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3J / 2016 :: Reckitt Benckiser Portugal vs. Procter & Gamble Portugal

3J/2016

RECKITT BENCKISER PORTUGAL
vs.
PROCTER & GAMBLE PORTUGAL

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no quinto dia do mês de Abril do ano de dois mil e dezasseis, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 3J/2016 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 3J/2016

1.   Objeto dos autos

1.1.   A Reckitt Benckiser (Portugal), S.A., adiante designada por Requerente ou RB, veio apresentar queixa junto do Júri de Ética Publicitária do ICAP contra a Procter & Gamble Portugal – Produtos de Consumo, Higiene e Saúde S.A., adiante designada por Requerida ou P&G, relativamente a campanha publicitária do produto “Fairy Platinum”, promovida em suporte televisivo e subsumida a dois filmes publicitários, por violação do princípio da veracidade e por configurar publicidade comparativa ilícita nos termos do artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP e do artigo 16.º do Código da Publicidade.

1.2.   Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua contestação.

1.3.   Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e documentos juntos pelas Partes.

1.4.   Das alegações publicitárias
As alegações publicitárias em análise fazem parte de uma campanha publicitária difundida em suporte televisivo entre 4 a 31 de Janeiro e 8 a 25 de Fevereiro, constituída por dois filmes publicitários, um com 10 segundos – Spot 10” – e outro com 20 segundos – Spot 20” que se encontram objetivamente descritas no art.º 3º da queixa apresentada, admitido pela Requerida, e que resumidamente se transcrevem:

I – Spot 10”
O filme inicia-se na cozinha, com o “Pai” e os dois filhos, o “Filho” e a “Filha”, na rotineira ação de colocar a loiça na máquina de lavar.
Em rodapé é possível ler a mensagem: “Para a remoção de calcário use um produto de limpeza de máquina ou outro método”
O “Pai” tira das mãos do “Filho” um pirex sujo e com ar reprovador afirma “Passar por água!”, transmitindo ao “Filho” que aquela peça de loiça não podia ser colocada na máquina sem antes ser passada por água, caso contrário não ficaria devidamente limpa.
Eis que a máquina de lavar loiça “ganha vida” e, dirigindo-se ao “Pai” afirma:“Não passe por água! Mude para Fairy Platinum. Fairy limpa os restos difíceis da sua loiça e até limpa toda a gordura do filtro”
Enquanto estas afirmações são proferidas em voice-over, visualmente são apresentadas as seguintes mensagens:
É sugerido que esta família mude do detergente que usa, para Fairy Platinum. A embalagem do detergente que usam está em cima da máquina de lavar loiça e é representada por uma imagem (é admitido pela requerida tratar-se de imagem pixelizada de marca concorrente). Lentamente esta imagem, em morphing, transforma-se numa embalagem de Fairy Platinum.
De seguida é apresentada uma comparação side-by-side que inicia com a comparação de duas pastilhas diferentes, Fairy Platinum, à direita, e outra, azul com uma bola vermelha no centro, à esquerda.
No topo é possível ler a frase “Travessa com restos de massa no forno lavada num Míele a 50 graus”.
A comparação continua com a demonstração da suposta ação destas duas pastilhas de detergentes para máquina da loiça: Fairy Platinum do lado direito e a outra pastilha do lado esquerdo, identificada agora com uma legenda onde se pode ler “Pastilha Tudo em Um mais vendida”.
Ambas as pastilhas vão atuando, lavando os pirex, evidenciando uma ação mais rápida da pastilha de Fairy Platinum, terminado com a apresentação side by side de um pirex limpo, brilhante, imaculado, com um efeito de brilho resplandecente, alegadamente lavado com a pastilha de Fairy Platinum e de um outro ainda com restos de comida destacados propositadamente com um círculo, baço, alegadamente lavado com a “Pastilha tudo-em-um mais vendida”.
O filme evolui de seguida para uma imagem do filtro da máquina de lavar loiça sujo, que, por ação de Fairy Platinum, fica limpo.
Por fim é apresentado o shot final com a imagem de Fairy Platinium, onde se pode ler “ADORA O IMPOSSÍVEL”.

1.5.   Síntese das alegações da Requerente:
Entende a Reckitt Benckiser que os spots publicitários em apreço, constituem publicidade comparativa ilícita e denigrem a Reckitt Benckiser enquanto concorrente, e que, ainda que se considere não configurar uma comparação, as comunicações serão enganosas, pois comportam as seguintes mensagens-chave, sintetizadas nas suas conclusões:

(i)   Com o detergente que normalmente as famílias usam há necessidade de passar a loiça previamente por água antes de ser colocada na máquina e com Fairy Platinum a loiça não tem de ser passada por água antes de ser colocada na máquina para obter resultados excelentes, razão pela qual é sugerido às famílias que mudem para Fairy Platinum para “Nunca mais” ter de “enxaguar”.
Enquanto se faz esta afirmação é apresentada uma imagem pixelizada de uma embalagem, em tons de azul e vermelho, de um outro produto detergente para máquina de loiça que se vem a saber mais tarde ser a “Pastilha tudo-em-um mais vendida” da “marca mais vendida”. Pastilha essa que é representada pela imagem de uma pastilha azul com uma bola vermelha no centro.
(…) “Considerando o JE que não existe publicidade comparativa” dever-se-á “determinar que a utilização das expressões «Pastilha tudo-em-um mais vendida» e «a marca mais vendida» «pela impossibilidade de identificação por parte do consumidor médio da «marca mais vendida» – com a qual se compara o produto da» P&G «são de molde a gerar uma prática de publicidade enganosa» (…) em face da sua ambiguidade resultante da impossibilidade de identificação do produto com o qual a comparação é realizada.”
“Considerando o JE que existe publicidade comparativa” por identificar, “expressa ou implicitamente, um concorrente de Fairy Platinum: Finish All in One” considera a Requerente que a comparação é enganosa e como tal não é lícita, desrespeitando os princípios da leal concorrência, pois:
– “Fairy Paltinum e Finish All in One – não podem ser objetivamente comparados, pelas razões supra expostas que dizem respeito ao facto do segmento de mercado em que cada um se insere, sendo o Fairy Platinum um produto premium e o Finish All in One um produto de gama média, como o preço de venda que é praticado pelos retalhistas de cada produto permite comprovar.”.
– “(…) procurou, ao comparar produtos não comparáveis, desacreditar e depreciar a marca Finish, da sua concorrente Reckitt Benckiser, que os consumidores conseguem identificar nos produtos em apreço, e que a P&G visou como sendo a pastilha da marca mais vendida. Ao apresentar um pirex baço e com restos de comida como tendo sido lavado com Finish, claramente a P&G teve como objetivo denegrir a marca e os produtos da Reckitt Benckiser.”.
(ii)   “Apresenta-se uma comparação lado-a-lado de eficácia de lavagem de restos difíceis de comida (alegadamente uma travessa de massa no forno) em que se fazem duas comparações semelhantes, mas diferentes:
– No Spot 10” compara-se Fairy Platinum com a “Pastilha tudo-em-um mais vendida”, pois o voice-over refere “Mude para Fairy Platinum. Fairy limpa os restos difíceis da sua loiça”.
Já no Spot 20” a comparação é algo diferente, pois compara-se genericamente “As cápsulas líquidas e em pó de Fairy” com a “Pastilha tudo-em-um mais vendida” da “marca mais vendida”.
Considera, assim, a Requerente que são “todas as cápsulas de Fairy, quer líquidas, quer em pó, que estão a ser o objeto da afirmação de superioridade e da comparação com a pastilha tudo-em-um mais vendida da marca mais vendida”. Invocando os testes carreados como documentos 5 e 6, a Requerente invoca que a o seu produto Finish Quantum tem eficácia e desempenho equivalentes ao Fairy Platinum pelo que o claim ofende o princípio da veracidade e “denigre os produtos e marca da Reckitt Bensicker ao transmitir aos consumidores uma menos eficácia do produto que não é de todo verdadeira”.
(iii)   “As cápsulas de Fairy limpam toda a gordura do filtro da máquina e visualmente o filtro fica como novo. Porém, durante ambos os filmes é evidenciada uma mensagem que refere que para limpar o calcário é necessário utilizar um produto limpa máquinas “ou outro método”.”
Entende, neste particular, a Requerente estar a mensagem publicitária “ferida de uma ambiguidade tal que só pode ter como resultado ser enganosa para o consumidor médio” pois o que este “vai reter é que usando o detergente Fairy vai ter o filtro da sua máquina tão limpo quanto é apresentado na mensagem da publicidade. O que também ofende o princípio da veracidade, e torna a publicidade em causa enganosa.”
(iv)   “O produto Fairy Platinum faz a máquina de lavar loiça fazer o impossível, o que não é alcançado por nenhum outro produto, razão pela qual se transmite a mensagem de que é necessário mudar para Fairy Platinum: “Mude para Fairy Platinum e veja a sua máquina fazer o impossível.”.
Entende a Requerente que este claim é enganoso dado “que, tal como resulta do teste acima junto como Doc. 6, pelo menos Finish Quantum é tão eficaz quanto Fairy Platinum, logo faz tanto o «impossível» como Fairy”, concluindo pelo caráter enganoso da afirmação e, como tal, pela sua ilicitude.  Termina requerendo ”seja declarada a ilicitude da publicidade ora denunciada e ordenada a cessação imediata e definitiva da mesma”.

1.6.   Síntese das alegações da Requerida
Contraditando a argumentação da Requerente, sustenta a “P&G” na sua contestação, e em suma, que:
(i)   Os spots publicitários em causa “recorrem à figura da publicidade comparativa que, como sabemos é permitida por lei, usando para o efeito o produto comercializado pela Reckitt Benckiser sob a marca Finish All-in-One”, alegando ainda que as pastilhas para lavagem de louça na máquina – Finish All-in-One são as mais vendidas no mercado português, não juntando para o efeito qualquer documentação, antes reconhecendo o alegado pela Requerente para o qual remete nesta sede.
Entende, assim, a Requerida que a comparação é “evidente para o consumidor médio, não só porque o formato da pastilha Finish (não apenas na sua versão All-in-One, mas também noutras versões disponíveis no mercado sob a marca «Finish») é um formato muito característico, composto por um rectângulo azul e branco com uma esfera encarnada no topo, e facilmente reconhecido pelo consumidor médio, como também a mancha gráfica das embalagens do Finish – azul e encarnada – também ser muito característica.”.
A menção à “marca mais vendida” não é, assim, no entender da Requerida ambígua porque comprovada pelos factos carreados pela Requerente e porque é facilmente apreensível pelo consumidor médio.
(ii)   Admitindo o recurso à figura da publicidade comparativa, a Requerida, quanto à claim relativa à existência de uma comparação ilícita porque entre produtos não comparáveis por pertencerem a segmentos de mercado diferentes, contesta a alegação da Requerente sustentando que o preço do produto não determina o segmento de mercado, mais referindo que “Cada marca/ produto tem a sua política de go-to-market, que obedece a critérios tão dispares como de imagem, comunicação e posicionamento da marca, até mesmo a um preço que seja diferenciador” pelo que “Não pode a Reckitt Benckiser concluir que o Fairy Platinum, por ser ligeiramente mais caro do que o Finish All-in-One, é por isso premium.”.
Defende, assim, que a comparação é lícita, não violando o disposto na alínea b) do n.º 2 do CCICAP, pois identifica produtos que respondem às mesmas necessidades ou que têm os mesmos objetivos, sendo relevante para o consumidor.
Pretendendo demonstrar que a Requerente tem ela própria recorrido a publicidades comparativas semelhantes, junta a Requerida filmes publicitários divulgados pela Reckitt – Doc. nº 1, 2, 3, 4 e 5 divulgados nos Estados Unidos da América (os dois primeiros e o quarto), no Reino Unido (o terceiro) e na Nova Zelândia (o último).
(iii)   Quanto à alegada afirmação de superioridade contida na menção “Não passe por água/ “Veja a sua máquina fazer o impossível” a Requerida defende que “Não é objetivo dos anunciantes, neste caso da Procter & Gamble, focar a performance dos produtos seus concorrentes, mas sim enaltecer as capacidades do produto anunciado.” Sendo que o que se pretende transmitir ao consumidor e o que ele perceciona é a capacidade do produto Fairy Paltinum de remover os restos de comida “sem a necessidade de uma passagem prévia por água.” “Tal não significa que outros produtos, nomeadamente o Finish All-in-One, também não dispensem essa pré-lavagem. E nunca, direta ou indiretamente, a Procter & Gamble afirmou tal.”.
(iv)   Quanto ao claim “Veja a sua máquina fazer o impossível”, a Requerida defende consistir num exagero publicitário (ou “puffering”), mecanismo legítimo de publicidade, dado que no “caso ora sob análise, não existe qualquer tentativa de denegrição do produto da Reckitt Benckiser. Ao alegar que o Fairy Platinum “faz o impossível”, a mensagem que se está a transmitir é a de que este produto dispensa, de facto, a pré-lavagem e que é um produto realmente bom.”
A Requerente sustenta o claim publicitário “As cápsulas liquidas e em pó de Fairy são tão potentes que limpam melhor os restos difíceis da loiça do que a marca mais vendida”, com a “apresentação de testes realizados pelo laboratório independente Eurofins ATS, que efetivamente, as cápsulas ou pastilhas para a máquina Fairy Platinum limpam melhor os restos de comida do que o Finish All-In-One, não apenas no que diz respeito a restos de massa no forno, como também de restos de outros alimentos, como ovo ou carne moída. Dos relatórios carreados nesta contestação pela Procter & Gamble, resulta a existência de uma performance superior de Fairy Platinum em relação a Finish All-In-One (…) que lhe permite alegar que Fairy Platinum limpa melhor os restos difíceis da loiça. (…) De facto, os testes realizados pelo referido relatório e que se encontram juntos a esta contestação, demonstram que o pirex de vidro com restos de massa quando lavado com Finish All-In-One, fica com restos de comida agarrados na base do pirex, ao invés do que acontece com Fairy Platinum.
(v)   Quanto ao “E até limpa toda a gordura do filtro”, acompanhado do disclaimer “Para a remoção de calcário use um produto de limpeza de máquina ou outro método”, em conjunto com a alegação “Veja a sua máquina fazer o impossível”, contesta a Requerente que “O claim publicitário usado pela Procter & Gamble apenas e unicamente se refere gordura, e não a calcário.” E que, “Exatamente para que o consumidor não seja induzido em erro quanto à capacidade que Fairy Platinum tem em remover a gordura do filtro é que a Procter & Gamble entendeu conveniente e relevante colocar o referido disclaimer.”

2.   Enquadramento ético-publicitário

2.1.   Enquadramento prévio
A diretiva sobre práticas comerciais desleais visa a harmonização das disposições nacionais aplicáveis a práticas comerciais lesivas dos interesses económicos dos consumidores, incluindo a publicidade desleal, e que indiretamente prejudicam também os interesses económicos de concorrentes. A harmonização diz, assim, respeito a um dos aspetos da concorrência desleal que consiste nas práticas comerciais que lesam os interesses económicos dos consumidores. A concorrência desleal passa a ter como beneficiário direto o consumidor. Aos Estados-Membros permite-se a regulação da concorrência desleal, mas quanto ao relacionamento entre concorrentes.
Entende, assim, o JE que o Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de março, na redação que lhe é dada pelo Decreto-lei n.º 205/2015, de 23 de setembro, concentra o regime da publicidade comparativa nas relações de consumo, estabelecendo uma proibição geral única das práticas comerciais desleais que distorcem o comportamento económico dos consumidores e aplica-se às práticas comerciais desleais, incluindo a publicidade desleal, que prejudicam diretamente os interesses económicos dos consumidores e indiretamente os interesses económicos de concorrentes. O art.º 7.º daquele diploma estatui, sob a epígrafe “Ações enganosas”, especialmente quanto à publicidade comparativa, que “Atendendo a todas as características e circunstâncias do caso concreto, é enganosa a prática comercial que envolva: a) Qualquer atividade de promoção comercial relativa a um bem ou serviço, incluindo a publicidade comparativa, que crie confusão com quaisquer bens ou serviços, marcas, designações comerciais e outros sinais distintivos de um concorrente.” Com a publicação do Decreto-lei n.º 205/2015, de 23 de setembro, é ampliado o âmbito de aplicação do regime das práticas comerciais desleais às relações entre empresas, conformando-se o entendimento quanto ao caráter enganoso da ação que “induza ou seja suscetível de induzir em erro em relação aos elementos identificados nas alíneas a) a d) e f) do n.º 1.”.
Serve a explanação para demonstrar que o que justifica a redação invocada pela Requerida do art.º 43.º do Código da Publicidade é a consagração, no Decreto-Lei nº 57/2008, de 26 de março, de uma proibição geral única das práticas comerciais desleais que distorcem o comportamento económico dos consumidores. O que não significa que o normativo não seja aplicável na determinação da concorrência desleal.

2.2.   Da existência de publicidade comparativa
É tese da Requerida, admitida pela Requerente, que os spots em análise configuram juridicamente o recuso à figura da publicidade comparativa. E esta será também, no entender do JE, a perceção que o consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e perspicaz, terá do que visiona e a interpretação que fará da mensagem áudio e visual transmitida, a qual assenta na contraposição existente na apresentação side-by-side de produtos e no claim “Mude para Fairy Platinum e veja a sua máquina fazer o impossível”.
Senão vejamos:
Nos termos do n.º 1 do artigo 15.º do CCICAP, “é comparativa a comunicação comercial que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente”.
A utilização, admitida pela Requerida, da imagem pixelizada da embalagem do concorrente Finish convertida em morphing numa embalagem de Fairy Platinum, bem como a comparação side-by-side das pastilhas Fairy e Finish, é demonstrativa da comparação, ainda que implícita, de marca concorrente, sendo inequívoco que a mesma é percecionada pelo consumidor.
Entende, todavia, o JE, que ao contrário do pretendido pela Requerida, a comparação que os spots em análise induzem não é entre a pastilha Fairy Platinum e a pastilha Finish All-in-One, que a Requerida alega visar na mensagem veiculada. No entender do JE, os spots, visualmente e mediante a legenda aplicada ao produto sujeito à comparação como sendo a “Pastilha tudo-em-um mais vendida” não permitem uma identificação clara e objetiva do produto Finish All-in-One, mas antes o reconhecimento da marca concorrente Finish.
A publicidade comparativa implícita é, em geral, sempre mais ambígua que uma publicidade comparativa explícita ou direta e, sendo intenção da Requerida, a comparação não com a marca mas com um produto específico desta, como é defendido em contestação, poder-se-á questionar eticamente o recurso a uma imagem pixelizada acompanhada do claim “pastilha mais vendida”, tornando-a assim ambígua. Como bem observado por este JE na análise de situações semelhantes, raramente este tipo de expressões se compaginam com o requisito de objetividade que se exige neste tipo de comunicação. Neste caso, concedendo o JE na possibilidade de identificação da marca Finish, considera não ser percetível para o consumidor tratar-se da pastilha Finish All-in-One em especial, o que é de certa forma admitido pela Requerida no ponto 12 da sua contestação.
Refira-se que, sendo o ónus de comprovação das mensagens veiculadas da Requerida, a menção à “pastilha tudo-em-um mais vendida” permanece na opinião do JE por comprovar dado que, nesta questão, a Requerida apenas adere à prova carreada pela Requerente como Doc. 3.
Ora, o estudo refere-se ao posicionamento da marca Finish, não descriminando ou identificando qualquer produto por si comercializado, pelo que, não logrando a Requerida provar a posição líder desta pastilha em especial, ter-se-á de entender ser a comparação presumivelmente enganosa.

2.3.   Da ilicitude da comparação
Configurando o caso em apreço um exemplo de publicidade comparativa, nos contornos enunciados, resta apreciar se a mesma cumpre os princípios constantes do CCICAP e que regem a apreciação do JE nos termos do art.º 13.º do seu regulamento.
Nos termos do n.º 1 do art.º 4.º do CCICAP, “Toda a Comunicação Comercial deve ser legal, decente, honesta e verdadeira” devendo, nos termos do n.º 2, “ser conformes aos princípios da leal concorrência, tal como estes são comummente aceites em assuntos de âmbito comercial”.
Por sua vez, o art.º 9.º, relativo ao princípio da veracidade, estatui que “A Comunicação Comercial deve proscrever qualquer declaração, alegação ou tratamento auditivo ou visual que seja de natureza a, direta ou indiretamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou ser suscetível de induzir, em erro o Consumidor, designadamente no que respeita a: a) caraterísticas essenciais do Produto ou que sejam determinantes para influenciar a escolha do Consumidor, como por exemplo: (…), eficácia e desempenho, (…)”.
Existindo, no caso concreto, o recurso à publicidade comparativa, interessam em especial os requisitos de conformidade desta comparação, enunciados no n.º 2 do art.º 15.º do mesmo Código, a saber: a) não ser enganosa; b) identificar apenas bens ou serviços que respondam às mesmas necessidades ou que tenham os mesmos objetivos; d) não desrespeitar os princípios da leal concorrência; e) não gerar confusão no mercado entre (…) bens ou serviços do anunciante ou de um concorrente; e, por fim, f) não desacreditar ou depreciar marcas (…) de um concorrente.
Ora, como se verifica dos termos dos normativos citados, dois dos traços essenciais da publicidade comparativa são a veracidade, avaliada de acordo com o definido nos art.ºs 9.º do CCICAP e 10.º e 11.º do Código da Publicidade, e o respeito pelo princípio da leal concorrência nos termos da alínea d) do n.º 2 do art.º 15.º e n.º 2 do art.º 4.º do CCICAP.
Efetuado o enquadramento legal, para melhor entendimento da análise às questões apresentadas e que têm relevância à causa de pedir, entende-se de utilidade a redução das questões a analisar, focando a análise nos claims e consequências respetivas e que se podem resumir nas seguintes alegações:

a)   As expressões “Pastilha tudo-em-um mais vendida” e “marca mais vendida” constituem publicidade comparativa enganosa por não permitirem a identificação do produto com o qual se faz a comparação.
Resulta do explanado no ponto 2.2. que, sendo percetível para o consumidor a existência de uma comparação, admitida pela Requerida, a mensagem veiculada nos spots em análise é suscetível de “gerar confusão no mercado entre (…) marcas” e “bens” (…) de um concorrente, não sendo claro o objeto da comparação, se a marca Finish, se o produto Finish All-in-One por esta comercializado.
Os spots recorrem a uma comparação implícita assente na referência indireta realizada visualmente e que apelam às caraterísticas gráficas da marca e do claim “pastilha tudo-em-um mais vendida”. Todavia, a associação ao claim “pastilha tudo-em-um mais vendida” remete para uma comparação com a marca líder Finish, único facto comprovado por adesão da Requerida ao Doc. 3 carreado pela Requerente. Não se encontrando provada a liderança da pastilha Finish All-in-One, a mensagem publicitária, no seu todo, é ambígua, nos termos do da alínea e) do n.º 2 do art.º 15.º do CCICAP.

b)   Sendo publicidade comparativa, é enganosa também porque não pode ser objetivamente comparado ao produto Finish All-In-One
Atento ao já exposto, a análise da comparabilidade entre os produtos Finish All-in-One e Fairy Platinum é, no entender do JE, desnecessária, sendo a mensagem desde logo ambígua pela confusão que cria quanto ao que é comparado. Assim, ainda que os estudos juntos pela Requerida como Docs. 6 e 7 permitissem comprovar uma superioridade em termos de eficácia e desempenho do produto Fairy Platinum sobre o produto Finish All-in-One, o que não é admitido, a mensagem é ainda equívoca ou ambígua, suscetível de induzir o destinatário em erro dado que a referência da “comparação” – marca e “género de pastilhas” – não permite uma identificação objetiva do produto Finish All-in-One como objeto da comparação por parte do destinatário, admitindo-se todavia que perceciona uma comparação implícita com a marca Finish.
Assim, os estudos apresentados pela Requerida debruçam-se numa comparação diferente, não servindo de prova à veracidade da claim consubstanciada na associação da imagem pixelizada da marca Finish com a legenda “pastilha tudo-em-um” mais vendida e por maioria de razão à legenda “a marca mais vendida”. A comparação implícita que resulta percetível ao consumidor é com a marca e a associação ao claim é comprovada pelo doc. 3 junto pela Requerente e admitido pela Requerida.
Quanto aos documentos n.ºs 1 a 5 juntos pela Requerida, importa referir não serem os mesmos relevantes ao mérito da causa. Com efeito, interessa ao JE a análise do caso em concreto e não de eventuais condutas anteriores do agente económico. Ademais, os spots constantes dos documentos juntos não foram objeto de difusão em Portugal, sendo sabido que a publicidade comparativa tem limites díspares entre ordenamentos, bem como diferentes níveis de aculturação, nomeadamente, nos Estados Unidos da América.

c)   A mensagem “Não passe por água / veja a sua máquina fazer o impossível” é enganadora porque é publicidade comparativa exclusiva quanto à propriedade de pré-lavagem, o que não é verdade dado que o produto da Requerente tem as mesmas qualidades.
Concorda o JE com a Requerente quanto à qualificação como publicidade de tom exclusivo do claim em análise, reforçado pelo facto de a mesma recorrer à técnica comparativa e a associação, por contraposição, ao claim “marca mais vendida”. Nestes casos, pela suscetibilidade de desacreditação ou depreciação de um concorrente, e/ou seus produtos, é eticamente exigível especial objetividade, impondo-se a sua veracidade; que os bens comparados sejam equivalente em funções ou objetivos, seja objetiva não gerando confusão no mercado e a possibilidade de comprovação dos critérios de comparação, conforme exigido pelo art.º 16.º do Código da Publicidade.
Vale aqui de novo o raciocínio seguido no já exposto, concluindo-se que o claim não se encontra comprovado porquanto a prova apresentada não permite concluir pela melhor eficácia e desempenho do produto Fairy Platinum relativamente a todos os produtos da marca Finish. Com efeito, no limite, o estudo apresentado pela Requerida permitiria a análise de uma comparação entre Finish All-in-One e Fairy Platinum. Sendo o objeto da comparação, perceptível ao consumidor, a marca Finish, o estudo não permite comprovar a veracidade das alegações publicitárias. Refira-se, ainda a este respeito, o teste junto como Doc. 6 pela Requerente, que induz numa eficácia equivalente entre Fairy Platinum e um produto do concorrente, colocando em crise a alegação “veja a sua máquina fazer o impossível”. Por outro lado, também o Doc. 5 junto pela Requerente vai em sentido diverso do estudo apresentado pela Requerida, evidenciando resultados de limpeza a 100% sem pré-lavagem de um produto da concorrente, o que permite a ponderação do valor probatório dos documentos juntos ao processo.
Entende, assim, o JE que a comparação, nos termos do art.º 15.º do CCICAP, é enganosa, ferindo o princípio da veracidade estabelecido no art.º 9.º porquanto é suscetível de induzir em erro o Consumidor quanto à sua eficácia e desempenho, conforme alínea a), do n.º 2 deste artigo. O normativo encontra correspondência nos artºs. 10.º e 11.º do Código da Publicidade.
De acordo com o art.º 10.º, “A publicidade deve respeitar a verdade, não deformando os factos”, devendo as “afirmações relativas à origem, natureza, composição e condições de aquisição dos bens ou serviços publicitados” ser “exatas e passíveis de prova, a todo o momento”.
A qualificação de enganosa é operada por remissão, no caso, para o disposto no art.º 7.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, que dispõe que “É enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente corretas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja suscetível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduz ou é suscetível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo: (…) b) As características principais do bem ou serviço, tais como (…) os resultados que podem ser esperados da sua utilização (…)”. Atentas as conclusões a que levam a aplicação do princípio probatório relativo à observância do princípio da veracidade e de prática de publicidade resultante n.º 3 do art.º 11.º e n.º 5 do art.º 16.º do Código da Publicidade, nos termos da qual se presumem inexatos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, em linha com o determinado pelo art.º 12.º do CCICAP, não pode este JE deixar de considerar a publicidade enganosa.
Refira-se que o JE concorda com a Requerida quando esta afirma, no ponto 76 da sua contestação, que o exagero publicitário contido no claim “veja a sua máquina fazer o impossível” “não constitui um método para viciar a vontade do consumidor, não sendo per si, um método enganoso”. No entanto, entende o JE que, associado às imagens de louça suja que surgem na comparação, e sendo a mesma ambígua, o claim assume um caráter enganoso, sendo também uma prática comercial desleal ilícita, pois conduz à denegrição do concorrente, nos termos da alínea f) do n.º 2 do art.º 15.º do CCICAP, e a alínea e) do n.º 2 do art.º 16.º do Código da Publicidade, violando o disposto no n.º 2 do art.º 4.º do CCICAP.
A publicidade comparativa está intimamente ligada à denigração do concorrente e é curioso observar que os casos tipificados no art.º 317.º do CPI se aproximam de casos de publicidade comparativa ilícita, sendo também certo, porém, que estando a publicidade comparativa taxativamente regulada no Código da Publicidade, qualquer situação de publicidade comparativa ilícita, ainda que configurando concorrência desleal, é regulada por aquele.

d)   “Até limpa toda a gordura do filtro” é enganoso por induzir em erro quanto à real capacidade de limpeza do filtro, dado o disclaimer associado relativo à remoção do calcário.
Neste claim em particular, entende o JE não assistir razão à Requerente, não se configurando que o claim “até limpam toda a gordura do filtro”, associado ao disclamer “Para a remoção de calcário use um produto de limpeza de máquina ou outro método” configure publicidade enganosa. Com efeito, nenhuma das alegações é suscetível de confusão, referindo-se o claim expressamente à remoção de gordura e não do calcário.

3.   Decisão 

Assim, entende este Júri que a comunicação comercial, configurando um exemplo de publicidade comparativa, viola o princípio da veracidade e o princípio da leal concorrência nos termos do n.º 1 do art.º 4.º e o art.º 9.º do CCICAP, sendo ambígua pelo tratamento visual e associação ao claim “pastilha mais vendida”. Acresce que é suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à eficácia e desempenho do produto, por não se encontrar comprovada mensagem que resulta da associação de publicidade comparativa implícita à alegação “não passe por água/veja a sua máquina fazer o impossível”. Considera, assim, o JE que a mensagem veiculada no conjunto dos spots publicitários violam o disposto no art.ºs 9.º do CCICAP e os art.ºs 10.º e 11.º do Código da Publicidade, bem como o respeito pelo princípio da leal concorrência nos termos da alínea d) do n.º 2 do art.º 15.º e n.º 2 do art.º 4.º do CCICAP, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipos de ilícitos apurados pelo JE.».

A Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP

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