2014

4J / 2014 – Recurso :: Beiersdorf Portugal vs. Unilever Jerónimo Martins

4J/2014
Recurso

 

Beiersdorf Portugal
vs.
Unilever Jerónimo Martins

 

COMISSÃO DE APELO

 

Proc. n.º 4J/2014

Recorrente:
“FROMAGERIES BEL PORTUGAL”

versus:

“UNILEVER JERÓNIMO MARTINS, LDA.”

 

I- RELATÓRIO

1. A denunciante veio requerer ao Júri de Ética (JE) do Instituto Civil da Autodisciplina da Comunicação Comercial (ICAP) a apreciação da licitude da campanha publicitária promovida pela denunciada, relativamente à comunicação comercial ao seu produto “FLORA” – nos suportes rotulagem, televisão, Internet, MUPI, folheto, bem como gôndola e, ou, linear de supermercados -, pedindo que sejam determinadas as medidas necessárias à imediata cessação da publicidade enganosa e desleal do creme de barrar FLORA.

Na denúncia identifica a mensagem publicitária em causa e os diversos suportes onde a mesma é veiculada, alegando que tal mensagem publicitária pretende colocar o produto na mesma categoria da manteiga ou, no mínimo, dar a entender que se trata de um produto constituído à base de ingredientes lácteos, quando na realidade o produto em causa tem por base óleos vegetais líquidos, não se tratando de manteiga. Aliás, na embalagem do produto em causa, não resulta do topo, nem das laterais da mesma, qualquer indicação de que se trata de um creme vegetal, constando tal informação apenas na base, em letras pequenas. Mais alega que é manifestamente abusiva e enganadora a correlação que se pretende estabelecer entre o sabor e a presença de leite dos Açores, quando o produto em questão conta, na sua composição, com 1% de leite (apenas) e em pó (algo que não é sequer reconhecido de modo frontal e claro).

Conclui que a mensagem publicitária em causa constitui publicidade enganosa e não respeita o princípio da veracidade, ocorrendo assim violação dos artigos 9.º, n.ºs 1 e 2 da Lei de Defesa do Consumidor, os art.ºs 6, 10.º nº 2 e 11.º nº 1 do Código da Publicidade, o art.º 7º do DL n.º 57/2008, de 26 de Março, bem como o art.º 23º e 28º do DL n.º 560/99, de 18 de Dezembro e, ainda, art.º 9º nºs 1 e 2, al. a) do Código de Conduta do ICAP.

Contestou a denunciada pedindo que se considere improcedente a queixa e que seja negado provimento ao pedido de imediata cessação da publicidade do creme para barrar FLORA.

Estriba a sua defesa alegando que a sua comunicação comercial está comprovada pois o produto FLORA é feito com leite dos Açores e que a utilização de leite em pó é equivalente à utilização de leite líquido, que também se poderia designar por leite magro reconstituído.

Mais alega que a mensagem que a publicidade em causa transmite para o consumidor (consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido) é a mensagem que será percepcionada por este, o qual não é de modo nenhum induzido em erro, pois nunca se afirma que se trata de uma manteiga. É face a tal consumidor que devem ser apreciados os eventuais exageros ou hipérboles publicitárias, como admite que também acontece no caso em apreço, ainda que considere que é perfeitamente justificado o destaque que é dado à presença de leite dos Açores no produto.

Conclui que as afirmações utilizadas na embalagem e na campanha ora em causa, relativas à composição e qualidade do produto FLORA são verdadeiras, honestas e comprovadas e, como tal, encontram-se em conformidade com as diferentes disposições do CCI, assim como do DL 57/2008, de 26 de Março e também do Código da Publicidade sendo a denúncia desprovida de qualquer fundamento.

2. Prosseguindo os autos os seus regulares termos veio a 2ª Secção do JE do ICAP a deliberar que a “a comunicação comercial da responsabilidade da ULJM – veiculada nos suportes televisão, Internet, MUPI, folheto, bem como gôndola e, ou, linear de supermercados – em apreciação no presente processo, se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 12.º do Código de Conduta do ICAP e 10.º e 11.º do Código da Publicidade, o último, com a redacção do artigo 7.º, n.º 1, alínea b) introduzida pelo Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurados pelo JE. »

3. É desta decisão que, inconformada, a denunciante vem recorrer, apresentando alegações nas quais requerer que esta Comissão de Apelo (CA) altere a decisão recorrida, “determinando-se em consequência a cessação imediata de toda a comunicação comercial da responsabilidade da ULJM, relativa ao creme para barrar FLORA, contendo as menções COM LEITE DOS AÇORES, incluindo a sua representação gráfica, bem como MANTEIGA e SABOR A MANTEIGA, em todos os suportes, nomeadamente na embalagem, em qualquer formato, além da cessação imediata que já foi anteriormente determinada pela douta decisão recorrida”.

Termina aquelas alegações com as seguintes conclusões:

1ª – A menção COM LEITE DOS AÇORES, per se, bem como a sua representação gráfica, não cumprem os critérios de licitude em matéria de publicidade a produtos não-lácteos estabelecidos pelo Direito da União Europeia vigente, nomeadamente o disposto no artigo 78º e na Parte III do Anexo VII ao Regulamento (EU) nº 1308/2013, de 17 de Dezembro, bem como o disposto no artigo 7º, nºs 1 e 2 da Directiva 2000/13/CE, aplicável ex vi do respectivo artigo 3º/3;

2ª – A menção COM LEITE DOS AÇORES, per se, é uma indicação / alegação distorcida e enganosa quanto às características do creme para barrar FLORA, nomeadamente no que se refere à sua natureza, identidade e local de proveniência, deste modo violando o princípio da veracidade ínsito no artigo 10º do Código da Publicidade e consubstanciando uma acção publicitária enganosa, igualmente ilícita por violação do disposto no artigo 11º do Código da Publicidade e do artigo 7º do Regulamento (EU) nº 1169/2011. A menção COM LEITE DOS AÇORES, per se, viola ainda o disposto nos artigos 7º e 9º do Código de Conduta do ICAP;

3ª – A alegação “sabor a manteiga”, e “manteiga” que consta de diversa comunicação comercial, incluindo da embalagem do creme para barrar FLORA, é igualmente ilícita em razão do disposto na Parte III do Anexo VII ao Regulamento (UE) 1308/2013, porquanto o uso da designação “manteiga” – isolada ou acompanhada de qualquer advérbio – é de uso exclusivo dos cremes para barrar de origem láctea, e a “manteiga” não é uma matéria-prima de base nem um ingrediente do creme para barrar FLORA.

4. A denunciante apresentou resposta ao recurso, em que conclui que a decisão recorrida não merece qualquer espécie de censura.

5. Cumpre apreciar e decidir, salientando-se desde já que o objecto do recurso é restrito à decisão do JE que considerou que, quanto à “rotulagem”, a comunicação comercial aposta no produto em causa não enfermava do apontado vício de publicidade enganosa.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto

a) Na decisão recorrida – e no que é relevante para a economia do presente recurso – consideraram-se provados os seguintes factos, que não se mostram impugnados:

1. Encontra-se a ser comercializado no mercado o produto da marca FLORA (tratando-se de um creme vegetal para barrar a 79 %, designação legal de acordo com o Regulamento (UE) nº 1308/2013), adiante designado “produto” ou “creme vegetal”…”, o qual “…é produzido pela sociedade FIMA – Produtos Alimentares, S.A. e é comercializado pela sociedade Unilever Jerónimo Martins, Lda. (…)”;

2. A alegação publicitária ou claims objecto da “rotulagem” é a seguinte: disclaimer (S1) “Com leite dos Açores”; associado ao – (i) claim “Flora derrete-te” (doc. nº 3 junto com a queixa).

b) Resultando da prova documental junta aos autos, que não se mostra impugnada, deve ainda tomar-se em consideração, por relevante, o seguinte facto:

3. Na “rotulagem” da embalagem, na lateral, por debaixo do claim “Flora derrete-te” consta igualmente a seguinte comunicação: “Se ter sabor a manteiga é bom, ter menos gorduras saturadas é óptimo. Flora tem menos 32% de gordura saturada que a manteiga standard a 82% de gordura” (doc. nº 3 junto com a queixa).

2. Jurídica e ética

Perante as conclusões das alegações da recorrente é essencialmente uma a questão que as mesmas nos convocam a dilucidar e a resolver, a qual pode equacionar-se da seguinte forma:

A comunicação comercial incluída na embalagem do creme para barrar FLORA, viola o princípio da veracidade e consubstancia uma acção publicitária enganosa, não cumprindo igualmente os critérios de licitude em matéria de publicidade a produtos não-lácteos estabelecidos pelo Direito da União Europeia vigente?

Na decisão recorrida começou por traçar-se, e bem, o que pode consubstanciar ou não alegação publicitária contida na rotulagem e, nessa medida, deixou-se claro que “a cor branca de uma embalagem”, ao contrário do que pretextava a denunciante, não poderia ser considerada como tal. Depois, considerou-se (mais uma vez bem, em nosso entender) em que termos as informações ou disclaimers, por si, ou associadas (verbal ou visualmente) com claims, seriam aptas a propiciar juízos de valor promocionais junto do consumidor (no conceito da jurisprudência comunitária e na acepção também vertida nos art.ºs 3º e 5º do Código de Conduta do ICAP, que igualmente se subscreve), exigindo-se que possuam um destaque não obrigatório por lei e não consubstanciem uma mera informação ao consumidor. Conclui-se depois, na decisão recorrida, que a comunicação constante do nº 2 da fundamentação de facto (f.f.) “não induz a percepção do consumidor médio, no sentido de que a Flora é uma manteiga e não um creme vegetal para barrar, de que a mesma Flora tem gosto a manteiga e, ou – por maioria de razão – de que goza do prestígio da manteiga feita com leite dos Açores” (cfr. fls. 11).

A recorrente insurge-se contra este entendimento do JE e, analisada a sua argumentação, não deixando de ponderar na argumentação da recorrida constante das contra-alegações e na expressa pelo JE, afigura-se-nos que lhe assiste razão, como a seguir se procurará fundamentar.

Vejamos.

São princípios fundamentais da comunicação comercial, nos termos do Código de Conduta do ICAP (CCICAP), que tais comunicações “devem ser “honestas e verdadeiras” (art.º 4º nº 1), “devem ser conformes aos princípios da leal concorrência, tal como estes são comummente aceites em assuntos de âmbito comercial” (art.º 4º nº 2) e “não devem minar a confiança do público” (art.º 4º nº 3).

Como concretização destes princípios fundamentais estabelece-se ainda no CCICAP que a comunicação comercial “deve ser verdadeira e não enganosa” (art.º 9º nº 1) e “deve proscrever qualquer declaração … que seja de natureza a, directa ou indirectamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou ser susceptível de induzir em erro o consumidor, designadamente no que respeita a: a) características essenciais do produto, ou que sejam determinantes para influenciar a escolha do consumidor, como por exemplo: a natureza, a composição…” (art.º 9º nº 2 al. a)). Ainda na concretização do princípio da honestidade, a comunicação comercial “deve ser concebida de forma a não abusar da confiança dos consumidores” (art.º 7º nº 1)

Aqueles princípios e estes deveres estão na sua essência igualmente plasmados em comandos legais, como no DL 57/2008 de 26.03 (regime aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores, ocorridas antes, durante ou após uma transacção comercial relativa a um bem ou serviço) nomeadamente quando aí se considera “enganosa a prática comercial que contenha informações … que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor”, em relação às “características principais do bem” tais como “a sua composição”, conduzindo, ou sendo susceptível “de conduzir, o consumidor a tomar uma decisão de transacção que este não teria tomado de outro modo” (art.º 7º nº 1 al. b)).

Também o Código da Publicidade (CP), aprovado pelo DL 330/90 de 23.10, consagra o princípio da veracidade, nos termos do qual “a publicidade deve respeitar a verdade, não deformando os factos” e “as afirmações relativas à origem, natureza, composição, propriedades” dos “bens … devem ser exactas…” (art.º 10º nºs 1 e 2), estabelecendo ainda a proibição de “toda a publicidade que seja enganosa nos termos do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março” (art.º 11º).

Afigura-se-nos, ressalvada melhor opinião naturalmente, que a comunicação comercial contida na embalagem do produto em causa não pode restringir-se à descrita no nº 2 da f.f., como aparentemente se fez na decisão recorrida, devendo qualificar-se como tal também a comunicação contida na lateral daquela embalagem, descrita no nº 3 da f.f.

Na verdade, a mensagem que se pretende com a comunicação comercial inserta na embalagem do produto em causa resulta de um todo, ou seja, do conjunto das diversas asserções nela contidas, que tenham as características acima referidas: transmissão de um juízo de valor promocional junto do consumidor (seu destinatário no conceito acima enunciado, que se subscreve) e, por outro lado, não constituam uma mera informação ao consumidor, nem possuam um destaque que seja obrigatório por lei.

Ora, considerando que estamos perante um produto que é caracterizado por ser “um creme vegetal” – em cuja composição os ingredientes principais são o óleo de girassol e matérias gordas vegetais – e não perante uma “manteiga” – cujos ingredientes principais são produtos lácteos – já seria muito duvidoso que, por si só, o destaque dado na embalagem ao disclaimer “Com leite dos Açores” – no topo e numa lateral – , destaque também resultante da sua apresentação gráfica (inserido num círculo e com pingo de leite estilizado), associado à omissão naqueles locais de qualquer referência a que o produto em causa é um “creme vegetal” (informação que só consta na parte debaixo da embalagem, não visível em termos de normalidade para o público, o qual só tem acesso a essa informação se pegar na embalagem e olhar para a sua parte de baixo, o que não é procedimento comum, em termos de normalidade para o consumidor médio) e ao facto de a percentagem de leite (e em pó) ser de apenas 1%, já seria muito duvidoso dizíamos, que tal comunicação comercial fosse compatível com os mencionados princípios da honestidade e veracidade, acolhidos nos citados dispositivos do CCICAP e preceitos legais.

Nem se diga, como pretexta a recorrida, que “a utilização do mencionado disclaimer, no caso de um creme vegetal que, em regra, não tem leite, é também muito importante do ponto de vista da segurança alimentar, por se tratar de um alergénio e de uma chamada de atenção aos consumidores, designadamente para os intolerantes à lactose”. Como é linear, e resulta do que atrás se argumentou, o objectivo com o mencionado disclaimer não é a segurança alimentar e uma chamada de atenção aos consumidores. Se a preocupação fosse essa a comunicação deveria evidenciar que se tratava de um creme vegetal, ainda que com leite. Mas não, como se fez saliência, a indicação de que se trata de um “creme vegetal” só consta da parte inferior da embalagem (normalmente não acessível ao consumidor, quando o produto está exposto).

Mas, além disso, ou seja, analisando a comunicação comercial em causa, no seu conjunto, nomeadamente considerando o disclaimer referido no nº 2 da f.f. e a mensagem contida numa lateral da embalagem (cfr. nº 3 da f.f.), em que se procura induzir, quando não expressar uma associação entre o produto em causa e a manteiga, ao comparar-se a gordura saturada de Flora e a gordura saturada da manteiga standard, afigura-se-nos que foram realmente ultrapassados os limites das honestidade e veracidade da comunicação comercial.

Na verdade, nestas circunstâncias, o consumidor médio, ainda que normalmente informado e razoavelmente atento e advertido, é não só susceptível de ser induzido em erro sobre as características essenciais do produto em causa (ser constituído essencialmente por produtos lácteos e não produtos vegetais), como pode ser determinado e influenciado na escolha do produto, considerando como relevante na sua composição o “leite dos Açores”, quando na verdade a integração do leite naquele produto é muito reduzida.

Refira-se que, ao contrário do que propugna a recorrida, esta questão da alegação nutricional que envolve a comparação da FLORA com manteiga, não se trata de uma “nova questão”, que não possa ser apreciada nesta instância de recurso, considerando a jurisprudência que invoca – bem, em termos abstractos – nos termos da qual os recursos não se destinam a suscitar e a obter decisões sobre questões novas, ou seja, questões não colocadas ao tribunal (in casu, órgão) recorrido, mas antes e apenas ao reexame das decisões proferidas sobre as questões suscitadas ab initio pelo recorrente.

Na verdade, ainda que não da forma talvez mais estruturada, pois não se fez uma devida discriminação das diversas comunicações comerciais em função dos diversos suportes, não pode deixar de se reconhecer que logo na denúncia a ora recorrente suscita a questão da conexão entre a «referência “com leite dos Açores” e a sua (assumida) conexão com o sabor intenso a manteiga” (cfr. art.º 30º da denúncia).

Por outro lado, independentemente de tal alegação – no aspecto fáctico – até poder ser verdadeira, por estar suportada em análises efectuadas por laboratório independente e acreditado – que terão sido juntas a outro processo, segundo é alegado, mas cuja prova não é feita neste – ainda assim, dizíamos, tal não exclui que a comunicação em causa possa ser considerada enganosa. Basta para tanto, como se estabelece no art.º 7º nº 1 al b) do DL 57/2008, acima analisado, que essa informação, ainda que factualmente correcta, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor, em relação às características principais do bem tais como a sua composição, conduzindo, ou sendo susceptível de conduzir, o consumidor a tomar uma decisão de transacção que não teria tomado de outro modo.

Nestes termos e considerando os factos acima salientados e a argumentação aí exposta, não pode deixar de se concluir, também, que a comunicação comercial em causa, por acções e omissões, bem como ambiguidades e exageros, foi concebida sem respeitar o princípio da honestidade, abusando da confiança dos consumidores.

Estando assim, como estamos, perante comunicação comercial que ofende os princípios da veracidade e da honestidade, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 4º nºs 1 a 3, 7º nº 1, 9º nºs 1 e 2 al. a), todos do CCICAP, art.º 7º nº 1 al. b) do DL 57/2008 de 26.03, art.ºs 10º nº 1, 11º nº 1, ambos do CP, impõe-se julgar procedente o recurso e determinar a cessação da comunicação comercial contida na embalagem do produto FLORA.

Considerando o atrás exposto, nomeadamente a procedência do recurso, tornar-se-ia desnecessário e irrelevante apurar da desconformidade, ou não, da comunicação comercial incluída na embalagem do creme para barrar FLORA face aos critérios de licitude em matéria de publicidade a produtos não-lácteos, estabelecidos pelo Direito da União Europeia vigente1.

Sempre se dirá, no entanto, relativamente ao direito da União Europeia invocado pela recorrente, que o Regulamento (EU) 1169/2011 de 25.10, ainda não se encontra em vigor, pois só é genericamente aplicável, nomeadamente quanto à matéria em causa, a partir de 13.12.2014 (cfr. art.º 55º). Por outro lado, a Directiva 2000/13/CE, não é directamente aplicável, como se sabe uma vez que seus os destinatários são os Estados membros (cfr. art.º 28º), e não foi directamente transporta para o direito interno, sem prejuízo de se considerar que o DL 560/99 de 18.12 lhe dá inteiro cumprimento.

Quanto ao Regulamento (EU) 1308/2013 de 17.12 estabelece o mesmo, no nº 6 da Parte III do Anexo VII do mesmo que no que se refere a produtos que não se enquadrem nos nºs 1, 2 e 3, como é o produto em causa, “não pode ser utilizado qualquer rótulo, documento comercial, material publicitário ou forma de publicidade, na aceção do artigo 2º da Diretiva 2006/114/CE do Conselho, nem qualquer forma de apresentação que indique, implique ou sugira que o produto em causa é um produto lácteo”, sem prejuízo de «a designação “leite” ou as designações referidas na presente parte, nº 2, segundo parágrafo, podem, porém, ser utilizadas no caso de produtos que contenham leite ou produtos lácteos, mas apenas para descrever as matérias-primas de base e para enumerar os ingredientes nos termos da Diretiva 2001/13/CE ou do Regulamento (UE) nº 1169/2011.” (2ª parte daquele nº 6). Ora, uma vez que a comunicação “com leite dos Açores” está associada à outra comunicação constante da embalagem (cfr. nº 3 da f.f.), teremos de concluir que a mesma não serve apenas para descreves a matéria-prima de base ou o ingrediente do produto FLORA, sugerindo antes que o produto em causa é, essencialmente, um produto lácteo. Nesta medida pode também considerar-se que as denominações constantes do produto em causa não estão conformes ao art.º 78º do Regulamento (EU) 1 308/2013 de 17.12.

III- DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, deliberam os membros da Comissão de Apelo em julgar procedente o recurso e, em consequência, determinam a cessação da comunicação comercial contida na embalagem do produto FLORA, quanto à comunicação “Com leite dos Açores”, associada à comunicação constante da lateral daquela embalagem: “Se ter sabor a manteiga é bom, ter menos gorduras saturadas é óptimo. Flora tem menos 32% de gordura saturada que a manteiga standard a 82% de gordura”, devendo a sua divulgação cessar de imediato e não ser resposta.

Lisboa, 15 de Maio de 2014

António Francisco Martins
Presidente da Comissão Apelo

Augusto Ferreira do Amaral
Vice-Presidente Comissão Apelo

Francisco Xavier do Amaral
Vice-Presidente Comissão Apelo

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14J/2014
Recurso

 

FROMAGERIES BEL PORTUGAL
vs.
UNILVER JERÓNIMO MARTINS, LDA.

 

COMISSÃO DE APELO

 

I- RELATÓRIO

1. A denunciante veio requerer ao Júri de Ética (JE) do Instituto Civil da Autodisciplina da Comunicação Comercial (ICAP) a apreciação da licitude da campanha publicitária promovida pela denunciada, relativamente à comunicação comercial ao seu produto “FLORA” – nos suportes rotulagem, televisão, Internet, MUPI, folheto, bem como gôndola e, ou, linear de supermercados -, pedindo que sejam determinadas as medidas necessárias à imediata cessação da publicidade enganosa e desleal do creme de barrar FLORA.

Na denúncia identifica a mensagem publicitária em causa e os diversos suportes onde a mesma é veiculada, alegando que tal mensagem publicitária pretende colocar o produto na mesma categoria da manteiga ou, no mínimo, dar a entender que se trata de um produto constituído à base de ingredientes lácteos, quando na realidade o produto em causa tem por base óleos vegetais líquidos, não se tratando de manteiga. Aliás, na embalagem do produto em causa, não resulta do topo, nem das laterais da mesma, qualquer indicação de que se trata de um creme vegetal, constando tal informação apenas na base, em letras pequenas.

Mais alega que é manifestamente abusiva e enganadora a correlação que se pretende estabelecer entre o sabor e a presença de leite dos Açores, quando o produto em questão conta, na sua composição, com 1% de leite (apenas) e em pó (algo que não é sequer reconhecido de modo frontal e claro).

Conclui que a mensagem publicitária em causa constitui publicidade enganosa e não respeita o princípio da veracidade, ocorrendo assim violação dos artigos 9.º, n.ºs 1 e 2 da Lei de Defesa do Consumidor, os art.ºs 6, 10.º nº 2 e 11.º nº 1 do Código da Publicidade, o art.º 7º do DL n.º 57/2008, de 26 de Março, bem como o art.º 23º e 28º do DL n.º 560/99, de 18 de Dezembro e, ainda, art.º 9º nºs 1 e 2, al. a) do Código de Conduta do ICAP.

Contestou a denunciada pedindo que se considere improcedente a queixa e que seja negado provimento ao pedido de imediata cessação da publicidade do creme para barrar FLORA.

Estriba a sua defesa alegando que a sua comunicação comercial está comprovada pois o produto FLORA é feito com leite dos Açores e que a utilização de leite em pó é equivalente à utilização de leite líquido, que também se poderia designar por leite magro reconstituído.

Mais alega que a mensagem que a publicidade em causa transmite para o consumidor (consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido) é a mensagem que será percepcionada por este, o qual não é de modo nenhum induzido em erro, pois nunca se afirma que se trata de uma manteiga. É face a tal consumidor que devem ser apreciados os eventuais exageros ou hipérboles publicitárias, como admite que também acontece no caso em apreço, ainda que considere que é perfeitamente justificado o destaque que é dado à presença de leite dos Açores no produto.

Conclui que as afirmações utilizadas na embalagem e na campanha ora em causa, relativas à composição e qualidade do produto FLORA são verdadeiras, honestas e comprovadas e, como tal, encontram-se em conformidade com as diferentes disposições do CCI, assim como do DL 57/2008, de 26 de Março e também do Código da Publicidade sendo a denúncia desprovida de qualquer fundamento.

2. Prosseguindo os autos os seus regulares termos veio a 2ª Secção do JE do ICAP a deliberar que a “a comunicação comercial da responsabilidade da ULJM – veiculada nos suportes televisão, Internet, MUPI, folheto, bem como gôndola e, ou, linear de supermercados – em apreciação no presente processo, se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 12.º do Código de Conduta do ICAP e 10.º e 11.º do Código da Publicidade, o último, com a redacção do artigo 7.º, n.º 1, alínea b) introduzida pelo Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurados pelo JE. »

3. É desta decisão que, inconformada, a denunciante vem recorrer, apresentando alegações nas quais requerer que esta Comissão de Apelo (CA) altere a decisão recorrida, “determinando-se em consequência a cessação imediata de toda a comunicação comercial da responsabilidade da ULJM, relativa ao creme para barrar FLORA, contendo as menções COM LEITE DOS AÇORES, incluindo a sua representação gráfica, bem como MANTEIGA e SABOR A MANTEIGA, em todos os suportes, nomeadamente na embalagem, em qualquer formato, além da cessação imediata que já foi anteriormente determinada pela douta decisão recorrida”.

Termina aquelas alegações com as seguintes conclusões:

1ª – A menção COM LEITE DOS AÇORES, per se, bem como a sua representação gráfica, não cumprem os critérios de licitude em matéria de publicidade a produtos não-lácteos estabelecidos pelo Direito da União Europeia vigente, nomeadamente o disposto no artigo 78º e na Parte III do Anexo VII ao Regulamento (EU) nº 1308/2013, de 17 de Dezembro, bem como o disposto no artigo 7º, nºs 1 e 2 da Directiva 2000/13/CE, aplicável ex vi do respectivo artigo 3º/3;

2ª – A menção COM LEITE DOS AÇORES, per se, é uma indicação / alegação distorcida e enganosa quanto às características do creme para barrar FLORA, nomeadamente no que se refere à sua natureza, identidade e local de proveniência, deste modo violando o princípio da veracidade ínsito no artigo 10º do Código da Publicidade e consubstanciando uma acção publicitária enganosa, igualmente ilícita por violação do disposto no artigo 11º do Código da Publicidade e do artigo 7º do Regulamento (EU) nº 1169/2011. A menção COM LEITE DOS AÇORES, per se, viola ainda o disposto nos artigos 7º e 9º do Código de Conduta do ICAP;

3ª – A alegação “sabor a manteiga”, e “manteiga” que consta de diversa comunicação comercial, incluindo da embalagem do creme para barrar FLORA, é igualmente ilícita em razão do disposto na Parte III do Anexo VII ao Regulamento (UE) 1308/2013, porquanto o uso da designação “manteiga” – isolada ou acompanhada de qualquer advérbio – é de uso exclusivo dos cremes para barrar de origem láctea, e a “manteiga” não é uma matéria-prima de base nem um ingrediente do creme para barrar FLORA.

4. A denunciante apresentou resposta ao recurso, em que conclui que a decisão recorrida não merece qualquer espécie de censura.

5. Cumpre apreciar e decidir, salientando-se desde já que o objecto do recurso é restrito à decisão do JE que considerou que, quanto à “rotulagem”, a comunicação comercial aposta no produto em causa não enfermava do apontado vício de publicidade enganosa.

II- FUNDAMENTAÇÃO

1. De facto

a) Na decisão recorrida – e no que é relevante para a economia do presente recurso – consideraram-se provados os seguintes factos, que não se mostram impugnados:

1. Encontra-se a ser comercializado no mercado o produto da marca FLORA (tratando-se de um creme vegetal para barrar a 79 %, designação legal de acordo com o Regulamento (UE) nº 1308/2013), adiante designado “produto” ou “creme vegetal”…”, o qual “…é produzido pela sociedade FIMA – Produtos Alimentares, S.A. e é comercializado pela sociedade Unilever Jerónimo Martins, Lda. (…)”;

2. A alegação publicitária ou claims objecto da “rotulagem” é a seguinte: disclaimer (S1) “Com leite dos Açores”; associado ao – (i) claim “Flora derrete-te” (doc. nº 3 junto com a queixa).
b) Resultando da prova documental junta aos autos, que não se mostra impugnada, deve ainda tomar-se em consideração, por relevante, o seguinte facto:

3. Na “rotulagem” da embalagem, na lateral, por debaixo do claim “Flora derrete-te” consta igualmente a seguinte comunicação: “Se ter sabor a manteiga é bom, ter menos gorduras saturadas é óptimo. Flora tem menos 32% de gordura saturada que a manteiga standard a 82% de gordura” (doc. nº 3 junto com a queixa).

2. Jurídica e ética

Perante as conclusões das alegações da recorrente é essencialmente uma a questão que as mesmas nos convocam a dilucidar e a resolver, a qual pode equacionar-se da seguinte forma:

A comunicação comercial incluída na embalagem do creme para barrar FLORA, viola o princípio da veracidade e consubstancia uma acção publicitária enganosa, não cumprindo igualmente os critérios de licitude em matéria de publicidade a produtos não-lácteos estabelecidos pelo Direito da União Europeia vigente?

Na decisão recorrida começou por traçar-se, e bem, o que pode consubstanciar ou não alegação publicitária contida na rotulagem e, nessa medida, deixou-se claro que “a cor branca de uma embalagem”, ao contrário do que pretextava a denunciante, não poderia ser considerada como tal. Depois, considerou-se (mais uma vez bem, em nosso entender) em que termos as informações ou disclaimers, por si, ou associadas (verbal ou visualmente) com claims, seriam aptas a propiciar juízos de valor promocionais junto do consumidor (no conceito da jurisprudência comunitária e na acepção também vertida nos art.ºs 3º e 5º do Código de Conduta do ICAP, que igualmente se subscreve), exigindo-se que possuam um destaque não obrigatório por lei e não consubstanciem uma mera informação ao consumidor. Conclui-se depois, na decisão recorrida, que a comunicação constante do nº 2 da fundamentação de facto (f.f.) “não induz a percepção do consumidor médio, no sentido de que a Flora é uma manteiga e não um creme vegetal para barrar, de que a mesma Flora tem gosto a manteiga e, ou – por maioria de razão – de que goza do prestígio da manteiga feita com leite dos Açores” (cfr. fls. 11).

A recorrente insurge-se contra este entendimento do JE e, analisada a sua argumentação, não deixando de ponderar na argumentação da recorrida constante das contra-alegações e na expressa pelo JE, afigura-se-nos que lhe assiste razão, como a seguir se procurará fundamentar.

Vejamos.

São princípios fundamentais da comunicação comercial, nos termos do Código de Conduta do ICAP (CCICAP), que tais comunicações “devem ser “honestas e verdadeiras” (art.º 4º nº 1), “devem ser conformes aos princípios da leal concorrência, tal como estes são comummente aceites em assuntos de âmbito comercial” (art.º 4º nº 2) e “não devem minar a confiança do público” (art.º 4º nº 3).

Como concretização destes princípios fundamentais estabelece-se ainda no CCICAP que a comunicação comercial “deve ser verdadeira e não enganosa” (art.º 9º nº 1) e “deve proscrever qualquer declaração … que seja de natureza a, directa ou indirectamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou ser susceptível de induzir em erro o consumidor, designadamente no que respeita a: a) características essenciais do produto, ou que sejam determinantes para influenciar a escolha do consumidor, como por exemplo: a natureza, a composição…” (art.º 9º nº 2 al. a)). Ainda na concretização do princípio da honestidade, a comunicação comercial “deve ser concebida de forma a não abusar da confiança dos consumidores” (art.º 7º nº 1)

Aqueles princípios e estes deveres estão na sua essência igualmente plasmados em comandos legais, como no DL 57/2008 de 26.03 (regime aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores, ocorridas antes, durante ou após uma transacção comercial relativa a um bem ou serviço) nomeadamente quando aí se considera “enganosa a prática comercial que contenha informações … que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor”, em relação às “características principais do bem” tais como “a sua composição”, conduzindo, ou sendo susceptível “de conduzir, o consumidor a tomar uma decisão de transacção que este não teria tomado de outro modo” (art.º 7º nº 1 al. b)).

Também o Código da Publicidade (CP), aprovado pelo DL 330/90 de 23.10, consagra o princípio da veracidade, nos termos do qual “a publicidade deve respeitar a verdade, não deformando os factos” e “as afirmações relativas à origem, natureza, composição, propriedades” dos “bens … devem ser exactas…” (art.º 10º nºs 1 e 2), estabelecendo ainda a proibição de “toda a publicidade que seja enganosa nos termos do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março” (art.º 11º).

Afigura-se-nos, ressalvada melhor opinião naturalmente, que a comunicação comercial contida na embalagem do produto em causa não pode restringir-se à descrita no nº 2 da f.f., como aparentemente se fez na decisão recorrida, devendo qualificar-se como tal também a comunicação contida na lateral daquela embalagem, descrita no nº 3 da f.f.

Na verdade, a mensagem que se pretende com a comunicação comercial inserta na embalagem do produto em causa resulta de um todo, ou seja, do conjunto das diversas asserções nela contidas, que tenham as características acima referidas: transmissão de um juízo de valor promocional junto do consumidor (seu destinatário no conceito acima enunciado, que se subscreve) e, por outro lado, não constituam uma mera informação ao consumidor, nem possuam um destaque que seja obrigatório por lei.

Ora, considerando que estamos perante um produto que é caracterizado por ser “um creme vegetal” – em cuja composição os ingredientes principais são o óleo de girassol e matérias gordas vegetais – e não perante uma “manteiga” – cujos ingredientes principais são produtos lácteos – já seria muito duvidoso que, por si só, o destaque dado na embalagem ao disclaimer “Com leite dos Açores” – no topo e numa lateral – , destaque também resultante da sua apresentação gráfica (inserido num círculo e com pingo de leite estilizado), associado à omissão naqueles locais de qualquer referência a que o produto em causa é um “creme vegetal” (informação que só consta na parte debaixo da embalagem, não visível em termos de normalidade para o público, o qual só tem acesso a essa informação se pegar na embalagem e olhar para a sua parte de baixo, o que não é procedimento comum, em termos de normalidade para o consumidor médio) e ao facto de a percentagem de leite (e em pó) ser de apenas 1%, já seria muito duvidoso dizíamos, que tal comunicação comercial fosse compatível com os mencionados princípios da honestidade e veracidade, acolhidos nos citados dispositivos do CCICAP e preceitos legais.

Nem se diga, como pretexta a recorrida, que “a utilização do mencionado disclaimer, no caso de um creme vegetal que, em regra, não tem leite, é também muito importante do ponto de vista da segurança alimentar, por se tratar de um alergénio e de uma chamada de atenção aos consumidores, designadamente para os intolerantes à lactose”. Como é linear, e resulta do que atrás se argumentou, o objectivo com o mencionado disclaimer não é a segurança alimentar e uma chamada de atenção aos consumidores. Se a preocupação fosse essa a comunicação deveria evidenciar que se tratava de um creme vegetal, ainda que com leite. Mas não, como se fez saliência, a indicação de que se trata de um “creme vegetal” só consta da parte inferior da embalagem (normalmente não acessível ao consumidor, quando o produto está exposto).

Mas, além disso, ou seja, analisando a comunicação comercial em causa, no seu conjunto, nomeadamente considerando o disclaimer referido no nº 2 da f.f. e a mensagem contida numa lateral da embalagem (cfr. nº 3 da f.f.), em que se procura induzir, quando não expressar uma associação entre o produto em causa e a manteiga, ao comparar-se a gordura saturada de Flora e a gordura saturada da manteiga standard, afigura-se-nos que foram realmente ultrapassados os limites das honestidade e veracidade da comunicação comercial.
Na verdade, nestas circunstâncias, o consumidor médio, ainda que normalmente informado e razoavelmente atento e advertido, é não só susceptível de ser induzido em erro sobre as características essenciais do produto em causa (ser constituído essencialmente por produtos lácteos e não produtos vegetais), como pode ser determinado e influenciado na escolha do produto, considerando como relevante na sua composição o “leite dos Açores”, quando na verdade a integração do leite naquele produto é muito reduzida.

Refira-se que, ao contrário do que propugna a recorrida, esta questão da alegação nutricional que envolve a comparação da FLORA com manteiga, não se trata de uma “nova questão”, que não possa ser apreciada nesta instância de recurso, considerando a jurisprudência que invoca – bem, em termos abstractos – nos termos da qual os recursos não se destinam a suscitar e a obter decisões sobre questões novas, ou seja, questões não colocadas ao tribunal (in casu, órgão) recorrido, mas antes e apenas ao reexame das decisões proferidas sobre as questões suscitadas ab initio pelo recorrente.

Na verdade, ainda que não da forma talvez mais estruturada, pois não se fez uma devida discriminação das diversas comunicações comerciais em função dos diversos suportes, não pode deixar de se reconhecer que logo na denúncia a ora recorrente suscita a questão da conexão entre a «referência “com leite dos Açores” e a sua (assumida) conexão com o sabor intenso a manteiga” (cfr. art.º 30º da denúncia).

Por outro lado, independentemente de tal alegação – no aspecto fáctico – até poder ser verdadeira, por estar suportada em análises efectuadas por laboratório independente e acreditado – que terão sido juntas a outro processo, segundo é alegado, mas cuja prova não é feita neste – ainda assim, dizíamos, tal não exclui que a comunicação em causa possa ser considerada enganosa. Basta para tanto, como se estabelece no art.º 7º nº 1 al b) do DL 57/2008, acima analisado, que essa informação, ainda que factualmente correcta, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor, em relação às características principais do bem tais como a sua composição, conduzindo, ou sendo susceptível de conduzir, o consumidor a tomar uma decisão de transacção que não teria tomado de outro modo.

Nestes termos e considerando os factos acima salientados e a argumentação aí exposta, não pode deixar de se concluir, também, que a comunicação comercial em causa, por acções e omissões, bem como ambiguidades e exageros, foi concebida sem respeitar o princípio da honestidade, abusando da confiança dos consumidores.

Estando assim, como estamos, perante comunicação comercial que ofende os princípios da veracidade e da honestidade, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 4º nºs 1 a 3, 7º nº 1, 9º nºs 1 e 2 al. a), todos do CCICAP, art.º 7º nº 1 al. b) do DL 57/2008 de 26.03, art.ºs 10º nº 1, 11º nº 1, ambos do CP, impõe-se julgar procedente o recurso e determinar a cessação da comunicação comercial contida na embalagem do produto FLORA.

Considerando o atrás exposto, nomeadamente a procedência do recurso, tornar-se-ia desnecessário e irrelevante apurar da desconformidade, ou não, da comunicação comercial incluída na embalagem do creme para barrar FLORA face aos critérios de licitude em matéria de publicidade a produtos não-lácteos, estabelecidos pelo Direito da União Europeia vigente .

Sempre se dirá, no entanto, relativamente ao direito da União Europeia invocado pela recorrente, que o Regulamento (EU) 1169/2011 de 25.10, ainda não se encontra em vigor, pois só é genericamente aplicável, nomeadamente quanto à matéria em causa, a partir de 13.12.2014 (cfr. art.º 55º). Por outro lado, a Directiva 2000/13/CE, não é directamente aplicável, como se sabe uma vez que seus os destinatários são os Estados membros (cfr. art.º 28º), e não foi directamente transporta para o direito interno, sem prejuízo de se considerar que o DL 560/99 de 18.12 lhe dá inteiro cumprimento.

Quanto ao Regulamento (EU) 1308/2013 de 17.12 estabelece o mesmo, no nº 6 da Parte III do Anexo VII do mesmo que no que se refere a produtos que não se enquadrem nos nºs 1, 2 e 3, como é o produto em causa, “não pode ser utilizado qualquer rótulo, documento comercial, material publicitário ou forma de publicidade, na aceção do artigo 2º da Diretiva 2006/114/CE do Conselho, nem qualquer forma de apresentação que indique, implique ou sugira que o produto em causa é um produto lácteo”, sem prejuízo de «a designação “leite” ou as designações referidas na presente parte, nº 2, segundo parágrafo, podem, porém, ser utilizadas no caso de produtos que contenham leite ou produtos lácteos, mas apenas para descrever as matérias-primas de base e para enumerar os ingredientes nos termos da Diretiva 2001/13/CE ou do Regulamento (UE) nº 1169/2011.” (2ª parte daquele nº 6). Ora, uma vez que a comunicação “com leite dos Açores” está associada à outra comunicação constante da embalagem (cfr. nº 3 da f.f.), teremos de concluir que a mesma não serve apenas para descreves a matéria-prima de base ou o ingrediente do produto FLORA, sugerindo antes que o produto em causa é, essencialmente, um produto lácteo. Nesta medida pode também considerar-se que as denominações constantes do produto em causa não estão conformes ao art.º 78º do Regulamento (EU) 1 308/2013 de 17.12.

III- DECISÃO

Pelos fundamentos expostos, deliberam os membros da Comissão de Apelo em julgar procedente o recurso e, em consequência, determinam a cessação da comunicação comercial contida na embalagem do produto FLORA, quanto à comunicação “Com leite dos Açores”, associada à comunicação constante da lateral daquela embalagem: “Se ter sabor a manteiga é bom, ter menos gorduras saturadas é óptimo. Flora tem menos 32% de gordura saturada que a manteiga standard a 82% de gordura”, devendo a sua divulgação cessar de imediato e não ser resposta.

Lisboa, 15 de Maio de 2014

António Francisco Martins
Presidente da Comissão Apelo

Augusto Ferreira do Amaral
Vice-Presidente Comissão Apelo

Francisco Xavier do Amaral
Vice-Presidente Comissão Apelo

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6J / 2014 :: Optimus Telecomunicações vs. Vodafone Portugal

6J/2014

Optimus Telecomunicações
vs.
Vodafone Portugal

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no vigésimo quarto dia do mês de Abril do ano de dois mil e catorze, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 6J/2014 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 6J/2014

1.   Objecto dos autos

A OPTIMUS – COMUNICAÇÕES, S.A. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por OPTIMUS ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a VODAFONE PORTUGAL – COMUNICAÇÕES PESSOAIS, S.A, (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por VODAFONE ou Requerida) relativamente ao seu serviço de acesso fibra a televisão, Internet e telefone (adiante abreviadamente designado por serviço “triple-play”) – promovida pela última nos suportes televisão, imprensa e outdoor – tal, por alegada violação dos artigos 9.º, n.º 2, alínea b) do Código de Conduta do ICAP e 7º, n.º 1, alínea d) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, relativo às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores.

1.1.   Notificada para o efeito, a VODAFONE apresentou a sua contestação.
Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.

1.2. Dos factos

A Requerida lançou uma campanha publicitária divulgada através dos suportes televisão, imprensa e outdoor destinada a promover o seu serviço “triple-play”, tendo a referida campanha como principal elemento, o preço mensal de € 24,90. (Cfr. art.º 1 da queixa, docs. nºs 1 e 2 juntos e ponto 1 da contestação)

1.2.1. Das alegações publicitárias ou claims

Considerando a totalidade da comunicação comercial divulgada nos suportes televisão, imprensa e outdoor, resulta da análise das peças processuais e dos documentos juntos pelas Partes, ser a seguinte, a alegação publicitária ou claim objecto da questão controvertida:

– “Só € 24,90 por mês, sem truques nem asteriscos”.

1.3. Das alegações das Partes

1.3.1. Considera a OPTIMUS em sede de petição que, a campanha publicitária da responsabilidade da VODAFONE ofende os normativos ético-legais em vigor em matéria de principio da veracidade aplicável às comunicações comerciais, porquanto:

– (i) “…o serviço da VODAFONE não custa “só” € 24,90” (sic. art.º 4.º) dado que “…resulta da leitura da página da internet adiante junta, que qualquer pessoa que pretenda aderir a este serviço, além do preço de € 24,90 terá que pagar igualmente o valor mensal de € 5,50 (doc n.º 2), correspondente ao aluguer mensal de pelo menos uma Tv Box, sem a qual não poderá subscrever o anunciado serviço VODAFONE TV NET VOZ” (sic. art.º 5.º), pelo que, “…o preço mínimo que qualquer pessoa tem que pagar para aceder ao serviço da VODAFONE não é “só” a mensalidade de € 24,90, porque a este valor é necessário somar o valor do aluguer da Tv Box de € 5,50…” (sic. art.º 6.º);

– (ii) “Em nenhum suporte publicitário se faz referência ao pagamento necessário e obrigatório do aluguer da Tv Box, o que inevitavelmente eleva sempre a factura mensal do consumidor para € 30,40” (sic. art.º 8.º).
1.3.2. Contestando a posição da OPTIMUS, vem a VODAFONE defender a ética e a legalidade subjacentes à sua comunicação comercial alegando na sua contestação, designadamente, que:

– (i) “…tal como resulta do documento número dois junto aos autos pela Reclamante, a Tv Box (…) APENAS é necessária para permitir o acesso a canais Premium (…) e/ou serviços interactivos (…)” (sic. ponto 9) “Sendo que, no mesmo documento se pode verificar que por apenas € 24,90, os Clientes Vodafone podem usufruir do pack de canais de televisão, (…) Internet ilimitada a 50 Mbps e telefone” (sic. ponto10), “Pelo que, qualquer consumidor que opte pelo serviço de acesso fibra a televisão, internet e telefone fornecido pela Vodafone pode fazê-lo pelo valor mensal de apenas € 24,90” (sic. ponto 11);

– (ii) “Naturalmente, se o consumidor pretender usufruir de serviços adicionais (…) terá, então (e apenas neste caso), de alugar uma box com um custo mensal de €5,50.” (sic. ponto 12).

2.   Enquadramento ético-legal

Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código de Conduta do ICAP, “Todas as comunicações comerciais devem ser legais, decentes, honestas e verdadeiras”. Por seu turno, segundo a redação do artigo 5.º daquele Código, “A comunicação comercial deve respeitar os valores, direitos e princípios reconhecidos na Constituição e na restante legislação aplicável”. De onde, à luz da queixa da Requerente, importa averiguar se a comunicação comercial em lide é de molde a ofender o quadro ético-legal do princípio da veracidade aplicável às comunicações comerciais. (Cfr. artigos 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do Código de Conduta do ICAP e 7.º, n.º 1, alínea d) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, relativo às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores).

Ora, segundo a última disposição referida, “É enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que este não teria tomado de outro modo“, sendo que um desses elementos é o do “… preço, a forma de cálculo do preço ou a existência de uma vantagem específica relativamente ao preço (d)”.

Acresce que, foi entendido quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matérias de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. actual n.º 3 do artigo 11.º) nos termos da qual se presumem como inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado dos artigos 5.º e 12.º do Código de Conduta do ICAP se encontram em consonância, pelo que impende sobre a VODAFONE, o ónus da prova da alegação publicitária em lide.

2.1. Da alegada prática de publicidade enganosa

Constitui posição do JE que, o claim objecto da questão controvertida consubstancia um facto que carece de comprovação, por referência ao conceito legal de serviço “triple-play”, ou seja, o de acesso a televisão, Internet e telefone.

Por seu turno, a definição de pacote “triple-play” que se encontra em vigor – e que é utilizada quer pela Comissão Europeia, quer pela ANACOM -, aponta para a existência de uma oferta comercial de um único operador que englobe três serviços, comercializada como uma oferta única e, também, com uma única factura, sendo que tais serviços de televisão abarcam os chamados canais básicos e não, serviços adicionais interactivos ou canais de acesso fechado.

Ora, analisados os argumentos tecidos pela Requerida em sede de contestação no sentido da conformidade da sua comunicação comercial com o quadro ético-legal em matéria de princípio da veracidade ou, da legitimidade de alegar em relação ao eu serviço “triple-play”: “Só € 24,90 por mês, sem truques nem asteriscos”, conclui o Júri que os documentos juntos aos autos com a mesma contestação (cfr. documentos n.ºs de 1 a 5) permitem comprovar que:

– (i) o serviço “triple-play” em causa pode ser contratado pelo montante mensal publicitado de € 24,90, sem que a este valor seja necessário somar o valor de € 5,50 relativo ao aluguer de uma “Tv-Box” já que, esta não é necessária ao respectivo acesso;

– (ii) o valor de € 24,90 não é alterado por via de disclaimers identificados por asteriscos;

– (iii) a necessidade do aluguer de uma “tv-box” reporta-se ao acesso a serviços que extravasam o conceito de “triple-play”, como os de canais que impliquem subscrição e pagamento de uma mensalidade (“Sport Tv”, “Benfica Tv”, “Tv Cine”, “Globo Premium”, “PFC”, “Pack Asiático”, “Canais Premium” e “Canais Adultos”) bem como a serviços interactivos como “Guia Tv”, “Videoclube”, “Gravador”, “Gravações Automáticas”, “Pip”, “My Zapping, “Pausa”, “Restart Tv”, “StrtApps”, “Share2Tv, “Partilhar”, “Controlo Parental” e “Compra de Canais”.

Pelo exposto, o Júri entende que a comunicação comercial da responsabilidade da VODAFONE não é susceptível de induzir o consumidor médio em erro quanto ao preço ou cálculo do preço a pagar mensalmente pelo seu serviço “triple-play”, não consubstanciando, assim, uma prática de publicidade enganosa.

3.   Decisão

Termos em que a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da VODADONE – veiculada nos suportes televisão, imprensa e outdoor – em apreciação no presente processo, não se encontra desconforme com o disposto nos artigos 9.º, n.os 1 e 2, alínea b) do Código de Conduta do ICAP e 7º, n.º 1, alínea d) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março.

A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP

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5J / 2014 :: Henkel Ibérica Portugal vs. Unilever Jerónimo Martins

5J/2014

Henkel Ibérica Portugal
vs.
Unilever Jerónimo Martins

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no vigésimo quarto dia do mês de Abril do ano de dois mil e catorze, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 5J/2014 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 5J/2014

1.   Objecto dos autos

1.1.   A HENKEL IBÉRICA PORTUGAL, UNIPESSOAL LDA. (a seguir indiscriminada e abreviadamente designada por «Henkel» ou Requerente), veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a UNILEVER, JERÓNIMO MARTINS, Lda. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por ULJM ou Requerida), relativamente a comunicação comercial ao seu produto “SKIP Pequeno & Poderoso” – promovida pela última nos suportes outdoors, expositores nos pontos de venda, gargantilhas apostas no próprio produto e filmes publicitários, por alegada violação dos artigos 7.º, n.º 1, e nº 2 e artigo 10.º, n.º 1 do Código de Conduta, bem como o artigo 7.º, n.º 1, alínea b), do Decreto-Lei n.º 57/2008.

1.2.   Notificada para o efeito, a ULJM apresentou a sua contestação.
Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.

2. Enquadramento e fundamentação ético-legal 

2.1. Síntese da posição das partes
As posições apresentadas pelas partes podem ser sintetizadas como segue:

2.2.1. Queixosa

– Recentemente, a Unilever lançou uma campanha publicitária a ‘Skip’, mais concretamente ao denominado ‘Skip Pequeno & Poderoso’, em que, em suma, alega o seguinte: “O melhor detergente líquido do mercado”, com uma nota de rodapé, de onde consta menção “Estudo Nielsen, janeiro de 2014, 600 utilizadores de detergente líquido”;

– Esta campanha tem vindo a ser veiculada através de vários suportes ou meios, nomeadamente outdoors, expositores nos pontos de venda, gargantilhas apostas no próprio produto e filmes publicitários;

– Sucede que ‘Skip Pequeno & Poderoso’ não é o melhor detergente líquido do mercado. Tal “resulta de relatório técnico elaborado pelo reputado laboratório ‘Eurofins ATS’, especializado em análises a produtos de consumo e que atua no mercado há mais de 30 anos, prestando serviços tanto a empresas como a organizações de consumidores”;

– Ou seja, ‘Skip Pequeno & Poderoso’ é menos eficiente na remoção de nódoas, e portanto pior, que os seus concorrentes ‘Fairy’ e ‘Ariel Actilift’;

– E ‘Skip Pequeno & Poderoso’ é tão eficiente na remoção de nódoas como os seus concorrentes ‘Skip Active Clean’, ‘Persil Super Power Gel’, ‘Persil Color Power Gel’ e ‘Persil Uni Gel’;- Concretamente, no que tange a nódoas branqueáveis ‘Skip Pequeno & Poderoso’ é, pelo menos, pior do que ‘Ariel Actilift’ e ‘Fairy’ e igual a ‘Persil Uni Gel’;

– No que tange a nódoas enzimáticas ‘Skip Pequeno & Poderoso’ é, pelo menos, pior do que ‘Fairy’, ‘Ariel Actilift’, ‘Persil Super Power Gel’ e ‘Persil Color Power Gel’ e igual a ‘Persil Uni Gel’ e ‘Skip Active Clean’;

– No que tange a nódoas de gordura, pigmentos e cosméticos ‘Skip Pequeno & Poderoso’ é, pelo menos, pior do que ‘Fairy’, ‘Ariel Actilift’ e ‘Skip Active Clean’;

– A menção “o melhor” reporta-se, evidentemente, ao desempenho do produto, sendo esta a característica principal que o consumidor médio associa a um detergente: o que dele quer é que lave bem, eliminando eficazmente as nódoas;

– A menção “o melhor” não se reporta evidentemente a uma qualquer outra característica do produto em apreço, necessariamente secundária (aceitação que o produto tem junto dos consumidores, apresentação, etc.);

– Por outras palavras, o consumidor médio, quando confrontado com o claim em apreço, a mensagem que retira é que ‘Skip Pequeno & Poderoso’ é o detergente líquido do mercado que tem melhor desempenho;

– O ‘Skip Pequeno & Poderoso’ não é o melhor detergente líquido do mercado;

– O estudo da ‘Nielsen’ não constitui meio idóneo para sustentar a menção que ‘Skip Pequeno & Poderoso’ é o melhor detergente líquido do mercado; e- A referência ao estudo da ‘Nielsen’ é susceptível de induzir o consumidor em erro, pois o consumidor médio não sabe o que é a ‘Nielsen’ nem a que se dedica e é levado a pensar que o claim assenta numa base científica que não existe.

2.2.2. Denunciada

– A queixa apresentada pela Henkel nos presentes autos incide sobre a campanha publicitária a “Skip Pequeno & Poderoso”, mais concretamente refere-se à publicidade onde consta “O melhor detergente líquido do mercado”;

– Através da sua queixa, pretende a Henkel obter do Júri de Ética do ICAP decisão que determine a: i) suspensão, imediata, de toda essa publicidade, independentemente do respectivo suporte ou meio e ii) a abstenção de difundir novamente a referida publicidade, seja por que via for;

– O Júri de Ética deliberou recentemente sobre uma outra queixa deduzida pela PROCTER & GAMBLE Portugal – Produtos de Consumo, Higiene e Saúde, S.A. (adiante abreviadamente designada por P&G) contra a ULJM, tendo precisamente por objecto a campanha publicitária a “Skip Pequeno & Poderoso”;

– Nesse processo, que correu termos sob o número 3J/2014, a P&G pediu ao ICAP a cessação da campanha publicitária em causa porquanto, na opinião da P&G, a alegação publicitária “o Melhor Detergente Líquido do Mercado” seria ilegítima, por força da violação de um conjunto de disposições do Código de Conduta, do Código da Publicidade e do Decreto-Lei 57/2008, de 26 de Março, as quais, de uma forma geral se podem reconduzir à tomada de posição sobre o carácter verdadeiro ou enganoso da alegação publicitária em causa;- Na contestação apresentada, para onde se remete, a ULJM teve ocasião de defender a sua posição na matéria e a legitimidade do claim publicitário;

– Porém, por decisão do Júri de Ética datada de 28.03.2014, foi ordenada a cessação imediata da referida campanha em todos os seus suportes;

– A ULMJ foi notificada dessa decisão no dia 31.03.2014 e nos dias imediatamente seguintes todos os suportes publicitários foram retirados do mercado;

– Ora, a Henkel deu entrada com a queixa no dia 07.04.2014, data portanto em que a campanha já tinha cessado;

– Do exposto resulta que a campanha objecto da queixa ora em apreciação – a queixa da Henkel – já não existia à data da apresentação da denúncia;

– Noutros termos, a queixa é de objecto inexistente;
O Júri de Ética do ICAP já foi confrontado, noutros processos, com publicidade cuja difusão já cessara à data da apreciação da queixa. Vejam-se os processos 18J/2006, 17J/2006 ou 5J/2008;

– Na maioria das situações, trata-se de apreciar uma possível inutilidade superveniente da lide, uma vez que a cessação da campanha publicitária ocorre já depois de instaurada a queixa;

– No caso em apreço, como vimos, no momento da propositura da queixa já a ULJM retirara a campanha do mercado;

– E fizera-o – e aqui reside o aspecto fulcral desta alegação – em obediência a uma anterior decisão do Júri de ética do ICAP sobre a campanha em questão;

– São, portanto, duas as ordens de razões para se considerar, como veremos, que falta um pressuposto processual para que o Júri de Ética se possa pronunciar sobre o fundo da causa:a)   A campanha foi retirada do mercado (razão de ordem material);b)   O Júri de Ética já pronunciou sobre a legitimidade desta mesma campanha (razão de ordem ética);

– Termos em que se conclui que a inutilidade da lide ou a falta de interesse em agir deve conduzir necessariamente a uma decisão de extinção da instância por falta de um pressuposto processual;

– A queixa apresentada pela Henkel nos presentes autos incide sobre a campanha publicitária a “Skip Pequeno & Poderoso”, mais concretamente refere-se à publicidade onde consta “O melhor detergente líquido do mercado”;

– Esse Júri de Ética deliberou recentemente sobre uma outra queixa deduzida pela PROCTER & GAMBLE Portugal – Produtos de Consumo, Higiene e Saúde, S.A. contra a ULJM, tendo precisamente por objecto a campanha publicitária a “Skip Pequeno & Poderoso”;

– A ULMJ foi notificada dessa decisão no dia 31.03.2014 e nos dias imediatamente seguintes todos os suportes publicitários foram retirados do mercado;

– A Henkel deu entrada com a queixa no dia 07.04.2014, data portanto em que a campanha já tinha cessado;- Resulta do exposto que, no momento da apresentação da queixa, já a ULJM retirara a campanha do mercado e fizera-o – e aqui reside o aspecto fulcral desta alegação – em obediência a uma anterior decisão do Júri de Ética do ICAP sobre a campanha em questão.

2.3. Da inutilidade da lide

Na resposta apresentada, a denunciada suscita a inutilidade ab initio do procedimento, questão esta que deve ser resolvida previamente pelo JE.

Com efeito, está em causa nos presentes autos uma campanha publicitária designada Skip Pequeno & Poderoso”, onde, mais concretamente, se refere uma publicidade onde consta a frase “O melhor detergente líquido do mercado”.

Por intermédio da sua queixa pretende a Henkel obter do Júri de Ética do ICAP decisão que determine a: i) suspensão, imediata, de toda essa publicidade, independentemente do respectivo suporte ou meio e ii) a abstenção de difundir novamente a referida publicidade, seja por que via for.

Ora a verdade é que este mesmo Júri de Ética deliberou recentemente sobre uma outra queixa deduzida pela PROCTER & GAMBLE Portugal – Produtos de Consumo, Higiene e Saúde, S.A contra a ULJM, tendo precisamente por objecto a campanha publicitária a “Skip Pequeno & Poderoso” e, no âmbito desse processo, que correu com o nº 3J/2014, a P&G pediu ao ICAP a cessação da campanha publicitária em causa porquanto, escreveu, a alegação publicitária “o Melhor Detergente Líquido do Mercado” seria ilegítima, por força da violação de um conjunto de disposições do Código de Conduta, do Código da Publicidade e do Decreto-Lei 57/2008, de 26 de Março, as quais, de uma forma geral se podem reconduzir à tomada de posição sobre o carácter verdadeiro ou enganoso da alegação publicitária em causa.

A ULJM, na contestação apresentada, defendeu a sua posição na matéria e a legitimidade do seu claim publicitário mas este Júri, em 28.03.2014, ordenou a cessação imediata da referida campanha em todos os seus suportes.

Desta decisão foi a ULMJ notificada em 31.03.2014 e, na sequência, todos os suportes publicitários foram retirados do mercado.

Apurou este JE que a queixa da Henkel tem a data de 07.04.2014, logo posterior àquela em que a campanha da ULJM tinha cessado, pelo que se conclui que a campanha objecto da queixa ora em apreciação – a queixa da Henkel – já não existia à data da apresentação da denúncia.

Ora, o Júri do ICAP, através das suas duas Secções e da Comissão de Apelo, aprecia as queixas que lhe são submetidas tendo em vista deliberar sobre a conformidade das mensagens publicitárias que lhe estão subjacentes ao Código de Conduta do ICAP.

As deliberações do Júri são vinculativas em relação a todos os membros do ICAP e aos seus representados, bem como a quem tenha submetido a publicidade à apreciação do JE.

O efeito imediato, válido e eficaz de tal deliberação (auto)vinculativa para os membros do ICAP é, findo o prazo de recurso e efectuadas as devidas notificações, a cessação da publicidade que o Júri entendeu ser violadora do Código de Conduta.

Ora, a verdade é que a comunicação comercial objecto dos presentes autos, a exemplo do que já antes acontecera noutros processos (como sejam os processos 18J/2006, 17J/2006 ou 5J/2008), já cessara na realidade, uma vez que, no momento da propositura da queixa, já a ULJM retirara a campanha do mercado, precisamente, em cumprimento de uma anterior decisão deste mesmo JE do ICAP sobre a campanha em questão.

Nestes termos, encontramo-nos perante a ausência de um pressuposto processual para que o Júri de Ética se possa pronunciar sobre o fundo da causa já que a campanha foi retirada do mercado. Mas, também, porque este mesmo Júri já se havia anteriormente pronunciado sobre a legitimidade desta mesma comunicação comercial.

Assim, e sem prejuízo dos direitos que os queixosos e denunciados queiram fazer valer junto dos tribunais, em sede de apreciação publicitária, e num contexto de auto regulação, o JE entende estar-se perante um caso de manifesta inutilidade da lide e de não verificação do pressuposto do interesse em agir.

Neste mesmo sentido foi, aliás, a decisão da Comissão de Apelo do ICAP no âmbito do processo nº 15J/2012, nos seguintes termos: “Mais se entende que, quando a publicidade controvertida deixou já, claramente, de ser praticada por vontade do operador de mercado que a fazia, deixa por via de regra de haver litígio concreto aberto se, pela queixa, o que se pretendia era fazer cessar essa publicidade.” (…) “Nesse pressuposto, é de entender que ocorre inutilidade superveniente da lide.”.

Esta apreciação vai ainda ao encontro da melhor doutrina, nomeadamente com Lebre de Freitas, que refere que “a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a proveniência deixa de interessar – além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios”, (ver “Código de Processo Civil Anotado”, vol. III, pág. 633. Veja-se, ainda, Lopes do Rego, Comentários, pág. 611. e Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, pág. 381.)

Esta apreciação do Júri está ainda sustentada pela jurisprudência dominante, como é o caso dos Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 3/12/200716/3/2006, 16/02/2006, 27/06/2005, 02/02/2006, 02/06/2005, 15/07/2004, 30/05/2005; e do Supremo Tribunal de Justiça de 06/06/2004 e 06/07/2004.

Termos em que se conclui que a inutilidade da lide ou a falta de interesse em agir deve conduzir necessariamente a uma decisão de extinção da instância por falta de um pressuposto processual, inexistindo, assim, e no nosso entendimento, quaisquer razões que fundamentem uma segunda apreciação desta campanha.

3. Decisão

A Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP delibera, nos termos das regras gerais de processo civil vigentes, que a instância se deve considerar extinta por inutilidade, não se pronunciando este Júri em concreto sobre a publicidade em apreciação no presente processo.».

O Presidente da Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP

Auto Regulação5J / 2014 :: Henkel Ibérica Portugal vs. Unilever Jerónimo Martins
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4J / 2014 :: Fromageries Bel Portugal vs. Unilever Jerónimo Martins

4J/2014

Fromageries Bel Portugal
vs.
Unilever Jerónimo Martins

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no décimo sexto dia do mês de Abril do ano de dois mil e catorze, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 4J/2014 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 4J/2014

1. Objecto dos Autos

1.1. A FROMAGERIES BEL PORTUGAL, S.A., (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por FROMAGERIES ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a UNILEVER, JERÓNIMO MARTINS, Lda. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por ULJM ou Requerida), relativamente a comunicação comercial ao seu produto “FLORA” – promovida pela última nos suportes rotulagem, televisão, Internet, MUPI, folheto, bem como gôndola e, ou, linear de supermercados – tal, por alegada violação dos artigos 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do Código de Conduta do ICAP, 10.º e 11.º, n.º 1 do Código da Publicidade, 7.º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, 19.º, n.ºs 1 e 2 da Lei de Defesa do Consumidor, bem como 23.º do Decreto-lei n.º 590/99, de 1 de Dezembro.

1.2. Notificada para o efeito, a ULJM apresentou a sua contestação.

Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.

1.3. Questão prévia

Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 9.º do Regulamento do JE, sob a epígrafe “Petição”, “A queixa deverá ser feita por escrito, devendo o queixoso indicar com precisão os suportes que pretende ver analisados, expor os factos e a fundamentação, tão sintética quanto possível, indicar as disposições do Código de Conduta do ICAP e, ou, outras fontes que considere infringidas e formular com clareza a sua pretensão, salvo quando apresentada por consumidor nos termos definidos na Lei de Defesa do Consumidor”. (Negrito e sublinhado do JE).

Esta é, aliás, uma prática sobre a qual o JE teve já a oportunidade de se pronunciar, designadamente, no âmbito dos Processos 8J/2009, 17J/2009, 2J/ 2010 e 16J/2012 do ICAP.

Com o devido respeito, alerta o Júri para o facto de, certamente por lapso, a petição possuir os pontos de 1 a 14 em duplicado, com redacções diversas. De onde, passará a designar os “duplicados” como segundo ponto “x” ou segundo ponto “y”.

Por outro lado, o articulado da petição não é claro, quer em termos de conceptualização de suportes a analisar (diga-se, a título de exemplo que, um ponto de venda não é um suporte mas sim, um local onde poderão existir vários suportes que não devem ser designados por “material”) quer, de pretensão… Na realidade, e com o devido respeito, colocado perante o mesmo articulado, constata o Júri que a FROMAGERIES tão depressa considera a rotulagem da Flora como suporte publicitário, como entende ser ele, uma embalagem de género alimentício, em sede da qual é obrigatória a aposição de informações obrigatórias ao consumidor (em matéria de natureza, composição, quantidade, prazo de validade, utilidade e forma de utilização, preço e demais características relevantes dos respectivos bens e serviços).

Com efeito, a titulo de exemplo – e sem excluir – a Requerente alega na sua queixa que, “No topo e laterais da embalagem deste creme vegetal da marca FLORA consta, com especial relevo e destaque, a indicação de que o produto é feito “com leite dos Açores…” (sic. primeiro ponto 3) para, logo depois, parecer excluir da categoria “comunicação publicitária” a dita “indicação”, ao referir que “Tal informação (“Com leite dos Açores”) consta igualmente dos anúncios publicitários veiculados nos meios de comunicação social…” (sic. primeiro ponto 4) e que “Conforme resulta da lista de ingredientes constante do rótulo deste produto, inserida na base da embalagem, facilmente se constata que este creme vegetal para barrar tem apenas, na sua composição, 1 % de leite em pó magro (não sendo especificamente identificada a sua origem)” (sic. primeiro ponto 7), vindo elencar coimas aplicáveis por alegada violação do quadro legal em matéria de informações obrigatórias em rotulagem (cfr. pontos 39, 58. e 59) .

Em conformidade, concorda parcialmente o JE com a ULJM, quanto ao por esta alegado na contestação no sentido de que, “…importa não confundir, como o faz a queixosa, o que são menções obrigatórias que devem constar da rotulagem, de acordo com a lei, e claims publicitários”. (sic. art.º 16.º).

Em coerência, solicita-se à FROMAGERIES que, em peças processuais futuras observe as mencionadas precisão e clareza, a bem da desejável celeridade em matéria de auto-regulação.

Pelo exposto, cumpre ao Júri esclarecer que somente apreciará o teor de menções apostas na rotulagem da Flora que se possam considerar comunicações comerciais, vulgo, publicidade ou que, não o sendo, emprestem significado a claims publicitários por associação, porquanto tal é a competência material do ICAP, designadamente, nos termos do artigo 4.º dos seus Estatutos.

1.4. Dos factos

“Encontra-se a ser comercializado no mercado o produto da marca FLORA (tratando-se de um creme vegetal para barrar a 79 %, designação legal de acordo com o Regulamento (UE) nº 1308/2013), adiante designado “produto” ou “creme vegetal”…”, o qual “…é produzido pela sociedade FIMA – Produtos Alimentares, S.A. e é comercializado pela sociedade Unilever Jerónimo Martins, L.da (…)”. (sic. n.ºs 1 e 2 da queixa, cfr. art.º 2.º da contestação).

1.4.1. Das alegações publicitárias ou claims

Considerando a totalidade da comunicação comercial ao género alimentício “Flora” divulgada nos suportes rotulagem, televisão, Internet, MUPI, folheto, bem como gôndola e, ou, linear de supermercados, resulta da análise das peças processuais e dos documentos juntos pelas Partes serem as seguintes as alegações publicitárias ou claims objecto da questão controvertida (todos documentados em ANEXOS da queixa e abreviadamente designados por Docs):

A. Rotulagem (cfr. Doc. 3)
disclaimer (S1) “Com leite dos Açores”;
associado ao
– (i) claim “Flora derrete-te”;

B. Televisão (cfr. spot publicitário em CD rom)
disclaimer (S1) “Com leite dos Açores”;
associado ao
– (i) claim “Com leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora”;

C. Internet
disclaimer (S1) “Com leite dos Açores” associado a:
– (i) claim constante de cinco spots publicitários (cfr. CD rom)
– “Com leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora”;

– (ii) sítio da UNILEVER (cfr. Doc. 6)
Claims: “A marca Flora foi relançada com uma receita digna dos verdadeiros apreciadores de manteiga: um sabor intenso, com leite dos Açores, irresistível num bom pão quentinho acabado de sair do forno. A receita de Flora, para além de deliciosamente apetitosa, tem a vantagem de ter menos gordura saturada que a manteiga standard…”;

– (iii) comunicação de marca por “Hipersuper” (cfr. Doc. 10):
Disclaimer (S1) “Com leite dos Açores” associado a
Claims: ”…Na prova decisiva que é em casa dos consumidores, acreditamos que o intenso sabor a manteiga de Flora, resultante da nova receita com Leite dos Açores, vai conquistar os mais exigentes apreciadores”, explica Luís Gomes, Flora Brand Manager”.”;

D. MUPI (cfr. Doc. 4 junto à queixa):
Disclaimer (S1) “Com leite dos Açores” associado ao
– (i) claim “Delicioso sabor com leite dos Açores”;

E. Folheto, Gôndola e, ou, linear de supermercados (cfr. Docs. 5, 8 e 9 junto à queixa):
Disclaimer (S1) “Com leite dos Açores” associado aos claims
– (i) “Delicioso sabor com leite dos açores”;
– (ii) “A nova Flora foi feita a pensar nos verdadeiros apreciadores de manteiga: um sabor intenso, com leite dos Açores…”;
– (iii) “A receita de Flora, para além de deliciosamente apetitosa, tem a vantagem de ter menos gordura saturada que a manteiga standard…”;

F. Gôndola e, ou, linear de supermercados (cfr. Doc. 1 junto à queixa)
– (i) claim visual traduzido por “vacas a pastar”
seguido da referência:
– (ii) “po…nteiga” não completamente legível por aposição de preço com o
Disclaimer (S2) “creme para barrar”.

1.5. Das alegações das Partes

Considera a FROMAGERIES, em sede de petição que, a campanha publicitária da responsabilidade da Requerida ofende o quadro normativo ético-legal em matéria de princípio da veracidade aplicável à comunicação comercial e decorrente do Código de Conduta do ICAP, do Código da Publicidade – com a redacção introduzida pelo Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março – da Lei de Defesa do Consumidor e do Decreto-lei n.º 590/99, de 1 de Dezembro, o que a ULJM contradita em sede de contestação, defendendo a ética e a legalidade subjacentes à comunicação comercial da sua responsabilidade e juntando documentos.

2. Enquadramento ético-legal

Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código de Conduta do ICAP, “Todas as comunicações comerciais devem ser legais, decentes, honestas e verdadeiras”. Por seu turno, segundo a redacção do artigo 5.º daquele Código, “A comunicação comercial deve respeitar os valores, direitos e princípios reconhecidos na Constituição e na restante legislação aplicável”.

De onde, à luz da queixa do Requerente, importa averiguar se a comunicação comercial em lide é de molde a ofender o quadro ético-legal do princípio da veracidade aplicável às comunicações comerciais (cfr. artigos 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do Código de Conduta do ICAP, 7.º, n.º 1, alínea b) e 9.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, relativo às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores).

Em conformidade, cumpre ao Júri atender, não só ao disposto no artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) daquele Código de Conduta, sob a epígrafe “Veracidade”, como ao consignado no n.º 1, alínea b) do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março. Ora, segundo a mesma, “É enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que este não teria tomado de outro modo“, sendo que um desses elementos é o das “…características principais do bem ou serviço, tal como (…) a sua composição” (b)”.

Por seu turno, de acordo com a redacção do artigo 9.º, n.º 1, alíneas a) e b) daquele Decreto-lei, sob a epígrafe ”Omissões enganosas”, “Tendo em conta todas as suas características e circunstâncias e as limitações do meio de comunicação, é enganosa, e portanto conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que não teria tomado de outro modo, a prática comercial: a) Que omite uma informação com requisitos substanciais para uma decisão negocial esclarecida do consumidor; b) Em que o profissional oculte ou apresente de modo pouco claro, ininteligível ou tardio a informação referida na alínea anterior” admitindo-se, contudo, a excepção prevista no n.º 2 do mesmo preceito legal:

“Quando o meio de comunicação utilizado para a prática comercial impuser limitações de espaço ou de tempo, essas limitações e quaisquer medidas tomadas pelo profissional para disponibilizar a informação aos consumidores por outros meios devem ser tomadas em conta para decidir se foi omitida informação” (negrito e sublinhado do JE).

Acresce que, foi entendido, quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matérias de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. actual n.º 3 do artigo 11.º) nos termos da qual se presumem como inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado dos artigos 5.º e 12.º do Código de Conduta do ICAP se encontra em consonância, pelo que impende sobre ULJM, o ónus da prova das alegações publicitárias em lide.

2.1. Da alegada prática de publicidade enganosa

2.1.1. Do disclaimer “Com leite dos Açores” contido na rotulagem

No que diz respeito à embalagem da Flora, cuja cor branca alega a Requerente ter sido deliberadamente escolhida com o intuito de gerar a convicção junto do consumidor médio de que aquela é uma manteiga (cfr. ponto 28 da queixa), cumpre ao Júri esclarecer que, mais uma vez (cfr. ponto 1.3. supra), tal é uma questão que extravasa a competência material do ICAP. De facto, em si mesma, a cor branca de uma embalagem não consubstancia uma alegação publicitária.

Colocado perante o articulado da petição e, concretamente, dos primeiros pontos de 3. a 10., conclui o JE que a FROMAGERIES considera a rotulagem da Flora como suporte publicitário e não, somente, como recipiente de género alimentício em sede do qual é obrigatória a aposição de informações obrigatórias ao consumidor, em matéria de natureza, composição, quantidade, prazo de validade, utilidade e forma de utilização, preço e demais características relevantes dos respectivos bens e serviços.

Ora, entende o Júri que tais informações ou disclaimers somente serão aptas, per se, a propiciar quaisquer juízos de valor promocionais junto do destinatário1 – e, logo, a serem consideradas comunicações comerciais, caso, cumulativamente:

– Possuam um destaque não obrigatório por lei e, para além dele, o que acontece in casu, com a menção aposta na rotulagem da Flora “Com Leite dos Açores” (cfr. Doc. 3);

– Não consubstanciando em si mesmas algo que não seja uma mera informação ao consumidor ou um disclaimer, “resvalem” para o conceito de publicidade, por via de uma associação verbal e, ou, visual com claims que lhes alterem o significado.

Entende o Júri que a rotulagem da Flora (e só a rotulagem) se insere no primeiro dos casos elencados, porquanto o disclaimer “Com Leite dos Açores” terá o mesmo significado, quer se encontre isolado nos rótulos da Flora, quer se encontre associado ao claim “Derrete-te”.

Com efeito, analisados o teor dos Docs. 1 e 2 juntos à contestação, conclui o JE que a ULJM logrou provar que a Flora contém Leite dos Açores em 1%, o que, embora traduzindo uma percentagem residual, não deixa de corresponder à verdade. Com efeito, a relevância da averiguação da “suficiência” da percentagem de 1% de Leite dos Açores em pó – para efeitos de conformidade ou desconformidade com o quadro ético-legal em matéria de princípio da veracidade da comunicação comercial -, não se reporta ao disclaimer “Com Leite dos Açores” per se, aposto na embalagem de Flora. Dito de outra forma, o prestígio associado à utilização do leite dos Açores na composição de um género alimentício, dificilmente se poderá estabelecer através de níveis percentuais não legalmente definidos, caso conclusões diversas da mera composição, não se retirem do disclaimer correspondente, destacado ou não.

Pelo exposto, no que tange à comunicação comercial veiculada através de rotulagem, não se subscreve o alegado pela Requerente no sentido de que, se associa “… assim, o sabor da manteiga ao leite dos Açores e sugerindo idêntico sabor para este produto que é feito “Com leite dos Açores” – embora com apenas 1% de leite magro em pó!)”. (sic. ponto 30 da queixa).

Tal, muito embora – e com a devida vénia -, o Júri considere uma falácia, o invocado pela ULJM em sede de contestação no sentido de ser de notar que, “…a utilização de leite em pó numa determinada quantidade é equivalente à utilização de leite em estado líquido, bastando para tal que o leite seja “reconstituído” pela adição de água. Ou seja” (sic. art.º 6.º) “Em concreto, 1 Kg de leite em pó pode ser reconstituído à razão de 1 Kg para 11 litros – cfr. documento nº 2.” (sic. art.º 7.º) e que “Como tal, a actual referência na lista de ingredientes a “leite magro em pó (1%)” poderia também ser designada por “leite magro reconstituído (11,4%)”. (sic. art.º 8.º). De facto, constitui posição do JE que, o teor dos docs. 1 e 2 juntos à contestação não é de molde a permitir tais conclusões por parte da Requerida mas, apenas, a ilação de que Flora contém Leite dos Açores.

Pelo exposto, conclui o JE que, a menção “Derrete-te”, único claim aposto na rotulagem em associação ao disclaimer colocado em crise (cfr. Doc. 3), não induz a percepção do consumidor médio, no sentido de que a Flora é uma manteiga e não, um creme vegetal para barrar, de que a mesma Flora tem gosto a manteiga e, ou – por maioria de razão – de que goza do prestígio da manteiga feita com leite dos Açores.

2.1.1.1. Do disclaimer da rotulagem “Com leite dos Açores” associado a claims veiculados noutros suportes

Entende o Júri que da redacção do artigo 9.º, n.º 2 do Decreto-lei 57/2008, de 26 de Março, segundo a qual, “Quando o meio de comunicação utilizado para a prática comercial impuser limitações de espaço ou de tempo, essas limitações e quaisquer medidas tomadas pelo profissional para disponibilizar a informação aos consumidores por outros meios devem ser tomadas em conta para decidir se foi omitida informação” (aqui aplicável por força dos supra mencionados artigos 4.º e 5.º do Código de Conduta do ICAP), decorrem as seguintes conclusões:

– Uma campanha publicitária deve ser analisada como um todo, tendo que ser os respectivos claims avaliados por referência ao contexto propiciado pelo conjunto dos vários suportes em que for veiculada;

– A informação prestada por outros meios com mais espaço – ao permitir integrar o significado da comunicação comercial veiculada naqueles que o não tenham -, caso traduza uma inverdade, poderá determinar que os claims ou disclaimers cujo significado visem completar, consubstanciem uma prática de publicidade enganosa por associação.

Se este é ou não, o caso do disclaimer “Com leite dos Açores”, é o que se verá no ponto seguinte.

2.1.2. Dos claims veiculados através de páginas da Internet, MUPI, folheto e lineares ou gôndolas de supermercado

Concluiu o JE no ponto anterior que, a menção “Derrete-te”, único claim aposto na rotulagem em associação ao disclaimer colocado em crise (cfr. Doc. 3), não induz a percepção do consumidor médio, no sentido de que a Flora é uma manteiga e não, um creme vegetal para barrar; de que a mesma Flora tem gosto a manteiga e, ou – por maioria de razão – de que goza do prestígio da manteiga feita com leite dos Açores.

Igual conclusão não pode retirar o Júri, no que diz respeito à associação do disclaimer “Com Leite dos Açores”, contido na rotulagem de Flora, a alegações publicitárias veiculadas noutros suportes, associação essa que lhe empresta um significado diverso e muito mais abrangente. Quer-se com isto defender que, no momento em que através dos suportes Internet, MUPI, folheto, bem como linear e, ou, gôndola de supermercado figure sempre a imagem da embalagem de Flora em que é visível o disclaimer em causa, quaisquer claims associados (que sejam susceptíveis de criar junto do consumidor médio, a convicção de que Flora com leite dos Açores tem um delicioso sabor por esse facto alegado ou de que o mesmo sabor é o de manteiga e, ou, de que pode satisfazer os apreciadores desta, como se de manteiga se tratasse), obrigariam à comprovação por parte da ULJM de que a percentagem de 1% de leite dos Açores em pó contida no produto é determinante para a veracidade, agora sim, do nexo de causalidade entre tal percentagem e os alegados atributos da nova Flora.

Por referência a tal entendimento e analisados os documentos juntos aos autos com a contestação, constitui posição do JE que a ULJM não logrou provar a existência do supra referido nexo de causalidade e, por maioria de razão, a veracidade das seguintes alegações publicitárias:

– (i) “A marca Flora foi relançada com uma receita digna dos verdadeiros apreciadores de manteiga: um sabor intenso, com leite dos Açores…; “ A receita de Flora, para além de deliciosamente apetitosa, tem a vantagem de ter menos gordura saturada que a manteiga standard…”. (Cfr. Doc.6 da queixa traduzido por cópia de sítio da Internet da ULJM);

– (ii) ”…Na prova decisiva que é em casa dos consumidores, acreditamos que o intenso sabor a manteiga de Flora, resultante da nova receita com Leite dos Açores, vai conquistar os mais exigentes apreciadores…”, (Cfr. Doc. 10 junto à queixa e consubstanciado por cópia de comunicação de marca em página da Internet intitulada “Hipersuper”);

– (iii) “Delicioso sabor com leite dos Açores”, (cfr. Doc. 4 da queixa, traduzido por cópia de comunicação em MUPI);

– (iv) “Delicioso sabor com leite dos açores”; “A nova Flora foi feita a pensar nos verdadeiros apreciadores de manteiga: um sabor intenso, com leite dos Açores…”; A receita de Flora, para além de deliciosamente apetitosa, tem a vantagem de ter menos gordura saturada que a manteiga standard…”, (cfr. Docs. 1, 5, 8 e 9 da queixa e referentes a publicidade aposta em folhetos, lineares e, ou, gôndolas);

– (v) claim visual traduzido por “vacas a pastar”, seguido da referência “po…nteiga”, com aposição de preço com o disclaimer “creme para barrar”, (cfr. Doc. 1 junto à queixa, consubstanciado por cópia publicidade em linear de supermercado).

Termos em que o Júri entende que a totalidade das alegações publicitárias que ficaram elencadas configura uma prática de publicidade enganosa, por desconformidade com o disposto nos artigos 4.º, 5.º, 9.º, nºs 1 e 2, alínea a) e 12.º do Código de Conduta do ICAP, bem como no n.º 1, alínea b) do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março.

2.1.3. Do claim “Com leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora”

A alegação publicitária “Com leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora” consta de spots publicitários divulgados nos suportes televisão e Internet (cfr. ponto 1.3.1., B e C, (i) supra e CD rom junto à queixa).

2.1.3.1. Da alegada prática de publicidade enganosa de tom exclusivo

Alega a FROMAGERIES em sede de petição que, “…ao publicitar-se que “com leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora” (…) parece pretender-se deixar a ideia junto dos consumidores de que mais nenhum produto concorrente, com leite dos Açores, pode ter um óptimo sabor.” (sic. ponto 21.) acrescentando que, “Existe aqui a ideia de causalidade directa entre a utilização do leite dos Açores e o sabor do produto, seguida da conclusão de que o preenchimento destas duas premissas só pode resultar num único produto: Flora” (sic. ponto 22) “Como se apenas este produto Flora é que pudesse deter a exclusividade do sabor associado ao leite dos Açores.” (sic. ponto 23).

O Júri discorda deste entendimento da Requerente.

A publicidade de tom exclusivo constitui uma modalidade de publicidade que a doutrina estrangeira (maxime a alemã e a espanhola) tem definido como aquela através da qual “o anunciante pretende excluir da posição que ocupa os restantes concorrentes (…) alcançando uma posição superior à dos seus rivais” (vd. Carlos Lema Devesa in “La Publicidad de Tono Excluyente”, Editorial Moncorvo, 1980), limitando-se “a realçar a sua posição de proeminência isolada sem fazer nenhuma referência directa aos seus concorrentes” (vd. Anxo Tato Plaza in “La Publicidad Comparativa”, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A. Madrid, 1996, p.50).

No entender do Júri, dizer-se “com Leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora” não equivale a afirmar-se “Só a Flora, com leite dos Açores é tão saborosa”, “Só a Flora tem o sabor do leite dos Açores” ou, ainda, a tecer-se qualquer outra alegação com significado equivalente ao das duas últimas, estas sim, que seriam publicidade de tom exclusivo.

Dito de outra forma, dos pontos de vista pragmático e sintáctico, o claim da responsabilidade da Requerida não possui o significado de tom exclusivo que a Requerente defende.

Refere-se aqui o Júri à subdivisão morrisiana (vd. C. Morris in Foundations of the Teory of Signs, Encyclopedia of Unified Science, 1, 2, Chicago, 1938), de acordo com a qual o significado de um termo pode ser indicado em função da reacção psicológica de quem o recebe, e esse é o aspecto pragmático; o aspecto semântico prende-se com a relação entre signo e Indicação ou significado (denotatum); por fim, o aspecto sintáctico reporta-se à organização dos termos empregues num determinado discurso.

De facto, o chamado consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido e informado, não concluirá que mais nenhum creme vegetal para barrar ou mesmo, qualquer manteiga, será tão saboroso, ou terá o gosto decorrente do leite dos Açores, como Flora…Ou que, segundo alega a FROMAGERIES, “Como se apenas este produto Flora é que pudesse deter a exclusividade do sabor associado ao leite dos Açores.” (Cfr. ponto 23 da contestação).

Entende o Júri, sim, que a alegação publicitária “Com Leite dos Açores (…) só podia ser Flora” consubstancia uma prática de publicidade enganosa por induzir o consumidor médio em erro quanto ao nexo de causalidade entre o leite dos Açores e o sinal forte da marca Flora, o qual nunca foi, nem é, o de um creme vegetal com leite dos Açores. Logo, ao possuí-lo (seja qual for a percentagem em que o possua), nunca poderia ser Flora.

É, aliás, a própria ULJM que o admite, ao referir no seu site de Internet que, “A marca Flora foi relançada com uma receita digna…” (cfr. Doc. 6 junto à queixa) e na sua comunicação de marca por “Hipersuper” que ”…o intenso sabor a manteiga de Flora, resultante da nova receita com Leite dos Açores, vai conquistar os mais exigentes apreciadores”, (cfr. Doc. 10).

Na medida em que o sinal forte de uma marca, bem, produto ou serviço é indissociável das características essenciais que o definem, duas conclusões se permite o JE retirar do claim colocado em crise:

– a marca relançada não corresponde ao sinal forte da Flora, sem leite dos Açores estabelecido junto do consumidor, ao longo de vários anos de comercialização do creme vegetal para barrar;

– se a marca é “relançada” com “nova receita com Leite dos Açores”, “só pode ser Flora” ao arrepio do princípio da veracidade em matéria de comunicações comerciais. Com efeito, trata-se de uma falácia em que a conclusão não decorre da premissa, porquanto o sinal forte da marca – configurado pelo conjunto das principais características pelas quais é conhecida junto do consumidor – não é ditado, em termos lógicos, pelo prestígio do leite dos Açores (ou dos produtos seus derivados, como é o caso das manteigas), igualmente valendo aqui, por maioria de razão, as conclusões a que o Júri chegou no ponto 2.1.2. relativas a associação entre claims a avaliar no contexto de uma campanha conjugada.

Assim, considera o Júri que a alegação publicitária “com Leite dos Açores e tão saborosa só podia ser Flora” configura uma prática de publicidade enganosa, por desconformidade com o disposto nos artigos 4.º, 5.º, 9.º, nºs 1 e 2, alínea a) e 12.º do Código de Conduta do ICAP, bem como no n.º 1, alínea b) do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março.

2.2. Conclusão

Pelo exposto, o Júri entende que a comunicação comercial em lide veiculada nos seus vários suportes – com excepção da rotulagem -, é susceptível de induzir o consumidor médio em erro quanto às “características” e “composição” do seu produto Flora, consubstanciando, deste modo, uma prática de publicidade enganosa.

3. Decisão

Termos em que a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da ULJM – veiculada nos suportes televisão, Internet, MUPI, folheto, bem como gôndola e, ou, linear de supermercados – em apreciação no presente processo, se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 12.º do Código de Conduta do ICAP e 10.º e 11.º do Código da Publicidade, o último, com a redacção do artigo 7.º, n.º 1, alínea b) introduzida pelo Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurados pelo JE. »

A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP

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2J / 2014 :: Pessoa Singular vs. Sony Computer Entertainment Portugal

2J/2014

Pessoa Singular
vs.
Sony Computer Entertainment Portugal

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no oitavo dia do mês de Abril do ano de dois mil e catorze, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 2J/2014 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 2J/2014

1. Objecto dos autos

1.1. Pessoa Singular (adiante abreviadamente designado por Requerente) veio, junto do Júri de Ética Publicitária do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a Sony Computer Entertainment Portugal, Unipessoal, Lda., (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por Sony ou Requerida), relativamente a comunicação comercial a videojogos para playstation 3 promovida em suporte Internet, concretamente, através do site store.sonyentertainmentnetwork.com tal, por alegada violação do artigo A2 do Código de Conduta do ICAP.

Tendo sido notificada para o efeito, a Sony apresentou contestação.

Dão-se por reproduzidos, a queixa, a contestação e o documento junto à queixa pelo Requerente e consubstanciado por print screen da página de promoção de vendas do site store.sonyentertainmentnetwork.com.

1.2. Dos factos

A comunicação comercial colocada em crise – da responsabilidade da Requerida e veiculada através de suporte Internet – refere-se a uma promoção de vendas a videojogos para “playstation 3” veiculada através do site store.sonyentertainmentnetwork.com (Cfr. documento junto aos autos com a queixa).

1.2.1. Das alegações publicitárias ou claims

É a seguinte, a alegação publicitária objeto da questão controvertida:

“OBTÉM UM CÓDIGO PROMOCIONAL DE 10€ POR CADA TRANSFERÊNCIA DE 50€”.

1.3. Das alegações das Partes

1.3.1. Das alegações da Requerente

Considera o Requerente, em sede de queixa que, a campanha publicitária ofende normativos éticos relativos ao cumprimento do princípio da veracidade em matéria de promoções de vendas, alegando, em síntese, que:

– (i) na publicidade não se “…menciona o facto de apenas as transferências feitas por paypal serem válidas para a obtenção do vale de 10€ (ver publicidade em anexo). Quando clicamos no banner vai para uma lista de produtos, não fornecendo mais informação sobre a promoção. Após ter feito a transferência por cartão de crédito, constato que não tenho direito à promoção.” (sic. ponto. 5 da queixa);

– (ii) “Contactei o apoio ao cliente da Sony (playstation) que (…) disse que tem logotipo do paypal no canto inferior esquerdo e isso é suficiente. Disse também que tem informação na loja online playstationstore (acedida diretamente na consola de videojogos playstation 3) quando isso não acontece. “ (sic. ponto 5 da queixa).

1.3.2. Das alegações da Requerida

Contraditando as alegações do Requerente, defende a Sony na sua contestação, que:

– (i) “…a promoção em causa obedeceu quer às regras a que está sujeita a publicidade, designadamente licitude, identificabilidade, veracidade e respeito pelos direitos do consumidor, quer os princípios previstos no Código de Conduta do ICAP em matéria de publicidade e outras formas de comunicação comercial.” (sic.);

– (ii) “Para o efeito, remetemos link com as informações legais respeitantes à promoção em causa que, certamente o consumidor se esqueceu de consular previamente, facto a que a nossa cliente é alheia.” (sic).

2. Enquadramento ético-legal

Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código de Conduta do ICAP, “Todas as comunicações comerciais devem ser legais, decentes, honestas e verdadeiras”.

Por seu turno, segundo a redação do artigo 5.º daquele Código, “A comunicação comercial deve respeitar os valores, direitos e princípios reconhecidos na Constituição e na restante legislação aplicável”.

De onde, à luz da queixa do Requerente, importa averiguar se a comunicação comercial em lide é de molde a ofender o princípio da veracidade em matéria de promoção de vendas (cfr. artigos 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e A2 do Código de Conduta do ICAP, 7.º, n.º 1, alínea d) e 9.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, relativo às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores).

Em conformidade, cumpre ao Júri atender não só ao disposto no artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do mesmo Código, sob a epígrafe “Veracidade”, como ao consignado no n.º 1, alínea d) do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março. Ora, segundo a mesma, “É enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que este não teria tomado de outro modo: “(…) a existência de uma vantagem específica relativamente ao preço; (d))”.

Por seu turno, de acordo com a redação do artigo 9.º, n.º 1, alíneas a) e b) daquele Decreto-lei, sob a epígrafe ”Omissões enganosas”, “Tendo em conta todas as suas características e circunstâncias e as limitações do meio de comunicação, é enganosa, e portanto conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que não teria tomado de outro modo, a prática comercial: a) Que omite uma informação com requisitos substanciais para uma decisão negocial esclarecida do consumidor; b) Em que o profissional oculte ou apresente de modo pouco claro, ininteligível ou tardio a informação referida na alínea anterior.” (negrito e sublinhado do JE).

Ora, de acordo com o n.º 3 do último preceito referido, “são considerados substanciais os requisitos de informação exigidos para as comunicações comerciais na legislação nacional decorrentes de regras comunitárias”, acrescentando-se no n.º 4 que “Para efeitos do número anterior, consideram-se, nomeadamente, os seguintes diplomas: a) Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de Abril, que aprova o regime jurídico relativo à obrigação de exibição dos preços dos bens ou serviços;” (negrito e sublinhado do Júri).

Acresce que, foi entendido quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matérias de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. actual n.º 3 do artigo 11.º) nos termos da qual se presumem como inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado dos artigos 5.º e 12.º do Código de Conduta do ICAP se encontram em consonância.

Em conformidade, analisada a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida, veiculada em suporte Internet, conclui o Júri que a mesma se encontra desconforme com os preceitos citados constituindo, assim, uma pratica de publicidade enganosa, porquanto:

– (i) O respetivo destinatário não é informado de que “OBTÉM UM CÓDIGO PROMOCIONAL DE 10€ POR CADA TRANSFERÊNCIA DE 50€”, apenas sob condição de possuir uma conta paypal;

– (ii) já que a alegada existência por parte da Sony de um link com tal informação – mas do qual não junta prova de acordo com o disposto nos artigos 5.º, 9.º e 12.º do Código de Conduta do ICAP, 11.º, n.º 3 do Código da Publicidade e 11.º do Regulamento do JE – mesmo a ter-se verificado, nunca teria tido o destaque exigível, designadamente – e sem excluir – nos termos do já citado artigo 9.º, n.º 1, alínea b) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março (cfr. cópia de publicidade junta à queixa pelo Requerente);

– (iii) De facto, ainda que se admitisse existir um disclaimer referente à necessidade de se possuir uma conta paypal noutro site e, ou, banner que não, o consultado pelo Requerente (cfr. documento junto à queixa) associado à alegação publicitária colocada em crise, o mesmo não seria apto a afastar o ilícito considerado, porquanto não se crê que – no que concerne ao espaço propiciado pela webpage store.sonyentertainmentnetwork.com – releve a norma excecional constante do artigo 9.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março;

– (iv) norma excecional essa, nos termos da qual, o legislador somente permite que informações essenciais relativas ao objecto da publicidade não constem claras e perceptíveis numa comunicação comercial, “Quando o meio de comunicação utilizado para a prática comercial impuser limitações de espaço ou de tempo”;

– (v) situação em que a omissão não será tida por enganosa, caso forem “…adoptadas quaisquer medidas (…) para disponibilizar a informação aos consumidores por outros meios”.

De onde, tratando-se aqui de uma promoção de vendas, o claim colocado em crise é igualmente desconforme com o disposto no artigo A2 do Código de Conduta do ICAP (Parte II. Comunicação Comercial, II Capítulo/Disposições Específicas), sob a epígrafe “Condições da oferta”, segundo o qual ”As promoções de vendas devem ser concebidas de forma a permitirem ao beneficiário identificar com clareza e facilidade as condições e termos da oferta (…).”

Pelo exposto, entende o JE que o claim “OBTÉM UM CÓDIGO PROMOCIONAL DE 10€ POR CADA TRANSFERÊNCIA DE 50€”, veiculado em suporte Internet, constitui uma prática de promoção de vendas enganosa.

3. Decisão

Termos em que a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da Sony, veiculada em suporte Internet, em apreciação no presente processo, se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4.º, n.º 1, 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 12.º e A2 do Código de Conduta do ICAP, bem como com o n.º 1, alínea d) do artigo 7.º e n.º 1, alíneas a) e b) do artigo 9,º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipos de ilícito apurado pelo JE.».

A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP

Auto Regulação2J / 2014 :: Pessoa Singular vs. Sony Computer Entertainment Portugal
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3J / 2014 :: Procter & Gamble vs. Unilever Jerónimo Martins

3J/2014

Procter & Gamble
vs.
Unilever Jerónimo Martins

 

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no vigésimo oitavo dia do mês de Março do ano de dois mil e catorze, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 3J/2014 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 3J/2014

1. Objecto dos autos

1.1. A PROCTER & GAMBLE PORTUGAL – PRODUTOS DE CONSUMO, HIGIENE E SAÚDE, SA, melhor identificada nos autos e doravante designada apenas por P&G ou QUEIXOSA, apresentou QUEIXA contra a UNILEVER JERÓNIMO MARTINS, LDA, também identificada nos autos e doravante designada apenas por UJM ou PARTICIPADA, em virtude de considerar que o conteúdo da campanha publicitária à marca “SKIP PEQUENO & PODEROSO” viola os artigos 5º, 9º, 10º e 12º do Código de Conduta do ICAP (CodCond), o disposto nos artigos 10º e 11º do Código da Publicidade (CodPub) e, ainda, as normas dos artigos 6º, alínea b) e 7º, nº 1, alínea b), do Regime Jurídico das Práticas Comerciais Desleais (RJPCD).

1.2. Notificada para o efeito, a UJM apresentou a sua Contestação, contraditando o teor da queixa.

1.3. Dão-se por reproduzidos a Queixa, a Contestação e os documentos apresentados pelas Partes.

2. Enquadramento e fundamentação ético-legal

2.1 Síntese da queixa

A QUEIXOSA considera que a campanha da UJM consistente em afirmar nos diversos suportes (televisivo, mupis e material de apoio à venda) que “o novo Skip Pequeno & Poderoso é o melhor detergente líquido no mercado!”, que tem os “melhores resultados com metade da dose”; e que é “melhor que todos os outros detergentes líquidos” é uma afirmação de inequívoca superioridade do produto comercializado pela UJM relativamente a todos os demais detergentes líquidos.

Para a P&G, tal afirmação de superioridade só poderia ter-se por ética e legalmente admissível se a UJM pudesse demonstrar validamente que o seu produto permite lavar a roupa melhor do que todos os outros detergentes líquidos comercializados em Portugal, isto de acordo com os artigos 12º do Código de Conduta e artigo 11º do Código da Publicidade.

A P&G apresenta relatórios técnicos que desmentem a superioridade do produto da UJM, concluindo que a campanha da UJM é falsa e enganosa.

Por outro lado, considera a P&G que o estudo da UJM assente na inquirição de consumidores dos produtos é inapto para demonstrar a superioridade do produto: esta não é comprovável através de depoimentos dos consumidores.

Conclui a P&G que a campanha viola os artigos 5º, 9º, 10º e 12º do Código de Conduta, o disposto nos artigos 10º e 11º do Código da Publicidade e, ainda, as normas dos artigos 6º, alínea b) e 7º, nº 1, alínea b), do RJPCD.

2.2 Síntese da contestação

A UJM, na sua defesa, começa por fazer um exercício de hermenêutica sobre o significado da expressão “o Melhor do Mercado”, concluindo que essa expressão significa “ o mais eficaz do mercado na remoção de nódoas”.

Com base nesse significado, a refuta os testes apresentados pela P&G e considera que a única maneira de demonstrar a superioridade do SKIP PEQUENO & PODEROSO é através do inquérito aos consumidores.

A P&G considera que fez esse estudo da opinião dos consumidores e que dá informação no seu claim de que a superioridade do produto advém dum inquérito de opinião aos consumidores.

Conclui a UJM que não existe qualquer violação das normas que regem a comunicação comercial, nem o Código de Conduta, nem o Código da Publicidade, nem o RJPCD.

2.3 Análise ético-publicitária

2.3.1. Quanto ao fundo da Queixa, analisados os seus termos e documentos e confrontados com a Contestação e seus documentos, verifica-se, em primeiro lugar, que não é possível ao ICAP, nem lhe cabe, aferir a validade dos estudos e testes técnicos e científicos que as partes apresentam para comprovar as suas campanhas.

Por isso, não se pode, perante os autos, afirmar com segurança que a campanha é falsa, enganosa, ou se, ao contrário, é verdadeira: as partes apresentam estudos e testes em ambos os sentidos.

Certo é que, no presente caso, a P&G apresentou testes que desmentem a afirmação da UJM segundo a qual o SKIP PEQUENO & PODEROSO É O MELHOR DETERGENTE LÍQUIDO NO MERCADO.

Por outro lado, a UJM apresentou testes que apenas indirectamente, por via da sua interpretação dos resultados, lhe permitiu concluir que o SKIP PEQUENO & PODEROSO É O MELHOR DETERGENTE LÍQUIDO NO MERCADO.

Mas para reforçar a sua conclusão, a UJM recorreu a testemunhos prestados em inquéritos de opinião.

Não há dúvidas que se está perante uma publicidade comparativa e, dentro desta, uma publicidade que consiste na afirmação de superioridade absoluta do produto anunciado sobre os demais existentes no mercado.

A publicidade comparativa é admitida mas tem de preencher determinados requisitos.

Um desses requisitos é que apenas podem ser comparadas objectivamente determinadas características dos produtos anunciados e sempre sujeitas a comprovação: alínea c) do nº 2 do artigo 15º do Código de Conduta e alínea c) do nº 2 do Código da Publicidade.

A comparação que a UJM faz não se limita a determinadas características do SKIP PEQUENO & PODEROSO face aos demais detergentes líquidos existentes no mercado.

A UJM afirma a superioridade absoluta do SKIP PEQUENO & PODEROSO face a todos os detergentes líquidos do mercado e fá-lo sem comprovação dessa superioridade absoluta. Assenta a sua afirmação num estudo de opinião, mas aqui vale a pena tirar ilações, quer do nº 2 do artigo 10º, quer do artigo 17º, ambos do Código de Conduta: em primeiro lugar, os resultados estatísticos não devem servir para sustentar mensagens exageradas; em segundo lugar, os depoimentos das testemunhas carecem de comprovação quando utilizados na publicidade.

Com as devidas adaptações, sem juízo subsuntivo, os inquéritos de opinião de seiscentas pessoas não são suficientes para sustentar uma publicidade comparativa em que se afirma a superioridade absoluta dum produto sobre os demais existentes no mercado e essas opiniões sempre estariam dependentes da comprovação dos seus teores.

Além do mais, um consumidor médio presta atenção ao claim de que o SKIP PEQUENO & PODEROSO É O MELHOR DETERGENTE LÍQUIDO NO MERCADO, não fazendo a análise da informação adicional de que essa afirmação provém dum inquérito à opinião dumas centenas de pessoas.

Em conclusão, a campanha publicitária da UJM, ao fazer a publicidade comparativa em termos de superioridade absoluta do SKIP PEQUENO&PODEROSO em relação aos demais produtos no mercado, sem comprovação dessa superioridade, apenas assente em testes contraditados e em opiniões de consumidores, viola os artigos 12º e 15º, nº 2, alínea c) do Código de Conduta e os artigos 10º e 16º, nº 2, alínea c) do Código da Publicidade.

3. Decisão

Pelos motivos expostos, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP delibera que a campanha de publicidade em apreço viola os artigos 12º e 15º, nº 2, alínea c) do Código de Conduta e os artigos 10º e 16º, nº 2, alínea c) do Código da Publicidade e deve cessar imediatamente em todos os seus suportes, não devendo ser reposta enquanto mantiver os vícios assinalados.

O Presidente da Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP

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1J / 2014 :: DECO vs. ZON TV CABO Portugal

1J/2014

Deco
vs.
ZON TV Cabo Portugal

 

EXTRACTO DE ACTA

 

Reunida no décimo primeiro dia do mês de Março do ano de dois mil e catorze, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 1J/2014 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 1J/2014

1. Objecto dos autos

1.1. A DECO – Associação Portuguesa para a Defesa do Consumidor (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por DECO ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a ZON TV CABO PORTUGAL, S.A. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por ZON ou Requerida), relativamente à comunicação comercial ao seu produto ZON Iris FIBRA 30, promovida pela última nos suportes Internet e outdoor, por alegada violação dos artigos 9.º, n.º 2, alínea c), A2 do Código de Conduta do ICAP, bem como dos artigos 5.º e 7.º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março.

Tendo sido notificada para o efeito, a ZON apresentou contestação.

Dão-se por reproduzidos, a queixa e os documentos juntos aos autos pela DECO e pela ZON.

1.2. Dos factos

A comunicação comercial da responsabilidade da Requerida colocada em crise e veiculada através dos suportes Internet e outdoor refere-se aos seus produtos ZON Iris FIBRA 30 (Cfr. ANEXO 2, 3 e 4 juntos aos autos com a queixa).

1.3. Das alegações publicitárias ou claims

São as seguintes, as alegações publicitárias objeto da questão controvertida “€24,99 mês, Tv+Net+Fixo” e “Preço promocional válido para novos clientes que adiram ao pacote FIBRA 30 promocional até 17/03/2014. Liga 16990”.

1.4. Das alegações da Requerente

Considera a DECO, em sede de queixa, que a campanha publicitária da responsabilidade da ZON ofende os normativos ético-legais em vigor relativos aos princípios da veracidade e da livre e leal concorrência, alegando, em síntese, que:

– (i) “O produto em causa encontra-se a ser publicitado a um preço mensal de € 24,99 (vinte e quatro euros e noventa e nove cêntimos) durante um período correspondente a seis meses, acrescendo, ainda uma informação que refere, e sic: preço promocional válido para novos clientes que adiram ao pacote FIBRA 30 promocional até 17/03/2014”. (sic. art.º 4.º);

– (ii) “Embora desconheça, ainda, a totalidade dos meios de comunicação utilizados, a DECO sabe que a referida campanha encontra-se a ser difundida através de outdoors publicitários, conforme documentos 3 e 4, intitulados ANEXO II que contêm duas imagens referentes às informações apresentadas através de suporte documental, constantes de vários locais exteriores, acessíveis a todos os consumidores, e que pode ainda ser visualizado no próprio sítio da internet da ZON – www.zon.pt” (sic. art.º 5º);

– “(iii)” Sucede, porém, que a comunicação comercial apresentada pela ZON nos respetivos outdoors publicitários, salvo melhor opinião, viola, claramente, um conjunto de regras legais, constituindo, mesmo, uma situação de publicidade enganosa e prática comercial desleal (sic. art.º 6.º)“;

– (iv) “Na referida campanha publicitária salienta-se que o valor promocional do produto corresponderá a € 24,99 (vinte e quatro euros e noventa e nove cêntimos), valor esse que será pago mensalmente durante um período de seis meses. (sic. art.º 7.º). e “No entanto, da referida campanha, não resulta qualquer informação sobre o valor que será cobrado após o decurso do período de seis meses, nem tão pouco se a adesão ao referido preço promocional implica a adesão a um período contratual mínimo.” (sic. art.º 8.º).

– (v) “Na verdade, somente após a consulta do sítio da Internet da empresa é possível verificar que, após o decurso deste período, a mensalidade do pacote passará a corresponder ao valor global de € 47,99 (quarenta e sete euros e noventa e nove cêntimos) respetivamente. Paralelamente, a adesão a este produto implica ainda um período contratual mínimo de 24 meses.” (sic. art.º 9.º);

– (vi) “Ora, para além da omissão do preço posterior ao período promocional, em momento algum, sobretudo na comunicação apresentada no respetivo outdoor, é referido que a sua adesão implica, também, um período de permanência mínimo de 24 meses, período esse que, naturalmente, abrangerá o novo valor a pagar após o decurso de seis meses, e que o consumidor desconhece.” (sic. art.º 10.º);

– (vii) “Tal significa que a forma como a informação comercial impede um consumidor informado, razoavelmente atento e advertido, de conhecer, não só o valor a pagar após o decurso do período promocional – que quase duplica – mas também que a respetiva adesão encontra-se sujeita a um período contratual mínimo de 24 meses.” (sic. art.º 11.º) e “Com efeito, as informações contidas apresentam-se como suscetíveis de induzir o consumidor em erro, conduzindo-o a contratar este serviço, desconhecendo informações essenciais do contrato, nomeadamente, o preço total e o tempo durante o qual se encontram vinculados ao contrato, decisão de contratação que este certamente não tomaria de outro modo.” (sic. art.º 12.º);

– (viii) “Nem tão pouco nos parece legalmente admissível que a expressão que surge em rodapé na comunicação, com o seguinte texto: Saiba mais em zon.pt constitua uma forma de garantir os deveres de informação a que a empresa sempre se encontrará adstrita, e impedir que a comunicação viole o princípio da veracidade, porquanto em momento algum se refere, visível e legivelmente, o valor do serviço após este período promocional e a existência de um período contratual mínimo” (sic. art.º 13.º);

1.5. Das alegações da Requerida

Considera a ZON, em sede de contestação, que a campanha publicitária da sua responsabilidade, “é verdadeira, não é enganosa ou susceptível de induzir em erro um consumidor médio, razoavelmente atento, advertido e informado, não há omissão de informação ao consumidor sem que este possa facilmente obter toda a informação adicional para uma decisão esclarecida”, alegando, em síntese, que:

– (i) (…) “importa ter em conta que, por natureza e sem que isso em si mesmo seja censurável, a publicidade é seletiva, no sentido de que realça os aspetos mais importantes do que se pretende comunicar (Ponto 5); “É o que sucede com a publicidade outdoor aqui em causa (Ponto 6); “Mas os suportes em causa, realçando embora o que é mais relevante para o fim pretendido, não só não apresentam informação não verdadeira ou enganosa como remetem o consumidor para informação adicional ao dizerem “Preço promocional válido para novos clientes que adiram ao pacote Fibra 30 promocional até 17/03/2014. Saiba mais em zon”.pt”.”. (sic. Ponto 7);

– (ii) “Não há qualquer omissão de informação relevante uma vez que as mensagens publicitárias em causa garantem, de forma clara, direta e expressa, que o destinatário não só é alertado para eventual informação adicional pertinente, como lhe é dada a possibilidade e disponibilizados os meios de acesso a informação adicional que pretenda obter sobre o produto em causa” (Ponto 8); “E essa informação está efetivamente disponível em vários meios e é facilmente acessível a um destinatário minimamente interessado e atento.”(Ponto 9); “As mensagens publicitárias contidas nos suportes publicitários em causa, constantes nos documentos juntos e que suportam a Queixa, são verdadeiras, correspondendo efetivamente ao que é oferecido ao consumidor” (Ponto 10); “Não existe qualquer falsidade no conteúdo efetivo dessas mensagens, o que, aliás, a Queixa não põe sequer – nem podia – em causa” (Ponto 11); “Não há, portanto, qualquer violação do princípio da veracidade, ao contrário do que parece pretender a DECO, nomeadamente nos artigos 13º e 17º da Queixa” (Ponto 12);

– (iii) “As mensagens publicitárias também não são enganosas. “Desde logo, porque e como bem refere a DECO no artigo 4º da Queixa, resulta claramente das mensagens em causa que “o produto em causa encontra-se a ser publicitado a um preço de €24,99 … durante um período correspondente a seis meses” ao que a cresce a informação de que se trata de “um preço promocional válido para novos clientes que adiram ao pacote FIBRA 30 promocional até 17/03/2014”. Essa constatação retira-se diretamente de qualquer um dos suportes publicitários juntos aos autos.Os preços e as condições promocionais estão claramente expressas como tal e são fácil e imediatamente perceptíveis como tal para qualquer destinatário das mensagens. (Pontos 13 a 16 da contestação);

– (iv) “É, assim, por demais claro para qualquer consumidor médio, informado, “razoavelmente atento e advertido” que o preço e as condições publicitadas são promocionais, durante seis meses e para novas adesões até 17/03/2014. Preço promocional significa para qualquer consumidor médio, mesmo que pouco ou até muito pouco informado ou advertido, um preço com especial vantagem durante um certo período de tempo, melhor que o preço normal, habitual. Também, nesta perspetiva, não se vê como podem as mensagens em causa ser consideradas enganadoras, susceptíveis de induzir em erro o consumidor razoavelmente informado. Qualquer consumidor médio percebe que, havendo um preço e condições promocionais, as condições normais serão diversas e, mesmo que a mensagem não contenha essa informação diretamente, tem a natural preocupação e interesse em as conhecer antes de tomar qualquer decisão. E as mensagens publicitárias em causa facultam essa informação ou a possibilidade de facilmente obter essa informação. (Pontos 17 a 21 da contestação);

– (v) “Sucede que, também em desabono da posição que a DECO sustenta na sua Queixa, os suportes publicitários em causa ou contém toda a informação adicional sobre preços e condições pós-promoção ou convidam o consumidor – já de si naturalmente levado a tanto pela própria natureza explícita promocional das condições publicitadas – a procurar informação adicional, ao remeter para “Saiba mais em zon.pt”.E, como reconhece a própria DECO na sua Queixa – artigo 9º. – a informação adicional pertinente está disponível no sítio da Internet da empresa onde “é possível verificar que, após o decurso deste período, a mensalidade do pacote passará a corresponder ao valor global de €47,99…” e que a “a adesão a este produto implica ainda um período contratual mínimo de 24 meses”. Ou seja, em “zon.pt”, página da ZON na internet para onde remete a mensagem publicitaria dos outdoors, estão disponíveis e facilmente acessíveis todas as informações adicionais necessárias, nomeadamente, a referência ao período de fidelização e ao preço pós-período promocional, permitindo ao consumidor uma decisão consciente e informada. (Pontos 22 a 24 da contestação);

– (vi) “Num contexto em que abundam no mercado ofertas concorrentes muitas vezes muito parecidas e em que a formação e a informação dos consumidores, a consciência dos seus direitos e a sua preocupação com o conhecimento das condições de cada produto para uma adesão consciente são, reconhecidamente, maiores, não pode pretender-se que os consumidores que aderem a este tipo de produtos por mero impulso e com base apenas em alguma da informação mais relevante contida nas mensagens publicitárias. Por isso, o consumidor recorre à informação adicional que lhe é disponibilizada e para a qual é remetido. No caso concreto da publicidade aqui em causa e como, aliás, resulta da Queixa, o consumidor é convidado a obter informação adicional, a “saber mais”, nomeadamente através da página de internet “zon.pt”, como a própria Queixosa reconhece. E não é só na referida página que pode obter informação adicional. Tal informação, clara, completa e objetiva, encontra-se disponível nas lojas ZON e em inúmeros outros suportes utilizados para divulgar a oferta comercial em causa, nomeadamente em folhetos como o que se junta em anexo, do qual a ZON produziu alguns milhões que distribuiu e estão disponíveis na sua rede de lojas e agentes. – Doc. 1” (Pontos 25 a 29 da contestação).

2. Enquadramento ético-legal

De onde, à luz da queixa da DECO, importa averiguar se a comunicação comercial em lide:

– é de molde a ofender o princípio da veracidade (cfr. artigos 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), A2 e C2 do Código de Conduta do ICAP, 7.º, n.º 1, alínea d) e 9.º, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, relativo às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores);

– se encontra desconforme com o princípio da leal concorrência (cfr. artigo 4.º, n.º 2 do Código de Conduta do ICAP, bem como 5.º, n.º 1 e 6.º, alínea b) do Decreto-lei n.º 57/2008 de 26 de Março).

2.1. Das alegadas práticas de publicidade enganosa e comercial desleal desconforme com o princípio da livre e leal concorrência

2.1.1. Da comunicação veiculada em suporte Internet

Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código de Conduta do ICAP, “Todas as comunicações comerciais devem ser legais, decentes, honestas e verdadeiras”, acrescentando-se no respectivo n.º 2 que, as mesmas “…devem ser concebidas com o sentido de responsabilidade social e profissional e devem ser conformes aos princípios da leal concorrência, tal como estes são comummente aceites em assuntos de âmbito comercial.”

Em conformidade, cumpre ao Júri atender não só ao disposto n artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do mesmo Código, sob a epígrafe “Veracidade”, como ao consignado no n.º 1, alínea d) do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março. Ora, segundo a mesma, “É enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente correctas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que este não teria tomado de outro modo: “…O preço, a forma de cálculo do preço ou a existência de uma vantagem específica relativamente ao preço; (d))”.

Por seu turno, de acordo com a redacção do artigo 9.º, n.º 1, alíneas a) e b), sob a epígrafe ”Omissões enganosas”, “Tendo em conta todas as suas características e circunstâncias e as limitações do meio de comunicação, é enganosa e, portanto, conduz ou é susceptível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transacção que não teria tomado de outro modo, a prática comercial: a) Que omite uma informação com requisitos substanciais para uma decisão negocial esclarecida do consumidor; b) Em que o profissional oculte ou apresente de modo pouco claro, ininteligível ou tardio a informação referida na alínea anterior.”.

Acresce que, de acordo com o n.º 3 do último preceito referido, “são considerados substanciais os requisitos de informação exigidos para as comunicações comerciais na legislação nacional decorrentes de regras comunitárias”, acrescentando-se no n.º 4 que “Para efeitos do número anterior, consideram-se, nomeadamente, os seguintes diplomas: a) Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de Abril, que aprova o regime jurídico relativo à obrigação de exibição dos preços dos bens ou serviços;”.

Analisada a comunicação comercial da responsabilidade da ZON veiculada em suporte Internet, conclui o Júri que a mesma não se encontra desconforme com nenhum dos preceitos citados, não constituindo, assim, uma pratica de publicidade enganosa ou ofensiva do princípio da livre e leal concorrência, porquanto, em conformidade com o ANEXO I junto aos autos com a queixa, o respectivo destinatário é informado de que:

– (i) O produto ZON Iris FIBRA 30 está sujeito a um preço mensal de € 24,99 (vinte e quatro euros e noventa e nove cêntimos);

– (ii) Tal preço constitui uma promoção que vigorará durante seis meses, no caso do pacote ZON Iris FIBRA 30” (Doc. 2 junto à queixa);

– (iii) Após tal período, os pagamentos mensais daquele pacote passarão a corresponder aos valores de € 47,99 (quarenta e sete euros e noventa e nove cêntimos) para o Fibra 30 Promo (ou seja, promocional);

– (iv) O preço promocional de 24,99 (vinte e quatro euros e noventa e nove cêntimos) implica um total de vinte e quatro meses de período mínimo contratual”.

Daqui se retira que, ao contrário do que é alegado pela queixosa DECO em sede da sua petição – os claims “€24,99 mês, Tv+Net+Fixo” e “Preço promocional válido para novos clientes que adiram ao pacote FIBRA 30 promocional até 17/03/2014. Liga 16990”, veiculados em suporte Internet não se encontram igualmente em desconformidade com o disposto nos artigos A2 do Código de Conduta do ICAP (Parte II. Comunicação Comercial, II Capítulo/Disposições Específicas) não constituindo, assim, uma prática comercial desleal à luz dos artigos 5.º, n.º 1 e 6.º, alínea b), do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março.

2.1.2. Da comunicação comercial veiculada através de outdoor

Já, todavia, tal não sucede no que diz respeito à comunicação comercial da responsabilidade da Requerida veiculada no suporte outdoor.

Levados em linha de conta os argumentos esgrimidos pela queixosa e feita a análise dos documentos juntos à mesma, entende o Júri que assiste razão à Requerente quanto à verificação de uma prática de publicidade enganosa relativa ao preço a ser efectivamente pago pelo consumidor.

E isto porque, no que se refere à comunicação comercial veiculada através de outdoor, o disclaimer relativo à duração do preço promocional é, na realidade, totalmente ilegível dada a reduzidíssima dimensão da letra em que é publicado e, também, o local na mensagem publicitária onde o mesmo é inserto.

Recorde-se que o Júri de Ética, no âmbito da sua 2ª secção, já havia por mais do que uma vez referido (Veja-se o entendimento do JE em decisão no processo n.º 6J/2003), que: “a remissão de informações relevantes para notas de dimensões reduzidas (…) só pode ter por efeito (senão também por objectivo) desviar a atenção do leitor do que na referida nota se afirma, numa clara demonstração de “respeito” meramente formal pela ética e pela lei mas de desrespeito substancial pelos ditames de uma e da outra”;

Acresce que, para além desta situação de omissão enganosa de um elemento essencial da mensagem – que a Requerida estaria obrigada a fornecer ao destinatário da mesma, se verifica igualmente a existência de publicidade enganosa na comunicação de outdoor, por omissão dos seguintes dados de informação considerados essenciais para o cálculo do preço a pagar em vinte e quatro meses de permanência contratual obrigatória:

– (i) Após o período promocional de seis meses, os pagamentos mensais daquele pacote passarão a corresponder aos valores de € 47,99 (quarenta e sete euros e noventa e nove cêntimos);

– (ii) O preço promocional de 24,99 (vinte e quatro euros e noventa e nove cêntimos) implica um total de vinte e quatro meses de período mínimo contratual”.

Tal sucede já que é entendimento do Júri que, ainda que seja legível o disclaimer “Liga 16990” – associado às alegações publicitárias colocadas em crise -, o mesmo não se deve considerar, todavia, como estando apto a afastar o ilícito considerado, porquanto não se crê que, no que concerne ao espaço propiciado pelo suporte em apreço, releve a norma excepcional constante do artigo 9.º, n.º 2 do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março.

Com efeito, pelas razões que ficaram enunciadas, o legislador somente permite que informações essenciais relativas ao objecto da publicidade – como é o caso dos respectivos preços – não constem claras e perceptíveis numa comunicação comercial, “Quando o meio de comunicação utilizado para a prática comercial impuser limitações de espaço ou de tempo”, o que, de todo se passa no caso ora em análise no que ao outdoor diz respeito, existindo na realidade espaço mais do que suficiente para as mesmas pudessem ser inseridas.

Acresce que, tratando-se de uma promoção de vendas, deve-se ainda atender ao disposto no artigo A2 do Código de Conduta do ICAP (Parte II. Comunicação Comercial, II Capítulo/Disposições Específicas), o qual, debaixo da epígrafe “Condições da oferta”, estipula que: ”As promoções de vendas devem ser concebidas de forma a permitirem ao beneficiário identificar com clareza e facilidade as condições e termos da oferta. Deve ter-se o cuidado de evitar atribuir um valor exagerado ao benefício adicional, assim como também não se deve encobrir ou dissimular o preço do produto principal.”

Nestes termos, entende este Júri que os claims “€24,99 mês, Tv+Net+Fixo durante 6 meses” e “Preço promocional válido para novos clientes que adiram ao pacote Fibra 30 promocional até 17/03/2014. Saiba mais em Zon.pt”, veiculados no suporte outdoor, constituem uma prática de publicidade e de promoção de vendas enganosa por desconformidade com o disposto nos artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e A2 do Código de Conduta do ICAP, bem como com o n.º 1, alínea d) do artigo 7.º e n.º 1, alíneas a) e b) do artigo 9,º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março.

Considera este Júri, de igual forma, que a comunicação comercial veiculada no suporte outdoor, para além de enganosa, consubstancia uma prática comercial desleal em especial, atento o disposto no artigo 4.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Conduta do ICAP conjugado com o artigo 6.º, alínea b), do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março. Com efeito, nos termos deste último, “São desleais em especial (…) As práticas comerciais enganosas e as práticas comerciais agressivas referidas nos artigos 7.º, 9.º e 11.º.”

3. Decisão

Termos em que a 1ª Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da ZON veiculada no suporte outdoor, em apreciação no presente processo, se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) e A2 do Código de Conduta do ICAP, bem como com o n.º 1, alínea d) do artigo 7.º e n.º 1, alíneas a) e b) do artigo 9,º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipos de ilícito apurado pelo JE.».

O Presidente da Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP

Auto Regulação1J / 2014 :: DECO vs. ZON TV CABO Portugal
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