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7J / 2016 :: Beiersdorf Portuguesa vs. L´óreal Portugal

7J/2016

Beiersdorf Portuguesa
vs.
L’óreal Portugal

 

EXTRACTO DE ACTA

 

Reunida no décimo sétimo dia do mês de Junho do ano de dois mil e dezasseis, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 7J/2016 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 7J/2016

1.   Objeto dos Autos 

1.1.   A BEIERSDORF PORTUGUESA, LDA., adiante designada por Requerente, veio apresentar queixa junto do Júri de Ética (JE) Publicitária do ICAP contra a L’OREAL PORTUGAL UNIPESSOAL, LDA., adiante designada por Requerida, relativamente às menções publicitárias inscritas nas embalagens dos produtos (i) GARNIER AMBRE SOLAIRE SENSITIVE ADVANCED SPF50+ Crianças (leite); (ii) GARNIER AMBRE SOLAIRE SENTITIVE ADVANCED SPF50+ Rosto e Decote (creme); (iii) GARNIER AMBRE SOLAIRE SENTITIVE ADVANCED SPF50+ Formato Familiar (spray); e (iv) GARNIER AMBRE SOLAIRE SENTITIVE ADVANCED SPF50+ Crianças (spray), e menções publicitárias relativas aos mesmos constantes do site www.garnier.pt.

1.2.   As menções publicitárias objeto da queixa são as seguintes:
(i)   “No rótulo frontal dos recipientes é visível um desenho publicitando as principais características dos Produtos: “Protecção MUITO ALTA 50+ FPS”, “UVA + UVB”, “UVA LONGOS” e “INFRAVERMELHOS*”(ii)   No rótulo traseiro da embalagem dos Produtos encontramos a descrição dos mesmos, e da sua “fórmula inovadora” e protectora contra os raios UVB, UVA “mesmo os longos” e Infravermelhos: «Creme protetor contra os UVA, UVB e infravermelhos*•   Pela primeira vez, Ambre Solaire oferece uma proteção global contra os UVB, os UVA mesmo os longos e os infravermelhos*Porquê a proteção contra os infravermelhos?Os infravermelhos representam mais de um terço dos raios solares e podem penetrar mais profundamente na pele do que os raios UV. O conjunto destes raios invisíveis pode causar danos cutâneos duradouros.”

1.3.   Alega a Requerente que “As supra mencionadas mensagens publicitárias são apresentadas de forma tal, que (…), induzem o Consumidor Médio em erro, porquanto o mesmo ao olhar para a embalagem, pensará que os Produtos oferecem protecção de factor FPS 50+ não só contra raios UVB, mas também contra raios UVA (incluindo UVA “longos”) e contra raios Infravermelhos.”.

1.4.   Que quanto aos UVA longos a “alegação é enganadora, porquanto, os raios UVA, ao contrário dos raios UVB, já são por natureza raios longos. Desta forma, está-se a atribuir importância a uma característica e protecção que qualquer outro protector solar já terá”, donde, entende a Requerente que a claim “levará o Consumidor Médio a entender que os raios UVA “longos” são um factor de risco adicional e particular relativamente aos restantes raios UVA (todos por natureza longos) e aos raios UVB.”.

1.5.   Quanto à menção aos raios infravermelhos, a Requerente entende que “as declarações constantes da parte traseira das embalagens, destinam-se a influenciar a escolha do Consumidor ao comprar um protector solar, através do medo, porquanto o mesmo vai pensar que os Produtos da Denunciada são inovadores e os únicos que lhe garantem uma protecção completa e total contra todo o tipo de radiação solar (Veja-se no rótulo frontal a palavra “Inovação” e no rótulo traseiro a descrição “Pela primeira vez […] UVA mesmo os longos e os infravermelhos” – sendo dada enfase a estes dois tipos de raios) e que os mesmos evitam os efeitos nocivos de tais raios, como a Denunciada faz questão de lembrar aos consumidores ao descrever os raios infravermelhos da seguinte forma: “podem penetrar mais profundamente na pele que os raios UV. […] pode causar danos cutâneos duradouros”.

1.6.   A Requerente indica ainda que “O verso de algumas embalagens remetem ainda o Consumidor para o site www.garnier.pt, no qual no separador “Protecção Solar”, sub-separador “Factor de Protecção”, poderá clicar-se sobre o link “FPS 50/FPS 50+”, sendo direccionado para uma página dedicada aos Produtos em apreço”, onde constam as menções publicitárias “Protecção muito alta reforçada contra os UVB, os UVA mesmo os Longos e os Infravermelhos”.

1.7.   Conclui no sentido de considerar que as claims levam “o Consumidor Médio a acreditar que os Produtos conferem uma protecção 50+ contra raios UVB, UVA mesmo “longos” e Infravermelhos. No entanto, (…):
a)   não há protecção 50+ contra raios UVA (neste tipo de Produtos a protecção será sempre de 1/3  do factor de Protecção 50+);b)   nem contra raios Infravermelhos (não existe protecção contra este tipo de raios apenas é possível um aligeiramento dos seus efeitos e a medida de tal protecção é desconhecida).”

1.8.   A Requerente, sustentada no argumento que a Requerida irá lançar uma campanha publicitária em breve, requer que seja ordenada A) “a imediata cessação, por parte da Denunciada, das comunicações comerciais enganosas a relativamente aos Produtos, independentemente do respectivo suporte ou meio”; B) “(…) a abstenção da adopção de tais comportamentos no futuro (…) seja em que produtos for e por que via for”; C) a cessação imediata todas as comunicações que tenha em curso ou futuras alegando tal performance dos Produtos, designadamente eventuais campanhas publicitárias televisivas que se encontrem ou não em execução”; e D) “a imediata retirada do mercado de todas as referências consideradas enganosas, expositores e embalagens já em processo de comercialização”.

1.9.   Notificada para o efeito a Requerida apresentou contestação fora do prazo previsto no n.º 1 do art.º 10.º do Regulamento do JE do ICAP.

1.10.   Dão-se por reproduzidos a queixa e os documentos juntos aos autos pela Requerente.

2.   Enquadramento ético-legal

2.1.   Questões prévias

2.1.1.   Tendo a contestação da Requerida sido entregue fora do prazo previsto no n.º 1 do art.º 10.º do Regulamento do JE, deram igualmente entrada no ICAP dois requerimentos subscritos pela Requerida, respetivamente, em 06/06 e 07/06/2016, quanto à extemporaneidade da contestação, cumprindo apreciar a irregularidade processual neles suscitada antes de se passar à apreciação do mérito da causa.

2.1.1.1.   Síntese da tramitação do processo

O processo foi iniciado no seguimento da apresentação pela BEIERSDORF PORTUGUESA, Lda. de uma queixa contra a L’ORÉAL PORTUGAL UNIPESSOAL, Lda., ao abrigo do disposto no art.º 1.º e 10.º do Regulamento do JE do ICAP, recebida em 25/05/2016.

No mesmo dia, foi a queixa remetida à Requerida, em cumprimento do disposto no art.º 11.º do mesmo Regulamento, procedendo-se à notificação desta por carta registada com aviso de receção dirigida à sua sede social.

Examinado o aviso de receção conclui-se ter sido o mesmo recebido pela Requerida no dia 27/05/2016, encontrando-se não apenas assinado mas também aposto o carimbo desta.

Nos termos do art.º 11.º do Regulamento do JE, a Requerida considera-se notificada, contando-se o prazo para a apresentação da defesa, sob a forma de contestação, a partir do dia 28/05/2016, inclusive. Sendo este prazo de 5 dias úteis, conforme o mesmo artigo, o seu termo ocorreu no dia 03/06/2016.

A Requerida veio a apresentar a sua contestação à queixa em 06/06/2016.
Com a apresentação da contestação a Requerida apresentou, ainda Requerimento onde os mesmos factos são confessados:

•   “A ora Requerente foi notificada para apresentar Contestação à Queixa apresentada pela Beiersdorf Portuguesa, Lda. no dia 27.05.2016 por meio de carta registada com Aviso de Receção.”•   “O aviso de receção foi dirigido e assinado pelo Conselho de Administração da Denunciada no dia 27.05.2016 (sexta-feira).”•   “Sucedeu que, erradamente, foi comunicado ao departamento jurídico da Denunciada, que a citação e assinatura do aviso de receção teria ocorrido apenas no dia 30.05.2016, tendo por lapso, não sido guardado o envelope.”

Sendo solicitado que:

•   “(…) face ao lapso ocorrido, de que a Denunciada se penitencia, mas que não foi intencional, associado à grande complexidade da Queixa e Defesa apresentada no presente processo, requer-se que seja relevado tal lapso, de forma a cumprir os desígnios da descoberta da verdade e do respeito pelo princípio do contraditório, sendo que, quanto a este último ponto, sempre se dirá que a elaboração da Contestação num prazo de 5 dias úteis, é manifestamente inferior ao tempo que, seguramente, teve a Queixosa para estudar, preparar e elaborar a Queixa”; e que•   “(…) seja julgado justificado o atraso na apresentação da Contestação, sendo admitida a contestação e considerada a mesma na apreciação dos fundamentos da Queixa em apreço.”

No dia 07/06/2016 a Requerida vem apresentar novo Requerimento, com pretensão similar e a seguinte argumentação:

•   “(…) o oficio de notificação da Queixa, enviado por este ICAP, através do registo postal nº RD664721568PT, dirigido à Administração da Denunciada, foi recebido efetivamente no dia 27/05/2016”•   “Tal ofício postal, não obstante dirigido à Administração da L’Oréal Portugal, foi recebido pela Senhora Andreia Flores, como resulta do registo constante do sítio de internet dos CTT.”

•   “Tal Senhora é empregada da empresa Via Direta, SA, que é uma empresa que presta serviços no mesmo edifício onde se encontra a sede da Denunciada L’Oréal Portugal, Lda.”•   “Essa Senhora, tem por funções levantar, em nome da L’Oréal Portugal o correio nos CTT mas, não sendo funcionária nem empregada da Denunciada, não está autorizada a receber correspondência registada com aviso de recepção, nem a assinar o registo postal de cartas registadas com Aviso de Receção dirigidas à Administração da L’Oréal Portugal.”

•   “(…) a referida Senhora deixou a correspondência proveniente do ICAP no secretariado da Administração da Denunciada, o qual só tomou conhecimento do mesmo no dia 30/05/2016 (segunda feira)” (…) motivos, que se entendem justificar o “aparente” atraso na apresentação da Contestação.”

Termina requerendo que seja admitida “a junção da Contestação da Denunciada apresentada nos presentes autos e julgado justificado o aparente atraso verificado, considerando que se apurou e fica demonstrado pelos documentos em anexo, que o ofício de notificação da queixa foi recebido por um terceiro, que não é legal representante, nem empregado da L’Oréal Portugal (não tendo existido lapso ou atraso da Denunciada, na resposta a este procedimento de extrema importância para a Denunciada).”.

Ora, não restam dúvidas quanto à data em que a Requerida se deverá considerar notificada – 27/05/2016 -, contando-se o prazo para a apresentação da defesa, sob a forma de contestação, a partir do dia 28/05/2016, inclusive. Sendo este prazo de 5 dias úteis, conforme art.º 11.º do Regulamento do Júri de Ética (JE), o seu termo ocorreu no dia 03/06/2016.

Estando verificada a regularidade da notificação, que foi efetuada no estrito cumprimento das formalidades previstas, não padecendo de qualquer vício, entende-se que não são invocados quaisquer argumentos de força maior que possam resultar num impedimento atendível para o facto de não ser cumprido o prazo para a apresentação de contestação, motivo pelo qual se deve considerar a contestação não recebida, aplicando-se a cominação expressamente prevista no citado Regulamento, i.e., “não serem consideradas pelo JE”.

Refira-se que tem sido esta a posição unânime do JE em situações idênticas, conforme, a título indicativo, as deliberações do JE no Processo n.º 28J/2009 ou no Processo n.º 15J/2011, ou a deliberação da Comissão de Apelo, em recurso sobre a mesma matéria, proferida no âmbito do Processo n.º 2J/2015.

Note-se, ainda, que, referindo-se a queixa apresentada a publicidade emitida pela Requerida, o Código de Conduta do ICAP estabelece, no art.º 12.º, que “As descrições, alegações ou ilustrações relativas a factos verificáveis de uma Comunicação Comercial, devem ser suscetíveis de comprovação” e que “Esta comprovação deve estar disponível de maneira que a prova possa ser prontamente apresentada por mera solicitação do ICAP.”.

Com efeito, o ICAP é um meio alternativo de resolução de litígios cuja eficácia é indissociável da celeridade que impõe. Para além de maior adequação à realidade comercial, uma das características essenciais deste procedimento de resolução de queixas é a celeridade imposta à decisão, o que é demonstrado, igualmente, pela curta duração de outros prazos no âmbito do procedimento, como o prazo estabelecido para a deliberação do JE. Assim, e tal como noutros sistemas similares, o fim último do mecanismo de resolução promovido pelo ICAP é a rapidez e a eficiência, sendo todo o processo conformado de forma a prevenir uma dilação temporal da decisão. Esta é a justificação para o prazo estabelecido.

Por requerimento apresentado em 07/06/2016, entendeu a Requerida invocar a invalidade da notificação efetuada, fundamentando a pretensão no facto de o aviso postal não ter sido assinado pelos Gerentes / Administradores da Requerida, mas sim por pessoa que não é funcionária da mesma. Ora, esta pretensão não pode ser atendida.

Com efeito, quanto a este ponto, dever-se-á notar que, não obstante o Regulamento do JE não acarretar uma aplicação analógica ou sequer subsidiária das normas concretas que regem o processo civil, mesmo seguindo o regime por este disposto, geralmente admitido noutras sedes, não se pode deixar de observar que no caso de notificação de pessoa coletiva, a norma do Código de Processo Civil é clara no sentido de que a notificação deve ser feita por carta registada com aviso de receção, expedida para a sede da notificanda. O aviso está não apenas assinado por pessoa que se poderá presumir seu empregado ou a seu serviço como tem aposto o carimbo da notificanda, não podendo deixar de se relevar este facto, motivo pelo qual a notificação, mesmo ao abrigo das normas processuais civis, se deve considerar regularmente efetuada.
A notificação foi endereçada à sede da Requerida, assinada por pessoa que se disponibilizou a entregar a comunicação e cujo aviso postal recebeu, ademais, carimbo da Requerida, não podendo, assim, ser alegada a irregularidade da notificação ou o seu desconhecimento. Além disso, note-se que, mesmo que tivesse sido recusada a assinatura do aviso postal, a notificação considerar-se-ia igualmente efetuada naquele dia 25/05/2016, por aplicação do disposto no n.º 3 do art.º 246.º do Código de Processo Civil.

Resta referir, por último, que o Regulamento do Serviço Público de Correios, com relevância os art.ºs 28.º e 30.º, quanto à modalidade de aviso de receção, não exige que a entrega da carta registada seja em mão ao próprio destinatário. Deste modo, uma carta registada com aviso de receção pode ser entregue a pessoa que se encontre na morada do destinatário. A Requerida não tem razão quando entende que a notificação devia ser feita pessoalmente ao administrador ou gerente. Basta a assinatura do aviso de receção, no caso acrescida do carimbo da Requerida.

Assim, nada do alegado influi na questão controvertida considerando-se a notificação validamente realizada porque recebida na sede da Requerida, tendo sido assinada por pessoa que se disponibilizou a efetuar a entrega e que estava na posse do carimbo da Requerida, tendo aposto o mesmo sobre o aviso postal, elemento que se considera suficiente para a comprovação da efetiva realização da notificação.

Refira-se, ainda, que não existiu no presente caso qualquer violação do princípio do contraditório, mas antes o não exercício do direito de contestar, conhecido da Requerida. Não obstante, sempre se dirá a este propósito que, nos termos do art.º 12.º do Regulamento do JE, é admitida alguma discricionariedade ao JE, que poderá, a qualquer momento, e para esclarecimento das questões a decidir, solicitar quaisquer outras diligências, nomeadamente, recorrendo às “partes, devendo a sua deliberação ser tomada com base no Código de Conduta do ICAP, sem prejuízo de o JE poder basear-se em quaisquer outras fontes que entenda”. É assim, por via deste mecanismo, que a flexibilidade processual é admitida, sendo esta uma decisão que compete única e exclusivamente ao JE no âmbito da discricionariedade que lhe é permitida e que tal não significa que a contestação seja aceite.

Em conclusão,
Considera-se que a Requerida foi devidamente notificada e que a apresentação da contestação é extemporânea nos termos do art.º 11.º do Regulamento do JE, motivo pelo qual se considera a mesma não recebida, seguindo, neste particular, a jurisprudência dominante das Secções, indeferindo-se assim os Pedidos da Requerida nos Requerimentos apresentados em 06/06/2016 e 07/06/2016.

2.2.   Análise ético-legal

O art.º 9.º do Código de Conduta do ICAP estabelece que a comunicação comercial deve ser “verdadeira e não enganosa”, proscrevendo como enganosa qualquer declaração ou alegação que seja de natureza a, direta ou indiretamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir ou ser suscetível de induzir, em erro o consumidor, designadamente no que respeita a características essenciais do Produto ou que sejam determinantes para influenciar a escolha do consumidor.

As alegações e a publicidade aos produtos, bem como outras formas de comunicação comercial, são instrumentos essenciais para transmitir aos consumidores as características e qualidades de produtos, promover a comparabilidade e uma escolha informada por parte do consumidor quanto ao produto que melhor corresponde às suas necessidades e expetativas. Quanto às alegações relativas a produtos cosméticos, em especial, a legislação, nacional e comunitária, tem vindo a defender a necessidade das alegações adotarem critérios comuns que garantam um elevado nível de proteção dos utilizadores finais, prevenindo em especial as alegações enganosas.

Esta necessidade é justificada face à grande diversidade de alegações relacionadas com a função, o conteúdo e os efeitos com que os consumidores são confrontados neste tipo de produtos e a grande relevância dos mesmos para os consumidores.

Posto isto, os protetores solares, objeto da Queixa, são produtos cosméticos, na aceção do art.º 2.º do Regulamento 1223/2009, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009 – já o eram face à Diretiva 76/768/CEE do Conselho, de 27 de julho de 1976, respeitante à aproximação das legislações dos Estados-Membros relativas aos produtos cosméticos -, devendo por isso conformar-se aos princípios enunciados na regulamentação destes produtos.

Era já patente na agora revogada Diretiva 76/768/CEE a preocupação pela simplicidade e clareza da reivindicação de propriedades e eficácia dos protetores solares, motivada por um intuito de proteção de saúde pública e de escolha informada do consumidor. É uma tendência que se mantém, sendo dada uma especial importância à comunicação de uma ideia errada sobre as caraterísticas dos protetores solares.

Com efeito, já os considerandos 18 a 20 da Recomendação da Comissão de 22 de setembro de 2006 relativa à eficácia e às propriedades reivindicadas dos protetores solares referiam que “As reivindicações respeitantes à eficácia dos protetores solares devem ser simples, significativas e baseadas em critérios idênticos, para ajudarem o consumidor a comparar produtos e a escolher o produto certo para uma determinada exposição e um dado tipo de pele”. Era expressa, em especial, a necessidade de “uniformizar as reivindicações relativas à proteção UVA, a fim de facilitar a escolha, pelo consumidor, de um produto que proteja contra as radiações UVB e UVA”, atenta a “existência de uma grande variedade de números utilizados nos rótulos para indicar o fator de proteção solar” o que “não contribui para o objetivo de apresentar reivindicações quanto às propriedades que sejam simples e significativas. O aumento da proteção de um número para o seguinte é negligenciável, especialmente na gama alta. (…) Logo, a gama de fatores de proteção solar rotulados pode tornar-se menor sem reduzir a escolha de diferentes potências para o consumidor.” Conclui-se, no considerando 21, que “A rotulagem com uma de quatro categorias («baixa», «média», «elevada» e «muito elevada») permite uma indicação mais simples e mais significativa da eficácia dos protetores que uma grande variedade de números”. Retira-se, assim, que a alegação quanto ao fator de proteção solar deve ser clara devendo ser omitidas todas as indicações que possam ser supérfluas ou tornar a comparabilidade confusa.

Neste seguimento, a Recomendação da Comissão estabelece, na seção terceira, sob a epígrafe «Eficácia mínima» que os protetores devem assegurar uma proteção mínima contra radiações UVB e UVA, devendo o grau de proteção ser medido recorrendo a métodos de ensaio normalizados e reprodutíveis. Os graus de proteção contra a radiação UVB são aferidos por aplicação método de ensaio de proteção solar internacional (2006), vulgarmente conhecido por FPS, devendo a proteção contra radiação UVA ser no mínimo de 1/3 do FPS alegado.

Na secção quarta é reforçado que “As reivindicações que indicam a eficácia dos protetores solares devem ser simples, inequívocas e significativas e assentar em critérios normalizados e reprodutíveis” e que “A variedade de números usados nos rótulos para indicar os fatores de proteção solar deve ser restringida com vista a facilitar a comparação entre diferentes produtos, sem reduzir o leque de opções do consumidor”.

Também o Regulamento n.º 1223/2009, no seu considerando 51, estabelece que “O consumidor deverá ser protegido contra alegações enganosas em relação à eficácia e a outras características dos produtos cosméticos”, indicando que esta aferição deverá ser feita por aplicação da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores. O considerando refere ainda a necessidade do estabelecimento de critérios comuns relativos às alegações específicas para os produtos cosméticos.

No artigo 20.º, este Regulamento estabelece que “Na rotulagem, na disponibilização no mercado e na publicidade dos produtos cosméticos, o texto, as denominações, marcas, imagens ou outros sinais, figurativos ou não, não podem ser utilizados para atribuir a esses produtos características ou funções que não possuem.”.

Também aqui uma vez mais se refere à necessidade de fixação de critérios comuns às alegações, por associação ao regime instituído pela Diretiva 2005/29/CE, relativa às práticas comerciais desleais, a que se refere o considerando 51 já mencionado.

No seguimento deste Regulamento é aprovado o Regulamento n.º 655/2013, que vem fixar alguns critérios comuns para justificação das alegações relativas a produtos cosméticos, na mesma linha do já referido, com base nos princípios da conformidade legal, veracidade, comprovação, honestidade, imparcialidade e decisão informada.

A legislação nacional reguladora deste tipo de produtos, o Decreto-Lei n.º 189/2008, de 24 de setembro, que estabelece o regime jurídico dos produtos cosméticos e de higiene corporal, carateriza a «menção publicitária» como “toda a afirmação ou informação que tenha por objeto ou por efeito dirigir a atenção do consumidor para um produto cosmético com o fim de promover a sua aquisição”, referindo no art.º 11.º, sob a epígrafe «Princípio da verdade» que “A rotulagem, a apresentação, os impressos e os folhetos respeitantes aos produtos cosméticos, bem como o texto, as denominações de venda, marcas, imagens ou outros sinais, figurativos ou não, e as menções publicitárias não devem ser suscetíveis de induzir o consumidor em erro sobre as suas características ou ser utilizados para atribuir qualidades ou propriedades que não possuem (…)”. Quanto à rotulagem, menções ou idioma utilizados, manda o diploma aplicar-se à publicidade de produtos cosméticos o disposto no Código da Publicidade, conforme seu art.º 12.º.

Atentando nos claims em análise, em particular no que se refere à eficácia do produto, é relevante a imagem aposta no rótulo frontal da embalagem composta por uma bola alusiva ao sol, com a inscrição do fator de proteção solar, da qual saem setas largas com as menções “UVA + UVB”, “UVA LONGOS” e “INFRAVERMELHOS*”.

Concorda-se, assim, com a Requerente quando esta afirma que o Consumidor Médio, ao olhar para a embalagem, pensará que os produtos oferecem proteção de fator FPS 50+ não só contra raios UVB, mas também contra raios UVA (incluindo UVA “longos”) e contra raios Infravermelhos, resultando para o consumidor a ideia de proteção contra o conjunto daqueles raios. A ideia é reforçada quer pelas menções apostas na parte posterior da embalagem, sendo também essa a leitura das alegações constantes do site www.garnier.pt, no separador de cada um dos Produtos identificados na Queixa, onde é visível uma descrição semelhante à acima reproduzida para cada um dos Produtos, podendo ler-se: “Protecção muito alta reforçada contra os UVB, os UVA mesmo os Longos e os Infravermelhos”.

Atentando no documento 6 junto pela Requerente, as respostas dadas às questões número 3 “Against which of the following dangers does the product offer protection?”, número 4 “state for each danger which they agreed to if they think the product offers protection on the level «SPF +50PF = Solar Protection Factor» (written on the product packaging)” e número 5 “For your purchase intention, would it be of importance for you that the product protects against infrared lights?” permitem concluir que não só não é claro para o consumidor que o índice FPS se refere unicamente à radiação UV, como um número significativo alia o índice referido, face à imagem apresentada no produto, à proteção contra a radiação de infravermelhos (IV).

Ora, foi precisamente para evitar este tipo de confusão, anteriormente criada relativamente à radiação UVB e UVA e por via da indicação de inúmeros graus de proteção, que a legislação tendeu para a uniformização destas alegações publicitárias, standarizando os testes relativos a estas propriedades e impondo que, sendo alegado determinado fator de proteção solar (FPS) relativamente aos UVB, que o produto garanta 1/3 dessa proteção contra os UVA. As recomendações a este nível não se bastam por aqui, sugerindo as boas práticas o contorno do símbolo UVB de forma a melhor transmitir a associação entre o fator de proteção e este tipo de radiação.

Com efeito, o legislador parte do pressuposto que o consumidor distingue que uma proteção 50+ se refere ao nível de proteção solar e que a mesma é maior que um fator de proteção 30 mas que desconhece que este fator de proteção 50+ é aplicável apenas aos raios UVB e não aos restantes. Permite-se assim impor uma proteção mínima quanto a outros raios UV que normalmente poderiam ser associados ao FPS.

A forma de apresentação da claim quanto à proteção contra raios infravermelhos, por associação ao FPS enquanto índice normalizado, traz confusão ao consumidor sobre o tipo e grau de proteção conferida pelo produto, sendo suscetível de induzir o consumidor a acreditar que o mesmo grau – 50+, i.e., muito elevada – se aplica também aos raios UVA, UVA “longos” e Infravermelhos, o que não resulta demonstrado.

Neste contexto, a associação do fator de proteção solar a uma proteção contra os raios infravermelhos, bem como a “UVA longos” é suscetível de criar confusão, tornando a rotulagem e comunicação comercial nele impressa confusa e induzindo o consumidor em erro quanto às suas características essenciais, sendo por isso enganosa nos termos do n.º 1 e da alínea a), do n.º 2, do art.º 9.º do Código de Conduta do ICAP.

Com efeito, a referida associação resulta visualmente da aposição da expressão “Infravermelhos” e “UVA longos” ao lado da indicação quanto ao FPS e logo abaixo da indicação da proteção UVB e UVA.

Não apenas é efetuada esta associação visual como a mesma vem fundamentada pelo seguintes dizeres, para onde remete um asterisco, e onde não é dada qualquer informação ao consumidor que lhe permita distinguir os tipos de proteção conferidos, mantendo a confusão ao assinalar a proteção ao conjunto das radiações mencionadas, mediante as alegações que se transcrevem:
“Creme protetor contra os UVA, os UVB e os Infravermelhos* * Pela primeira vez, Ambre Solaire oferece uma proteção global contra os UVB, os UVA mesmo os longos e os infravermelhos*Porquê a proteção contra os infravermelhos?Os infravermelhos representam mais de um terço dos raios solares e podem penetrar mais profundamente na pele do que os raios UV. O conjunto destes raios invisíveis pode causar danos cutâneos duradouros.”

Conclui-se assim pelo caráter enganador da comunicação comercial por via da associação do índice FPS à proteção de raios IV.

Não entrando o JE na análise mais aturada da inclusão da expressão “raios UVA longos” ou da existência ou não de inovação nos produtos da Requerida, a verdade é que resulta controvertida a efetiva proteção suscetível de se comprovar relativamente aos raios infravermelhos.

De facto, quanto à menção aos raios UVA longos e conforme já referido, o Regulamento (UE) n.º 655/2013 da Comissão, de 10 de julho de 2013 vem estabelecer critérios comuns para justificação das alegações relativas a produtos cosméticos. O citado Regulamento é aplicável, nos termos do seu art.º 1.º, “às alegações sob a forma de texto, denominações, marcas, fotografias e imagens ou a outros sinais que transmitam explícita ou implicitamente caraterísticas ou funções do produto na rotulagem, na comercialização e na publicidade a produtos cosméticos”. Com relevância à matéria controvertida interessam os pontos 1.3. do Anexo a este Regulamento que estabelece que “Não devem ser permitidas alegações que veiculem a ideia de que um produto tem uma ação benéfica específica quando esta é simplesmente conforme com as exigências legais mínimas”. Assim, é relevante a afirmação da Requerente quanto à desnecessidade de alegação da proteção contra “UVA longos” e ao seu caráter enganador. Com efeito, nos termos do ponto 3.1. do mencionado regulamento “As alegações relativas a produtos cosméticos, explícitas ou implícitas, devem ser baseadas em elementos comprovativos adequados e verificáveis, independentemente dos tipos de suporte probatório em que as mesmas se apoiam, incluindo avaliações de peritos, quando apropriado”, mais referindo que “Sempre que sejam utilizados estudos como evidência, os mesmos devem ser relevantes para o produto e para o benefício alegado, e devem obedecer a metodologias (válidas, fiáveis e reprodutíveis) bem concebidas, bem conduzidas e que respeitem considerações éticas.”.

A necessidade de standardização das metodologias aplicáveis aos testes comprovativos de alegações similares leva este JE a considerar que a comprovação dos níveis de proteção relativos a outras radiações deverá ser igualmente exigente, no sentido de não permitir a associação de qualidades não incluídas e comprovadas em tais índices de proteção standarizados e que a sua comprovação entrará num domínio técnico que não compete ao ICAP aprofundar, até porque se entende não ser essencial à decisão de mérito.

No entanto, permite-se entender, quanto a estes pontos “proteção UVA longos” e “caráter inovador” que os factos alegados não se encontram provados, ainda que os mesmos não tenham sido impugnados pela outra parte. O procedimento de resolução de queixas do ICAP tem o seu regulamento próprio e funda-se nos princípios aplicáveis aos mecanismos alternativos de resolução de litígios, não estando consagrado o princípio do chamado ónus da impugnação especificada ou imposta uma cominação formal para o silêncio da parte contrária quanto aos factos invocados na queixa, prevalecendo, no procedimento, como bem já entendeu este JE, o princípio da livre apreciação da prova.

Assim, não obstante não se elaborar sobre a comprovação da existência de proteção quanto aos raios infravermelhos ou UVA longos, sempre se dirá que independentemente desta prova e ainda que a Requerida conseguisse demonstrar a proteção que alega conferir quanto aos raios infravermelhos, a comunicação comercial inserta no produto e nas alegações publicitárias no seu website são enganosas, nos termos do art.º 9.º do Código de Conduta do ICAP dado que imprimem no consumidor a perceção de um nível de proteção solar muito elevada contra os raios infravermelhos sendo que estes nunca poderiam ser medidos pelo índice que lhe surge associado.

Ora, o fator 50+ anunciado pela Requerida refere-se, como já referido, ao fator de proteção solar (FPS), teste que mede a reação da pele a radiação ultravioleta (UV). Sendo que neste teste não é medida a radiação por infravermelhos.

3.   Conclusão

As determinações que emanam da legislação aplicável às alegações comerciais neste tipo de produtos são a simplicidade e a clareza.
A forma como é apresentado o FPS, considerada nos suportes que a integram, em apreciação no presente processo, viola o disposto no n.º 1 e nas alíneas a) e h) do art.º 9.º e no n.º 4 do art.º 10.º do Código de Conduta do ICAP, não tendo sido observado, também, o disposto no art.º 12.º do mesmo Código quanto à comprovação das alegações, consubstanciando uma prática comercial desleal, nos termos do art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 57/2008, pois desconforme à diligência profissional e passível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico do consumidor seu destinatário, violando ainda o disposto na alínea b), do n.º 1 e no n.º 3 do art.º 7.º do mesmo diploma e o disposto nos art.ºs 10.º e 11.º do Código da Publicidade.
Delibera, assim, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida, tal como veiculada, ofende o disposto no n.º 1 e nas alíneas a) e h) do art.º 9.º e no n.º 4 do art.º 10.º do Código de Conduta do ICAP pelo que devem cessar de imediato as menções publicitárias inscritas nas embalagens dos produtos e nos demais suportes, não devendo ser repostas seja em que suporte for.

A Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP

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