2016

6J / 2016 :: ASA – Advertising Standards Authority vs. TAP Portugal

6J/2016

ASA – ADVERTISING STANDARDS AUTHORITY
vs.
TAP Portugal

 

EXTRACTO DE ACTA

 

Reunida no décimo sexto dia do mês de Maio do ano de dois mil e dezasseis, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 6J/2016 tendo deliberado o seguinte:

Processo nº 6J/2016

1. Objecto dos Autos

1.1. A ASA – ADVERTISING STANDARDS AUTHORITY (adiante abreviadamente designada por ASA), intervindo no âmbito de queixas transfronteiriças veio, junto do Júri de Ética do Instituto Civil de Autodisciplina da Comunicação Comercial – ICAP (adiante abreviada e indiferenciadamente designado por JE ou Júri), reencaminhar queixa do Requerente Gray Friend contra a TAP PORTUGAL (adiante abreviada e indiferenciadamente designada por TAP ou Requerida), relativamente a comunicação comercial a aquisição de bilhetes de avião on line, feita através de suporte Internet, por alegada prática de publicidade enganosa.

Tendo sido notificada para o efeito, a TAP não apresentou contestação.
Dão-se por reproduzidos a queixa e os documentos juntos pelo Requerente.

1. 2. Questão prévia

Em conformidade com documentos entranhados no processo, a contestação da TAP foi apresentada três dias depois do último dia de prazo estabelecido para o efeito no artigo 11.º do Regulamento do JE, pelo que este não a tomará em consideração.

1.3. Dos factos

De acordo com os documentos juntos ao processo, encontra-se colocada em crise a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida – feita em suporte Internet, através do TAP UK website – onde, em destaque, se descrevem as características essenciais das várias modalidades de aquisição de bilhetes de avião e as correspondentes tarifas aplicáveis, bem como onde se permite a respectiva aquisição, sendo que, em “executiva”, são as seguintes, as possibilidades comunicadas (cfr. doc. junto aos autos com a queixa):

“TAP Products
Please chose —————————————– executive
(optional)
(…)
Changes/Cancellation ——————————– Free/Full Refund”

Encontram-se previstas várias penalizações na página final – disponível aquando do efectivo pagamento de bilhetes em classe executiva, in casu, de Barcelona para Lisboa, – na eventualidade de cancelamento, as quais variam consoante a antecedência da comunicação de tal intenção. (Cfr. doc. junto à queixa).

A questão controvertida assenta no facto de ter pretendido a Requerente adquirir um bilhete cujas cláusulas de adesão aplicáveis propiciassem uma total flexibilidade em termos de cancelamento, sem a imposição de penalizações – o que, nos termos da comunicação comercial da responsabilidade da TAP seria permitido em classe executiva: “Changes/Cancellation – Free/Full Refund” – e de ter sido a mesma Requerente confrontada com a informação subsequente (e veiculada pela Requerida aquando da compra) de que, em tal caso, seriam aplicadas penalizações. (Cfr. queixa e docs. juntos à mesma):

1.4. Das alegações da Requerente

O sistema das queixas transfronteiriças em matéria de autoregulação baseia-se no “princípio do país de origem” que norteia o próprio Direito Comunitário, de acordo com o qual, qualquer comunicação comercial deverá cumprir a legislação do país onde a mesma seja veiculada e, ou, no caso de o veículo ser um suporte ou meio não convencional – como o marketing directo ou a Internet – as normas legais do país de origem do anunciante, in casu, o ordenamento jurídico português. Este sistema foi criado e estabelecido pela EASA – European Advertising Standards Alliance – organismo de que o ICAP faz parte.

Em conformidade, atenda-se ao disposto nos artigos 4.º, n. º 1 e 5.º do Código de Conduta do ICAP, respectivamente, sob a epígrafe “Princípios Fundamentais” e “Legalidade”, segundo os quais, “Todas as comunicações comerciais devem ser legais, decentes, honestas e verdadeiras” e devem “…respeitar os valores, direitos e princípios reconhecidos na Constituição e na restante legislação aplicável”. Logo, devem ser conformes com a moldura legal em matéria de princípio da veracidade.

Por seu turno, em conformidade com o artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) do Código de Conduta do ICAP, sob a epígrafe “Veracidade” – que encontra correspondência nos artigos 10. º e 11. º do Código da Publicidade (o último, de acordo com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n. º 57/2008, de 26 de Março, artigo 7. º, n. º 1, alínea d) – “A comunicação comercial deve ser verdadeira e não enganosa” (n.º 1) e deve proscrever qualquer declaração ou tratamento auditivo ou visual que seja de natureza a, directa ou indirectamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou ser susceptível de induzir, em erro o consumidor, designadamente no que respeita a: (2) características essenciais do produto ou que sejam determinantes para influenciar a escolha do consumidor, …” (a) e “valor do produto e preço total a pagar pelo consumidor.” (b).

Finalmente, dispõe-se no artigo 12. º do Código a que o Júri se tem vindo a reportar, sob a epígrafe “Comprovação” que, “As descrições, alegações ou ilustrações relativas a factos verificáveis de uma comunicação comercial, devem ser susceptíveis de comprovação. ” (1) e que, “Esta comprovação deve estar disponível de maneira que a prova possa ser prontamente apresentada por mera solicitação do ICAP. ” (2). Com efeito, foi entendido quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matérias de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. actual n.º 3 do artigo 11. º do Código da Publicidade) nos termos da qual se presumem inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado dos supra citados artigos 4. º, n.º 1, 5.º e 12. º do Código de Conduta do ICAP se encontra em consonância.

2. 1. Da alegada prática de publicidade enganosa

A ASA informa ter alegado a Requerente que, “…the above advertiser’s website is misleading. He choose an executive flight to ensure that he would no be charged if he cancelled. However, on the final booking page he notes that it shows a penalty for any changes.” (sic. carta endereçada ao ICAP, sob a referência CROOS BORDER REFERAL TAP PORTUGAL de 15 de Abril de 2016).

Face à análise da queixa e dos documentos juntos, entende o Júri que a Requerente apresentou prova bastante da contradição evidente entre alegações comerciais incidentes sobre condições aplicáveis ao produto “executiva”, veiculadas no website da responsabilidade da TAP, concluindo que as mesmas são de molde a induzir em erro o respectivo destinatário e, ou, consumidor.

Ora, não tendo a Requerida logrado provar o contrário, constitui posição do JE que a comunicação comercial da responsabilidade da TAP consubstancia uma comunicação comercial enganosa.

3. Decisão

Termos em que, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da TAP, veiculada em suporte Internet e em apreciação no presente processo, se encontra em desconformidade com o disposto nos artigos 4. º, n. º 1, 5. º, 9. º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) e 12. º do Código de Conduta do ICAP, bem como 10. º e 11. º do Código da Publicidade português, o último, de acordo com a redacção introduzida pelo artigo 7. º, n.º 1, alíneas a) e d) do Decreto-Lei n. º 57/2008, de 26 de Março, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenha o tipo de ilícito apurado pelo JE.

Decision: Complaint upheld. The Second Seccion of ICAP´s Complaints Board (JE) deliberates that the TAP internet communication is misleading and ruled that it is in breach of articles 4, no. 1, 5, 9, no. 1 and no. 2, a), b) of their Code of Ethics. For that reason, the website divulgation should stop immediately, or should be amended in conformity with this deliberation.

A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP

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5J / 2016 :: Pessoa Singular vs. NOS Comunicações

5J/2016

Pessoa Singular
vs.
NOS Comunicações

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no vigésimo oitavo dia do mês de Abril do ano de dois mil e dezasseis, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 5J/2016 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 5J/2016

1.   Objeto dos Autos 

1.1.   Através do “Formulário de Reclamações para Pessoas Singulares” disponibilizado pelo ICAP no seu sítio da internet, um Particular devidamente identificado nos autos e adiante abreviadamente designado por Queixoso, apresentou junto do Júri de Ética Publicitária do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), uma queixa contra a NOS-Comunicações S.A. (adiante NOS ou Denunciada), pela publicidade difundida na televisão e que o Queixoso identifica como sendo publicidade à “marca super bock publicitada em anuncio televisivo fora do horário legal” e como tal, violar violar o artigo 17º do Código da Publicidade.

1.2.   Notificada para o efeito, a NOS apresentou contestação;

1.3.   Dão-se por reproduzidos a queixa e a contestação, bem como o spot televisivo em causa na queixa apresentada, visível no link https://www.youtube.com/watch?v=8dVf3mE_N7s.

1.4.   Síntese das posições das partes

1.4.1.   Na queixa que apresenta, o Queixoso defende que a publicidade viola as normas éticas e/ou a lei pois, a marca de cerveja super bock aparece publicitada, em tv, fora do horário previsto no código da publicidade para a categoria de bebidas alcoólicas, que é a partir das 22h30m.
Mais afirma o Queixoso que, apesar de a publicidade ser relativa à empresa UNICER, enquanto parceira da NOS, o que é visível e destacado no anúncio televisivo são grades de cerveja super bock e suas linhas de enchimento o que constituiria, na sua opinião, claramente uma forma de aproveitamento para publicitar bebidas alcoólicas contornando a legislação.

1.4.2.   Na contestação que apresenta, a NOS nega o afirmado pelo Queixoso, alegando, em síntese:
– “a NOS lançou uma campanha publicitária multi-meios destinada a promover a NOS EMPRESAS e que diversos clientes empresariais da NOS aceitaram endossar os seus serviços de comunicações, comprovando a sua qualidade e as respetivas vantagens para o seu negócio em anúncios publicitários da NOS “ (cf. art. 3º e 4º).
– “o referido anúncio não tem qualquer intuito de promover a marca Super Bock ou o consumo de cerveja, mas tão só convencer outras empresas a fazer como a UNICER e a escolher a NOS” (cf. art. 6º).
– Não é feito nenhum “claim” ao consumo de cerveja, nem se divulgam quaisquer mensagens, diretas ou indiretas, com vista à aquisição de cerveja da marca Super Bock. (cf. art. 7º);
– não existe o “objetivo, direto ou indireto, de promover, com vista à sua comercialização ou alienação”, a cerveja de marca Super Bock (cf. art. 8º)
– a perceção que terá qualquer consumidor médio, normalmente informado e advertido ao ver o anúncio em causa, será o da mera promoção dos serviços de comunicações da NOS específicos para empresas, e não que se está a promover o consumo ou aquisição de cerveja; (cf. art. 9º)
– a queixa carece em absoluto de elementos que permitam preencher qualquer tipo de ilícito. (cf. art. 12º)

1.5. Síntese do anúncio
Visualizado atentamente o spot televisivo, o Júri entende poder descreve-lo como segue:
O anúncio inicia-se com a música habitualmente utilizada e já identificada como genérico da NOS. Dentro dum edifício, surge a figura dum homem jovem que aparece num plano mais próximo a olhar para o telemóvel em cujo ecrã, em primeiro plano exclusivo, aparece o símbolo circular da NOS. Então, as cores do símbolo da NOS elevam-se, saem do ecrã e polarizam-se em pontos/linhas coloridos que começam a percorrer o que parece ser uma linha de produção fabril, dando uma imagem futurista, de filme de ficção cientifica. O movimento dos pontos/linhas coloridos pelo espaço continua rápido, acompanhando a música de fundo, ouvindo-se a voz off: “Nós somos uma das empresas portuguesas que mais investe em inovação”.No final da frase é possível perceber num elevador fabril uma caixa com a marca SUPER BOCK. Continua a voz off :“E escolhemos a operadora que garante que toda a rede está ligada e atualizada ao segundo”Enquanto os pontos/linhas coloridos continuam a percorrer rapidamente as instalações e ouve-se:“Nós somos a UNICER e escolhemos a NOS”.Neste momento surge, de novo ocupando todo o ecrã, o símbolo da NOS e a imagem ainda em segundo plano das instalações transforma-se num fundo negro no qual se mantem visível o símbolo da NOS. Surge do lado esquerdo do ecrã “Ligue 16999” e do lado direito do símbolo da NOS as palavras:EmpresasProfissionaisInstituições PublicasFinalmente, em fecho, a expressão NOS Empresas acompanhando a voz off dizendo “Há mais em NOS”

2.   Enquadramento ético-legal

2.1. Adequação formal
O Regulamento do JE prevê, no nº 1 do seu artigo 7º que as Secções do Júri são competentes para dirimir as queixas em matéria de comunicação comercial: a) Que lhe sejam submetidas por quaisquer pessoas, contra associados ou terceiros; b) Que lhe sejam submetidas por quaisquer pessoas, sobre comunicações comerciais decorrentes de alterações naquelas que tenham sido objecto de deliberações proferidas pelo JE; c) Que lhe sejam submetidas por quaisquer pessoas sobre comunicações comerciais veiculadas posteriormente noutros suportes que não tenham sido identificados na queixa.
O mesmo Regulamento prevê, no seu artigo 10º nº 4 e 5 que: “A queixa prevista no artigo 7º, alíneas b) e c), apenas carece da apresentação por escrito da exposição dos factos e fundamentação do eventual incumprimento pela outra parte, bem como da junção da comunicação comercial em causa. (…) Serão recusadas a queixa ou qualquer documentação a ela junta que não reúnam todos os requisitos estabelecidos no presente artigo.”.
A queixa trazida à apreciação do Júri comporta os elementos regulamentarmente necessários e embora careça informação quanto à efetiva difusão do spot entre as 7h00 e as 22h30m, esse facto tampouco é contestado pelo denunciado.
Compete, assim, proceder à análise da queixa e ao devido enquadramento ético-legal.

2.2.   Conceito de publicidade
Valerá a pena, antes do mais, recordar que o Código da Publicidade adota uma definição assaz ampla de publicidade, abrangendo qualquer forma de comunicação feita por entidades de natureza pública ou privada, no âmbito de uma atividade comercial, industrial, artesanal ou liberal, com o objectivo direto ou indireto de: a) Promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços; b) Promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições.  (cf. art. 3º).
A mensagem publicitária em apreço, embora possua todos os elementos duma mensagem publicitária tradicional (aquela em que um anunciante – a NOS – promove diretamente um bem ou serviço que comercializa – o NOS Empresas – o que configuraria simultaneamente uma comunicação comercial), vem integrar na mesma mensagem a marca forte (SUPER BOCK) dum seu parceiro de negócios (UNICER).
É o parceiro de negócios do denunciado que testemunha em favor daquele que é o objeto direto da publicidade – “E escolhemos a operadora que garante que toda a rede está ligada e atualizada ao segundo” “Nós somos a UNICER e escolhemos a NOS” – e, ao fazê-lo, autopromove-se, dá visibilidade à sua própria marca: “Nós somos uma das empresas portuguesas que mais investe em inovação”. “Nós somos a UNICER e escolhemos a NOS”.
Do ponto de vista do enquadramento jurídico, o Júri entende estar perante uma publicidade testemunhal, permitida nos termos do art. 15º do Código da Publicidade e 17º do Código de Conduta. Mas não só. A testemunha, pela notoriedade própria que não se pode deixar de reconhecer, é também ela beneficiária da publicidade, promove-se quer como organização empresarial, quer também ao seu produto e marca umbrella, a SUPER BOCK que é uma cerveja com álcool.
O Júri não tem dúvida em identificar a NOS como anunciante da mensagem i.e. aquele que difunde a comunicação comercial tendo em vista a promoção dos seus produtos ou influenciar o comportamento do consumidor (cf. art. 2º alínea a) do Código de Conduta do ICAP).
Mas se atender à noção de anunciante dada pelo Código da Publicidade – a pessoa singular ou colectiva no interesse de quem se realiza a publicidade (cf. art. 5º nº 1 alínea a) – será fácil concluir que a mensagem em apreciação é feita também no interesse da UNICER.
O Júri desconhece, nem precisa de conhecer, os termos da parceria entre os anunciantes. Basta-lhe constatar que, da publicidade em apreciação, resulta um benefício para a imagem e marca tanto de um, que promove diretamente a sua marca e produto – NOS e NOS Empresas -, como de outro, a “testemunha/anunciante” que indiretamente vê promovida a sua firma e marca forte – Unicer e SUPER BOCK.
Contrariamente ao que afirma o Denunciado na sua contestação, o JE entende que a mensagem em apreciação gera confusão no destinatário, desde logo quanto ao anunciante, não subscrevendo que “a perceção que terá qualquer consumidor médio, normalmente informado e advertido ao ver o anúncio em causa, será o da mera promoção dos serviços de comunicações da NOS específicos para empresas, e não que se está a promover o consumo ou aquisição de cerveja;”.
É verdade que inexistem claims específicos quanto ao produto do parceiro de negócios e reconhece-se não é esse o objeto direto da publicidade em apreço.
Mas será o seu objeto indireto?
O Júri crê que sim, que esse é o resultado de, numa aparente publicidade com um único anunciante e produto, explorar consentidamente a reputação de outra entidade, com utilização, dos nomes, siglas, logótipos e/ou marcas e notoriedade.
Mas nem o tipo de publicidade, testemunhal, nem a dualidade de anunciantes com exploração recíproca e consentida das reputações, suscita ao Júri particulares questões de licitude, legalidade ou conformidade ao Código de Conduta do ICAP.
Existe, contudo, o leit motiv da própria queixa: o facto da marca SUPER BOCK ser uma marca de cervejas comercializadas pela UNICER, com notoriedade no mercado de cervejas com álcool (ainda que, com a mesma marca, seja também comercializada cerveja sem álcool).
Ora, a publicidade a bebidas alcoólicas encontra-se parametrizada no art.º 17º do Código da Publicidade.
As restrições legais à publicidade a bebidas alcoólicas emanam de decisões políticas nacionais e comunitárias que visam proteger interesses como a saúde pública, os menores, a condução de veículos e aspectos sociais e de saúde e interesses económicos dos consumidores.
A legislação portuguesa contempla dois tipos de restrições à publicidade a bebidas alcoólicas.
•   Na televisão e na rádio, não é permitida a publicidade a bebidas alcoólicas entre as 7h00 e as 22h30, limitação que se aplica à publicidade direta e indireta a bebidas alcoólicas.
•   Qualquer que seja o meio utilizado, devem ser respeitados os seguintes critérios: não se dirigir especificamente a menores; não encorajar um consumo excessivo; não menosprezar os não consumidores; não sugerir sucesso, êxito social ou especiais aptidões devido ao consumo de tal bebida; não sugerir a existência, nas bebidas alcoólicas, de propriedades terapêuticas ou de efeitos estimulantes ou sedativos; não associar o consumo ao exercício físico ou à condução de veículos; não sublinhar o teor alcoólico como qualidade positiva. Como já referido, no caso sub judice, o problema que se coloca é o da difusão fora da restrição horária contida no nº 2 do art. 17º do Código da Publicidade, de publicidade à marca de cerveja SUPER BOCK. Por arrasto da eventual violação do Código da Publicidade, estará também em causa a possível violação, pela publicidade em apreço, do disposto nos art.º 5º e 14º nº 1 do Código de Conduta do ICAP que prescrevem:Artigo 5 Legalidade A Comunicação Comercial deve respeitar os valores, direitos e princípios reconhecidos na Constituição e na restante legislação aplicável.Artigo 14 Identidade 1. A identidade do Comerciante/Anunciante ou a marca deve ser evidente
A NOS ao optar por difundir e incorporar na sua publicidade além do testemunho, reputação e endosso de confiança do parceiro comercial UNICER, insere a marca SUPER BOCK que, como não pode deixar de conhecer, é notoriamente reconhecida e identificada como uma marca de cerveja, bebida alcoólica, deve conformar-se às restrições que aquele produto possui enquanto objeto publicitário, ainda que indiretamente visado na sua publicidade.
A NOS explora e beneficia da reputação da UNICER e da cerveja SUPER BOCK, produto que está presente, visível e identificável nas mensagens por parte dos seus destinatários.
Entende, assim, o JE que, embora o objecto direto da mensagem publicitária seja o serviço NOS Empresas, o seu parceiro UNICER é beneficiado e a sua marca forte, a cerveja SUPER BOCK, surge suficientemente identificada e presente na mensagem publicitária: o depoente torna-se co-anunciante e o seu produto é objeto indireto da mensagem.
No contexto da publicidade indireta é indiferente que o consumidor médio percepcione que o produto diretamente anunciado seja completamente diverso ou dum anunciante distinto.
Na verdade, todo e qualquer destinatário que visualize a mensagem da NOS, nunca deixará de recordar a marca SUPER BOCK e associá-la à cerveja, produto com as restrições horárias para efeitos de difusão televisiva que já foram referidas.
O Júri avalia, por isso, que existe publicidade indireta à cerveja SUPER BOCK e é plenamente aplicável à publicidade em apreço a proibição constante do nº 2 do art. 17º do Código da Publicidade.

3. Decisão

Nestes termos, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP delibera, por maioria, que a mensagem publicitária objecto destes autos viola o artigo 5.º do Código de Conduta do ICAP e o art. 17.º, n.º 2 do Código da Publicidade devendo conformar-se às restrições horárias constantes da lei.

Declaração de Voto de Vencido
Votou vencido o Doutor Miguel Varela que formulou a seguinte

Declaração de Voto:
“Parece-me que a publicidade indirecta é à Unicer e não à Super Bock.A visualização de uma grade a dizer Super Bock não me parece suficiente para considerar publicidade indirecta, nem promove o seu consumo. Para isso teríamos que retirar todos os product placement da produção nacional de tv que é emitida em prime time com inúmeras referências visuais a bebidas alcoólicas.”.».

A Presidente da Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP

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4J / 2016 :: Pessoa Singular vs. Sociedade de Água de Monchique

4J/2016

Pessoa Singular
vs.
Sociedade de Água de Monchique

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no sétimo dia do mês de Abril do ano de dois mil e dezasseis, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 4J/2016 tendo deliberado o seguinte:

Processo nº 4J/2016

1. Objecto dos Autos 

1.   Pessoa Singular (adiante designada por Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a SOCIEDADE DA ÁGUA DE MONCHIQUE, S.A. (adiante indiscriminadamente designada por Sociedade da Água de Monchique ou Requerida), relativamente a comunicação comercial à sua marca de água mineral “Monchique” por si promovida no suporte imprensa escrita tal, por alegada violação dos artigos 7.º, n.º 1 e 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do Código de Conduta do ICAP.

1.1.   Notificada para o efeito, a Sociedade da Água de Monchique apresentou a sua contestação.
Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.

1.2.   Questões prévias

1.2.1.   Alega a Requerida em sede de contestação que, “O Instituto Civil da Autodisciplina da Comunicação Comercial (…) é uma associação de direito privado que tem por base o seu acto constitutivo e estatutos, apenas vinculando os seus associados, membros ou aqueles que voluntariamente aderirem aos seus estatutos, códigos ou normas internas do ICAP” (sic. art.º 1) que, “A SOCIEDADE DA AGUA DE MONCHIQUE não é sócia, membro ou associada do ICAP, nem submeteu qualquer litígio ou questões à apreciação do JE do ICAP” (sic. art.º 3) e que, “Em consequência (…) não está vinculada a respeitar o Código de Conduta ou o Regulamento do JE do ICAP ou qualquer decisão que venha a ser proferida relativamente aos alegados factos denunciados pela queixosa”. (sic. art.º 4).
Acrescenta ainda a Requerida na sua contestação que, “Desta forma, quer para a SOCIEDADE DA ÁGUA DE MONCHIQUE ou para quaisquer terceiros, uma eventual deliberação do JE sobre a queixa apresentada poderia eventual e apenas vir a ser considerada uma mera opinião sobre a alegada incorrecção ética da publicidade em apreço” (sic. art.º 5), requerendo o arquivamento do processo. (Cfr. art.º 6).
No que tange a esta posição da Requerida, cumpre ao JE esclarecer que, não obstante não ser a Sociedade da Água de Monchique associada do ICAP, importa ter presente, designadamente, que muitos dos meios de comunicação de campanhas publicitárias o são, pelo que o respetivo Júri de Ética é materialmente competente para proferir a decisão e vincular a mesma Requerida quanto ao conteúdo decisório emanado. Com efeito, resulta do disposto no artigo 30.º do Código de Conduta do ICAP que, tal conteúdo é comunicado às Partes e vincula os meios de comunicação das ditas campanhas, no que respeita às decisões de cessação.
Por outro lado, e tal como ficou referido, designadamente, nas Decisões dos Processos 13J/2010, 10J/2014 e 2J/2016, o efeito pretendido – célere, válido e eficaz – das deliberações do Júri é que, findo o prazo de recurso e efectuadas as devidas notificações, se verifique a cessação – ou não – da publicidade que o JE apreciou à luz do Código de Conduta, sendo tal deliberação (auto) vinculativa para os membros do ICAP. Assim, não se pode descurar as importantes componentes didáctica, pedagógica e de interesse público das deliberações do Júri quando, do ponto de vista da ética publicitária, procede à análise de uma comunicação comercial.

1.2.2. Vem a Requerida invocar em sede de contestação que, “A primeira conclusão a retirar da queixa apresentada é a sua notória falta de clareza da exposição e fundamentação, bem como a escassez de factos apresentados” (sic. art.º 7) que, “Sendo certo que o ónus da prova dos factos recai sobre a queixosa (vide arts. 342.º, n.º 2 e 346.º, ambos do Código Civil), verifica-se que esta se limitou a realizar juízos conclusivos e a formular questões, sem qualquer base ou fundamentação de suporte” (sic. art.º 8) e que, “Na verdade, é necessário alegar factos, fundamentar e apresentar prova que permita inferir a existência de uma norma ou direito violado”. (sic. art.º 10).
Discorda o Júri desta posição da Requerida. Com efeito, foi entendido quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matérias de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. artigo 10.º e actual n.º 3 do artigo 11.º do Código da Publicidade) nos termos da qual se presumem como inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas, ou na insuficiência das mesmas no que, aliás, o articulado do artigo 12.º do Código de Conduta do ICAP se encontra em consonância.

1.2.3. No que concerne à sustentada ausência de oportunidade ou de extemporaniedade da queixa (cfr. art.ºs 13 e 14 da contestação) igualmente colhem aqui, no entender do JE, os argumentos tecidos a ponto 1.2.1. da presente decisão.

1.2.4. Quanto à alegada falta de contextualização da comunicação comercial no suporte considerado nos presentes autos (cfr. art.º 3 da petição e 14 da contestação) por referência à totalidade da campanha da responsabilidade da Requerida – e que esta define a art.º 13 da mesma contestação – não cumpre ao Júri apreciar quaisquer conteúdos de sites da internet, cujas cópias não se encontrem juntas aos autos, de acordo com o Regulamento do JE.
Por outro lado, estando-se perante uma denúncia com fundamento que alega prática de publicidade enganosa; num suporte sem limitações de espaço atendíveis, não se aplica ao caso em apreço, a excepção prevista no artigo 9.º, n.º 2, sob a epígrafe “Omissões Enganosas”, do Decreto-lei 57/2008, de 26 de Março, nos termos do qual: “Quando o meio de comunicação utilizado para a prática comercial impuser limitações de espaço ou de tempo, essas limitações bem como quaisquer medidas tomadas pelo profissional para disponibilizar a informação aos consumidores por outros meios devem ser tomadas em conta para decidir se foi emitida a informação”.
Assim, não concorda o Júri com a alegada descontextualização da queixa. (Cfr. art.º 13 da contestação).

1.2.5. Termos em que, negando o requerido a art.ºs 6, 12, 15 e 16 da contestação, o Júri pronunciar-se-á sobre a questão de mérito que lhe é colocada.

1.3.   Dos factos
A Sociedade da Água de Monchique divulgou através de folheto aposto em publicação impressa, uma comunicação comercial destinada a promover a sua água mineral “Monchique”, sob o mote “Um segredo de saúde, vitalidade e longevidade!” associado a outros claims e disclimers. (Cfr. Doc. 1 junto à queixa).1.3.1. Das alegações publicitárias
Em conformidade com o art.º 5.º da petição e do documento que reproduz a comunicação comercial da Requerida, junto aos autos com aquela, são colocadas em crise as alegações publicitárias:
–  (i) “Um segredo de saúde, vitalidade e longevidade!”;- (i – a) “ÁGUA ALCALINA 9,5 pH”;
alegação e disclaimer que se encontram associados a todos os seguintes:
– (ii) “Porquê água mineral de MONCHIQUE? No organismo humano, o sangue tem um valor de pH 7.365, ligeiramente alcalino. Para se manter vivo o organismo humano tem de ser capaz de manter constante o valor do seu pH sanguíneo. Para tal, depende de complexos mecanismos biológicos que envolvem, de forma permanente e dinâmica, vários órgãos e sistemas”;
– (iii) “BEBER DIARIAMENTE ÁGUA DE MONCHIQUE É UM SEGREDO DE SAÚDE VITALIDADE E LONGEVIDADE”;
alegação, esta, associadas aos disclaimers:
– (iii – a) “Se a quantidade de ácido produzido se torna demasiado elevada, colocando em risco a manutenção do valor de pH sanguíneo, o organismo ativa os seus valores de compensação. O mais eficiente deles é ”ir buscar” o cálcio aos ossos. O cálcio tem a capacidade de alcalinizar o sangue”;
– (iii – b) “O envelhecimento, o stress, a atividade física intensa, algumas doenças agudas e crónicas, o tabagismo e a poluição ambiental aumentam a produção de ácido pelas células”;
– (iii – c) “A desidratação, a ingestão de água ácida e de alimentos acidificantes – açúcar, café, álcool, refrigerantes e carne – agravam ainda mais a acidificação do organismo”;
– (iv) “Sabia que o consumo de ÁGUA DE MONCHIQUE é essencial para o seu bem-estar?”;
– (v) “A ingestão de água alcalina é o melhor e mais eficaz meio de compensar o organismo”;
– (vi) “MANTENHA-SE ALCALINO, MONCHIQUE 9,5”;
as três últimas alegações publicitárias, associadas aos disclaimers:
– (iv, v, vi – a) “A pessoa sente-se desvitalizada, com falta de energia, fadiga fácil menor resistência muscular, menor adaptação ao stress e baixa da capacidade mental”;
– (v, vi, ii – b) “A acidificação crónica do organismo favorece o aumento do peso, as dores musculares, a osteoporose, o stress oxidativo, as doenças degenerativas e oncológicas e acelera os processos de envelhecimento”;
todas as alegações e disclaimers referidos, associados ao depoimento da médica Cristina Sales, em caracteres menores do que todos os outros utilizados, definindo líquidos alcalinos, ácidos e neutros, de acordo com o seu pH.

1.4. Das alegações das Partes

1.4.1. Alega a Requerente que a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida constitui uma prática de publicidade desonesta e “…enganosa, pois não há dados científicos que suportem o benefício desta água para a saúde, por ser mais alcalina…”, atentas as “… seguintes presunções”: a) água de monchique como um segredo de saúde, vitalidade e longevidade; b) sugere que a Água de monchique ajuda a regular o ph do sangue, por tratar-se de uma água alcalina; c) indica que a ingestão de águas ácidas (o que é uma água considerada ácida??) agravam a acidificação do organismo”. (Cfr. art.º 5 da queixa);.

1.4.2. Contestando a denúncia da Requerente, vem a Sociedade da Água de Monchique defender a ética e a legalidade da sua comunicação comercial alegando, designadamente, que:
– (i) “…a campanha publicitária (…) não desrespeita, nem pretende desrespeitar, quaisquer normas ou princípios publicitários aplicáveis.” (sic. art.º 17);
– (ii) “A SOCIEDADE DA ÁGUA DE MONCHIQUE estruturou os elementos da sua publicidade com base em elementos técnicos e de informações científicas que confirmam que a composição das águas no produto em causa garante as propriedades que lhes atribui e que se referem nas alegações postas em causa pela queixosa, pelo que não violou o princípio da veracidade…” (sic.  art.º 18), pelo que, “…o teor científico e técnico do documento publicitário que acompanha a publicidade foi redigido por uma consultora científica da SOCIEDADE DA ÁGUA DE MONCHIQUE, Dra. Cristina Sales, médica endocrinologista, aliás, conforme se comprova pelo próprio documento junto pela queixosa.” (sic. art.º 19);
– (iii) Aqui se trata “…por isso, de uma publicidade testemunhal lícita (cfr. artigo 15º do Código da Publicidade) na medida em que é claramente identificada a qualidade e capacidade da pessoa cujo depoimento que integra a publicidade.” (Cfr. art.º 20).

2.   Enquadramento ético-legal

2.1. Da alegada comunicação ilícita de alegações de saúde
Alega a Requerida em sede de contestação que a comunicação comercial da sua responsabilidade “cumpre rigorosamente o disposto no Regulamento CE 1924/2006, designadamente o seu artigo 12.º, al. e), relativo a alegações de saúde, pois nenhuma das alegações que a SOCIEDADE DA ÁGUA DE MONCHIQUE na publicidade em causa utiliza constitui propriedades de prevenção, de tratamento e de cura de doenças humanas nem refere qualquer doença humana em si mesma, sendo certo que está cientificamente comprovado que o teor de alcalinidade constitui um elemento importante no equilíbrio do organismo humano” (sic. art.º 30), acrescentando que, “Em nenhum elemento da publicidade, directa ou indirectamente, se sugere que a saúde pode ser afectada pela circunstância de não se consumir a água promovida.” (sic. art.º 33).
O JE não põe em causa que o teor de alcalinidade de certos géneros alimentícios constitua um factor a não descurar no desejável funcionamento equilibrado do organismo humano, o que se pode considerar eventualmente comprovado pelo teor do documento junto à  contestação. Contudo, entende que, os claims  “Um segredo de saúde, vitalidade e longevidade!” (i); “Porquê água mineral de MONCHIQUE? (…) Para se manter vivo o organismo humano tem de ser capaz de manter constante o valor do seu pH sanguíneo” (ii) “Sabia que o consumo de ÁGUA DE MONCHIQUE é essencial para o seu bem-estar?” (iv); “A ingestão de água alcalina é o melhor e mais eficaz meio de compensar o organismo” (v); “MANTENHA-SE ALCALINO, MONCHIQUE 9,5” (vi); associados, designadamente, aos disclaimers “ÁGUA ALCALINA 9,5 pH” (i – a); “A acidificação crónica do organismo favorece (…) a osteoporose (…) as doenças degenerativas e oncológicas…”; (v, vi, ii – b) – todos analisados na totalidade – consubstanciam alegações de saúde à luz do artigo 2.º, n.º 5 do Regulamento (CE) 1924/2006.
Mais, constitui posição do Júri que, a referida conjugação de claims e disclaimers num único suporte, porque traduzem alegações de redução de risco de doença – tal como se encontram definidas no artigo 2.º, n.º 6, do referido Regulamento comunitário – é susceptível de fazer com que o consumidor médio razoavelmente atento, esclarecido e informado, presuma que a sua saúde possa ser afectada pelo não consumo do alimento, ao contrario do que sustenta a Requerida a art.º 28 da contestação.
De facto, tal conjugação engloba, entre outros passíveis de ser entendidos da mesma forma, ou com igual semântica, os claims: “Para se manter vivo o organismo humano tem de ser capaz de manter constante o valor do seu pH sanguíneo” (ii) e “Sabia que o consumo de ÁGUA DE MONCHIQUE é essencial para o seu bem-estar?” (iv). (sublinhado do JE)Ora, dispõe-se no referido artigo 12.º, alínea a) do mesmo Regulamento (CE) 1924/2006, sob a epígrafe “Restrições quanto à utilização de determinadas alegações de saúde” que, “São proibidas as (…) Alegações que sugiram que a saúde pode ser afectada pelo facto de não se consumir o alimento”.
De onde, entende o JE que, a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida se encontra em desconformidade com o disposto nos artigos 4.º, n.º 1 e 5.º do Código de Conduta do ICAP e 12.º, alínea a) do Regulamento (CE) 1924/2006.

2.2. Da alegada prática de publicidade enganosa

2.2.1. Porque se está aqui em presença de alegações de saúde incluídas na publicidade de um género alimentício, entende o Júri que, atenta a importância do bem jurídico em causa:
– quer a ausência verificada de indicação da quantidade de Água de Monchique, bem como do modo de consumo requeridos para obter o efeito benéfico alegado;
– quer a conjugação das palavras “saúde” e “segredo” no mesmo mote de comunicação comercial “Um segredo de saúde, vitalidade e longevidade!” (i), “ÁGUA ALCALINA 9,5 pH” (i – a);
traduzem uma prática de publicidade enganosa. Com efeito, constitui posição do JE que, neste particular, a comunicação comercial colocada em crise, por inaceitável ambiguidade, se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4.º, n.º 1.º, 7.º, n.º 1, 9.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e h) do Código de Conduta do ICAP e artigo 7.º, n.ºs 1 e 2 do Regulamento (EU) N.º 1169/2011 do Parlamento e do Conselho, de 25 de Outubro.

2.2.2. Refere-se na comunicação comercial da responsabilidade da Requerida que, “A desidratação, a ingestão de água ácida e de alimentos acidificantes – açúcar, café, álcool, refrigerantes e carne – agravam ainda mais a acidificação do organismo”, reforçando o tom predominante (roçando uma prática de publicidade de tom exclusivo) de indispensabilidade de consumo da Água de Monchique para o efeito de se retirar o alegado benefício de alcalinidade – e não de água, ou mesmo, de água mineral em geral -, gerando-se a susceptibilidade de suspeição por parte do consumidor médio de que as últimas serão ácidas.
Ora, a Requerida não junta aos autos qualquer estudo científico que, nos termos do artigo 12.º do Código de Conduta do ICAP e dos artigos 10.º e 11.º, n.º 3 do Código da Publicidade, permita comprovar a veracidade de todos os claims colocados em crise e que, concretamente, sugerem:
– a indispensabilidade de consumo da Água de Monchique para o efeito de se retirar o alegado benefício de alcalinidade;
– a improbabilidade de qualquer produto similar, que não a Água de Monchique poder gerar vantagem idêntica;
– a improbabilidade de uma dieta saudável e equilibrada poder gerar vantagem idêntica, caso não se consuma Água de Monchique;
– a existência no produto em causa do nível de alcalinidade comunicado;
– a relação entre tal eventual nível de alcalinidade da água e a saúde e longevidade;
– a especialização de Cristina Sales já que, ao contrário do que a Requerida parece fazer crer a art.º 19 da contestação, a mesma não configura um facto público e notório para o consumidor médio;
– a intencionalidade por parte a mesma depoente, no contexto de uma alegada prática de publicidade testemunhal, de associar o invocado testemunho especializado a todos os claims e disclaimers comunicados. (Cfr. art.º 20 da contestação).

 

3. Decisão
Termos em que, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da Sociedade da Água de Monchique, em apreciação no presente processo, se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4.º, n.º 1, 5.º, 7.º, n.º 1, 9.º, n.º 1 e 2, alíneas a) e h), 12.º e 17.º, n.º 1 do Código de Conduta do ICAP, nos artigos 3.º, alínea a), 10.º, alínea a) e 12.º, alínea a) do Regulamento (CE) 1924/2006, bem como no artigo 7.º, n.ºs 1 e 2 do Regulamento (EU) N.º 1169/2011 do Parlamento e o Conselho, de 25 de Outubro, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipo de ilícito apurados pelo JE.».

A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP

Auto Regulação4J / 2016 :: Pessoa Singular vs. Sociedade de Água de Monchique
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3J / 2016 :: Reckitt Benckiser Portugal vs. Procter & Gamble Portugal

3J/2016

RECKITT BENCKISER PORTUGAL
vs.
PROCTER & GAMBLE PORTUGAL

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no quinto dia do mês de Abril do ano de dois mil e dezasseis, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 3J/2016 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 3J/2016

1.   Objeto dos autos

1.1.   A Reckitt Benckiser (Portugal), S.A., adiante designada por Requerente ou RB, veio apresentar queixa junto do Júri de Ética Publicitária do ICAP contra a Procter & Gamble Portugal – Produtos de Consumo, Higiene e Saúde S.A., adiante designada por Requerida ou P&G, relativamente a campanha publicitária do produto “Fairy Platinum”, promovida em suporte televisivo e subsumida a dois filmes publicitários, por violação do princípio da veracidade e por configurar publicidade comparativa ilícita nos termos do artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP e do artigo 16.º do Código da Publicidade.

1.2.   Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua contestação.

1.3.   Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e documentos juntos pelas Partes.

1.4.   Das alegações publicitárias
As alegações publicitárias em análise fazem parte de uma campanha publicitária difundida em suporte televisivo entre 4 a 31 de Janeiro e 8 a 25 de Fevereiro, constituída por dois filmes publicitários, um com 10 segundos – Spot 10” – e outro com 20 segundos – Spot 20” que se encontram objetivamente descritas no art.º 3º da queixa apresentada, admitido pela Requerida, e que resumidamente se transcrevem:

I – Spot 10”
O filme inicia-se na cozinha, com o “Pai” e os dois filhos, o “Filho” e a “Filha”, na rotineira ação de colocar a loiça na máquina de lavar.
Em rodapé é possível ler a mensagem: “Para a remoção de calcário use um produto de limpeza de máquina ou outro método”
O “Pai” tira das mãos do “Filho” um pirex sujo e com ar reprovador afirma “Passar por água!”, transmitindo ao “Filho” que aquela peça de loiça não podia ser colocada na máquina sem antes ser passada por água, caso contrário não ficaria devidamente limpa.
Eis que a máquina de lavar loiça “ganha vida” e, dirigindo-se ao “Pai” afirma:“Não passe por água! Mude para Fairy Platinum. Fairy limpa os restos difíceis da sua loiça e até limpa toda a gordura do filtro”
Enquanto estas afirmações são proferidas em voice-over, visualmente são apresentadas as seguintes mensagens:
É sugerido que esta família mude do detergente que usa, para Fairy Platinum. A embalagem do detergente que usam está em cima da máquina de lavar loiça e é representada por uma imagem (é admitido pela requerida tratar-se de imagem pixelizada de marca concorrente). Lentamente esta imagem, em morphing, transforma-se numa embalagem de Fairy Platinum.
De seguida é apresentada uma comparação side-by-side que inicia com a comparação de duas pastilhas diferentes, Fairy Platinum, à direita, e outra, azul com uma bola vermelha no centro, à esquerda.
No topo é possível ler a frase “Travessa com restos de massa no forno lavada num Míele a 50 graus”.
A comparação continua com a demonstração da suposta ação destas duas pastilhas de detergentes para máquina da loiça: Fairy Platinum do lado direito e a outra pastilha do lado esquerdo, identificada agora com uma legenda onde se pode ler “Pastilha Tudo em Um mais vendida”.
Ambas as pastilhas vão atuando, lavando os pirex, evidenciando uma ação mais rápida da pastilha de Fairy Platinum, terminado com a apresentação side by side de um pirex limpo, brilhante, imaculado, com um efeito de brilho resplandecente, alegadamente lavado com a pastilha de Fairy Platinum e de um outro ainda com restos de comida destacados propositadamente com um círculo, baço, alegadamente lavado com a “Pastilha tudo-em-um mais vendida”.
O filme evolui de seguida para uma imagem do filtro da máquina de lavar loiça sujo, que, por ação de Fairy Platinum, fica limpo.
Por fim é apresentado o shot final com a imagem de Fairy Platinium, onde se pode ler “ADORA O IMPOSSÍVEL”.

1.5.   Síntese das alegações da Requerente:
Entende a Reckitt Benckiser que os spots publicitários em apreço, constituem publicidade comparativa ilícita e denigrem a Reckitt Benckiser enquanto concorrente, e que, ainda que se considere não configurar uma comparação, as comunicações serão enganosas, pois comportam as seguintes mensagens-chave, sintetizadas nas suas conclusões:

(i)   Com o detergente que normalmente as famílias usam há necessidade de passar a loiça previamente por água antes de ser colocada na máquina e com Fairy Platinum a loiça não tem de ser passada por água antes de ser colocada na máquina para obter resultados excelentes, razão pela qual é sugerido às famílias que mudem para Fairy Platinum para “Nunca mais” ter de “enxaguar”.
Enquanto se faz esta afirmação é apresentada uma imagem pixelizada de uma embalagem, em tons de azul e vermelho, de um outro produto detergente para máquina de loiça que se vem a saber mais tarde ser a “Pastilha tudo-em-um mais vendida” da “marca mais vendida”. Pastilha essa que é representada pela imagem de uma pastilha azul com uma bola vermelha no centro.
(…) “Considerando o JE que não existe publicidade comparativa” dever-se-á “determinar que a utilização das expressões «Pastilha tudo-em-um mais vendida» e «a marca mais vendida» «pela impossibilidade de identificação por parte do consumidor médio da «marca mais vendida» – com a qual se compara o produto da» P&G «são de molde a gerar uma prática de publicidade enganosa» (…) em face da sua ambiguidade resultante da impossibilidade de identificação do produto com o qual a comparação é realizada.”
“Considerando o JE que existe publicidade comparativa” por identificar, “expressa ou implicitamente, um concorrente de Fairy Platinum: Finish All in One” considera a Requerente que a comparação é enganosa e como tal não é lícita, desrespeitando os princípios da leal concorrência, pois:
– “Fairy Paltinum e Finish All in One – não podem ser objetivamente comparados, pelas razões supra expostas que dizem respeito ao facto do segmento de mercado em que cada um se insere, sendo o Fairy Platinum um produto premium e o Finish All in One um produto de gama média, como o preço de venda que é praticado pelos retalhistas de cada produto permite comprovar.”.
– “(…) procurou, ao comparar produtos não comparáveis, desacreditar e depreciar a marca Finish, da sua concorrente Reckitt Benckiser, que os consumidores conseguem identificar nos produtos em apreço, e que a P&G visou como sendo a pastilha da marca mais vendida. Ao apresentar um pirex baço e com restos de comida como tendo sido lavado com Finish, claramente a P&G teve como objetivo denegrir a marca e os produtos da Reckitt Benckiser.”.
(ii)   “Apresenta-se uma comparação lado-a-lado de eficácia de lavagem de restos difíceis de comida (alegadamente uma travessa de massa no forno) em que se fazem duas comparações semelhantes, mas diferentes:
– No Spot 10” compara-se Fairy Platinum com a “Pastilha tudo-em-um mais vendida”, pois o voice-over refere “Mude para Fairy Platinum. Fairy limpa os restos difíceis da sua loiça”.
Já no Spot 20” a comparação é algo diferente, pois compara-se genericamente “As cápsulas líquidas e em pó de Fairy” com a “Pastilha tudo-em-um mais vendida” da “marca mais vendida”.
Considera, assim, a Requerente que são “todas as cápsulas de Fairy, quer líquidas, quer em pó, que estão a ser o objeto da afirmação de superioridade e da comparação com a pastilha tudo-em-um mais vendida da marca mais vendida”. Invocando os testes carreados como documentos 5 e 6, a Requerente invoca que a o seu produto Finish Quantum tem eficácia e desempenho equivalentes ao Fairy Platinum pelo que o claim ofende o princípio da veracidade e “denigre os produtos e marca da Reckitt Bensicker ao transmitir aos consumidores uma menos eficácia do produto que não é de todo verdadeira”.
(iii)   “As cápsulas de Fairy limpam toda a gordura do filtro da máquina e visualmente o filtro fica como novo. Porém, durante ambos os filmes é evidenciada uma mensagem que refere que para limpar o calcário é necessário utilizar um produto limpa máquinas “ou outro método”.”
Entende, neste particular, a Requerente estar a mensagem publicitária “ferida de uma ambiguidade tal que só pode ter como resultado ser enganosa para o consumidor médio” pois o que este “vai reter é que usando o detergente Fairy vai ter o filtro da sua máquina tão limpo quanto é apresentado na mensagem da publicidade. O que também ofende o princípio da veracidade, e torna a publicidade em causa enganosa.”
(iv)   “O produto Fairy Platinum faz a máquina de lavar loiça fazer o impossível, o que não é alcançado por nenhum outro produto, razão pela qual se transmite a mensagem de que é necessário mudar para Fairy Platinum: “Mude para Fairy Platinum e veja a sua máquina fazer o impossível.”.
Entende a Requerente que este claim é enganoso dado “que, tal como resulta do teste acima junto como Doc. 6, pelo menos Finish Quantum é tão eficaz quanto Fairy Platinum, logo faz tanto o «impossível» como Fairy”, concluindo pelo caráter enganoso da afirmação e, como tal, pela sua ilicitude.  Termina requerendo ”seja declarada a ilicitude da publicidade ora denunciada e ordenada a cessação imediata e definitiva da mesma”.

1.6.   Síntese das alegações da Requerida
Contraditando a argumentação da Requerente, sustenta a “P&G” na sua contestação, e em suma, que:
(i)   Os spots publicitários em causa “recorrem à figura da publicidade comparativa que, como sabemos é permitida por lei, usando para o efeito o produto comercializado pela Reckitt Benckiser sob a marca Finish All-in-One”, alegando ainda que as pastilhas para lavagem de louça na máquina – Finish All-in-One são as mais vendidas no mercado português, não juntando para o efeito qualquer documentação, antes reconhecendo o alegado pela Requerente para o qual remete nesta sede.
Entende, assim, a Requerida que a comparação é “evidente para o consumidor médio, não só porque o formato da pastilha Finish (não apenas na sua versão All-in-One, mas também noutras versões disponíveis no mercado sob a marca «Finish») é um formato muito característico, composto por um rectângulo azul e branco com uma esfera encarnada no topo, e facilmente reconhecido pelo consumidor médio, como também a mancha gráfica das embalagens do Finish – azul e encarnada – também ser muito característica.”.
A menção à “marca mais vendida” não é, assim, no entender da Requerida ambígua porque comprovada pelos factos carreados pela Requerente e porque é facilmente apreensível pelo consumidor médio.
(ii)   Admitindo o recurso à figura da publicidade comparativa, a Requerida, quanto à claim relativa à existência de uma comparação ilícita porque entre produtos não comparáveis por pertencerem a segmentos de mercado diferentes, contesta a alegação da Requerente sustentando que o preço do produto não determina o segmento de mercado, mais referindo que “Cada marca/ produto tem a sua política de go-to-market, que obedece a critérios tão dispares como de imagem, comunicação e posicionamento da marca, até mesmo a um preço que seja diferenciador” pelo que “Não pode a Reckitt Benckiser concluir que o Fairy Platinum, por ser ligeiramente mais caro do que o Finish All-in-One, é por isso premium.”.
Defende, assim, que a comparação é lícita, não violando o disposto na alínea b) do n.º 2 do CCICAP, pois identifica produtos que respondem às mesmas necessidades ou que têm os mesmos objetivos, sendo relevante para o consumidor.
Pretendendo demonstrar que a Requerente tem ela própria recorrido a publicidades comparativas semelhantes, junta a Requerida filmes publicitários divulgados pela Reckitt – Doc. nº 1, 2, 3, 4 e 5 divulgados nos Estados Unidos da América (os dois primeiros e o quarto), no Reino Unido (o terceiro) e na Nova Zelândia (o último).
(iii)   Quanto à alegada afirmação de superioridade contida na menção “Não passe por água/ “Veja a sua máquina fazer o impossível” a Requerida defende que “Não é objetivo dos anunciantes, neste caso da Procter & Gamble, focar a performance dos produtos seus concorrentes, mas sim enaltecer as capacidades do produto anunciado.” Sendo que o que se pretende transmitir ao consumidor e o que ele perceciona é a capacidade do produto Fairy Paltinum de remover os restos de comida “sem a necessidade de uma passagem prévia por água.” “Tal não significa que outros produtos, nomeadamente o Finish All-in-One, também não dispensem essa pré-lavagem. E nunca, direta ou indiretamente, a Procter & Gamble afirmou tal.”.
(iv)   Quanto ao claim “Veja a sua máquina fazer o impossível”, a Requerida defende consistir num exagero publicitário (ou “puffering”), mecanismo legítimo de publicidade, dado que no “caso ora sob análise, não existe qualquer tentativa de denegrição do produto da Reckitt Benckiser. Ao alegar que o Fairy Platinum “faz o impossível”, a mensagem que se está a transmitir é a de que este produto dispensa, de facto, a pré-lavagem e que é um produto realmente bom.”
A Requerente sustenta o claim publicitário “As cápsulas liquidas e em pó de Fairy são tão potentes que limpam melhor os restos difíceis da loiça do que a marca mais vendida”, com a “apresentação de testes realizados pelo laboratório independente Eurofins ATS, que efetivamente, as cápsulas ou pastilhas para a máquina Fairy Platinum limpam melhor os restos de comida do que o Finish All-In-One, não apenas no que diz respeito a restos de massa no forno, como também de restos de outros alimentos, como ovo ou carne moída. Dos relatórios carreados nesta contestação pela Procter & Gamble, resulta a existência de uma performance superior de Fairy Platinum em relação a Finish All-In-One (…) que lhe permite alegar que Fairy Platinum limpa melhor os restos difíceis da loiça. (…) De facto, os testes realizados pelo referido relatório e que se encontram juntos a esta contestação, demonstram que o pirex de vidro com restos de massa quando lavado com Finish All-In-One, fica com restos de comida agarrados na base do pirex, ao invés do que acontece com Fairy Platinum.
(v)   Quanto ao “E até limpa toda a gordura do filtro”, acompanhado do disclaimer “Para a remoção de calcário use um produto de limpeza de máquina ou outro método”, em conjunto com a alegação “Veja a sua máquina fazer o impossível”, contesta a Requerente que “O claim publicitário usado pela Procter & Gamble apenas e unicamente se refere gordura, e não a calcário.” E que, “Exatamente para que o consumidor não seja induzido em erro quanto à capacidade que Fairy Platinum tem em remover a gordura do filtro é que a Procter & Gamble entendeu conveniente e relevante colocar o referido disclaimer.”

2.   Enquadramento ético-publicitário

2.1.   Enquadramento prévio
A diretiva sobre práticas comerciais desleais visa a harmonização das disposições nacionais aplicáveis a práticas comerciais lesivas dos interesses económicos dos consumidores, incluindo a publicidade desleal, e que indiretamente prejudicam também os interesses económicos de concorrentes. A harmonização diz, assim, respeito a um dos aspetos da concorrência desleal que consiste nas práticas comerciais que lesam os interesses económicos dos consumidores. A concorrência desleal passa a ter como beneficiário direto o consumidor. Aos Estados-Membros permite-se a regulação da concorrência desleal, mas quanto ao relacionamento entre concorrentes.
Entende, assim, o JE que o Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de março, na redação que lhe é dada pelo Decreto-lei n.º 205/2015, de 23 de setembro, concentra o regime da publicidade comparativa nas relações de consumo, estabelecendo uma proibição geral única das práticas comerciais desleais que distorcem o comportamento económico dos consumidores e aplica-se às práticas comerciais desleais, incluindo a publicidade desleal, que prejudicam diretamente os interesses económicos dos consumidores e indiretamente os interesses económicos de concorrentes. O art.º 7.º daquele diploma estatui, sob a epígrafe “Ações enganosas”, especialmente quanto à publicidade comparativa, que “Atendendo a todas as características e circunstâncias do caso concreto, é enganosa a prática comercial que envolva: a) Qualquer atividade de promoção comercial relativa a um bem ou serviço, incluindo a publicidade comparativa, que crie confusão com quaisquer bens ou serviços, marcas, designações comerciais e outros sinais distintivos de um concorrente.” Com a publicação do Decreto-lei n.º 205/2015, de 23 de setembro, é ampliado o âmbito de aplicação do regime das práticas comerciais desleais às relações entre empresas, conformando-se o entendimento quanto ao caráter enganoso da ação que “induza ou seja suscetível de induzir em erro em relação aos elementos identificados nas alíneas a) a d) e f) do n.º 1.”.
Serve a explanação para demonstrar que o que justifica a redação invocada pela Requerida do art.º 43.º do Código da Publicidade é a consagração, no Decreto-Lei nº 57/2008, de 26 de março, de uma proibição geral única das práticas comerciais desleais que distorcem o comportamento económico dos consumidores. O que não significa que o normativo não seja aplicável na determinação da concorrência desleal.

2.2.   Da existência de publicidade comparativa
É tese da Requerida, admitida pela Requerente, que os spots em análise configuram juridicamente o recuso à figura da publicidade comparativa. E esta será também, no entender do JE, a perceção que o consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e perspicaz, terá do que visiona e a interpretação que fará da mensagem áudio e visual transmitida, a qual assenta na contraposição existente na apresentação side-by-side de produtos e no claim “Mude para Fairy Platinum e veja a sua máquina fazer o impossível”.
Senão vejamos:
Nos termos do n.º 1 do artigo 15.º do CCICAP, “é comparativa a comunicação comercial que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente”.
A utilização, admitida pela Requerida, da imagem pixelizada da embalagem do concorrente Finish convertida em morphing numa embalagem de Fairy Platinum, bem como a comparação side-by-side das pastilhas Fairy e Finish, é demonstrativa da comparação, ainda que implícita, de marca concorrente, sendo inequívoco que a mesma é percecionada pelo consumidor.
Entende, todavia, o JE, que ao contrário do pretendido pela Requerida, a comparação que os spots em análise induzem não é entre a pastilha Fairy Platinum e a pastilha Finish All-in-One, que a Requerida alega visar na mensagem veiculada. No entender do JE, os spots, visualmente e mediante a legenda aplicada ao produto sujeito à comparação como sendo a “Pastilha tudo-em-um mais vendida” não permitem uma identificação clara e objetiva do produto Finish All-in-One, mas antes o reconhecimento da marca concorrente Finish.
A publicidade comparativa implícita é, em geral, sempre mais ambígua que uma publicidade comparativa explícita ou direta e, sendo intenção da Requerida, a comparação não com a marca mas com um produto específico desta, como é defendido em contestação, poder-se-á questionar eticamente o recurso a uma imagem pixelizada acompanhada do claim “pastilha mais vendida”, tornando-a assim ambígua. Como bem observado por este JE na análise de situações semelhantes, raramente este tipo de expressões se compaginam com o requisito de objetividade que se exige neste tipo de comunicação. Neste caso, concedendo o JE na possibilidade de identificação da marca Finish, considera não ser percetível para o consumidor tratar-se da pastilha Finish All-in-One em especial, o que é de certa forma admitido pela Requerida no ponto 12 da sua contestação.
Refira-se que, sendo o ónus de comprovação das mensagens veiculadas da Requerida, a menção à “pastilha tudo-em-um mais vendida” permanece na opinião do JE por comprovar dado que, nesta questão, a Requerida apenas adere à prova carreada pela Requerente como Doc. 3.
Ora, o estudo refere-se ao posicionamento da marca Finish, não descriminando ou identificando qualquer produto por si comercializado, pelo que, não logrando a Requerida provar a posição líder desta pastilha em especial, ter-se-á de entender ser a comparação presumivelmente enganosa.

2.3.   Da ilicitude da comparação
Configurando o caso em apreço um exemplo de publicidade comparativa, nos contornos enunciados, resta apreciar se a mesma cumpre os princípios constantes do CCICAP e que regem a apreciação do JE nos termos do art.º 13.º do seu regulamento.
Nos termos do n.º 1 do art.º 4.º do CCICAP, “Toda a Comunicação Comercial deve ser legal, decente, honesta e verdadeira” devendo, nos termos do n.º 2, “ser conformes aos princípios da leal concorrência, tal como estes são comummente aceites em assuntos de âmbito comercial”.
Por sua vez, o art.º 9.º, relativo ao princípio da veracidade, estatui que “A Comunicação Comercial deve proscrever qualquer declaração, alegação ou tratamento auditivo ou visual que seja de natureza a, direta ou indiretamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou ser suscetível de induzir, em erro o Consumidor, designadamente no que respeita a: a) caraterísticas essenciais do Produto ou que sejam determinantes para influenciar a escolha do Consumidor, como por exemplo: (…), eficácia e desempenho, (…)”.
Existindo, no caso concreto, o recurso à publicidade comparativa, interessam em especial os requisitos de conformidade desta comparação, enunciados no n.º 2 do art.º 15.º do mesmo Código, a saber: a) não ser enganosa; b) identificar apenas bens ou serviços que respondam às mesmas necessidades ou que tenham os mesmos objetivos; d) não desrespeitar os princípios da leal concorrência; e) não gerar confusão no mercado entre (…) bens ou serviços do anunciante ou de um concorrente; e, por fim, f) não desacreditar ou depreciar marcas (…) de um concorrente.
Ora, como se verifica dos termos dos normativos citados, dois dos traços essenciais da publicidade comparativa são a veracidade, avaliada de acordo com o definido nos art.ºs 9.º do CCICAP e 10.º e 11.º do Código da Publicidade, e o respeito pelo princípio da leal concorrência nos termos da alínea d) do n.º 2 do art.º 15.º e n.º 2 do art.º 4.º do CCICAP.
Efetuado o enquadramento legal, para melhor entendimento da análise às questões apresentadas e que têm relevância à causa de pedir, entende-se de utilidade a redução das questões a analisar, focando a análise nos claims e consequências respetivas e que se podem resumir nas seguintes alegações:

a)   As expressões “Pastilha tudo-em-um mais vendida” e “marca mais vendida” constituem publicidade comparativa enganosa por não permitirem a identificação do produto com o qual se faz a comparação.
Resulta do explanado no ponto 2.2. que, sendo percetível para o consumidor a existência de uma comparação, admitida pela Requerida, a mensagem veiculada nos spots em análise é suscetível de “gerar confusão no mercado entre (…) marcas” e “bens” (…) de um concorrente, não sendo claro o objeto da comparação, se a marca Finish, se o produto Finish All-in-One por esta comercializado.
Os spots recorrem a uma comparação implícita assente na referência indireta realizada visualmente e que apelam às caraterísticas gráficas da marca e do claim “pastilha tudo-em-um mais vendida”. Todavia, a associação ao claim “pastilha tudo-em-um mais vendida” remete para uma comparação com a marca líder Finish, único facto comprovado por adesão da Requerida ao Doc. 3 carreado pela Requerente. Não se encontrando provada a liderança da pastilha Finish All-in-One, a mensagem publicitária, no seu todo, é ambígua, nos termos do da alínea e) do n.º 2 do art.º 15.º do CCICAP.

b)   Sendo publicidade comparativa, é enganosa também porque não pode ser objetivamente comparado ao produto Finish All-In-One
Atento ao já exposto, a análise da comparabilidade entre os produtos Finish All-in-One e Fairy Platinum é, no entender do JE, desnecessária, sendo a mensagem desde logo ambígua pela confusão que cria quanto ao que é comparado. Assim, ainda que os estudos juntos pela Requerida como Docs. 6 e 7 permitissem comprovar uma superioridade em termos de eficácia e desempenho do produto Fairy Platinum sobre o produto Finish All-in-One, o que não é admitido, a mensagem é ainda equívoca ou ambígua, suscetível de induzir o destinatário em erro dado que a referência da “comparação” – marca e “género de pastilhas” – não permite uma identificação objetiva do produto Finish All-in-One como objeto da comparação por parte do destinatário, admitindo-se todavia que perceciona uma comparação implícita com a marca Finish.
Assim, os estudos apresentados pela Requerida debruçam-se numa comparação diferente, não servindo de prova à veracidade da claim consubstanciada na associação da imagem pixelizada da marca Finish com a legenda “pastilha tudo-em-um” mais vendida e por maioria de razão à legenda “a marca mais vendida”. A comparação implícita que resulta percetível ao consumidor é com a marca e a associação ao claim é comprovada pelo doc. 3 junto pela Requerente e admitido pela Requerida.
Quanto aos documentos n.ºs 1 a 5 juntos pela Requerida, importa referir não serem os mesmos relevantes ao mérito da causa. Com efeito, interessa ao JE a análise do caso em concreto e não de eventuais condutas anteriores do agente económico. Ademais, os spots constantes dos documentos juntos não foram objeto de difusão em Portugal, sendo sabido que a publicidade comparativa tem limites díspares entre ordenamentos, bem como diferentes níveis de aculturação, nomeadamente, nos Estados Unidos da América.

c)   A mensagem “Não passe por água / veja a sua máquina fazer o impossível” é enganadora porque é publicidade comparativa exclusiva quanto à propriedade de pré-lavagem, o que não é verdade dado que o produto da Requerente tem as mesmas qualidades.
Concorda o JE com a Requerente quanto à qualificação como publicidade de tom exclusivo do claim em análise, reforçado pelo facto de a mesma recorrer à técnica comparativa e a associação, por contraposição, ao claim “marca mais vendida”. Nestes casos, pela suscetibilidade de desacreditação ou depreciação de um concorrente, e/ou seus produtos, é eticamente exigível especial objetividade, impondo-se a sua veracidade; que os bens comparados sejam equivalente em funções ou objetivos, seja objetiva não gerando confusão no mercado e a possibilidade de comprovação dos critérios de comparação, conforme exigido pelo art.º 16.º do Código da Publicidade.
Vale aqui de novo o raciocínio seguido no já exposto, concluindo-se que o claim não se encontra comprovado porquanto a prova apresentada não permite concluir pela melhor eficácia e desempenho do produto Fairy Platinum relativamente a todos os produtos da marca Finish. Com efeito, no limite, o estudo apresentado pela Requerida permitiria a análise de uma comparação entre Finish All-in-One e Fairy Platinum. Sendo o objeto da comparação, perceptível ao consumidor, a marca Finish, o estudo não permite comprovar a veracidade das alegações publicitárias. Refira-se, ainda a este respeito, o teste junto como Doc. 6 pela Requerente, que induz numa eficácia equivalente entre Fairy Platinum e um produto do concorrente, colocando em crise a alegação “veja a sua máquina fazer o impossível”. Por outro lado, também o Doc. 5 junto pela Requerente vai em sentido diverso do estudo apresentado pela Requerida, evidenciando resultados de limpeza a 100% sem pré-lavagem de um produto da concorrente, o que permite a ponderação do valor probatório dos documentos juntos ao processo.
Entende, assim, o JE que a comparação, nos termos do art.º 15.º do CCICAP, é enganosa, ferindo o princípio da veracidade estabelecido no art.º 9.º porquanto é suscetível de induzir em erro o Consumidor quanto à sua eficácia e desempenho, conforme alínea a), do n.º 2 deste artigo. O normativo encontra correspondência nos artºs. 10.º e 11.º do Código da Publicidade.
De acordo com o art.º 10.º, “A publicidade deve respeitar a verdade, não deformando os factos”, devendo as “afirmações relativas à origem, natureza, composição e condições de aquisição dos bens ou serviços publicitados” ser “exatas e passíveis de prova, a todo o momento”.
A qualificação de enganosa é operada por remissão, no caso, para o disposto no art.º 7.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, que dispõe que “É enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente corretas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja suscetível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduz ou é suscetível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo: (…) b) As características principais do bem ou serviço, tais como (…) os resultados que podem ser esperados da sua utilização (…)”. Atentas as conclusões a que levam a aplicação do princípio probatório relativo à observância do princípio da veracidade e de prática de publicidade resultante n.º 3 do art.º 11.º e n.º 5 do art.º 16.º do Código da Publicidade, nos termos da qual se presumem inexatos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, em linha com o determinado pelo art.º 12.º do CCICAP, não pode este JE deixar de considerar a publicidade enganosa.
Refira-se que o JE concorda com a Requerida quando esta afirma, no ponto 76 da sua contestação, que o exagero publicitário contido no claim “veja a sua máquina fazer o impossível” “não constitui um método para viciar a vontade do consumidor, não sendo per si, um método enganoso”. No entanto, entende o JE que, associado às imagens de louça suja que surgem na comparação, e sendo a mesma ambígua, o claim assume um caráter enganoso, sendo também uma prática comercial desleal ilícita, pois conduz à denegrição do concorrente, nos termos da alínea f) do n.º 2 do art.º 15.º do CCICAP, e a alínea e) do n.º 2 do art.º 16.º do Código da Publicidade, violando o disposto no n.º 2 do art.º 4.º do CCICAP.
A publicidade comparativa está intimamente ligada à denigração do concorrente e é curioso observar que os casos tipificados no art.º 317.º do CPI se aproximam de casos de publicidade comparativa ilícita, sendo também certo, porém, que estando a publicidade comparativa taxativamente regulada no Código da Publicidade, qualquer situação de publicidade comparativa ilícita, ainda que configurando concorrência desleal, é regulada por aquele.

d)   “Até limpa toda a gordura do filtro” é enganoso por induzir em erro quanto à real capacidade de limpeza do filtro, dado o disclaimer associado relativo à remoção do calcário.
Neste claim em particular, entende o JE não assistir razão à Requerente, não se configurando que o claim “até limpam toda a gordura do filtro”, associado ao disclamer “Para a remoção de calcário use um produto de limpeza de máquina ou outro método” configure publicidade enganosa. Com efeito, nenhuma das alegações é suscetível de confusão, referindo-se o claim expressamente à remoção de gordura e não do calcário.

3.   Decisão 

Assim, entende este Júri que a comunicação comercial, configurando um exemplo de publicidade comparativa, viola o princípio da veracidade e o princípio da leal concorrência nos termos do n.º 1 do art.º 4.º e o art.º 9.º do CCICAP, sendo ambígua pelo tratamento visual e associação ao claim “pastilha mais vendida”. Acresce que é suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à eficácia e desempenho do produto, por não se encontrar comprovada mensagem que resulta da associação de publicidade comparativa implícita à alegação “não passe por água/veja a sua máquina fazer o impossível”. Considera, assim, o JE que a mensagem veiculada no conjunto dos spots publicitários violam o disposto no art.ºs 9.º do CCICAP e os art.ºs 10.º e 11.º do Código da Publicidade, bem como o respeito pelo princípio da leal concorrência nos termos da alínea d) do n.º 2 do art.º 15.º e n.º 2 do art.º 4.º do CCICAP, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipos de ilícitos apurados pelo JE.».

A Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP

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EXTRACTO DE ACTA

 

Reunida no décimo segundo dia do mês de Fevereiro do ano de dois mil e dezasseis, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 1J/2016 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 1J/2016

1. Objeto dos Autos

1.1. O Particular, identificado nos autos nos termos previstos regulamentarmente e adiante abreviadamente designado por Queixoso, através do “Formulário de Reclamações para Pessoas Singulares” disponibilizado pelo ICAP no seu sítio da internet, veio, junto do Júri de Ética Publicitária do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a NOS-Comunicações S.A. (adiante abreviadamente NOS ou Denunciada), relativamente à comunicação comercial do produto “Internet Móvel Plano XL”, difundida no sítio da internet desta última por, segundo o Queixoso, a mesma violar os artigos 6º, 7º, 10º nº 1 e 2, 11º nº 1 alíneas a) b) e d), 12º do Código da Publicidade e os artigos 4º (princípios fundamentais) nº 1, 2 e 3, 5º (legalidade), 7º (honestidade), 9º (veracidade), nº 1 e 2 todos do Código de Conduta do ICAP.

1.2. Notificada para o efeito, a NOS apresentou contestação; pronunciou-se, ainda, ao abrigo do princípio do contraditório e no prazo adicional conferido para o efeito, sobre um dos documentos juntos à queixa (registo fonográfico) que por lapso não fora remetido.

1.3. Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e pronúncia sobre documento, bem como, ainda, os documentos juntos pelas Partes, a saber: print screen da publicidade e registo fonográfico (Queixoso); faturas detalhadas excedendo o limite a que alude a queixa (Denunciado).

1.4. Síntese das posições das partes

1.4.1. Na queixa que apresenta, o Queixoso afirma que, de acordo com a publicidade se retira que o tráfego do pacote XL de internet móvel é ilimitado, ilimitação esta que resulta, adicionalmente, do confronto com os pacotes “M” e “S”. Contudo, sublinha o queixoso, que “no momento de subscrever o serviço é indicado que o tráfego é limitado a 15GB”, informação e limite este que, afirma, não se encontram disponíveis em “em lado nenhum da publicidade, nem por remissão.” O Queixoso sustenta a sua posição confrontando a mensagem escrita, que juntou e se pode retirar na internet, com a informação transmitida telefonicamente pela Denunciada, para o que junta um registo fonográfico.

1.4.2. Na contestação, a NOS nega peremptoriamente o afirmado pelo Queixoso, reiterando que, o serviço e tarifário em causa – o tarifário internet móvel XL:
“inclui, de facto, todo o tráfego consumido pelo cliente, conforme referido na página da internet do sítio da NOS junto pelo Queixoso.” (cf. art. 2º da contestação); “não existe nenhum limite de 15GB associado ao volume de tráfego desse tarifário” (cf. art. 3º da contestação);  “a principal característica do tarifário XL é precisamente não ter um máximo de utilização de dados de internet” (cf. art. 5º da contestação);  “o tarifário em causa não tem nenhum limite de 15Gb de tráfego” (cf. art. 6º da contestação);
Afirma, ainda, desconhecer onde terá o Queixoso obtido a informação, reitera a veracidade das informações veiculadas nas mensagens juntas pelo Queixoso, admitindo tratar-se dum mal entendido.
Complementarmente pronunciou-se, no prazo conferido, sobre o registo fonográfico que não lhe fora remetido e defendeu a não admissibilidade da gravação como prova, reiterou a veracidade da informação transmitida na mensagem e juntou duas faturas, comprovando que a ultrapassagem do limite de tráfego a que alude o Queixoso não dá origem a faturação adicional.

2. Enquadramento ético-legal

O Regulamento do JE prevê, no nº 1 do seu artigo 7º que as Secções do Júri são competentes para dirimir as queixas em matéria de comunicação comercial: a) Que lhe sejam submetidas por quaisquer pessoas, contra associados ou terceiros; b) Que lhe sejam submetidas por quaisquer pessoas, sobre comunicações comerciais decorrentes de alterações naquelas que tenham sido objecto de deliberações proferidas pelo JE; c) Que lhe sejam submetidas por quaisquer pessoas sobre comunicações comerciais veiculadas posteriormente noutros suportes que não tenham sido identificados na queixa.
O mesmo Regulamento prevê, no seu artigo 10º, nº 4 e 5 que: “A queixa prevista no artigo 7º, alíneas b) e c), apenas carece da apresentação por escrito da exposição dos factos e fundamentação do eventual incumprimento pela outra parte, bem como da junção da comunicação comercial em causa. 5. Serão recusadas a queixa ou qualquer documentação a ela junta que não reúnam todos os requisitos estabelecidos no presente artigo.”
Este artigo do Regulamento, no seu nº 2, estabelece que: “A queixa deverá ser entregue em suporte de papel e em suporte digital, neste último caso apenas no que respeita ao articulado e em formato Word, e deve ser acompanhada de toda a documentação referente aos actos alegados, sendo obrigatório juntar a comunicação comercial, cuja apreciação se pretende ver analisada, devidamente isolada, sem outra comunicação comercial e/ou conteúdo editorial, num suporte que, a reproduza, com fidelidade, tal como foi veiculada.” (sublinhado nosso)
A queixa levada à apreciação do Júri é suportada por documentos extraídos da página de internet da NOS e por um registo fonográfico, gravação efetuada pelo Queixoso, alegadamente, dum telefonema com um operador do call center da Denunciada, que transmite uma informação contrária ao constante dos documentos.
Independentemente da licitude de tal gravação, questionável, é certo, há que que referir a extrema dificuldade em perceber o diálogo encetado, sendo mais perceptíveis as questões, orientadoras, formuladas pelo Queixoso e quase inaudíveis as respostas da, alegadamente, operadora de call center.
Temos pois que, a queixa se baseia numa mensagem da NOS – que, diga-se, em si mesma não encerra uma violação do Código de Conduta do ICAP – cujo conteúdo seria contrariado pela prática comercial da denunciada.
Tem razão o queixoso quando diz que se o serviço é anunciado como possuindo um tráfego ilimitado não pode existir a introdução de limites. Aliás, a entidade reguladora do sector das comunicações – ANACOM – tem-se pronunciado nesse mesmo sentido, tendo como entendimento, quanto à designação como “ilimitada” de ofertas comerciais de serviços de comunicações electrónicas que:
“a) A expressão “ilimitado” utilizada para designar, anunciar e caracterizar diversas ofertas, nomeadamente as disponibilizadas pelos prestadores de acesso à internet e de serviços telefónicos (incluindo chamadas e/ou mensagens), deve ter o significado que lhe atribui um utilizador normal, isto é, “sem limites” ou “sem restrições”; b) Não pode ser designada como “oferta de tráfego ilimitado”, “oferta de chamadas/SMS ilimitadas” ou outra expressão suscetível de induzir os utilizadores na mesma conclusão quanto ao seu significado, como seja “sem limites”, “sem restrições” (quanto à classificação das ofertas), “infinito/as”, “infindo/as” ou “absoluto” (quanto à classificação do tráfego/chamadas/SMS) a disponibilização de serviços em que ocorra o condicionamento da sua utilização para além de situações justificadas por circunstâncias excecionais, com o objetivo de evitar que seja esgotada a capacidade num segmento de rede, nos termos da LCE; c) As medidas restritivas aplicadas em situações justificadas por circunstâncias excecionais devem ser: o Adequadas e proporcionais ao fim que visam atingir, quer quanto à medida em si, quer quanto à respetiva duração, devendo a normalidade ser reposta logo que termine a situação ou circunstância excecional; o Equitativas, no tratamento dos diferentes utilizadores com o mesmo tarifário/pacote;d) As “políticas de utilização responsável” (PUR) e/ou “políticas de utilização aceitável” (PUA), quando existam, devem constar das condições de oferta das empresas que incluem, no caso da divulgação nos respetivos sítios na internet, as páginas onde é disponibilizada a informação sobre os tarifários e as suas características) de forma clara e transparente e, no caso das “ofertas de tráfego ilimitado”, apenas podem ter o enquadramento referido em b) e c) e devem especificar devidamente as restrições aplicáveis. “
Segundo o Queixoso, é a circunstância da NOS não praticar aquilo que afirma na mensagem publicitária que motiva a queixa.
Tal é peremptoriamente negado pela NOS, que reitera que o tarifário XL corresponde, efetivamente, a um tráfego móvel ilimitado e junta faturas em que o tráfego foi excedido sem dar lugar à aplicação de qualquer adicional.
Cabendo ao anunciante, nos termos do artigo 12º do Código de Conduta, o ónus da comprovação da veracidade da mensagem veiculada, considera o Júri que este procedeu a essa demonstração de veracidade com as faturas juntas.
Assim, como do conteúdo ou da apresentação da mensagem em si mesma não resulta a violação das normas invocadas, e a denunciada comprovou, como lhe competia, a veracidade do afirmado, o Júri entende deliberar pela improcedência da queixa.

3. Decisão

Termos em que a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido da improcedência da queixa.

A Presidente da Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP

1. Decisão compulsável em www.anacom.pt.

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2J/2016

LACTOGAL- Prod. Alimentares
vs.
NUTRE – Ind. Alimentares

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no décimo dia do mês de Fevereiro do ano de dois mil e dezasseis, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 2J/2016 tendo deliberado o seguinte:

Processo nº 2J/2016

1. Objecto dos Autos 

1.   A LACTOGAL – PRODUTOS ALIMENTARES, S.A. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por LACTOGAL ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a NUTRE – INDÚSTRIAS ALIMENTARES, S.A. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por NUTRE ou Requerida), relativamente a comunicação comercial à sua marca “Shoyce”, promovida pela última nos suportes, outdoor, Internet e embalagem – tal, por alegada violação dos artigos 9.º, 10.º e 14.º do Código de Conduta do ICAP, artigo 7.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-lei 57/2008, artigo 23.º, n.º 1, alínea a) e n.ºs 2 e 3 do Decreto-lei 560/99, artigo 8.º do Decreto-lei 74/2010, artigos 3.º, 10.º, n.º 1, 12.º, alínea a), 13.º, n.º 1, do Regulamento (CE) 1924/2006, bem como do artigo 7.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Regulamento (UE) n.º 1169/2011.

1.1.   Notificada para o efeito, a NUTRE apresentou a sua contestação.Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.

1.2. Questão prévia
Alega a NUTRE em sede de contestação que, “O Instituto Civil da Autodisciplina da Comunicação Comercial (doravante “ICAP”) é uma associação de direito privado que tem por base o seu acto constitutivo e estatutos, apenas vinculando os seus associados, membros ou aqueles que voluntariamente aderirem aos seus estatutos, códigos ou normas internas do ICAP” (sic. art.º 1), que “…nos termos do artigo 30.º do Código de Conduta do ICAP (…) e do artigo 13.º do Regulamento do Júri de Ética (…), só estão vinculados àquele Código de Conduta e às deliberações do Júri de Ética (…) que dirimam litígios, os sócios do ICAP, seus associados e as entidades que, não sendo membros, tenham submetido questões à apreciação do JE.” (sic. art.º 2) e que “A Nutre não é sócia, membro ou associada do ICAP, nem submeteu qualquer litígio ou questões à apreciação do JE do ICAP.”(sic. art.º 3).
De onde retira a Requerida a conclusão no sentido de que “…a NUTRE não está vinculada a respeitar o Código de Conduta ou o Regulamento do JE do ICAP ou qualquer decisão que venha a ser proferida relativamente aos alegados factos denunciados pela LACTOGAL.” (sic. art.º 4) e que “Desta forma, quer para a Nutre ou para quaisquer terceiros, uma eventual deliberação do JE sobre a queixa apresentada poderia eventual e apenas vir a ser considerada uma mera opinião sobre a alegada incorrecção ética da publicidade em apreço.” (sic. art.º 5.).
No que tange a esta posição da Requerida, cumpre ao Júri esclarecer que, não obstante não ser a NUTRE associada do ICAP, importa ter presente, designadamente, que muitos dos meios de comunicação de campanhas publicitárias o são, pelo que o respetivo Júri de Ética é materialmente competente para proferir a decisão e vincular a mesma Requerida quanto ao conteúdo decisório emanado. Com efeito, resulta do disposto no artigo 30.º do Código de Conduta do ICAP que, tal conteúdo é comunicado às Partes e vincula os meios de comunicação das ditas campanhas, no que respeita às decisões de cessação.
Por outro lado, e tal como ficou referido nas Decisões dos Processos 13J/2010 e 10J/2014, “…o efeito pretendido – célere, válido e eficaz – das deliberações do Júri é que, findo o prazo de recurso e efectuadas as devidas notificações, se verifique a cessação – ou não – da publicidade que o Júri apreciou à luz do Código de Conduta, sendo tal deliberação (auto) vinculativa para os membros do ICAP. Assim, não se pode descurar as importantes componentes didáctica e pedagógica das deliberações do JE quando, do ponto de vista da ética publicitária, procede à análise de uma comunicação comercial.”
Em conformidade com o exposto, e tendo presente o que, em tempo, foi respondido à NUTRE acerca do pedido de prolongamento de prazo para contestar, o Júri pronunciar-se-á sobre o mérito dos autos.

1.3.   Dos factos
A NUTRE divulgou através de Internet (designadamente, nas redes sociais e no seu site institucional) outdoor e embalagem, uma campanha publicitária destinada a promover o seu produto “Shoyce”, uma bebida de soja, sob o claim “não vai acreditar que não é leite”, entre outros, com a participação do humorista Nuno Markl. (Cfr. Docs. de 1 a 7 juntos à queixa).

1.3.1. Das alegações publicitárias
Em conformidade com o art.º 10.º da petição e dos sete documentos juntos aos autos com a mesma, são os seguintes, os claims ou alegações publicitárias colocadas em crise:

1.3.1.1.   Em suporte Internet

A)   Primeiro spot publicitário: “o espírito da vaca”
Surge o comediante Nuno Markl vestido de vaca, ouvindo-se ao longo de todo o filme o pronunciado mugir do animal  – simulado por ele e por uma voz  off (Cfr. Doc. n.º 5 da queixa), procedendo o primeiro aos seguintes depoimentos:

(i)   “revelar, de uma vez por todas, se Shoyce é ou não é leite”;(ii)   “a consistência é a do leite”;(iii)   “eiina … a proteína que aqui vai”, precedido do mugir da vaca;(iv)   “realmente parece não estar aqui o espírito da vaca, mas (v)   “lá que sabe a leite sabe”;(vi)   “nem vai acreditar que não é leite”.

B)   Segundo spot publicitário: “blind test”
Surge o comediante Nuno Markl vestido com uma bata, anunciando que vai fazer um teste cego (cfr. Doc. n.º 6 da queixa), o qual verbaliza as seguintes alegações:

(i)   “Para perceber a diferença de sabor entre Shoyce e o leite aceitei fazer um blind test”;(ii)   “é um teste em que não vemos o que estamos a provar”;(iii)   “Igual, não se nota a diferença, incrível, é igual”, alegação que se ouve após o interveniente ter pegado, num copo e depois noutro, como se estivesse a fazer uma prova cega, fazendo de conta que bebe o que está dentro de cada um deles e deitando o conteúdo para trás das costas;(iv)   “Nem vai acreditar que não é leite”.
C)   Terceiro spot publicitário: em site institucional http://shoyce.pt/
(i)   aparecimento de uma garrafa usada caracteristicamente para o leite;(ii)   “nem vai acreditar que não é leite”;(iii)   Disclaimer “sem/sin lactose”;(iv)   imagem do comediante Nuno Markl vestido de vaca;
D)   Quarto spot publicitário: em http://myshoyce.tumblr.com/
(i)   Nuno Markl vestido de vaca, lendo-se “é meu”, com destaque, vendo-se o humorista a beber um copo com “Shoyce” e percebendo-se que diz “é meu”;(ii)   “nem vai acreditar que não é leite”;(iii)   “Mas que sabe a leite, sabe!” (cfr. Doc. n.º 3 da queixa);

1.3.1.2.   Em suporte outdoor

A)   Primeiro outdoor “o espírito da vaca”
(i)   Nuno Markl vestido de vaca;(ii)   “nem vai acreditar que não é leite” associada ao disclaimer “sem/sin lactose” (cfr. Doc. n.º 1 da petição).
(i)   Nuno Markl, com uma imagem do filme “blind test”, com as alegações “nem vai acreditar que não é leite” e “sem/sin lactose” (cfr. Doc. n.º 2 da queixa).

1.3.1.3.   Em suporte embalagem
(i)   “Shoyce é uma bebida saudável”;(ii)   “Your healthy & delicious”;(iii)   Disclaimer “Sem/sin lactose”;(iv)   ”com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite”; (cfr. Doc. n.º 7 da petição).

1.4. Das alegações das Partes

1.4.1. Em síntese, alega a LACTOGAL em sede de queixa que a campanha publicitária da responsabilidade da NUTRE à sua bebida de soja “Shoyce”, sob o mote “não vai acreditar que não é leite”, se encontra em desconformidade com o quadro ético-legal europeu em matéria de princípio da veracidade em matéria de comunicações comerciais, publicidade comparativa e princípios a que devem obedecer as chamadas alegações de saúde. A Requerente sustenta, designadamente, que “A publicidade e a rotulagem em causa não se encontram conformes à legislação comunitária e nacional aplicável, designadamente (i) ao regime jurídico das práticas comerciais desleais (DL 57/2008 de 26 de Março), (ii) ao regime jurídico da rotulagem, apresentação e publicidade dos géneros alimentícios (DL 560/99, de 18 de Dezembro), (iii) ao regime jurídico relativo às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos (Regulamento (CE) 1924/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 20 de Dezembro); (iv) ao regime relativo aos géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial (DL 74/2010, de 21 de Junho); (v) ao regime comunitário relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios (Regulamento (UE) nº 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho de 25 de Outubro de 2011) e (vi) ao Código de Conduta do ICAP.” (sic. art.º 11).
1.4.2. Contestando a denúncia da LACTOGAL, vem a NUTRE defender a ética e a legalidade da sua campanha publicitária em razão, designadamente, de em todos os meios utilizados ser clara e transparente a menção a que Shoyce é uma bebida de soja, indicando-se de forma expressa, e sem margem para qualquer dúvida, que não se trata de um produto lácteo e de não existir, por isso, qualquer motivo para que o consumidor possa ser induzido em erro quanto à natureza do produto por força de qualquer omissão na campanha publicitária. (Cfr. art.ºs 15, 18 e 19 da contestação).

2. Enquadramento ético-legal

Próprio dos Regulamentos da União Europeia (e, assim, dos citados pela LACTOGAL em sede de queixa), é o chamado efeito directo ou o da aplicabilidade directa do direito produzido no âmbito da EU, no quadro do princípio do primado.
Logo, os critérios restritivos de licitude em matéria de publicidade e rotulagem, quer a géneros alimentícios em geral, quer a produtos não-lácteos em particular, é imperativo e imediato, obrigando directamente todos na União Europeia, incluindo as empresas.
Ora, de acordo com o disposto nos artigos 4.º, n.º 1 e 5.º do Código de Conduta do ICAP, as comunicações comerciais devem ser legais.
De onde, analisada a campanha publicitária da NUTRE, nas suas várias vertentes (cfr. Docs. n.ºs 1 a 7 da queixa) e ponderada a argumentação das Partes, compete ao Júri pronunciar-se, tomando por referência três questões principais, a saber:

– 1. Da alegada desconformidade legal do disclaimer “sem/sin lactose”;
– 2. Da alegada desconformidade legal das alegações “bebida saudável” e “Your healthy & delicious”;
– 3. Da prática de publicidade alegadamente desconforme com o quadro ético-legal em matéria de comunicações comerciais comparativas e princípios da veracidade e da livre e leal concorrência.

2.1. Da alegada desconformidade legal do disclaimer “sem/sin lactose”
Alega a Requerente em sede de petição que, “O uso da alegação “Sem/sin lactose” encontra-se (…) regulado, sendo que esta só pode ser utilizada no quadro dos géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial, acompanhada de informação de que esses produtos são aptos à satisfação de necessidades nutricionais especiais de pessoas cujo processo de assimilação ou cujo metabolismo se encontra perturbado, desde que especificamente formulados para tal e sujeitos a notificação à DGAV (cfr. art. 7º, nº 1 do Regulamento (UE) nº 1169/2008)” (sic. art.º 37), concluindo que a referida menção “…é, neste caso, ilegal, constituindo violação das regras do regime relativo aos géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial (DL 74/2010) e ao regime comunitário relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios (Regulamento (UE) nº 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho).“ (sic. art.º 39.º).
Neste tocante, constitui posição da NUTRE, a seguinte: “Invoca a queixosa no ponto 38 da queixa que a Direcção Geral de Alimentação e Veterinária (“DGAV”) concretizou orientações precisas quanto à referência ao teor de lactose nos bens alimentares, reproduzindo uma clarificação de “perguntas frequentes” do site daquela Autoridade Administrativa” (sic. art.º 57), acrescentado que “…a Nutre também solicitou junto daquela mesma Autoridade Administrativa clarificação sobre se, de acordo com a legislação em vigor, podia ou não utilizar a menção “sem lactose” na rotulgem dos produtos” (sic art.º 58), “Ao que aquela Autoridade Administrativa afirmou, no parecer com a REF 1370/0811/000/000-2015-TC, que ““sem glúten” e “sem lactose” não são alegações no âmbito do Regulamento (CE) Nº 1924/2006 mas informações ao consumidor. Podem ser utilizadas desde que cumpram o disposto no artº 7º do Regulamento (UE) Nº 1169/2011, relativo às práticas leais de informação, ou seja, só devem ser apostas a alimentos em que o consumidor possa ter dúvidas sobre a sua presença”.” (sic. art.º 59, cfr. Doc. n.º 2 da contestação).
Em coerência, constata o Júri que a NUTRE logrou comprovar a ausência de desconformidade do discaimer “sem/sin lactose”, com o disposto no mencionado Regulamento da União Europeia. Mais, no mesmo Doc. n.º 2 junto aos autos com a contestação, ainda se encontra expressamente referido que, “…os “alimentos naturalmente isentos de lactose e glúten como as bebidas vegetais que substituem o leite podem ostentar essas menções, mas não ser considerados como alimentos que tenham sido especialmente produzidos para a eliminação de glúten ou lactose, não carecendo de notificação.”
Alega igualmente a Requerente, na sua petição, que a campanha publicitária da responsabilidade da NUTRE se encontra desconforme com o quadro normativo do Decreto-lei 74/2010, o qual estabelece o regime jurídico ao qual deve obedecer a comercialização de géneros alimentícios destinados a uma alimentação especial, concretamente, com o disposto no seu artigo 8.º (cfr. CONCLUSOES, H) e art.º 11), sem, no entanto, fundamentar as razões de tal.
Por maioria de razão do que ficou exposto, entende o JE que a campanha publicitária em apreciação não é subsumível no regime jurídico do Decreto-lei 74/2010 e que o disclaimer “sem/sin lactose” não se encontra em desconformidade com a moldura legal do Regulamento (UE) nº 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, ao contrário do que afirma a LACTOGAL na sua queixa (Cfr. J/CONCLUSÕES).

2.2. Da alegada desconformidade legal das alegações bebida saudável, Your healthy & delicious e com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite

2.2.1. Da alegada comunicação sobre propriedades de prevenção de doenças humanas
Defende a LACTOGAL a art.ºs 31 e 32 da sua queixa, que os claims “bebida saudável” e “Your healthy & delicious” consubstanciam alegações de saúde que invocam propriedades de prevenção de doenças humanas sendo, por isso, proibidas à luz do artigo 23.º, n.º 2, do Decreto-lei 560/99 de 18 de dezembro e, entre outros normativos de fonte comunitária, face ao artigo 12.º, alínea a) do Regulamento (CE 1924/2006).
De acordo com o disposto no artigo 23.º, n.º 2, do Decreto-lei 560/99 de 18 de Dezembro, “Sem prejuízo das disposições aplicáveis aos produtos destinados a uma alimentação especial e às águas minerais naturais, não é permitido atribuir a um género alimentício propriedades de prevenção, de tratamento e de cura de doenças humanas, nem mencionar tais propriedades.”.
Por seu turno, dispõe-se no referido artigo 12.º, alínea a) do Regulamento (CE) 1924/2006, sob a epígrafe “Restrições quanto à utilização de determinadas alegações de saúde” que, “São proibidas as (…) Alegações que sugiram que a saúde pode ser afectada pelo facto de não se consumir o alimento”.
Entende o Júri que, de facto, aqui se trata de alegações de saúde, as quais, nos termos do artigo 2.º, n.º 5 do mesmo Regulamento (CE) 1924/2006, são aquelas que declarem, sugiram ou impliquem a existência de uma relação entre uma categoria de alimentos, um alimento ou um dos seus constituintes e a saúde.
Contudo, o JE subscreve a posição da NUTRE, definida a art.º 41, § 1.º da contestação. Com efeito, as alegações claims “bebida saudável” e “Your healthy & delicious” não são de molde a incentivar o consumo excessivo do produto ou a sugerir a prevenção de doenças humanas e, muito menos, que a saúde pode ser afectada, caso não se consuma “Shoyce”.

2.2.2. Da alegada enganosidade das alegações de saúde
Sustenta ainda a LACTOGAL, em sede de petição, que “As alegações “bebida saudável” e “Your healthy & delicious” pretendem estabelecer a existência de uma relação entre a bebida de soja Shoyce e a saúde (cfr. doc. nº 7 embalagem do leite e www.shoyce.pt)” (sic. art.º 23), que se tratam “…portanto, de duas alegações de saúde (cfr. art. 2º, 2./5) do Regulamento (CE) 1924/2006)”, (sic. art.º 24) e que, “As alegações de saúde que não tenham sido autorizadas pela Comissão, ou que não constem da lista aprovada pela mesma Autoridade Comunitária, são proibidas (cfr. art. 3º, 10º, nº 1, 12º, al. a) e 13º, nº 1 do Regulamento (CE) 1924/2006)” (sic. art.º 25), para concluir que “A referida alegação não foi autorizada, nem consta de nenhuma lista, sendo, por isso, proibida.” (sic. art.º 26).
A propósito, acrescenta ainda a LACTOGAL que, “Independentemente disso, quanto às alegações de saúde incluídas na publicidade e/ou na rotulagem, as mesmas só são permitidas quando seja indicada a quantidade do alimento e o modo de consumo requeridos para obter o efeito benéfico alegado” (sic. art.º 27) que, “Neste caso sempre se registaria a ausência de informação sobre a dose necessária para obter os alegados efeitos benéficos decorrentes da ingestão da bebida de soja” (sic. art.º 28), e que “A ausência daquela informação é susceptível de criar uma impressão errada no consumidor quanto à eficácia do produto, induzindo-o em erro” (sic. art.º 29), já que “…as alegações de saúde não devem ser ambíguas ou enganosas…” (sic. art.º 30).
Pelos motivos que ficaram expostos no ponto anterior, o Júri não subscreve esta linha de argumentação.
As alegações “bebida saudável” e “Your healthy & delicious” ora colocadas em crise, constam da embalagem de “Shoye” (sem prejuízo de serem visíveis noutros suportes), tal como também consta o claim ”com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite” (cfr. Doc. n.º 7 da petição), as quais, atentos os juízos de qualidade inerentes, fazem com que a mesma embalagem seja um suporte publicitário.
Sustenta o JE que, as alegações de saúde “bebida saudável” e “Your healthy & delicious” são susceptíveis de ser interpretadas pelo consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido e informado (na acepção que tem sido sobejamente divulgada pela jurisprudência comunitária e do JE) por referência ao claim ”com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite”, bem como à alegação publicitária divulgada através de Internet:” “eiina … a proteína que aqui vai” (precedida do som de mugido de vaca).
Em conformidade, o destinatário da comunicação comercial da responsabilidade da NUTRE ora em análise, perceberá que “”Shoyce”” é uma bebida saudável porque possui doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite”.
Ora, ao contrário do referido pela NUTRE a art.ºs 33 34 da contestação, decorre do alegado pela LACTOGAL a art.ºs 20 a 22 da queixa, o entendimento de que os claims ”com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite”, e  “eiina … a proteína que aqui vai” (precedido do mugir da vaca e divulgado em suporte internet), constituem uma prática de publicidade enganosa, por violação do princípio da veracidade quanto à natureza e composição de Shoyce, o que traduz, igualmente, uma prática comercial desleal. Logo, também se encontram feridas de tais ilicitudes, as alegações de saúde indissociáveis.
Tal, atenta a não junção aos autos por parte da Requerida – conforme estipulam os artigos 12º do Código de Conduta do ICAP e artigos 10.º e 11.º, n.º 3 do Código da Publicidade – de prova da veracidade de todas as alegações ora colocadas em crise.
Aliás, diga-se em jeito de nota de rodapé, e com o devido respeito, que parece ser a própria NUTRE a admitir, implicitamente, a desconformidade entre as alegações ”com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite”, e “eiina … a proteína que aqui vai” e a tabela nutricional e características de “Shoyce” constantes da embalagem, ao referir a art.º 30. da contestação que “De todo o modo, mesmo nas embalagem tal menção não é susceptível de induzir o consumidor em erro, tal como alega a Lactogal no ponto 20 da sua queixa, já que nessas mesmas embalagens consta igualmente a informação nutricional do produto e todas as suas características“ e que “Para mais, no site da Shoyce consta efectivamente uma tabela nutricional comparativa e detalhada (cfr. Disponível em formato digital em http://shoyce.pt/original/)”. (sic. art.º 31).
De facto, a NUTRE não apresenta prova, nem sequer defende em sede de contestação, que a tabela nutricional a que se refere permite comprovar que o seu produto “Shoyce” possui ”…doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite”.

2.2.3. Conclusão

De onde, conclui o Júri serem as alegações publicitárias “bebida saudável” e “Your healthy & delicious” desconformes com o disposto nos artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 12.º do Código de Conduta do ICAP, nos artigos 4.º, 6.º, alínea b), 7.º, n.º 1, alínea b) e 9.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, no artigo 23.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-lei 560/99, de 18 de dezembro, nos artigos 3.º, alínea a) e 10.º, n.º 1, do Regulamento (CE) 1924/2006, bem como no artigo 7.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 2 do Regulamento (UE) n.º 1169/2011, de 25 de Outubro.

2.3. Da alegada prática de publicidade comparativa ilícita
Segundo a queixa da LACTOGAL, “A campanha em causa assenta na tentativa descarada de comparação de dois produtos alimentícios distintos – o leite e a bebida de soja – tentando a NUTRE, através de determinadas alegações, entre outras, “lá que sabe a leite sabe” e “incrível, igual, não se nota a diferença, incrível, é igual” e, ainda, de outros meios que abaixo se enunciam, induzir em erro o consumidor quanto à natureza dos referidos bens alimentícios, bem como quanto às suas características, vantagens e composição.” (sic. art.º 5).
Defende a Requerente na sua petição que, “…as alegações “a consistência é a do leite”, “eiina … a proteína que aqui vai”, “lá que sabe a leite sabe”, “nem vai acreditar que não é leite”, “é meu”, “incrível, igual, não se nota a diferença, incrível, é igual” e ”com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite” (sic. art.º 11. A) “…são susceptíveis de fazer crer ao consumidor médio – aquele “normalmente informado e razoavelmente atento e advertido”  – que o Shoyce é, afinal, leite.” (sic. art.º 12) e que” A campanha publicitária em causa incide numa comparação entre um produto de natureza/origem vegetal da marca Shoyce com o leite.” (sic. art.º 14).
A prática de publicidade comparativa somente é consentida mediante a verificação concreta de determinados requisitos constantes do artigo 16.º do Código da Publicidade, os quais encontram a sua equivalência em sede de autoregulação, no artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP, sob a epígrafe “Comparações”.
Nos termos do n.º 1 de tal normativo, “É comparativa a comunicação comercial que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente.”
Ora, quanto ao caso em apreciação, e quanto às várias versões da campanha veiculadas nos suportes Internet e outdoor (este caso, através de decalque e alegoria aos filmes publicitários), bem como por via de embalagem (por virtude da alegação “com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite”) não tem o Júri dúvidas quanto à verificação de uma prática de publicidade comparativa.
Na realidade, a “Shoyce” é e assume-se como concorrente do leite. (cfr. Docs. n.ºs 1 a 7 da petição). Diga-se, aliás, que o critério restritivo de licitude em matéria de publicidade e rotulagem a produtos não-lácteos constitui, de resto, um instrumento indelével da regulação europeia. Atenda-se, a título de exemplo, ao consignado no Considerando 51 do Regulamento (CE) 1234/2007 de 22 de Outubro, segundo o qual se visa, expressamente, “…melhorar a posição do leite e produtos lácteos no mercado, em benefício de produtores e consumidores”, acrescentando-se que ”As regras […] visam proteger o consumidor e criar condições de concorrência entre produtos lácteos e produtos concorrentes, no domínio da designação, rotulagem e publicidade dos produtos, que evitem qualquer distorção.”
Quanto aos requisitos cumulativos a que a prática de publicidade comparativa deve obedecer, considera o Júri serem relevantes no caso em apreciação, os de:
– referência objectiva a uma ou mais características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses bens ou serviços;
– identificação de apenas bens ou serviços que respondam às mesmas necessidades ou que tenham os mesmos objectivos;
– não enganosidade;
– respeito pelo princípio da livre e leal concorrência.

2.3.1. Da referência objectiva a uma ou mais características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas de bens ou serviços
Alega a LACTOGAL, em sede de petição, que ao longo do spot publicitário “o espírito da vaca” não é mencionada uma única característica da bebida de soja que possa estabelecer uma comparação de forma objectiva com o leite” (sic art.º 17) e que “Em nenhum momento se ouve ou lê qualquer referência a “bebida de soja”, mas apenas a “Shoyce”. (sic. art.º 18).
O Júri não concorda com a Requerente, quanto às duas afirmações.
Em “vários momentos” se ouve ou lê a frase “bebida de soja”.
Por outro lado, em todos os suportes são mencionadas características da bebida de soja passíveis de estabelecer uma comparação de forma objectiva com o leite.
No caso do suporte embalagem, o claim “com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite” compara características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas do último género alimentício, pelo que qualquer ilicitude, quanto a tal requisito, se refere à ausência de comprovação, em termos de veracidade, como se concluiu no ponto anterior. (Cfr. Doc. n.º 7 junto aos autos com a queixa).
Logo, entende o Júri que tal alegação se encontra desconforme com o disposto no artigo 15.º, n.º 2, alíneas a), c) e d) do Código de Conduta do ICAP, constituindo uma prática de publicidade comparativa ilícita.
No que tange aos filmes divulgados através da Internet e às respectivas imagens fixas em outdoor, entende o JE que são comparados como características essenciais, pertinentes e comprováveis (cfr. Docs. n.ºs 1 a 6 junto aos autos com a queixa):
– o sabor (a leite);- a consistência (igual à do leite),
cuja ausência de comprovação por parte da NUTRE não se permite o Júri considerar para quaisquer efeitos, na medida em que em concreto, e directa ou indirectamente, não constituem factos alegados por parte da LACTOGAL em sede de petição.
De qualquer forma, não se diga, como o faz a NUTRE na sua contestação, que “O sabor constitui uma característica comparável, nada impedindo a que se faça essa comparação, desde que a mesma esteja assente em evidências, conforme é efectivamente o caso” (sic. art.º 28).
Tal, já que o sabor de “shoyce” não é um facto público e notório…

2.3.2. Da identificação de apenas bens ou serviços que respondam às mesmas necessidades ou que tenham os mesmos objectivos
No caso do suporte embalagem, o claim “com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite” identifica um objectivo (o de nutrição, e só este) que se poderia considerar como uma “zona de intersecção” entre a bebida de soja e o leite, não fosse, mais uma vez, a ausência de comprovação em termos de veracidade, como já se concluiu. (Cfr. Doc. n.º 7 junto aos autos com a queixa).
De onde, neste tocante, tal alegação se encontra desconforme com o disposto no artigo 15.º, n.º 2, alíneas a), b) e d) do Código de Conduta do ICAP, consubstanciando uma prática de publicidade comparativa ilícita.

2.3.3. Do requisito de não enganosidade e de respeito pelo princípio da livre e leal concorrência.
Concluiu o JE no ponto 2.2. que as alegações constantes da embalagem de “Shoyce”, “bebida saudável” e “Your healthy & delicious” consubstanciam uma violação dos princípios da veracidade e da livre e leal concorrência. Assim, por maioria de razão, traduzem uma prática de publicidade comparativa ilícita.
Igualmente sustentou o Júri no ponto anterior que, as alegações de saúde “bebida saudável” e “Your healthy & delicious” são susceptíveis de ser interpretadas pelo consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido e informado (na acepção que tem sido sobejamente divulgada jurisprudência comunitária e do JE) por referência ao claim ”com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite”. É altura agora de afirmar que, também todas as alegações (verbais e visuais) inseridas nas restantes peças publicitárias que integram uma campanha conjugada em vários suportes – como a ora em análise – serão entendidas à luz da primeiras e das outras. Diga-se, aliás, ser esta a razão a contrario – pela qual, no artigo 9.º, n.º 2, sob a epígrafe “Omissões Enganosas” do Decreto-lei 57/2008, de 26 de Março, se consagra a norma excepcional: “Quando o meio de comunicação utilizado para a prática comercial impuser limitações de espaço ou de tempo, essas limitações bem como quaisquer medidas tomadas pelo profissional para disponibilizar a informação aos consumidores por outros meios devem ser tomadas em conta para decidir se foi emitida a informação”.
Dito de outra forma, não só informações entre meios podem ser completadas, como a interpretação de claims entre meios pode ser sugerida, como se de uma só fonte textual se tratasse. Tal, na medida em que os textos publicitários constantes dos vários suportes utilizados numa determinada campanha publicitária, funcionam como um lugar privilegiado de representação da linguagem – tanto verbal como imagética – cuja interpretação e sentido persuasivo é construída pelo destinatário, o qual não o faz tomando os vários suportes e as várias frases publicitárias e, ou, disclaimers como compartimentos estanques em termos de percepção.
Assim sendo, tais textos constantes de vários suportes terão que ser analisados como um todo, por referência ao respectivo significado simbólico. Para além do literal. Como signos.
De onde, o Júri apreciará a conformidade da campanha publicitária da responsabilidade da NUTRE, por referência à conjugação de todos os claims veiculados nos vários suportes, para além da embalagem de “Shoyce”, ou seja, procederá a uma análise “na totalidade”.
Refere-se o Júri, quer ao mote da campanha publicitária colocada em crise “não vai acreditar que não é leite”, quer aos claims visuais “comediante vestido de vaca” e “garrafa caracteristicamente usada para o leite”, quer aos claims sonoros traduzidos por “sucessivos mugidos de vaca”, quer ainda aos claims verbais “revelar, de uma vez por todas, se Shoyce é ou não é leite”, “a consistência é a do leite”, “eiina … a proteína que aqui vai”, (precedido do mugir da vaca) “realmente parece não estar aqui o espírito da vaca, mas  lá que sabe a leite sabe”, “para perceber a diferença de sabor entre Shoyce e o leite aceitei fazer um blind test”, “é um teste em que não vemos o que estamos a provar”, “Igual, não se nota a diferença, incrível, é igual”, “é meu” (associado a Nuno Markl vestido de vaca), “vendo-se o humorista a beber um copo com “Shoyce” e percebendo-se que diz “é meu”. (Cfr. Docs. 1 a 6 da petição).
Defende a Lactogal, no ponto 12 da sua queixa, que as alegações utilizadas “são susceptíveis de fazer crer ao consumidor médio – aquele “normalmente informado e razoavelmente atento e advertido – que Shoyce é, afinal, leite”. (Negrito e sublinhado do Júri).
Contrariando tal posição, vem a Requerida sustentar em sede de contestação que, “…em todos os meios publicitários utilizados é clara e transparente a menção a que Shoyce é uma bebida de soja. (sic. art.º 15), que “Seja nos mupis, seja nos vídeos, seja nas embalagens, seja nos meios digitais, é sempre escrito e/ou dito, de forma clara, legível e audível, que a Shoyce é uma bebida de soja.“ (sic. art.º 16) e que “Aliás, os próprios documentos com os n.ºs 1, 2, 3 e 4 juntos com a queixa da Lactogal comprovam a menção expressa “Bebida de Soja” nos veículos de publicidade.” (sic. art. 17).
O Júri concorda…
Tal, muito embora o destaque dado a tal disclamer seja bastante reduzido, por comparação com os restantes, designadamente, aravés de outdoor (em termos de tamanho de caracteres utilizados) e de filmes (através de duração por comparação com as restantes sequências de imagem).
No que o Júri já não concorda, é com o acrescentado pela NUTRE na contestação, no sentido de que, “Não existe, por isso, qualquer motivo para que o consumidor possa ser induzido em erro quanto à natureza do produto por força de qualquer omissão na campanha publicitária” (sic. art.º 19), e de que “todo o propósito da campanha assenta precisamente no princípio de que Shoyce não é leite, e ao teaser de que se “vai revelar, de uma vez por todas, se Shoyce é ou não é leite”, a resposta que se retira do anúncio é que inequivocamente não é (“não está o espírito da vaca”).” (sic. art.º 22).
Entende o JE que “não está o espírito da vaca”, mas existe a susceptibilidade de o consumidor médio esquecer ou nem chegar a interiorizar “que também não está o seu leite”.
Tal, entre outras razões, porque um dos claims conjugado é “Igual, não se nota a diferença, incrível, é igual”, “é meu” (associado a Nuno Markl vestido de vaca), “vendo-se o humorista a beber um copo com “Shoyce” e percebendo-se que diz “é meu” e, também, porquanto o mote constantemente repetido é “não vai acreditar que não é leite”: a âncora da anáfora indirecta que suporta todas as alegações publicitárias colocadas em crise e que lhes “acrescenta” sentido e desvenda a trama por detrás das palavras. Aliás, o sentido que contraria o literamente disposto no artigo 65.º, alínea a)  do Regulamento (CE) 1234/2007, de 22 de Outubro: “Para efeitos da presente secção, entende-se por: a)”Leite”: o produto proveniente da ordenha de uma ou mais vacas”…
Com efeito, colocado perante a conjugação de todas os claims referidos, o Júri não consegue deixar de recordar o antigo silogismo: “se caminha como um pato, nada como um pato, come como um pato e parece um pato, é um pato”. Ninguém vai acreditar que não é um pato, mesmo que se diga que é um ganso…
Assim, se a vaca (personificada por uma pessoa com recurso ao impacto do humor), que constantemente muge em off diz que o Shoyce é dela e “não vai acreditar que não é leite”, que tem a consistência do leite e “não vai acreditar que não é leite”, o sabor é igual a leite, não se nota a diferença, e “não vai acreditar que não é leite”, “eiina … a proteína que aqui vai” e ”com doses de proteína e cálcio equivalentes às do leite”, de facto, poderá acontecer que, também pela repetição do mote, o consumidor médio se esqueça de que não é leite” ou “que não chegue a  interiorizar que não é leite”..
Metaforicamente falando, “Até a vaca se esquece, porque prefere Shoyce”…
Com efeito, a repetição é o complemento necessário da afirmação. Repetir muitas vezes uma palavra, uma ideia, uma formula, é transformá-la em crença.
Assim, ao analisar os principais factores que, através dos claims a que se reporta o JE, perpassam o texto publicitário da totalidade da campanha objecto de denúncia, pode-se concluir que, pela utilização de recursos linguístico-argumentativos que conferem à dita efeitos de sentido capazes de persuadir o respectivo destinatário – por meio dos (aparentemente simples) jogos de linguagem e de imagética ancorados na anáfora indirecta “não vai acreditar que não é leite” -, não existe qualquer diferença entre “Shoyce” e o mesmo leite.
O que careceria de comprovação por parte da NUTRE, atenta a inversão do ónus da prova em matéria de publicidade comparativa e de princípio da veracidade.

2.3.4. Conclusão
De onde se conclui que todos os claims referidos concorrem para uma prática de publicidade comparativa ilícita enganosa e ofensiva do princípio da livre e leal concorrência, sendo interditos à luz do quadro legal interno e europeu em matéria de alegações de publicidade a géneros alimentícios, seja por que suporte for.

3. Decisão 

Termos em que, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da NUTRE, em apreciação no presente processo – e nos seus vários suportes – se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 12.º e 15.º, n.º 2., alíneas a), b) c) e d) do Código de Conduta do ICAP, bem como nos artigos 4.º, 6.º, alínea b), 7.º, n.º 1, alínea b) e 9.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, artigo 23.º, n.º 1, alíneas a) e b), artigos 3.º, alínea a) e 10.º, n.º 1, do Regulamento (CE) 1924/2006 e artigo 7.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 2 do Regulamento (UE) n.º 1169/2011, de 25 de Outubro, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipo de ilícito apurados pelo JE.».

A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP

Auto Regulação2J / 2016 :: Lactogal – Prod. Alimentares vs. NUTRE – Ind. Alimentares
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