoclube + € 5 karaoke é necessário que alugue  ao anunciante um equipamento denominado TvBox, o que acarretará um encargo mensal de 4,50€ ou 5,50€, caso do serviço de televisão ser prestado através da tecnologia de ADSL ou Fibra respetivamente.») desde logo se constata que a reclamante volta a alegar algo que NÃO encontra no suporte em apreço.

– Desde logo, a diferenciação do valor da TvBox em nada está relacionado com o fato do serviço ser prestado com a tecnologia ADSL ou Fibra, pois como se disse no artigo 6º e consta da PRIMEIRA página do folheto, esta comunicação comercial destina-se a publicitar o serviço prestado na tecnologia FIBRA e não na tecnologia ADSL!- Aliás, a diferenciação do preço está indicada na segunda página do panfleto, onde se informa o preço das TvBoxes, sendo que a TV Box HD DVR (portanto, com gravador), tem um custo de € 5,50 e a TvBox HD (portanto, sem gravador), tem um custo de € 4,50.

– Ademais, não se compreende o entendimento da reclamante segundo o qual a oferta implica o aluguer de uma TvBox.

– Desde logo, porque conforme se pode verificar na segunda página do folheto em apreço, existem dois packs, um que inclui “telemóvel” e outro que não, sendo que cada um deles pode ser prestado SEM TvBox.

– Além disso, conforme indicado na mesma página do folheto o pack com “telemóvel” tem uma TvBox incluída.

– Acresce que também na mesma folha do folheto se pode verificar que a referida oferta está descrita junto à informação relativa ao pack “TvNetVoz+Telemóvel”, estando os dois packs devidamente separados por uma linha.

– Ainda assim, apesar de ser lógico que a oferta de videoclube e karaoke seja, naturalmente, destinada para quem tem a possibilidade de usar o serviço, (no caso, os subscritores do pack “TvNetVoz+Telemóvel” a Vodafone também atribui tal oferta a quem subscreva o pack “TvNetVoz” e pretenda alugar uma TvBox.

– Além disso, também não corresponde à verdade que a utilização de videoclube esteja restrita à visualização de filmes numa TvBox.

– Com efeito, as tecnologias evoluem e atualmente já é perfeitamente possível (e muito comum) alugar filmes do Videoclube e ver os mesmos em outras plataformas, por exemplo, acedendo através de https://tvnetvoz.vodafone.pt/sempre-consigo/  num computador, ou através de uma APP Vodafone TVNETVOZ através de um Tablet ou até um simples smartphone.

– Pelo que, resulta completamente falso o fato alegado pela reclamante!

– Quanto ao serviço de Internet (…) mais uma vez se constata que a reclamante volta a alegar algo que NÃO encontra no suporte em apreço.

– Na verdade, o suporte em apreço indica velocidade de 50 Mbps e não “até” 50 Mbps.

– Recordamos, novamente, que o folheto em apreço diz respeito à prestação do serviço na tecnologia FIBRA e não ADSL!

– E, é sabido que, as redes fixas de nova geração que disponibilizam acessos de alta velocidade são, actualmente, suportadas em fibra óptica (FTTH/FTTB) e em redes de distribuição de TV por cabo que recorram ao standard EuroDOCSIS 3.0.

– Acresce que as alegadas “condições contratuais” referidas pela reclamante – apesar de as não ter junto aos autos – as quais alertam para as eventuais limitações do serviço dizem respeito, mormente, ao serviço prestado na tecnologia ADSL, pois como é do conhecimento comum, a FIBRA instalada até à casa do Cliente não está sujeita aos mesmos constrangimentos que o ADSL.

– Com efeito, ao contrário do ADSL em que a velocidade pode variar muito e não será superior a 24Mbps, a velocidade na tecnologia Fibra não está condicionada, existindo garantia da velocidade contratada.

– Na verdade, a Vodafone GARANTE um mínimo de velocidade de 50Mbps no serviço FIBRA e é isso que indica na comunicação comercial em apreço.

– Note-se, que a terceira página do folheto indica “velocidade até 1 Gbps”. Aqui sim, podem existir condições que impeçam o alcance de tal velocidade. Por exemplo, não se encontra disponível no mercado computadores que permitam um débito de 1Gbps, dado que as portas de rede (RJ45 GIGA) que acompanham os computadores topo de gama só atingem, na teoria, a velocidade de 1Gbps, situação que não acontece quanto aos referidos 50Mbps.

– Aliás, este fato é reconhecido pelos próprios utilizadores, conforme se pode verificar em diversos fóruns tecnológicos – dos quais destacamos o forum.zwame.pt – fórum tecnológico de referência em que é comummente aceite que a Fibra da Vodafone disponibiliza mais do que a velocidade contratada: (doc. 4 e doc 5).

– Acresce que, embora esta questão não tenha sido suscitada pela reclamante, mas para que não subsista qualquer tipo de duvida, o tráfego é efetivamente ilimitado, sem qualquer politica de restrição de qualidade, velocidade ou priorização de tráfego (exp. Traffic shaping, port blocking ou speedthrottling).

– Do supra exposto resulta, inequivocamente, que TODOS os fatos alegados pela reclamante são completamente infundados, sendo que a comunicação em apreço está conforme as regras e princípios que regulam a atividade publicitária (…) pelo que, não atenta, de forma alguma contra aqueles que são os direitos dos consumidores.

– A comunicação comercial divulgada pela Vodafone não contém qualquer omissão ou ambiguidade que seja passível de confundir ou enganar o destinatário.

– O folheto reúne, detalhadamente e de forma objetiva toda a informação necessária à tomada de decisão de compra informada por parte do consumidor, não induzindo nem sendo suscetível de o induzir em erro.

– Note-se, que para se aferir o impacto de uma mensagem publicitária, e se esta é susceptível de induzir em erro um consumidor, deve tomar-se como referência a presumível expectativa de um consumidor médio (conforme resulta do n.º 2 do artigo 5º do DL 57/2008, de 26 de Março).

– E, no caso vertente, dada a informação disponível no suporte em apreço, qualquer consumidor é capaz de obter as informações de que precisa para contratar de forma consciente.

– Sendo que, no caso vertente, ao contrário do que pretendeu fazer crer a reclamante, não há qualquer margem para eventuais interpretações erróneas transmitidas pela mensagem comercial da Vodafone já que esta é objetiva e verdadeira!

– Desta forma, a comunicação comercial da Vodafone não consubstancia qualquer prática comercial desleal, não viola qualquer norma do Código de Conduta do ICAP, nem qualquer regra do Código da Publicidade.

2.   Enquadramento e fundamentação ético-legal

Concorda-se com a denunciada quando esta afirma que, para aferição da conformidade ou desconformidade de uma determinada comunicação comercial é necessário que a mensagem seja analisada no seu todo e não em apenas parte da mesma.

É com esse espírito e, nomeadamente, pelo facto de se tratar de um folheto – logo passível de ser atentamente lido pelo consumidor – que este Júri analisou a mensagem controvertida.

Incidindo a presente queixa no referido doc. 2, já que foi apenas este suporte junto aos autos e expressamente referido pela reclamante, importa então verificar da legalidade e da conformidade do mesmo com as normas em vigor.

Este folheto destina-se, de acordo com a denunciada, a novos Clientes do serviço da Vodafone prestado na tecnologia FIBRA e contém várias páginas, nas quais se pode encontrar nas quais, na verdade, se podem encontrar dizeres referentes a:

a)   Ao âmbito do serviço e à tecnologia em que o mesmo é prestado;

b)   Ao preço, características e ofertas disponíveis para os dois packs do serviço (“Tv Net Voz” e “Tv Net Voz + Telemóvel”);

c)   Às funcionalidades disponíveis; d)   À descrição detalhada dos canais para cada um dos packs acima referidos; ee)   À indicação dos contatos onde é possível obter informações adicionais, nomeadamente o site da Vodafone, sito em www.vodafone.pt.

Os factos objecto da queixa dizem respeito ao serviço de televisão e à frase a:
«Este serviço, conforme anunciado, inclui mais de 100 canais.
No entanto, pelo preço publicitado, o anunciante disponibiliza mais de 100 canais onde se inclui os canais de rádio e interativos, pelo que os referidos 100 canais não são apenas de televisão.».

Da leitura do folheto constata-se que, na verdade, o serviço da Vodafone disponibiliza mais de 100 canais, sendo 88 canais de Tv, 6 canais de Tv interativos e 14 canais de rádio ou seja, não são apenas canais de televisão pelo que não convence o argumento da queixosa na leitura que o consumidor médio possa fazer relativamente à comunicação em causa.

Também no que tange ao preço (oferta de € 25: € 20 videoclube + € 5 karaoke), igualmente aqui se nos afigura como não assistindo razão à queixosa já que a diferenciação do preço está indicada na segunda página do panfleto, onde se informa o preço das TvBoxes, sendo que a TV Box HD DVR (portanto, com gravador), tem um custo de € 5,50 e a TvBox HD (portanto, sem gravador), tem um custo de € 4,50.

O mesmo se passa, também no que se refere à questão do aluguer de uma TvBox porquanto, igualmente, aqui se pode verificar que existem dois packs, um que inclui “telemóvel” e outro que não, sendo que cada um deles pode ser prestado SEM TvBox.

Não procedem, igualmente, as acusações relativas ao facto da utilização de videoclube estar restrita à visualização de filmes numa TvBox e de condições de serviço de Internet porquanto devidamente esclarecidas no folheto e nos documentos juntos pela denunciada.

3. Decisão

Termos em que a 1ª Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da VODAFONE não viola o disposto nos artigos n.º 1 do artigo 10.º, 11.º e 12.º do Código da Publicidade e nos artigos 7.º e 9.º da Lei de Defesa do Consumidor, bem como n.º 1 artigo 7.º, na alínea a) e b) do n.º 2 do artigo 9.º do Código de Conduta do ICAP.

O Presidente da Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP

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2J/2015

Unilever Jerónimo Martins
vs.
Henkel Ibérica Portugal

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no décimo nono dia do mês de Junho do ano de dois mil e quinze, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 2J/2015 tendo deliberado o seguinte:

Processo nº 2J/2015

1.   Objecto dos Autos

A UNILEVER JERÓNIMO MARTINS, Lda., (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por UNILEVER ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a HENKEL IBÉRICA PORTUGAL, UNIPESSOAL LDA., adiante indiscriminada e abreviadamente designada por HENKEL ou Requerida), relativamente a comunicação comercial ao detergente para máquina de lavagem de roupa Persil, promovida pela última em suporte televisão, por alegada violação dos artigos 9.º e 15.º do Código de Conduta do ICAP, bem como dos artigos 14.º, n.º 2 e 16.º, n.º 2, alíneas a) e) e g) do Código da Publicidade e 7.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março.

Notificada para o efeito, a HENKEL não apresentou contestação.

Dão-se por reproduzidas a queixa e os documentos apresentados pela Requerente.

1.1. Questão prévia

1.1.1. Em requerimento da HENKEL datado de dia 15 de junho de 2015, e dirigido à Presidente do Júri, invoca-se o alegado dever de:

-a) se “…declarar a nulidade decorrente da falta de notificação da petição apresentada pela Unilever também na pessoa do mandatário constituído pela Henkel e; em todo o caso,

-b) conceder à Henkel prazo de 5 dias úteis para apresentar a sua contestação, a partir do (…) primeiro dia útil seguinte após o dia no qual a Henkel e o seu mandatário constituído tiveram conhecimento da petição…”.  (sic.), tal, com fundamento nos motivos que se resumem:

– (i) Apesar de “…segundo o aviso de receção (…) ter sido remetida no dia 2 de junho de 2015 e ter sido rececionada pelos serviços de segurança do edifício onde a Henkel tem a sua sede no dia 3 de junho de 2015, só (…) dia 15 de junho de 2015, a Henkel teve conhecimento da petição apresentada pela ‘Unilever Jerónimo Martins, Lda.’” (sic. ponto 1.) “…nos termos da carta (enviada em envelope com “janela”), para: “Henkel Ibérica, SA A/C Dra. Luísa Oliveira” (sic. ponto 3.) que “…esteve ausente do escritório de 4 a 14 de junho de 2015 – v. o Doc. n.º 1” (sic. ponto 4.);

– (ii) “…tendo em conta a forma como a correspondência em causa estava dirigida – a uma pessoa singular específica dentro da empresa -, a mesma não foi aberta por mais ninguém” (sic. ponto 5.) e “…a optar-se por esta solução (notificação dirigida à pessoa singular concretamente responsável pelo assunto, nos termos previamente indicados no quadro da mediação), então devia-se ter procedido, também, necessariamente, à notificação do advogado signatário” (sic. ponto 10.) “Que interveio no referido ato de mediação e que, logo no início da diligência, entregou, em mão, uma procuração.” (sic. ponto 11.);

– (iii) “…pela leitura do artigo 11.º, n.ºs 1 e 2, do Regulamento do Júri de Ética é inequívoco que a parte contra quem a queixa é dirigida é chamada a defender-se por via de notificação (e não de citação)” (sic. ponto 12.) e, “… quando a parte já tenha constituído mandatário, as notificações devem ser dirigidas ou só a este ou também a este” (sic. ponto 13.) dado que “É este um princípio geral de direito processual que tem, de resto, acolhimento expresso no artigo 247.º do Código de Processo Civil (o qual, na falta de regra específica sobre a matéria, contida no acima referido RJE, tem de se considerar aplicável in casu).” (sic. ponto 14.);

– (iv) “Assim sendo, a falta de notificação dirigida ao advogado signatário constitui omissão de uma formalidade essencial (notificação da petição também na pessoa do mandatário já constituído), sendo que a irregularidade cometida pode influir no exame ou na decisão da causa  (…) de facto, desde o dia 3 de junho de 2015 decorreu já o prazo de 5 dias úteis de que a Henkel disporia para se defender, pelo que, nos termos do artigo 11.º, n.º 1, do RJE, a defesa que apresentasse agora poderia ser desconsiderada, o que naturalmente é passível de distorcer o sentido de uma decisão final que viesse a ser (ilegalmente) proferida e que assentaria com grande grau de probabilidade numa perspetiva estritamente unilateral do caso.” (sic. ponto 16.) e “Desta forma, a omissão em causa gera nulidade, a qual expressamente e para todos os efeitos se argui.” (sic. ponto 17.).

1.1.2. O requerido pela HENKEL foi indeferido pelas razões que foram objeto de conhecimento pela Requerida em resposta de 16 de Junho de 2015 ao seu requerimento, e que nesta sede se resumem:

– (i) Está-se, aqui, no âmbito da autoregulação. Ora, esta possui um processo próprio o qual, entre outros fundamentos, se encontra em coerência com um nível de celeridade processual que não faça resvalar o nome da dita, para uma contradição de termos;

– (ii) Com efeito, normas existem e terminologia é encontrada no Regulamento do JE, que não correspondem às que constam do Código de Processo Civil: verifica-se a desformalização e a simplificação, fazendo-se jus ao referido princípio da celeridade;

– (iii) Por maioria de razão, e para o efeito que ora é relevante, consigna-se no artigo 11.º do Regulamento um regime próprio,  não equivalendo o termo notificação ao que se encontra no seio do Código de Processo Civil. Logo, não se aplica subsidiariamente o respetivo artigo 247.º;

– (iv) Aliás, em sede de autoregulação, só se justificará a aplicação subsidiária invocada pela HENKEL em casos circunscritos e ao jeito de “última subsidariedade”, se se verificar a total impossibilidade de preenchimento de lacunas através das normas que orientam a primeira, o que ora não se verifica;

– (v) O que leva à conclusão de que o facto de ter existido uma mediação em data anterior não pressupõe a inaplicabilidade do artigo 11.º, n.ºs 1 e 2 do Regulamento do JE ou, sequer, a presunção de existência de uma lacuna que justifique o chamamento das normas de processo civil ao caso;

– (vi) Assim, nos termos do referido preceito – sobre a epígrafe “Contestação” – dispõe-se somente que a Parte ou as Partes devem ser notificadas, e tal foi o que aconteceu no caso presente: a HENKEL recebeu a notificação para contestar a 3 de junho do corrente;- (vii) De onde, com o devido respeito, a notificação do Advogado presente na mediação que antecedeu a interposição da queixa 2J/2015 por parte da Unilever não configura um imperativo de natureza processual no âmbito da autoregulação;

– (viii) Mais, ao contrário do que se alega a ponto 10. do requerimento da HENKEL, o ICAP não optou pela “…solução (notificação dirigida à pessoa singular concretamente responsável pelo assunto, nos termos previamente indicados no quadro da mediação)” e, logo, não devia “…ter procedido, também, necessariamente, à notificação do advogado signatário”. (sic);

– (ix) Na realidade (tal como se refere a pontos 2. e 3. do requerimento) o secretariado do ICAP remeteu a carta à pessoa coletiva HENKEL, de acordo com o disposto no artigo 11.º, n.º 1 do Regulamento do JE, e ao cuidado da Responsável pela sua divisão de detergentes o que, de acordo com o que tem sido largamente considerado pela jurisprudência, deve ser entendido como tendo sido a mesma pessoa coletiva HENKEL a recebê-la;

– (x) Assim, a carta contendo a petição da UNILEVER não foi enviada a uma pessoa singular específica, pelo que deveria ter sido aberta por “alguém” da HENKEL, diversamente do que se sustenta a pontos 5. e 6. do requerimento;

– (xi) Acresce que, a carta em apreço foi recebida na HENKEL a 3 de junho (segundo site dos CTT, muito provavelmente antes das 15h00m) e as férias da Responsável pela respetiva divisão de detergentes foram iniciadas a 4, ou seja, no dia seguinte.

1.1.3. Apesar do teor da resposta ao requerimento de arguição de nulidade interposto pela HENKEL, nos termos expostos, a última, a 16 de Junho, veio requerer ao Júri que tome em consideração sete documentos apresentados na mesma data, o que entende poder “inequivocamente” fazer (cfr. ponto 6. do novo requerimento) acrescentando que, “se a ratio do regime (…) é garantir um elevado “nível de celeridade processual”, então a apresentação de documentos, nesta fase, não contradizendo esse objetivo, tem de ser aceite…” (sic. ponto 12.) e argumentando ainda, em síntese, que:

– (i) “…de facto, os documentos são apresentados hoje, dia 16 de junho de 2015, e, segundo informação obtida junto desse ICAP, a queixa só deverá ser decidida no dia 17 de junho (ou mesmo em data posterior).” (sic. ponto 12., negrito e sublinhado do Júri);

– (ii) “Ou seja, a apresentação dos documentos não bule com a tomada de decisão e com a desejada celeridade do processo.” (sic. ponto 13.);

– (iii) “…é esta interpretação, que aqui se expõe, a única que está em linha com o artigo 15.º, n.º 5, do Regulamento, onde se diz que “[a]penas serão admitidas novas provas se comprovadamente não puderam ter sido apresentadas perante a Secção.” (sic. ponto 14.);

– (iv) “O Regulamento do JE e, concretamente o seu artigo 11.º, é omisso quanto a prazos de entrega de documentos sem contestação.” (Cfr. pontos 6. a 10.);

– (v) “Nada se dizendo, não existe motivo válido para não se aceitar documentos apresentados em momento posterior ao termo do prazo para apresentação de contestação, quando esta é omissa, desde logo porque isso seria coartar um direito de defesa sem norma expressa a prevê-lo, o que naturalmente colide com os mais elementares princípios do direito” (sic. ponto 11.);

– (vi) “…é ainda manifesto que se o artigo 12.º do Regulamento admite a realização de diligências complementares, então tem também de admitir a hipótese de poderem ser juntos documentos em qualquer altura do processo de primeira instância, seja ou não a requerimento das partes (e, à cautela, para o caso de se entender que essa junção aos autos tem de ser requerida, fica aqui e por esta via expressamente formulado o respetivo requerimento.” (sic. ponto 18.).

1.1.4. A este segundo requerimento da HENKEL de 16 de junho de 2015, o Júri pouco terá a acrescentar ao que consubstanciou a resposta ao primeiro:

– (i) Não se concorda com a interpretação que a Requerida faz do artigo 11.º do Regulamento do JE, sendo o disposto no respetivo n.º 3 suficientemente claro sobre o prazo de apresentação de documentos probatórios: com a contestação;

– (ii) O disposto no artigo 15.º, n.º 5, do Regulamento refere-se a provas que, comprovadamente não puderam ter sido apresentadas perante a Secção, o que não é o caso, tal como já se tinha referido na resposta de indeferimento dada ao primeiro requerimento da HENKEL;

– (iii) Não é de forma alguma “…manifesto que se o artigo 12.º do Regulamento admite a realização de diligências complementares, então tem também de admitir a hipótese de poderem ser juntos documentos em qualquer altura do processo de primeira instância” (sic. ponto 18.), já que tais diligências têm que ser solicitadas pelo Júri em casos circunscritos –  os quais, por razões de economia, a HENKEL, dispensará o JE de elencar –  mas que, creia a Requerida, não se prendem sequer remotamente com o presente.
De onde, o Júri não tomará em consideração os sete documentos apresentados pela HENKEL a 16 de Junho de 2015, ou seja, três dias úteis após o termo do prazo para contestar.

1.1.5. Ao exposto, não quer o JE deixar de acrescentar três reparos.

Não obstante os já aludidos objetivos de desformalização e de simplificação pugnados em sede de autoregulação, o Regulamento do JE estará concebido com um mínimo de proficiência, não sendo provável que a sua redação permita fazer entrar por inúmeras janelas o que, nos termos da norma expressa do respetivo artigo 11.º, não poderá entrar pela porta sem prejuízo algum do exercício do contraditório e, antes, em prol deste.

Por maioria de razão, mal se entende a afirmação feita pela HENKEL no sentido de que a aplicação do mesmo por parte do Júri “…. seria coartar um direito de defesa sem norma expressa a prevê-lo, o que naturalmente colide com os mais elementares princípios do direito”. (Cfr. ponto 11. do requerimento de 16 de junho de 2015).

Em terceiro lugar – e não configurando claramente um fundamento do que ficou exposto e concluído – , tendo em conta o disposto no n.º 1 referido artigo 11.º do Regulamento do JE, e a bem da boa fé processual e do respeito pelas Partes, que é muito, permite-se o Júri discordar da HENKEL acerca da sua tão apurada evidência de ser este obrigado a aceitar documentos na véspera ou na ante-véspera de tomada de decisões em reunião por um coletivo (cfr. pontos 12. e 13. do requerimento de 16 de Junho), quando é sabido que aquele delibera sobre uma proposta com prazo definido, ponderadamente redigida por um relator, e remetida ao ICAP bem como aos restantes membros da secção, em tempo.

Com efeito, também por esta razão, discorda veementemente o Júri da afirmação de que “se a ratio do regime (…) é garantir um elevado “nível de celeridade processual”, então a apresentação de documentos, nesta fase, não contradizendo esse objetivo, tem de ser aceite…” (sic. ponto 12. do requerimento da HENKEL de 16 de junho).

1.2. Dos factos

A HENKEL é responsável pela divulgação através de canais televisivos generalistas e por cabo, de um spot publicitário que visa a comunicação do seu produto Persil, detergente para máquina de lavagem de roupa. (Cfr. art.ºs 1.º e 2.º da queixa e DOC. 1 da mesma).

1.2.1. Das alegações publicitárias ou claims

Resulta da análise das peças processuais e dos documentos juntos pelas Partes, serem as seguintes, as alegações publicitárias ou claims sequenciais, objecto da questão controvertida (cfr. DOC. 1 em CD-ROM) junto à queixa:

– (i) Primeiro claim verbal de criança interveniente: “Esta é a minha mãe.”;

– (ii) Segundo claim verbal de criança interveniente: “Ela é do futuro!”;

– (iii) Terceiro claim verbal de criança interveniente: “Ela tem três pernas e quatro braços.”;

– (iv) Quarto claim verbal de criança interveniente: “Ela pode jogar ao computador o tempo que quiser.”;

– (v) Quinto claim verbal de criança interveniente: “Ela tem um robot para fazer umas misturas esquisitas.”;

– (vi) Primeiro claim verbal de adulto interveniente: “Neste caso a minha escolha também é uma mistura revolucionária.”;

– (vii) Primeiro claim verbal de locutor em voz off: “Novo Persil Power Mix Caps”;

– (viii) Segundo claim verbal de locutor em voz off: “Pela primeira vez, uma combinação de gel tira nódoas com potenciador em pó”;

– (ix) Terceiro claim verbal de locutor em voz off: “Na melhor cápsula do mercado” associado a duas alegações publicitárias e a um disclaimer:   – (ix. i) Primeira alegação publicitária visual consubstanciada por legenda simultânea: “Na melhor cápsula do mercado”;-  (ix. ii) Segunda alegação publicitária visual traduzida por sequência de imagens de um gráfico com diversas cápsulas de detergentes concorrentes do produto Persil, entre os quais se encontra a de Skip (primeira da esquerda), comercializado pela UNILEVER (cfr. art.º 3.º da queixa), gráfico esse que é apresentado de forma progressiva, partindo todas as cápsulas concorrentes da mesma base e  evoluindo apenas a cápsula de Persil, de forma significativamente destacada relativamente às demais;-  (ix. iii) Disclaimer  “teste relativo à eficácia de lavagem nas nódoas” ;- (x) Segundo claim verbal de adulto interveniente: “Super limpo, super brilhante”;

– (xi) Sexto claim verbal de criança interveniente: “Super poderoso”;

– (xii) Terceiro claim verbal de adulto interveniente: “Novo Persil, a minha escolha moderna contra as nódoas”.

1.3. Das alegações da Requerente

Considera a UNILEVER em sede de queixa que a comunicação comercial da responsabilidade da HENKEL, para além de traduzir uma prática de publicidade comparativa ilícita, ofende os normativos ético-legais em vigor relativos ao princípio da veracidade e à publicidade que utiliza menores, pelas razões que, em síntese, se aduzem:

– (i) “São três as questões que a ULJM pretende submeter à apreciação do JE (…) a) utilização de crianças como protagonistas da comunicação comercial; b) A afirmação que pressupõe que PERSIL é o primeiro detergente do mercado que junta gel e pó (Pela primeira vez, uma combinação de gel tira nódoas com potenciador em pó); c) A comparação, com superioridade absoluta de PERSIL, com todos os seus concorrentes do mercado.” (sic. art.º 10.º);

– (ii) “O (…) Skip em cápsulas foi colocado em comercialização no dia 1 de Abril de 2015…” (sic. art.º 21.º), “Nessa altura, que a ULJM tenha conhecimento, não se encontravam no mercado cápsulas de Persil” (sic. art.º 22.º), “Mas ainda que nessa data existissem já (…) e que, como tal, se demonstre a precedência deste em relação a Skip, tal precedência não poderá remontar a mais do que um ou dois dias” (sic. art.º 23.º), “O que significa que, na prática, as ditas marcas chegaram ao mercado ao mesmo tempo, sendo como tal abusivo anunciar, com destaque, uma suposta precedência como uma qualidade distintiva do produto Persil.” (sic. art.º 24.º);

– (iii) “…a referência ao melhor detergente é complementada com um asterisco que remete para um texto de difícil leitura, onde se faz referência a um “teste relativo à eficácia de lavagem nas nódoas”, donde se pode presumir que a alegação publicitária diz apenas ou exclusivamente respeito a esse parâmetro…” (sic. art.º 47.º) mas, “…ainda que a HENKEL dispusesse de testes científicos que comprovassem uma eficácia substancialmente superior na remoção de nódoas (…) outros parâmetros de conceito de “melhor” teriam de ser comprovados, tais como o perfume, a suavidade da roupa, a facilidade de engomar, a manutenção das cores, a inexistência de resíduos de detergente na roupa, os efeitos na durabilidade da roupa ou outros” (sic. 48.º) e “…ainda que nos centremos apenas no parâmetro da eficácia na remoção das nódoas, não pode deixar de se considerar a comparação utilizada no anúncio de Persil como enganosa” (sic. art.º 49.º) porque “De acordo com os estudos levados a cabo (…) o produto Persil cápsulas anunciado não tem uma eficácia na remoção de nódoas significativamente superior à de Skip cápsulas, seu concorrente. (50.º);

– (iv) “…relativamente a esta categoria de produtos, o usual (…) é a utilização de alegações de paridade (como “imbatível”)” (sic. 52.º) já que, “O detergente Persil em cápsulas remove determinadas nódoas específicas de forma mais eficaz do que Skip em cápsulas, estando noutros tipos de nódoas a vantagem do lado de Skip”, (sic. art.º 55.º) e “É o que demonstram os testes realizados pela Unilever.” (sic. art.º 56.º).

2.   Enquadramento ético-legal

2.1. Da alegada violação das normas ético-legais em matéria de utilização de menores na mensagem publicitária

Refere a Requerente em sede de contestação que, “O anúncio ora em causa utiliza uma criança” (sic. art.º 11.º) a qual “… assume uma posição destacada, quer em termos de imagem, quer em termos de argumento, quer na narração do anúncio” (sic. art.º 12.º) e “Pretende (…) que o JE se pronuncie quanto à legalidade da utilização (…) ao abrigo do disposto no artigo 14.º, n.º 2 do Código da Publicidade” (sic. art.º 13.º).

De acordo com o disposto no citado n.º 2 do art.º 14º do Código da Publicidade, os menores só podem ser intervenientes principais nas mensagens publicitárias em que se verifique existir uma relação directa entre eles e o produto ou serviço veiculado.

2.1.1. Do conceito de interveniente principal

Antes de mais, cumpre ao Júri concluir sobre se a intervenção da menor interveniente na comunicação comercial em análise pode ser considerada como principal, dado que, em caso negativo, a mesma comunicação não se subsume no dispositivo em causa, -, sendo certo que não se está em presença de uma noção pertencente ao foro estritamente jurídico.
Interpretando a norma do n.º 2 do artigo 14.º do Código da Publicidade, à luz da respectiva ratio legis, crê o Júri que o conceito de “intervenção principal” na mensagem publicitária se apura de acordo com critérios de “quantidade”, e não, de “qualidade da intervenção”.

Com efeito, é hoje pacífico o entendimento de que uma criação publicitária, desde que original e exteriorizada – excepcionando-se os casos que se reportem à common law – é tida como obra, para efeitos da respectiva protecção jus-autoral. De onde, às criações publicitárias que reúnam tais requisitos positivos – mormente as televisivas – para além de se dever aplicar o quadro legal vigente em matéria de Direito de Autor, rejam, igualmente, as normas e critérios subjacentes a uma linguagem televisiva praticamente universal, a qual constitui, hoje, uma área de conhecimento científico a não menosprezar. Logo, em qualquer representação cénica ou encenação inserida na respectiva obra, quer teatral, quer audiovisual (neste último género se incluindo as cinematográficas e as televisivas, tanto de natureza editorial como publicitária), os conceitos de “interveniente principal”, de “interveniente secundário”, de “figurante” e de “figurante especial”, encontram-se definidos no seio das áreas de estudo que ficaram referidas.

Assim, quer o JE salientar que, um interveniente numa encenação não se torna “principal” porque não existam outros ou porque só exista mais um: ele é principal de acordo com a existência ou não de actuação suportada por uma caracterização física e psicológica – mínima que seja e, na publicidade, é-o geralmente -, em ordem a representar uma “personagem actuante”.

No que tange ao caso vertente, está o Júri perante a análise dos elementos de uma encenação, objecto, talvez, de story board e de shooting board prévios, na qual a participação de uma criança que aparenta possuir entre nove a onze anos de idade, à luz do exposto, terá que ser classificada como “intervenção principal”. Dito de outra forma, não se está em presença de uma “intervenção secundária”, de uma mera “figuração” ou mesmo, de uma “figuração especial”, na aceção de uma linguagem ou semântica teatral, cinematográfica ou televisiva.

Assim, entende o Júri que, a criança interveniente na campanha publicitária televisiva em apreço assume a qualidade de interveniente principal, porquanto representa um “tipo simbólico”, cuja imprescindibilidade assenta no facto de o pequeno “enredo” não ser possível sem aquela. (Cfr. DOC. 1 da petição).

Militando no sentido de tal conclusão, atenda-se ao conteúdo aos claims verbais que constituem as seis falas da criança em apreço, e vertidos a ponto 1.2.1.: (i) “Esta é a minha mãe.”; (ii) “Ela é do futuro!”; (iii) “Ela tem três pernas e quatro braços”; (iv) “Ela pode jogar ao computador o tempo que quiser”; (v) “Ela tem um robot para fazer umas misturas esquisitas” e (vi) “Super poderoso” associados a toda uma simbologia visual de admiração e carinho por uma mãe, para cuja “espetacularidade” a dita criança se torna o álibi.

2.1.2. Do conceito de relação directa entre o menor e o produto publicitado

O assaz genérico e subjetivo conceito de “relação direta” utilizado no n.º 2 do artigo 14.º do Código da Publicidade coloca problemas de índole técnico-jurídica. Tem constituído entendimento do Júri que, a intervenção de menores na publicidade deve ser permitida ainda que os produtos ou serviços anunciados não lhes sejam “especialmente destinados”, caso se possa estabelecer uma “ligação directa” (não necessariamente exclusiva), entre o produto, bem ou serviço publicitado e os mesmos menores, estabelecimento esse, que variará conforme:

– (i) a faixa etária que estiver em causa;

– (ii) o elo de ligação passível de ser estabelecido entre benefícios a retirar da utilização do produto, bem ou serviço comunicado para a faixa etária a que pertence o interveniente principal menor.

A criança média, normalmente informada e razoavelmente atenta e advertida de nove a onze anos, demonstra interesse em não vestir roupa com nódoas. Contudo, nesta faixa etária, e até sensivelmente aos doze anos, as crianças entendem sobretudo a publicidade como uma forma de entretenimento, e não crê o Júri que as mesmas dêem atenção às marcas ou aos tipos de detergentes que, em termos de supremacia e comparativamente, atingem o objetivo de “descanso e disponibilidade” das “assim super” mães, como acontece no caso em análise. Com efeito, não se aperceberão de que a capsula Persil propicia mais disponibilidade à progenitora para outras tarefas do que as outras cápsulas concorrentes, ou de que a sua roupa não possui nódoas por virtude do uso das cápsulas Persil, em detrimento das marcas concorrentes…Um e outro, os objetivos da comunicação em análise em que a menor, que aparenta ter entre nove a onze anos e idade, é interveniente simbólica indispensável.  Pelo exposto, e de par com o que se estabeleceu no ponto anterior acerca da associação entre claims verbais e signos de natureza visual representativos de admiração e carinho por uma mãe que “escolhe a cápsula de detergente certa para a roupa em prol da sua disponibilidade”, entende o Júri que a intervenção principal da menor cabe no conceito de “criança-álibi”, o que determina a ausência do requisito “relação direta” entre aquela e o produto comunicado.

2.1.3. Da prática de publicidade testemunhal por menor de idade sem o estabelecimento do requisito de relação direta

Reforçando o que se concluiu no ponto anterior, entende o JE que constitui um caso de publicidade testemunhal, o sexto claim verbal proferido pela menor interveniente na comunicação comercial da responsabilidade da HENKEL. Refere-se o Júri ao depoimento “Super poderoso” este, associado a sequência em que se visualizam “filha e mãe” em atitude de deslumbramento pelos alegados resultados de Persil numa peça de roupa.

Nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do Código de Conduta do ICAP, sob a epígrafe “Testemunhos”, “A comunicação comercial não deve reproduzir (…) qualquer testemunho que não seja genuíno, responsável, verificável e pertinente…”.

Ora, por maioria de razão do que se expendeu nos pontos anteriores, o depoimento da criança, interveniente principal no spot publicitário, feito no sentido de ser o Persil “Super poderoso”, configura um testemunho despersonalizado que prima pela ausência de genuinidade e pertinência.

2.1.4. Conclusão

Em coerência com as conclusões retiradas até aqui, entende o Júri que a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida se encontra em desconformidade com o disposto nos artigos 4.º e 17.º, n.ºs 1, do Código de Conduta do ICAP e 14.º, n.º 2 do Código da Publicidade.

2.2. Da alegada prática de publicidade enganosa

Em conformidade com o artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do Código de Conduta do ICAP, sob a epígrafe “Veracidade”, “A comunicação comercial deve ser verdadeira e não enganosa” (n.º 1) e deve proscrever qualquer declaração ou tratamento auditivo ou visual que seja de natureza a, directa ou indirectamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou ser susceptível de induzir, em erro o consumidor, designadamente no que respeita a: (2) características essenciais do produto ou que sejam determinantes para influenciar a escolha do consumidor, como por exemplo, (…) eficácia e desempenho…” (a)).

Esta norma ética encontra-se em consonância com o disposto no artigo 10.º do Código da Publicidade, segundo o qual a publicidade “…deve respeitar a verdade, não deformando os factos” (cfr. n.º1), devendo as “…afirmações relativas à origem, natureza, composição e condições de aquisição dos bens ou serviços publicitados…” ser “…exactas e passíveis de prova, a todo o momento, perante as instâncias competentes” (cfr. n.º 2.), considerando-se publicidade enganosa em sede do n.º 1 do artigo 11.º daquele diploma legal, aquela que o seja ”…nos termos do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, relativo às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores.”

De acordo com o n.º 1, alínea b) do artigo 7.º do Decreto-Lei referido supra, “É enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que este não teria tomado de outro modo…”, tais como as características principais do bem ou serviço, designadamente as suas vantagens, a sua eficácia e os resultados que podem ser esperados da sua utilização, preceito legal que encontra correspondência no artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do Código de Conduta do ICAP.

Por seu turno, nos termos do disposto no artigo 12.º do mesmo Código de Conduta, “As descrições, alegações ou ilustrações relativas a factos verificáveis de uma comunicação comercial, devem ser susceptíveis de comprovação”. (1) e “Esta comprovação deve estar disponível de maneira que a prova possa ser prontamente apresentada por mera solicitação do ICAP”. (2).

Por outro lado, nos termos da conjugação dos artigos art.ºs 2.º, alínea b), 3.º, n.ºs 2, 3 e 5 , 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2 e 12.º do Código de Conduta do ICAP e 10.º, e 11.º, n.ºs 1 e 3 do Código da publicidade, não só o entendimento que o consumidor médio é susceptível de fazer em relação a uma comunicação comercial é susceptível de comprovação, como à Requerente assiste o direito de inversão do ónus da prova.

Analisada a comunicação comercial da Requerida, conclui o JE que assiste razão à Requerente quanto ao afirmado em sede de contestação, no sentido de que: “Tal comprovação deverá abranger toda a extensão da alegação publicitária em causa, isto é: a. Deve comprovar que se comparou com todos os detergentes em cápsulas presentes no mercado português, pois só assim pode fundamentar a comparação de superioridade absoluta; b. Deve comprovar que é melhor relativamente a todas e quaisquer características do produto e não apenas em algumas circunstâncias, porquanto o anúncio em causa afirma sem margem para dúvidas tratar-se da melhor cápsula do mercado; c. Deve comprovar que a vantagem do detergente Persil em cápsulas em todas as referidas circunstâncias é muito significativa, porquanto essa é a mensagem transmitida pelo gráfico que é apresentado aos consumidores.” (sic. art.º 43.º).

Tal entendimento não fica prejudicado pelo facto de considerar o Júri que os DOCS. 3 e 4, juntos à petição pela Requerente, não permitem comprovar qualquer paridade entre os produtos da UNILEVER e da HENKEL que se encontram em causa porquanto, para além de os estudos de laboratório a que se reportam não terem sido efetuados por uma entidade independente, carecem de relatório. De qualquer forma, não é sobre a Requerente que impende o ónus da prova e sim, sobre a Requerida.

Ora, em coerência, entende o Júri que, por ausência de contestação por parte da HENKEL esta, por referência aos parâmetros que se passarão a expor, não logrou comprovar a veracidade de toda a extensão de significado das seguintes alegações publicitárias (cfr. 1.2.1. e DOC 1. junto à petição):

– “Novo Persil Power Mix Caps”; “Pela primeira vez, uma combinação de gel tira nódoas com potenciador em pó”;

– “Na melhor cápsula do mercado”.

Com efeito, os claims “Novo Persil Power Mix Caps”; “Pela primeira vez, uma combinação de gel tira nódoas com potenciador em pó” são de molde a criar a convicção junto do consumidor médio, razoavelmente atento esclarecido e informado, “…de que o produto anunciado é inovador, na medida em que foi o primeiro produto que combina o detergente em gel com o detergente em pó” (cfr. art.º 17.º da petição), não só antes do equivalente da UNILEVER – que, comprovadamente, foi colocado em comercialização no dia 1 de Abril de 2015 (Cfr. DOC. 2 junto à queixa)  – como, pelos da restante concorrência, o que carece de comprovação. Tal, através de uma amostra significativa que teria que abarcar todas as marcas cujos sinais distintivos se possam confundir com os elementos e claims visuais constantes do gráfico que pretende comunicar a alegada superioridade da cápsula Persil. (Cfr. DOC. 1 junto à queixa). Isto, já que a comunicação comercial tem que ser analisada como um todo.

Por outro lado, atenda-se ao facto de estarmos em presença de uma prática de publicidade comparativa explícita de tom exclusivo , no que tange ao claim, “Na melhor cápsula do mercado”. Independentemente da questão da ausência de prova – que deveria incidir sobre a alegada supremacia exclusiva em relação à totalidade da concorrência, nos mesmos termos e pelas razões que o Júri referiu quanto às alegações “Novo Persil Power Mix Caps”; “Pela primeira vez, uma combinação de gel tira nódoas com potenciador em pó” -, verifica-se, em qualquer circunstância, uma desconformidade com o disposto no artigo 9.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-lei n.º 57/2008.

Dito de outra forma, conclui Júri pela existência de uma prática de publicidade enganosa por omissão que abrange:

– (i) a ilegibilidade do disclaimer relativo à alegação “Na melhor cápsula do mercado” identificado através de um asterisco que remete para um texto onde se faz referência a um “teste relativo à eficácia de lavagem nas nódoas” (cfr. art.º 47.º da petição), o que fará com que o destinatário da comunicação creia que a alegada superioridade de Persil se reporta, não só ao parâmetro remoção de nódoas mas, igualmente, a outros parâmetros de conceito de “melhor”, tais como a alegada inovação, o perfume, a suavidade da roupa, a facilidade de engomar, a manutenção das cores, a inexistência de resíduos de detergente na roupa, os efeitos na durabilidade da roupa ou outros, todos, a carecerem de comprovação (cfr. art.º 48.º da queixa) e, não se aplicando aqui, a exceção prevista no n.º 2 do artigo 9.º do Decreto-lei n.º 57/2008;

– (ii) os claims visuais traduzidos por sequência de imagens de um gráfico com diversas cápsulas de detergentes concorrentes do produto Persil, entre os quais se encontra a de Skip (primeira da esquerda), comercializada pela UNILEVER (cfr. art.º 3.º da queixa), gráfico esse apresentado de forma progressiva – partindo todas as cápsulas concorrentes da mesma base e evoluindo apenas a cápsula de Persil, de forma significativamente destacada relativamente às demais (cfr. DOC. 1 da petição) – e “parando com medidas” que, a olho nu, permitem crer que o produto da HENKEL é, em mais de 50%, superior ao da UNILEVER. Tal, sem qualquer escala ou ordem de valores percentuais aposta nos vários elementos figurativos que representam a concorrência – e com a qual a Persil se compara explicitamente  – utilizando uma espécie de fantasia gráfica com tamanhos que parecem aleatórios, a qual não se coaduna com a obrigação de habilitar o destinatário com à perceção do alegado grau de superioridade das cápsulas Persil. Mais, tão pouco, se conforma com os requisitos de objetividade e suscetibilidade de comprovação exigíveis em sede de princípio da veracidade e de práticas de publicidade comparativa.

Pelo exposto, entende o Júri que a comunicação comercial da responsabilidade da HENKEL configura um caso de publicidade enganosa, por desconformidade com o disposto nos artigos nos artigos 4.º, n.º 1, 9.º, n. ºs 1 e 2, alínea a) e 12.º do Código de Conduta do ICAP, bem como nos artigos 7.º, n.º 1, alínea b) e 9.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março.

2.3. Da alegada prática de publicidade comparativa ilícita

Nos termos do artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP, sob a epígrafe ”Comparações”, “É comparativa a comunicação comercial que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente” (n.º1) e a mesma não deve (2) (…) ser enganosa (a)) enganosa; (…) desrespeitar os princípios da leal concorrência; (d)) desacreditar ou depreciar marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens, serviços, actividades ou situação de um concorrente; (f))  retirar partido indevido do renome de uma marca, designação comercial ou outro sinal distintivo de um concorrente ou da denominação de origem de produtos concorrentes (h))”, normas que se encontram em consonância com o artigo 16.º n.º 2, alíneas a) e) e g), do Código da Publicidade, invocado pela UNILEVER.

Por maioria de razão do que se concluiu no ponto anterior, verifica-se a desconformidade da peça publicitária em lide com o disposto nas alíneas a) dos n.ºs 2 dos preceitos citados, com fundamento em prática de publicidade enganosa relativamente à comunicação de inovação e de superioridade em todos os parâmetros subsumíveis no significado de “melhor cápsula” para o consumidor médio.

Ora, é esta enganosidade com os contornos que ficaram definidos que, no entender do JE, é suscetível de determinar não só a desacreditação dos produtos e marcas da concorrência e, concretamente, da UNILEVER mas, igualmente (porque aqui se trata de publicidade comparativa explícita), a conclusão no sentido de que se retira partido indevido do respetivo renome marca, designação comercial e sinal distintivo e, logo, de que se ofende o princípio da livre e leal concorrência, por desconformidade com o disposto nas alíneas d), f) e h) do n.º 2 do artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP.Com efeito, não se comunica somente a supremacia das cápsulas Persil ao nível de todos os parâmetros possíveis de serem entendidos pelo claim “Na melhor cápsula do mercado” e “gráfico” associado. Comunica-se, igualmente, a ineficácia generalizada da concorrência explicitamente identificada:
3.   Decisão

Termos em que, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da HENKEL, em apreciação no presente processo, se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4.º, n.º 1, 9.º, n. ºs 1 e 2, alínea a) 12.º, 15.º, n.º 2, alíneas a), d), f) e h) e 17.º, n.º 1 do Código de Conduta do ICAP, bem como dos artigos 14.º, n.º 2 e 16.º, n.º 2, alíneas a) e) e g) do Código da Publicidade e, ainda, 7.º, n.º 1, alínea b) e 9.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipo de ilícito apurados pelo JE.

A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP

Auto Regulação2J / 2015 :: Unilever Jerónimo Martins vs. Henkel Ibérica Portugal
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1J / 2015 :: Sociedade Água do Luso vs. Unicer Bebidas de Portugal

1J/2015

Sociedade Agua do Luso
vs.
Unicer Bebidas de Portugal

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no quinto dia do mês de Junho do ano de dois mil e quinze, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 1J/2015 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 1J/2015

1.   Objecto dos autos

1.1.   A SOCIEDADE DA ÁGUA DE LUSO, S.A., (“LUSO” ou “Queixosa vem, nos temos do artigo 10.º do Regulamento do Júri de Ética do ICAP (“Regulamento JE”) apresentar queixa contra VMPS – ÁGUAS E TURISMO, S.A., (adiante abreviadamente “VIDAGO” ou denunciada), relativamente a relativamente à campanha publicitária/comunicação comercial efectuada à marca “Água das Pedras”, consubstanciada em diversos anúncios veiculados na internet e materiais publicitários diversos, por violação do disposto nos artigos 9º, 12º, 15º e 16º do Código de Conduta do ICAP, nos artigos 4º e 7º, nº 1, alínea b) do Decreto-Lei nº 57/2008, de 26 de Março (de ora em diante, “Regime Jurídico das Práticas Comerciais Desleais”), nos artigos 10º, 11º, 12º, e 16º do Código da Publicidade, bem como nos artigos 4º, 6º, 8º e 10º do Regulamento (CE) nº 1924/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de Dezembro de 2006 (de ora em diante, o “Regulamento (CE) nº 1924/2006”).

1.2.   Notificada para o efeito, a Unicer Bebidas de Portugal, SGPS S.A apresentou a sua contestação.

1.3.   Dão-se por reproduzidas a queixa, a contestação e os documentos apresentados pelas Partes.

1.4.   Síntese da posição da parte queixosa

As posições da Queixosa podem ser sintetizadas como segue:
– A Unicer lançou uma campanha publicitária à marca “Água das Pedras” cujo mote é “Porquê beber Pedras e não uma água com gás qualquer?” e slogan “Cuidado com as aparências. Pedras é Pedras. Tudo o resto é só água com gás.”;

– A campanha publicitária em causa, nos moldes em que é realizada, consubstancia publicidade comparativa ilícita e publicidade enganosa, com violação dos normativos legais que consagram os princípios da veracidade e do respeito aos direitos do consumidor, através da utilização de alegações publicitárias visuais, orais e escritas, no que se incluem alegações de saúde, ilegais;

– Os vários spots (pelo menos três) a que a Queixosa teve acesso estão a ser veiculados nas páginas de internet e do Facebook, no âmbito da qual estão também a ser realizadas alegações publicitárias, nutricionais e de saúde de natureza variada, alusivas seja aos nutrientes que fazem parte da composição química de Água das Pedras, quanto ao produto em si;

– Os três spots correspondem, em termos gerais, a um cenário no qual duas mulheres, representadas provavelmente pela mesma actriz (por terem a mesma aparência física), se encontram em pé, com uma bancada à sua frente, cada uma com uma garrafa verde diante delas, e posicionadas, cada uma, de um lado do ecrã:

– A publicidade é realizada de maneira a induzir o consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido, às conclusões – falsas e enganosas, como adiante se demonstrará – de que este obterá resultados positivos e superiores se consumir Água das Pedras, do que os resultados obtidos por força do consumo de qualquer outra água com gás;

– Conforme resulta dos spots publicitários que a Queixosa ora identifica, torna-se claro não só que a Unicer declara que, no mercado das águas com gás, pelo menos a Luso com Gás tenta imitar o sabor de Água das Pedras, como também comunica aos destinatários através do mote e slogan que utiliza, que Pedras é superior às demais água com gás, factos que se requer, sejam provados pela Unicer;

– Acresce que, a Unicer, ao caricaturar a voz da actriz após a ingestão da água com gás não identificada, fazendo referência à adição de gás – que se demonstra pela voz aguda utilizada, a qual é geralmente associada à ingestão de gás hélio – desacredita, denigre e deprecia todas as restantes marcas de águas com gás, e especialmente Luso com Gás ali representada pela sua garrafa, em violação à alínea f) do número 2.º do artigo 15º e do artigo 16º do Código do ICAP e alínea e) do número 2 do artigo 16º do Código da Publicidade;

– Além disso, através das alegações publicitárias utilizadas, a Unicer apresenta, ainda que indirectamente, todos os restantes produtos da categoria das águas com gás e Luso com Gás em específico, como uma tentativa de imitação e/ou reprodução do sabor/produto Água das Pedras (i.e. “Esta pode querer passar por igual àquela”, referência ao “sabor inimitável”, “Cuidado com as aparências”, “Pedras é Pedras. Tudo o resto é só água com gás” e “Porquê beber Pedras e não uma água com gás qualquer? destacados nosso);

– Realizando ainda, publicidade comparativa de tom excludente, cuja legalidade requer-se seja comprovada pela Unicer, pois com as frases “Só Pedras é Pedras. Tudo o resto é só água com gás.” e “Porquê beber Pedras e não uma água com gás qualquer?” coloca-se, indirecta mas propositadamente, numa situação de superioridade comparativa face às demais águas com gás (…) não restando, pois, a menor dúvida sobre o carácter comparativo ilícito e enganoso das mensagens comunicadas;

– Em relação às alegações de saúde (…) da análise conjunta dos spots publicitários e do conteúdo disseminado na página internet referida, é forçoso concluir que a Unicer comunica de forma ilegal, directa e indirectamente que, por força única e exclusiva do consumo de Água das Pedras, as actrizes conseguiram efeitos benéficos à saúde, de natureza diversa (i.e. ao nível da pele, na redução e regulação do colesterol, entre outros);

– A Unicer nos spots publicitários e na página internet referida apresenta alegações ilegais, de duas maneiras distintas (…) em relação à primeira forma, o consumidor médio, depreende que apenas por força do consumo de uma garrafa de “Água das Pedras” de 250ml (tal como a que se visualiza no spot) obterá, por exemplo, a facilitação do processo digestivo, a prevenção de oxidação e envelhecimento das células, o proporcionar de uma sensação de bem-estar, a ajuda na recuperação de excessos (i.e. do álcool) e a existência de um benefício na redução e regulação do colesterol, o que não se pode dizer corresponder à realidade e tão pouco à legalidade, afirma a queixosa.

– Salvo prova em contrário pela Unicer, todas estas alegações de saúde que directamente referem efeitos obtidos pelo consumo de Água das Pedras deverão considerar-se como ilegais e enganosas devendo, consequentemente, ser imediatamente retiradas de todos os suportes publicitários de Água das Pedras;

– A Unicer destaca várias vezes na página internet referida, os efeitos benéficos do bicarbonato de sódio (“Água das Pedras combina bicarbonato e sais minerais”, “O bicarbonato e outros minerais naturais presentes na Água das Pedras, como o cálcio e os sais,” e “A Água das Pedras é uma água mineral gasocarbónica rica em bicarbonato”), que é supostamente um elemento químico que compõe a Água das Pedras;

– Porém, este elemento químico não consta de nenhuma alegação de saúde aprovada na lista anexa ao Regulamento (UE) nº 432/2012 e, por esse motivo;

– Também todas as alegações de saúde e referências ao bicarbonato de sódio realizadas nas comunicações comerciais da Água das Pedras deverão ser retiradas, em conformidade, por ilícitas e enganosas (i.e. “elementos que facilitam o processo digestivo e asseguram que a uma boa refeição se segue uma digestão tranquila.”, “permitem incrementar o grau de ph oral e preservar a sua saúde dentária” e “o que lhe atribui características benéficas na redução e regulação do colesterol.”);

– Já em relação aos elementos químicos cujas alegações a Unicer refere e que de facto estão incluídos na lista anexa ao Regulamento (UE) nº 432/2012, a saber, os sais minerais magnésio e cloreto, também estas alegações de saúde são ilegalmente realizadas nos spots e na página internet referida e faltam para com a verdade (…);

– Salvo prova em contrário, a Unicer não apresenta nem a quantidade de Água das Pedras que é necessário consumir para que se obtenha tais benefícios alegados, tão pouco o modo de consumo, realizando, uma vez mais, publicidade ilegal;

– A campanha publicitária da Unicer comporta uma violação clara dos princípios legais e de auto-regulação em que é permitida e aceite realizar publicidade em Portugal;

– Resulta claro (…) que a Unicer, ao referir que a água com gás da marca não identificada tenta passar por igual à Água das Pedras, apresentando Luso com Gás como uma imitação ou tentativa de reprodução, viola o disposto na alínea i) do n.º 2 do artigo 15º do Código de Conduta do ICAP bem como a alínea h) do n.º 2 do artigo 16º do Código da Publicidade;

– A Unicer procura ainda, através da utilização da referência indirecta ao gás hélio, expor todas as águas com gás que não sejam Água das Pedras ao ridículo, desrespeitando-as de forma clara, tentando desacreditá-las e denegri-las junto do consumidor, violando assim a alínea f) do n.º 2 do artigo 15º do Código de Conduta do ICAP e do artigo 16º do mesmo código bem como a alínea e) do n.º 2 do artigo 16º do Código da Publicidade;

– Quanto às várias alegações de saúde feitas pela Unicer de forma ilícita e que, face à aparente falta de sustentação científica, se revelam enganosas porque induzem o consumidor médio em erro, verifica-se existir violação dos artigos 4º, 6º, 8º e 10º do Regulamento nº 1924/2006, que estabelecem em que condições podem ser feitas as alegações nutricionais e de saúde;

– Resulta ainda claro que a Unicer, ao não ter uma base que comprove as alegações de saúde que faz acerca do produto Água das Pedras e/ou dos minerais que a compõem, está a induzir em erro o consumidor médio em relação aos resultados que este pode esperar ao utilizar o produto Água das Pedras, violando assim os artigos 4º e 7º, n.º 1, b), do Regime Jurídico das Práticas Comerciais Desleais.

1.5.   Síntese da posição da parte denunciada

– A SAL bem sabe ou devia saber, a marca Pedras (entre outras veja-se a marca nacional 408852) e a marca Água das Pedras (entre outras veja-se a marca nacional 326829), pertencem à VMPS, empresa que se dedica à captação e engarrafamento da água em questão (…) sendo a comercialização da marca Pedras efectuada pela UNICER BEBIDAS;

– A Queixa a que ora se responde tem por objecto uma campanha publicitária efectuada com a marca “Água das Pedras”, consubstanciada em diversos anúncios veiculados na internet e materiais publicitários diversos por, alegadamente, violar várias normas do Código de Conduta do ICAP, do DL 57/2008, do Código da Publicidade e do Regulamento CE n.º 1924/2006;

– Ora, salvo o devido respeito, as alegações contidas na queixa apresentada pela SAL carecem de oportunidade e até de falta de fundamento, de facto ou de Direito (…), já que, afirma, “a Queixosa faz uma análise fora de tempo e descontextualizada da campanha em apreço, esquecendo que uma apreciação séria da licitude de qualquer campanha publicitária não poderá deixar de ter em atenção a globalidade dos elementos que a compõem, bem como o seu significado no conjunto da mensagem publicitária;

– Ao contrário do alegado pela Queixosa (…) a campanha publicitária objecto do presente processo não pretendem desrespeitar normas ou princípios ético-publicitários;

– A campanha publicitária em causa deixou de ser difundida no dia 2 de Abril do corrente ano, ou seja, mais de um mês e meio antes da apresentação da queixa sub judice por parte da SAL;

– Alguns conteúdos estiveram ainda activos através das hiperligações dos sites dado que, tecnicamente, não foi possível a alteração imediata e simultânea em todas as plataformas;

– Ainda assim os sites da marca Pedras foram revistos e não difundem as informações, alegações ou conteúdos referidas na queixa desde 15 de Maio, ou seja, ainda antes da entrada da queixa da SAL;

– Face ao exposto, está prejudicado o pedido vertido na aludida queixa, pela sua inoportunidade e intempestividade, dado que a queixa foi apresentada bastante tempo depois de ter terminado a campanha;

– Os sites da UNICER não difundem ou divulgam as informações, alegações ou conteúdos que constam da queixa apresentada pela SAL (…) O que sucede, pelo menos, desde 15 de Maio pp.;

– Ora, não estando a campanha em vigor há quase dois meses e não sendo feitas pela UNICER desde momento anterior à entrada da queixa da SAL quaisquer das alegações referidas na queixa, inexiste fundamento para qualquer interdição (…) pelo que deverá ser julgada improcedente a queixa formulada pela SAL, devendo, em consequência, esse Júri abster-se de deliberar no sentido requerido pela Queixosa;

– Acrescendo que, face à abstenção de deliberação, também não se aplicará ao presente caso o disposto no artigo 18º do Regulamento do JE, dado que não havendo deliberação também não existirá publicação da mesma;

– A UNICER não violou ou desrespeitou o princípio da veracidade (art. 9º do Código de Conduta do ICAP), pois não enganou os consumidores de Pedras nem o público em geral assim como não faltou à verdade na sua comunicação;

– Também não existe qualquer comparação com um concorrente na campanha em causa. Na verdade, para além de não existir qualquer comparação com produtos concorrentes, ainda mais difícil se torna de perceber como se enquadra nesse conceito de produto concorrente a Luso com Gás;

– Não pretende, naturalmente, a campanha em causa, denegrir nada nem ninguém mas somente salientar ou destacar as características únicas de um produto e as suas reconhecidas e públicas virtudes que permitem a sua distinção;

– Em nenhum momento a UNICER pretendeu com a sua campanha identificar a marca Luso com Gás, quer por não fazer qualquer sentido dirigir qualquer campanha especificamente só para um produto ou marca quer ainda por a campanha em causa não pretender identificar qualquer produto ou marca concorrente;

– Sempre se acrescentará que a palavra “concorrente” que a SAL utiliza para designar a sua marca Luso com Gás (face a Pedras) chega a ser pretensiosa, pois a marca em causa não designa qualquer água mineral natural gasocarbónica, segmento natural da marca Pedras;

– Ainda assim se repete que a UNICER unicamente pretendeu com a campanha destacar e enaltecer as diferenças e a naturalidade de Pedras e não denegrir ou desacreditar qualquer concorrente, muito menos por comparação;

– Quanto às invocadas alegações de saúde – que segundo a Queixosa eram feitas por remissão -, repete-se que não existiam no momento da queixa, nem existem presentemente, dado que, desde momento anterior à entrada da queixa da SAL no ICAP que não estão presentes nos sites da UNICER que fazem publicidade às suas marcas Pedras e Água das Pedras quaisquer conteúdos ou informações que pudessem ser confundíveis com alegações de saúde (…) sendo, pois, inoportuno, discutir, neste momento e neste fórum, a necessidade ou não de sustentação cientifica das mesmas;

– Sempre se acrescentando que as alegações ou informações não induzem em erro os consumidores de Pedras nem os consumidores médios e que foram no passado objecto de estudos e pareceres técnicos que confirmaram as mesmas (…) não sendo a campanha e publicidade em causa, pois, enganosas;

– A postura da Queixosa é surpreendente, pelos argumentos aduzidos e pela forma agressiva com que os mesmos são apresentados, parecendo mais preocupada em atacar e esconder algo do que alertar para potenciais ou eventuais erros ou lapsos de um concorrente;

– (…) Naturalmente, a Luso com Gás, não é uma “água mineral natural” !!! (…) Embora tal facto não seja percepcionado pelo consumidor médio que é assim enganado;

– Sendo, pois, a publicidade à marca Luso com Gás claramente enganosa alicerçando a rotulagem e campanhas do produto e marca em questão em argumentos enganadores para o consumidor médio;

– A queixa apresentada pela SAL é extemporânea e carece de oportunidade falhando ainda na fundamentação factual e jurídica (…) é ainda descontextualizada da campanha em apreço;

– A campanha publicitária, objecto desta querela e os elementos, alegações ou informações que são imputados à UNICER não eram difundidos, nem divulgados ou tão pouco existiam, no momento em que a queixa foi apresentada;

– A campanha objecto do presente processo não pretendeu desrespeitar quaisquer normas ou princípios ético-publicitários;

– Inexiste fundamento para a interdição de utilização das alegações e informações difundidas ou divulgadas pela UNICER nos seus sites, dado que as mesmas não existiam no momento em que foi apresentada a queixa;

– A UNICER não pretendeu desrespeitar normas ou princípios ético-publicitários, nem tão pouco enganar os consumidores, assim como não faltou à verdade na sua comunicação;

– A publicidade da UNICER não é enganosa.

2.   Enquadramento e fundamentação ético-legal

2.1. Questão prévia Cumpre em primeiro lugar esclarecer a matéria atinente à questão prévia levantada pela Denunciada no ponto III da sua contestação referente à parte dos “pedidos efectuados na queixa”.

Estes reportam-se a:

a)   suspensão imediata da campanha e b) interdição da utilização das alegações

Alega esta que campanha publicitária em causa deixou de ser difundida no dia 2 de Abril do corrente ano, ou seja, mais de um mês e meio antes da apresentação da queixa sub judice, sendo que “alguns conteúdos estiveram ainda activos através das hiperligações dos sites dado que, tecnicamente, não foi possível a alteração imediata e simultânea em todas as plataformas.”Assim sendo, afirma, e “ainda assim os sites da marca Pedras foram revistos e não difundem as informações, alegações ou conteúdos referidas na queixa desde 15 de Maio, ou seja, ainda antes da entrada da queixa da SAL.”.

Isto para alegar que, no seu entender, está prejudicado o pedido vertido na aludida queixa, pela sua inoportunidade e intempestividade, dado que a queixa foi apresentada bastante tempo depois de ter terminado a campanha.

No segundo caso, o do pedido de interdição da utilização das alegações, defende a denunciada que “os sites da UNICER não difundem ou divulgam as informações, alegações ou conteúdos que constam da queixa apresentada pela SAL”. O que sucederá, afirma, pelo menos, desde 15 de Maio pp. Para com isto pretender dizer que, não estando a campanha em vigor há quase dois meses e não sendo feitas pela UNICER desde momento anterior à entrada da queixa da SAL quaisquer das alegações referidas na queixa, inexiste fundamento para qualquer interdição.

Pelo que, defende, deverá ser julgada improcedente a queixa formulada pela SAL, devendo, em consequência, esse Júri abster-se de deliberar no sentido requerido pela Queixosa.

Mais defende que, face à abstenção de deliberação, também não se aplicará ao presente caso o disposto no artigo 18º do Regulamento do JE, dado que não havendo deliberação também não existirá publicação da mesma.

Não tem, no entender deste Júri, razão a Denunciada. E isto por duas ordens de razões: a primeira prende-se com o facto de devermos ter sempre em linha de conta os objectivos inerentes à autodisciplina da publicidade e que se encontram presentes no Código de Conduta do ICAP.

Na verdade, o que está em causa, em primeiro lugar, é o fomentar da auto-regulação e das boas práticas junto dos vários agentes envolvidos, reforçando a componente ética nas várias vertentes da Comunicação Comercial sem prejuízo da componente jurídica.

Significa isto que as deliberações do Júri de Ética têm, sobretudo, um efeito que se pretende profiláctico e no sentido de assegurar as boas práticas no âmbito da comunicação comercial. O que sucederá tanto nos casos da apreciação de campanhas em curso como, também, no efeito útil que tal apreciação tem para o enquadramento dos anunciantes em situações vindouras.

Esta questão prende-se com a alegação da denunciada de que se deveria considerar como prejudicado o pedido vertido na queixa, pela sua inoportunidade e intempestividade, dado que a queixa foi, afirma, apresentada bastante tempo depois de ter terminado a campanha.

Uma parte queixosa tem, na verdade, a expectativa de poder ver a sua queixa apreciada, consideração esta que o Júri subscreve, salvo casos manifestos de inutilidade superveniente da lide o que, no nosso entender, não sucede nos presentes autos.

Na verdade, não tem o JE garantias de que, apesar de decorrido mais de um mês e meio, e sendo que alguns conteúdos estiveram ainda activos através das hiperligações dos sites a que a Denunciada alude, esses mesmos conteúdos não possam, de alguma forma, ser ainda visualizados na Internet, o que, a acontecer, não deixaria de significar a existência de mensagens publicitárias que seriam passíveis de chegar aos consumidores, sendo que a revisão dos sites da marca Pedras não, só por si, suficiente para poder afastar essa possibilidade.E isto para concluir que o JE entende não dever abster-se de deliberar pelo que, havendo deliberação, há, evidentemente, necessidade de publicação da mesma e isto independente da análise de fundo da campanha que mais à frente se fará.

2.2. Quanto a esta sempre se dirá que é nosso entendimento que as afirmações “Porquê beber Pedras e não uma água com gás qualquer?” e “Cuidado com as aparências. Pedras é Pedras. Tudo o resto é só água com gás.”, se podem configurar como consubstanciando, desde logo, mas não exclusivamente, publicidade comparativa implícita, a par da existência de alegações publicitárias, nutricionais e de saúde de natureza variada, alusivas, seja aos nutrientes que fazem parte da composição química de Água das Pedras, como, também, ao produto em si.

Quanto aos três spots, é entendimento do JE que, do seu visionamento, se retira ser possível de identificar o produto da ora Queixosa denominado “Luso com Gás”.

Concorda-se, também, com a Queixosa quando esta faz alusão ao conteúdo da deliberação do JE deliberou no âmbito do processo nº 40J/2007: “Entende o Júri que a apreciação individual de cada um dos claims da campanha publicitária (…) em apreço, desligados do respectivo contexto (…) é susceptível de não expressar de forma cabal a representação que do conjunto da mesma é feita na mente do consumidor médio”., sendo que, em consequência, as alegações publicitárias realizadas nos três filmes publicitários deverão ser analisadas pelo seu todo, ou seja, um conjunto de elementos que integra as alegações publicitárias e as de saúde constantes na página internet na qual estão disponibilizadas, e, ainda, pela mensagem única e final transmitida aos consumidores.

Mas, a par de publicidade comparativa, existe também a vinculação de publicidade de tono excluyente, ou de tom excludente, visível, nomeadamente, na afirmação “Só Pedras tem gás cem porcento natural.

É captada de fontes intocadas na zona preservada do vale de Pedras Salgadas e engarrafada tal como sai da fonte.” Ouvindo-se, imediatamente de seguida, o mote da campanha “Cuidado com as aparências. Pedras é pedras. Tudo o resto é só água com gás”.
Importa, assim, conferir, desde logo, da licitude da utilização de tais figuras no âmbito da comunicação comercial veiculada no âmbito dos três spots, a saber “Sabias que as águas com gás não são todas iguais?”; “Umas são gaseificadas, ou seja, têm o gás adicionado artificialmente”; “Pedras é única. Naturalmente gasosa com gás carbónico cem por cento natural que vem directamente da fonte”; “Cuidado com as aparências. Pedras é pedras. Tudo o resto é só água com gás”; “Esta água pode querer passar por igual àquela”. “Mas se a provarmos, descobrimos que são muito diferentes”.

Não está qui em causa no nosso entender, nem podia estar, a qualidade intrínseca da Água das Pedras mas, tão somente, o de se saber se tais afirmações se coadunam com as regras ético-legais em vigor face ao conteúdo que resulta das mensagens veiculadas que, pretensamente, traduz a existência de uma comparação com as outras águas concorrentes, e com a da Queixosa em particular e, em segundo lugar, afirma a superioridade a mesma face a toda a concorrência com factos que, evidentemente, carecem de prova.

A que acresce a eventual prática de denegrição e depreciação de marcas de águas com gás, e especialmente Luso com Gás ali representada pela sua garrafa, isto tanto nos filmes como na comunicação veiculada através de Internet.Ora a verdade é que, apesar de se tratar de uma questão relacionada com o sabor, não é despicienda a questão do gaz hélio que, pretensamente, é associado ao produto da queixosa, ao invés do da Anunciante.

Resulta para o JE como evidente que, através da utilização, com características negativas e sem qualquer prova nos autos, da referência indirecta ao gás hélio, há na verdade a exposição de todas as águas com gás que não sejam Água das Pedras, uma situação de depreciação e desrespeito junto do consumidor, violando-se assim a alínea f) do n.º 2 do artigo 15º do Código de Conduta do ICAP e do artigo 16º do mesmo código bem como a alínea e) do n.º 2 do artigo 16º do Código da Publicidade.

Em relação às alegações de saúde veiculadas caberia à ora denunciada provar a capacidade alegada das águas das Pedras de, em resultado do seu consumo exclusivo, as actrizes em causa conseguirem efeitos benéficos à saúde, de natureza diversa, o que a Denunciada não logrou fazer ao não juntar qualquer tipo de prova aos autos e em sede de aprovação de alguma alegação de saúde que permitisse à Unicer realizar legalmente as alegações de saúde que veiculou, dessa foram violando o regime legal estabelecido pelo Regulamento (CE) nº 1924/2006, sendo pois que tais alegações, face à ausência de prova, se deverão considerar como enganosas.

A este facto acresce que, também, no que respeita aos efeitos benéficos do bicarbonato de sódio (“Água das Pedras combina bicarbonato e sais minerais”, “O bicarbonato e outros minerais naturais presentes na Água das Pedras, como o cálcio e os sais,” e “A Água das Pedras é uma água mineral gasocarbónica rica em bicarbonato”), também não ter sido feita prova nos autos de que este elemento químico conste de alguma alegação de saúde aprovada na lista anexa ao Regulamento (UE) nº 432/2012.

O mesmo se passa, igualmente, no que tange à comprovação em sede de afirmações como “Contribui para uma pele mais jovem” e “Contribui para prevenção de cãibras e fadiga”, as quais carecem de validação nos termos dos artigos 15º a 18º do Regulamento (CE) nº 1924/2006, do artigo 12º do Código de Conduta do ICAP e do artigo 10º, nº 2, do Código da Publicidade.

3. Decisão

Termos em que a 1ª Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da VMPS viola o disposto nos artigos 9º, 12º, 15º e 16º do Código de Conduta do ICAP, os artigos 4º e 7º, nº 1, alínea b) do Regime Jurídico das Práticas Comerciais Desleais, dos artigos 10º, 11º, 12º, e 16º do Código da Publicidade, bem como dos artigos 4º, 6º, 8º e 10º do Regulamento nº 1924/2006, de 20 de Dezembro de 2006, devendo cessar de imediato caso tal não tenha ainda sucedido e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipos de ilícito apurado pelo JE.».

O Presidente da Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP

Auto Regulação1J / 2015 :: Sociedade Água do Luso vs. Unicer Bebidas de Portugal
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