EXTRACTO DE ACTA
Reunida no sexto dia do mês de Dezembro do ano de dois mil e dezanove, a Primeira Secção do Júri de Ética da Auto Regulação Publicitária, apreciou o processo nº 5J/2019 tendo deliberado o seguinte:
Processo n.º 5J/2019
- Objeto dos Autos
1.1. PROCTER & GAMBLE PORTUGAL, PRODUTOS DE CONSUMO, HIGIENE E SAÚDE, S.A., na qualidade de Requerente e doravante assim designada
E,
GLAXOSMITHKLINE CONSUMER HEALTHCARE PRODUTOS PARA A SAÚDE E HIGIENE, LDA., na qualidade de Requerida e doravante assim designada
a) Da Queixa
A Requerente, veio apresentar queixa, junto do Júri de Ética (JE) Publicitária da RP – Associação da AUTOREGULAÇÃO PUBLICITÁRIA, contra a Requerida, relativamente a comunicação comercial difundida junto ao público em geral, em diversos suportes “em formato digital, em televisão e em publicidade estática em pontos de venda físicos e noutros locais públicos”, relativa ao medicamento Vibrocil ActilongProtect e, doravante abreviadamente designado por “Produto”, por alegada violação “da legislação aplicável à publicidade de medicamentos junto do público, especificamente:
(i) do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto (adiante designado por Estatuto do Medicamento), que transpôs para a ordem jurídica portuguesa, inter alia, o Título VIII (Publicidade) da Diretiva n.º 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano;
(ii) do subsidiariamente aplicável Decreto-Lei n.º 330/90, de 23 de outubro (adiante designado por Código da Publicidade); bem como
(iii) do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de março (adiante designado por Decreto-Lei sobre Práticas Comerciais Desleais), que transpôs para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2005/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio, relativa às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores no mercado interno”
Concretizando, no artigo 7º, que o claim em causa infringe as seguintes normas legais:
– “A proibição de publicidade comparativa, consagrada no artigo 153.º, n.º 5 do Estatuto do Medicamento;
– A obrigação de correspondência entre o conteúdo do anúncio publicitário e o resumo das características do medicamento (RCM), constante do artigo 150.º n.º 3, alínea a) do Estatuto do Medicamento, que deve ser interpretado à luz do artigo 87.º, n.º 2 da Diretiva n.º 2001/83/CE;
e
– A proibição de publicidade enganosa, prevista conjugadamente no artigo 150.º, n.º 3, alínea c) do Estatuto do Medicamento e no artigo 11.º do Código da Publicidade, que, por sua vez, remete para o Decreto-Lei sobre Práticas Comerciais Desleais.”
Acrescentando, ainda, no art.8º, que “também é patente e notória a violação das regras do Código de Conduta em matéria de Publicidade e outras formas de Comunicação Comercial, a saber:
– O princípio da legalidade, constante do artigo 5.º, o qual remete, desde logo, para as disposições legais elencadas acima;
e
– A proibição de publicidade enganosa, prevista no artigo 9.º.
O objeto da queixa, conforme refere a Requerente, prende-se com o facto de a Requerida estar a realizar uma campanha ao Produto (cfrs. docs. n.ºs 2 a 6 e no art. 3º do articulado que se dão por reproduzidos) em que “Os anúncios contêm, entre outras, a alegação de que o medicamento permite uma recuperação mais rápida dos sintomas nasais de constipação (“recupere dois dias mais rápido dos sintomas nasais da constipação”), quando comparado com a administração de xilometazolina isolada (“Comparativamente à xilometazolina isolada”)”.
De acordo com a Requerente “a referência à xilometazolina isolada comporta uma comparação implícita entre, por um lado, o medicamento Vibrocil ActilongProtect e, por outro, medicamentos compostos exclusivamente por essa substância ativa, os quais, segundo se retira do anúncio, levam a uma recuperação dois dias menos rápida do que a proporcionada pelo medicamento da Denunciada.” Como “(…) o Nasexilo, (…) e, bem assim, outros como Seaxyl, Snup e Xymeral, todos eles oferecidos por concorrentes da Denunciada.” , concluindo ser manifesta “A violação da proibição absoluta de publicidade comparativa constante do artigo 153.º, n.º 5 do Estatuto do Medicamento …”
Alega, ainda, a Requerente que “A alegação Vibrocil ActilongProtect encontra-se também em incumprimento da obrigação de correspondência entre o anúncio e o RCM”, considerando que o disposto no art. 153º, nº 5 do Estatuto do Medicamento deve “ser interpretada no sentido de que exige que todos os elementos da publicidade dos medicamentos estejam de acordo com as informações constantes do RCM, e não apenas que a publicidade de medicamentos contenha (alguns) elementos que cumpram tal requisito”, devendo por isso ser lido no sentido da obrigatoriedade de o claim conter todos os elementos do RCM, entendendo que se trata “de uma interpretação que se afigura necessária para assegurar o respeito pelo princípio da veracidade (artigos 6.º e 10.º do Código da Publicidade), uma vez que a obrigação de correspondência entre o anúncio e o RCM está também ancorada nesse princípio fundamental do Direito da Publicidade.”
Acrescenta, ainda,que o RCM não “refere quaisquer dados clínicos que suportem a alegação de que a administração da associação de xilometazolina e dexpantenol leve à recuperação dos sintomas nasais dois dias mais rápido do que resultaria da administração de xilometazolina isolada.” e que dos resultados contidos na “publicação científica KEHRL W, SONNEMANN U & DETHLEFSEN U., Advance in therapy of acute rhinitis–comparison of efficacy and safety of xylometazoline in combination xylometazoline-dexpanthenol in patients with acute rhinitis, 82(4) Laryngorhinootologie (2003), pp. 266-271,(…) “embora se conclua que a associação de xilometazolina e dexpantenol permite uma melhor tolerabilidade e redução do tempo de tratamento comparativamente à xilometazolina isolada, não se apresenta qualquer quantificação da redução do tempo, ao contrário daquilo que é feito na alegação acima reproduzida.”(…), considerando que “havendo desacordo entre o conteúdo do anúncio e o RCM e não sendo possível retirar igual conclusão do estudo que é referido no anúncio (…)” existe (…) “violação da obrigação de correspondência entre o anúncio e o RCM”
Pelo que “Uma vez que do RCM e do estudo citado não constam elementos objetivos comprovativos da exatidão da alegação de que a administração da associação de xilometazolina e dexpantenol leve à recuperação dos sintomas nasais dois dias mais rápido do que resultaria da administração de xilometazolina isolada, tal alegação assume um caráter enganador, com capacidade para conduzir o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que de outro modo não tomaria.”
Concluindo, requere, que “Ante o exposto, deve o presente pedido de apreciação da publicidade, nas suas várias formas e suportes, ser considerado procedente por provado e, em consequência, o anúncio reputado de desconforme com as regras que norteiam a atividade publicitária, determinando-se, com efeitos imediatos, a cessação da veiculação do anúncio em todos os suportes publicitários”.
b) Da Contestação
Notificada para o efeito, a Requerida apresentou contestação dentro do prazo previsto no n.º 1 do art.º 10.º do Regulamento do JE da ARP, e “consciente da razão que lhe assiste, não se frusta, de forma nenhuma, a contestar especificadamente cada um dos pontos da referida queixa (…)“.
A Requerida alega que a comunicação comercial “recupere 2 dias mais rápido dos sintomas nasais da constipação” sobre o Produto corresponde à realidade: “a expressão que a GSK CH utiliza na sua publicidade é intencionalmente objetiva, informativa, cientificamente comprovável e, inclusive, pouco agressiva em termos publicitários precisamente para se enquadrar na linha de uma publicidade lícita, identificável, verdadeira e respeitadora dos direitos dos consumidores que a Auto Regulação Publicitária exige dos agentes económicos que operam no mercado.”.
No que tange à alegada publicidade comparativa, a Requerida começa por realizar o enquadramento do Produto: “Vibrocil ActilongProtect, combinando xilometazolina com dexpantenol (combinação de substâncias ativas) revela superioridade vs (face à) xilometazolina isolada no tratamento de rinite aguda, devido ao efeito tópico do dexpantenol na mucosa nasal, como protetor do epitélio”. (…) “a ação vasoconstritora da xilometazolina associada à aceleração da cicatrização pelo dexpantenol, resulta num alívio dos sintomas mais rápido.” E afirma que o claim “recupere 2 dias mais rápido dos sintomas nasais da constipação* (*Resultados de 5 dias de tratamento. Comparativamente à xilometozolina isolada)” encontra-se suportado num estudo randomizado de dupla ocultação em doentes adultos com rinite aguda, no qual foram avaliados 2 grupos de tratamento, um com spray nasal contendo a combinação 5 mg de dexpantenol/0,1 mg xilometazolina vs spray nasal com 0,1 mg xilometazolina. A duração do tratamento foi de 5 dias, havendo também avaliação dos sintomas após 3 dias (Kehrl, et al. 2003).”.
A Requerida refuta, “com este enquadramento científico a afirmação da Denunciante “a recuperação dos sintomas (…) pressupõe a eliminação desses mesmos sintomas” (…) uma vez que, segundo o estudo mencionado e a análise post-hoc efetuada posteriormente (Mösges R, et al. 2017)., “a score of 1 or less was defined as cure or clinically significant improvement”, sendo “0 = absent, 1 = mild”.
Pelo que “a recuperação não tem, em si, implícita a eliminação dos sintomas, mas sim a melhoria significativa dos mesmos, podendo os utentes manter sintomas ligeiros (score ≤ 1)”, sendo “cientificamente legítimo concluir que o claim “Recupere 2 dias mais rápido dos sintomas nasais da constipação”, com o respetivo disclaimer “*Resultados de 5 dias de tratamento. Comparativamente à xilometozolina isolada (…)” “(…) é baseado em provas científicas isentas e credíveis, na correlação entre os resultados obtidos aos 3 e 5 dias de tratamento para cada grupo de tratamento(…).considerando, assim, demonstrada a veracidade do claim.
Prosseguindo, alega que o claim “não permite identificar implícita ou explicitamente nenhum concorrente, não configurando, consequentemente, efetiva publicidade comparativa.”e que a “(…) caracterização de uma publicidade como comparativa implica que a comparação seja feita por referência a um concorrente identificado ou identificável.” Concluindo que “o art.º 16º do Código da Publicidade, estatui que não há publicidade comparativa quando se contrapõe um produto com o género a que pertence e não com outro produto determinado.” “o anúncio “sub judice” não identifica de modo algum um concorrente ou um produto concorrente. Com efeito, existindo vários medicamentos descongestionantes da mesma gama, não se mostra possível identificar nenhum em concreto.” a identificada mensagem publicitária não constitui publicidade comparativa, nos termos e condições em que se encontra proibida pelo nº 5 do artigo 153º do Estatuto do Medicamento.”.
No mesmo sentido a Requerida afirma que “revela-se claramente excessivo – em face dos dados científicos avançados e conforme Documentos nº 3 e 4 já juntos – qualificar o claim em causa como enganoso, nos termos e para os efeitos do artigo 150º nº 3 al. c) do Estatuto do Medicamento e artigo 11º do Código da Publicidade, mantendo-se o mesmo, nestes moldes, na esfera da licitude publicitária.”.
Quanto à alegada falta de correspondência entre os conteúdos do anúncio e o resumo das características do medicamento (RCM) alega, em suma, que a Requerente “comete nesta matéria um erro de raciocínio: conclui, pela sua interpretação da alínea c) do Artigo n.º 155 do Estatuto do Medicamento , que é proibida a utilização, nas mensagens publicitárias, de elementos que constem de estudos ou informações de cariz científico, pela simples razão de estes não constarem no RCM.” , uma vez que de tal dispositivo apenas resulta que “a publicidade de medicamentos deve conter elementos que estejam de acordo com as informações constantes do resumo das características do medicamento”, e que “à luz do vertido no Estatuto do Medicamento, apenas se pode legitimamente concluir que a publicidade a medicamentos não pode ser contrária, ou ir em sentido divergente, face elementos do RCM aprovado pelo INFARMED.”, devendo o enquadramento desta matéria ser “complementado e integrado pelas restantes regras que disciplinam esta matéria, designadamente pelo Código da Publicidade e pelas regras que as próprias empresas farmacêuticas estabeleceram, entre si, para regulação da publicidade nesta matéria, em concreto, o Código Deontológico da APIFARMA”, o qual “estabelece no nº 2 do seu artigo 3º que “a promoção de medicamentos deve ser consentânea com os elementos identificados no resumo das características do medicamento””.
A Requerida refere, ainda, que o Código Deontológico da Apifarma impõe no entanto limites que se podem reduzir à observância de 3 requisitos : i) Que sejam consentâneas com o RCM; ii) Que se fundamentem nas provas científicas disponíveis; iii) Que se encontrem dentro dos limites dos conteúdos das provas científicas”.
Concluindo que “ no caso em apreço, o claim sob análise – cientificamente suportado por estudos clínicos credíveis – teve por objetivo informar o consumidor de que a utilização do medicamento permitir-lhe-á ter um alívio sintomático mais célere, o que obviamente é um dado útil, relevante, decisivo e pertinente, dado que é do próprio interesse do consumidor ser correctamente informado sobre os reais e atuais efeitos e vantagens da utilização de cada medicamento.”
Propondo a final que a queixa seja arquivada “por não provada, com a consequente extinção do processo de consulta.”
Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos aos autos pelas partes.
1.2. Questão prévia
A ARP tem legitimidade e competência para apreciar a presente queixa nos termos do Código de Conduta da ARP, desde logo do seu artigo 1º,e à luz do Código da Publicidade:
O Código de Conduta da Auto Regulação Publicitária aplica-se genericamente ao conjunto da Publicidade e de outras formas de Comunicação Comercial destinadas à promoção de um qualquer tipo de bem ou serviço, incluindo a promoção institucional e corporativa. Estão incluídos os conteúdos da Publicidade Online, inerentes às Comunicações de Marketing Digital bem como a Publicidade Comportamental Online, também comummente designada OBA – Online Behavioural Advertising. Os padrões de conduta ética devem ser observados por toda e qualquer pessoa envolvida numa Comunicação Comercial, sejam Comerciantes/Anunciantes, publicitários, profissionais de publicidade ou agências, outros operadores de mercado, nos Meios ou em funções afins.
Tal entendimento é subscrito por Requerente e Requerida, a primeira por ter submetido este pleito à apreciação deste JE, a segunda porque expressamente o declarou na sua Contestação, sendo que ambas são associadas da ARP, tendo-se vinculado a cumprir Código de Conduta em matéria de Publicidade e de Outras formas de Comunicação Comercial.
- Enquadramento ético-legal
2.1. Da alegada publicidade comparativa
A publicidade comparativa é admitida nos termos do disposto no artigo 16º do Código da Publicidade.
O Código de Conduta da ARP, define no n.º 1 do artigo 15º que “É comparativa a Comunicação Comercial que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente.” e, o nº2 enumera os respetivos requisitos.
Analisemos, antes de prosseguir, o conteúdo da mensagem publicitária contida no documento 3:
Nariz entupido? Com feridas? Chame o Génio Vibrocil. Novo Vibrocil ActilongProtect agora com dexpantenol. Mais do que um descongestionante protege o nariz, acelera a cicatrização, e descongestiona rapidamente. Experimente o novo Vibrocil ActilongProtect e recupere dois dias mais rápido dos sintomas da constipação.
O que resulta imediatamente deste claim, para o consumidor médio, é a existência de um “Novo Vibrocil” que alivia os sintomas da constipação nasal de forma mais rápida porque contém uma nova substância ativa que acelera os seus efeitos: o dexpantenol.
O mesmo se diga das mensagens publicitárias incluídas noutros suportes.
Em nenhum momento surge qualquer comparação com qualquer outro medicamento, apenas a existência de uma nova fórmula do Produto.
Em rodapé e em complemento informativo para o consumidor – a indicação das substâncias ativas presentes na fórmula do Produto, com a justificação que a introdução do dexpantenol reduz o prazo dos sintomas nasais da constipação, por oposição à fórmula que só contém xilometazolina isolada.
Mas esta informação em rodapé não pode ser vista nem lida fora do contexto do claim, que tem por objetivo chamar a atenção do consumidor para a existência de um novo Vibrocil que alivia os sintomas mais rapidamente por ter uma nova substância ativa na sua composição.
Assim, não se considera essencial à perceção da alegação publicitária o disclaimer apresentado, que para o Consumidor Médio não teria também qualquer significado dada a informação técnica que dele consta. Assim, o facto do mesmo não corresponder, na interpretação deste JE, à necessidade de legibilidade e igual impacto da alegação a que se refere, entende-se que o disclaimer não é essencial à perceção da alegação que se pretende transmitir, i.e., que esta nova fórmula alivia os sintomas da gripe e constipação dois dias mais rápido que a formulação anterior do medicamento.
A comunicação comercial comparativa, nos termos do n.º 2 do art. 15º do Código de Conduta da ARP “não deve ser enganosa”, “deve identificar apenas bens ou serviços que respondam às mesmas necessidades ou que tenham os mesmos objetivos”, “não desrespeitar os princípios da leal concorrência, desacreditar ou depreciar marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens, serviços, atividades ou situação de um concorrente”, “não retirar partido indevido do renome de uma marca, designação comercial ou outro sinal distintivo de um concorrente ou da denominação de origem de Produtos concorrentes”.
Não concorda este JE com a afirmação da Requerente de que “a referência à xilometazolina isolada comporta uma comparação implícita entre, por um lado, o medicamento Vibrocil ActilongProtect e, por outro, medicamentos compostos exclusivamente por essa substância ativa”, porque embora os medicamentos possam suprir o mesmo tipo de necessidade, o certo é que não têm a mesma composição e, portanto, não são comparáveis.
Mas mesmo que assim não fosse, a simples “ afirmação de que o próprio produto é superior ao de toda a concorrência, por exemplo, não caracteriza publicidade comparativa» (Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, Lisboa, AAFDL, 1994, p.150), mas mera publicidade superlativa (Adelaide Menezes Leitão, A concorrência desleal e o direito da publicidade, in Concorrência Desleal, Almedina, Coimbra, 1997, p.154).”, pelo que acompanhamos , no que a esta matéria diz respeito a Requerida nos artigos 21º a 25º da Contestação.
Note-se que a expressão “Novo” induz o consumidor médio claramente para uma nova gama do produto, explicada pela adição da substância ativa dexpantenol e por contraposição, porventura, a um anterior Produto da Requerida com xilometazolina isolada, que a própria Recorrente reconhece que faz parte do portfolio da Requerida.
Ora, de acordo com o quadro-ético legal em matéria de publicidade comparativa, as auto-comparações encontram-se fora do seu âmbito de aplicação, já que a primeira se define como a “que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente” (cfr, artigo 16.º, n.º 1 do Código da Publicidade) e não, os do próprio anunciante, ou seja os da Requerida.
Em face do exposto e da análise efetuada por este JE da mensagem publicitária em causa, categorizada nos termos expostos, a mesma não configura publicidade comparativa não se enquadrando no quadro ético-legal constante do artigo 15.º do Código de Conduta da ARP e do artigo 16.º do Código da Publicidade e, por maioria de razão fora do âmbito no art. 153º, n.º 5 do Estatuto do Medicamento.
2.2. Da alegada publicidade enganosa
O art.º 9.º do Código de Conduta da ARP estabelece que a comunicação comercial deve ser “verdadeira e não enganosa”, proscrevendo como enganosa qualquer declaração ou alegação que seja de natureza a, direta ou indiretamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir ou ser suscetível de induzir, em erro o consumidor, designadamente no que respeita a características essenciais do Produto ou que sejam determinantes para influenciar a escolha do consumidor.
As alegações e a publicidade aos produtos, bem como outras formas de comunicação comercial, são instrumentos essenciais para transmitir aos consumidores as características e qualidades de produtos, promover a comparabilidade e uma escolha informada por parte do consumidor quanto ao produto que melhor corresponde às suas necessidades e expetativas.
O claim em análise e que delimita a questão controversa prende-se com a utilização da expressão “Experimente o novo Vibrocil ActilongProtect e recupere 2 dias mais rápido dos sintomas nasais da constipação”, patente em diversos suportes publicitários e referentes ao Produto “Vibrocil ActilongProtect”.
Delimitado claim objeto da queixa, cumpre, colocar algumas questões:
- O que se entende por “recupere (…) dos sintomas nasais da constipação”?
- Da forma como o claim, é veiculado, qual será a perceção do consumidor médio relativamente ao produto?
Decorre do estabelecido nas Diretivas 84/450/CEE e 97/55/CE e no n.º 3 do Código da Publicidade e nos artigos 4º, 5º e 12º do Código de Conduta da ARP que, como norma de instrução em matéria de observância do princípio da veracidade, se deve instituir uma regra de direito probatório nos termos da qual se presumem inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, pelo que o ónus da prova das alegações publicitárias cabem à Requerida.
Para o efeito a Requerida juntou um estudo científico (Kehrl, et al. 2003) e uma análise post-hoc (Mösges R, et al. 2017), que alegadamente suportam o claim, e que se dão por integralmente reproduzidos (documentos 3 e 4 da Contestação).
No entanto, na opinião da Requerente – que cita e que igualmente junta a publicação científica de KEHRL W, SONNEMANN U & DETHLEFSEN U., Advance in therapy of acute rhinitis–comparison of efficacy and safety of xylometazoline in combination xylometazoline-dexpanthenol in patients with acute rhinitis, 82(4) Laryngorhinootologie (2003), pp. 266-271 – , tal publicação não prova “a recuperação dos sintomas nasais de constipação dois dias mais rápido” considerando que “a recuperação dos sintomas em resultado do uso do medicamento pressupõe a eliminação desses mesmos sintomas, eliminação essa que não decorre dos dados apresentados no artigo”.
Por seu turno a Requerida contrapõe afirmando que “não corresponde à realidade, uma vez que, segundo o estudo mencionado e a análise post-hoc efetuada posteriormente (Mösges R, et al. 2017)., “a score of 1 or less was defined as cure or clinically significant improvement”, sendo “0 = absent, 1 = mild”, e que, “Neste contexto, a recuperação não tem, em si, implícita a eliminação dos sintomas, mas sim a melhoria significativa dos mesmos, podendo os utentes manter sintomas ligeiros (score ≤ 1) (…)”.
Para este JE parece clara a diferença de resultados ao final do 3º e 5 dia de tratamento para os dois grupos de doentes: os que foram submetidos a tratamento apenas com xilometazolina isolada e os que foram tratados com xilometazolina e dexpantenol: “The mean changes of the individual scores included in the symptoms sum score showed a significant difference between the two groups on therapy day 3.” (Kehrl, et al. 2003) e os resultados vertidos no quadro 2 demonstram “the difference between the two groups in relation to the improvement of symptoms by the end of treatment was clinically relevant and stastistically significant for all the four criteria”.
Dúvidas não parecem restar de que os resultados são diferentes em ambos os casos e que o tratamento com xilometazolina e dexpantenol é mais eficaz, mas coloca-se ainda a questão de saber se o claim induz o consumidor médio em erro, isto é se da afirmação nele contida se pode inferir, como alega a Requerente, que “recuperação de sintomas nasais” (…) “pressupõe a eliminação desses mesmos sintomas”.
A “resposta a tal questão irá depender, necessariamente, do estabelecimento da representação que o consumidor médio – entendido de acordo com a acepção amplamente divulgada pelo JE – ou destinatário dos claims “(…) fará dos mesmos”.
O Código de Conduta da ARP determina que “Uma Comunicação Comercial deve ser avaliada tendo em consideração os conhecimentos, a experiência e a capacidade de discernimento de um Consumidor médio, ou aquele a quem especialmente se destinam, tendo em conta os fatores sociais, culturais e linguísticos.”.
Presumindo-se que um consumidor médio “possua um grau razoável de experiência, de conhecimento e bom senso, e detenha uma razoável capacidade de observação e prudência.”
Ora, considera este JE que existe uma enorme probabilidade, senão mesmo a certeza, do consumidor médio considerar que “recuperação dos sintomas” é um alívio dos mesmos e não ainda a cura plena ou sem sintomas. “Recuperar” para o consumidor médio é convalescer, melhorar, é o processo para a cura.
A mensagem publicitária veiculada através do suporte televisão é bem clara quanto aos efeitos do Produto para a sintomatologia em causa, referindo apenas uma recuperação mais rápida, que quantifica em dois dias menos do que o habitual. Não induz o consumidor médio em erro, não promete uma cura em dois dias.
Nesta conformidade, este JE considera que o claim não contém publicidade enganosa e que não foi violado o princípio da veracidade (art.9º do Código de Conduta da ARP e art. 11º do Código da Publicidade e alínea c) do n.º 3, do art. 150º do Estatuto do Medicamento) por se encontrar cientificamente comprovada a redução mais rápida e significativa da sintomatologia nasal da constipação pelo uso do Produto e que o “ganho” de dois dias na recuperação tem a referida base científica que cumpre com o disposto no artigo 10º do Código de Conduta da ARP.
“dexpanthenol at a concentration of 5% added to the nasal decongestant spray containing xylometazoline can significantly reduce the individual signs and symptoms in a majority of patients as early as 3 days after the start of treatment”. Mösges R et al. Dexpanthenol: An Overview of its Contribution to Symptom Relief in Acute Rhinitis Treated with Decongestant Nasal Sprays. Adv Ther 2017; 34:1850–1858.
Pelo exposto este JE entende não assistir razão, nesta matéria, à Requerente.
2.3. Da alegada violação do Princípio da Legalidade
Sobre o Princípio da Legalidade dispõe o Código de Conduta da ARP (artigo 5º) que “A Comunicação Comercial deve respeitar os valores, direitos e princípios reconhecidos na Constituição e na restante legislação aplicável”.
Considera a Requerente que a Requerida violou o princípio da legalidade, desde logo por ter violado os artigos 150.º n.º 3, alínea a) (correspondência entre o conteúdo do anúncio publicitário e o resumo das características do medicamento), e alínea c) (proibição de publicidade enganosa) e artigo 153º, n.º 5 (proibição de publicidade comparativa aos medicamentos) do Estatuto do Medicamento.
Este JE já analisou, nos pontos anteriores, quer a questão da publicidade enganosa quer a da publicidade comparativa, tendo concluído, em ambos os casos, que no claim em apreço não é feita qualquer comparação proibida entre medicamentos, e que a publicidade veiculada não é enganosa porque se encontra suportada em Estudos Científicos – juntos aos autos por Requerente e Requerida – que atestam a redução dos sintomas de forma mais rápida com a utilização do novo Produto.
Consequentemente resta verificar se há violação do Princípio da Legalidade, por violação dos artigos 86º e seguintes da Diretiva n.º 2001/83/CE, no que concerne à correspondência entre o RCM e o claim e, consequentemente, da alínea a), do n.º 3 do art. 153º do Estatuto do Medicamento.
No Título VIII da Diretiva 2001/83, no artigo 86º, n.º 1, sob a epígrafe “Publicidade” é definida a publicidade a medicamentos, nos seguintes termos:
“1. Entende‑se por ‘publicidade dos medicamentos’: qualquer acção de informação, de prospecção ou de incentivo destinada a promover a prescrição, o fornecimento, a venda ou o consumo de medicamentos; abrange, em especial:
- a publicidade dos medicamentos junto do público em geral;
- a publicidade dos medicamentos junto das pessoas habilitadas a receitá‑los ou a fornecê‑los;
- a visita de delegados de propaganda médica a pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos;
- o fornecimento de amostras de medicamentos;
- o incentivo à prescrição ou ao fornecimento de medicamentos, através da concessão, oferta ou promessa de benefícios pecuniários ou em espécie, excepto quando o seu valor intrínseco seja insignificante;
- o patrocínio de reuniões de promoção a que assistam pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos;
- o patrocínio de congressos científicos em que participem pessoas habilitadas a receitar ou a fornecer medicamentos, nomeadamente a tomada a cargo das respectivas despesas de deslocação e estadia nessa ocasião.”
Por seu turno, o artigo 87º da Diretiva 2001/83, no n.º 1 proíbe “toda a publicidade de medicamentos para os quais não tenha sido concedida uma autorização de introdução no mercado conforme com o direito comunitário”, no n.º 2 determina que “Todos os elementos da publicidade dos medicamentos devem estar de acordo com as informações constantes do resumo das características do produto” e, no n.º 3 estabelece que “A publicidade dos medicamentos: -deve fomentar a utilização racional dos medicamentos, apresentando-os de modo objectivo e sem exagerar as suas propriedades, – não pode ser enganosa.”.
No Acórdão do Tribunal de Justiça Europeu de 5 de Maio de 2011, Processo C-249/09, Novo Nordisk AS contra Ravimiamet (https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:62009CJ0249) foi apreciado o sentido, o alcance e o enquadramento do artigo 87º n.º2 da Diretiva 2001/83, e apesar de este processo se reportar a publicidade a medicamentos junto das pessoas habilitadas a receita-los ou a fornecê-los, não se vê razão para não aplicar a interpretação conferida ao artigo no contexto dos presentes autos.
“O artigo 87.°, n.° 2, da Directiva 2001/83, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano, conforme alterada pela Directiva 2004/27, (…) Com efeito, resulta tanto da posição do artigo 87.° da Directiva 2001/83 na estrutura desta, como da redacção e do conteúdo do referido artigo 87.° no seu todo, que o seu n.° 2 constitui uma norma geral relativa a qualquer publicidade dos medicamentos, incluindo a dirigida às pessoas habilitadas a receitá‑los ou a fornecê‑los. Esta interpretação é confirmada pelo objectivo da Directiva 2001/83. Com efeito, as informações erradas ou incompletas poderiam manifestamente implicar um perigo para a saúde das pessoas e, portanto, comprometer o objectivo essencial prosseguido por esta directiva.
O artigo 87.°, n.° 2, da Directiva 2001/83, (…) proíbe a publicação, na publicidade de um medicamento junto das pessoas habilitadas para o receitar ou fornecer, de afirmações que estejam em contradição com o resumo das características do produto, mas não exige que todas as afirmações que figuram nessa publicidade se encontrem no referido resumo ou possam ser dele inferidas. Tal publicidade pode incluir afirmações que completem as informações referidas no artigo 11.° da dita directiva, desde que essas afirmações:
- confirmem ou precisem, em sentido compatível, as referidas informações, sem as desvirtuar, e
- estejam em conformidade com as exigências referidas nos artigos 87.°, n.° 3, e 92.°, n.os 2 e 3, desta directiva.
Deste modo, tais informações, por um lado, não podem ser enganosas e devem fomentar a utilização racional do medicamento, apresentando‑o de modo objectivo e sem exagerar as suas propriedades e, por outro, devem ser exactas, actualizadas, verificáveis e suficientemente completas para que o destinatário possa formar uma opinião pessoal quanto ao valor terapêutico do medicamento.”
Ou seja, o alcance do art. 87º, n.º 2 da Diretiva, pela Jurisprudência já fixada, não é o de limitar a mensagem publicitária exclusivamente ao conteúdo do RCM, mas a de permitir que o claim contenha afirmações “que não se encontrem no referido resumo ou que possam ser dele inferidas” desde que sejam verídicas, verificáveis, exatas e atualizadas.
No mesmo sentido aponta a alínea a) do n.º 3 do art. 150º do Estatuto do Medicamento, que determina:
“A publicidade de medicamentos:
a) Deve conter elementos que estejam de acordo com as informações constantes do resumo das características do medicamento, tal como foi autorizado;
Admite-se, pela semântica utilizada que possam ser incluídos na mensagem publicitária outros elementos, ainda que não referidos no RCM, desde que estejam de acordo ou sejam “consentâneos” com o teor do RCM, expressão utilizada no Código Deontológico da Apifarma a propósito da publicidade a medicamentos. Note-se que, no caso em apreço, a alegação publicitária nunca estaria presente no RCM dado que se trata de um resultado da comparação com um anterior produto, pelo que admitir-se interpretação diversa poderia, em última instância, limitar uma alegação até de novidade.
Chegado a este ponto e admitindo que a mensagem publicitária a medicamentos não sujeitos a receita médica, possuidores de autorização de introdução no mercado, pode conter outros elementos não constantes no RCM, cabe ao JE verificar se in casu os requisitos para tal estão verificados.
Por tudo o que já foi exposto a resposta não pode deixar de ser positiva, considerando o JE que a mensagem publicitária ao Produto, em todos os suportes em que é veiculada também não viola o Princípio da Legalidade (art. 5º do Código de Conduta da ARP e art. 150º e 153º do Estatuto do Medicamento.)
Termos em que considera que a mensagem publicitária em análise não é suscetível de induzir o consumidor médio em erro, antes pelo contrário, alerta-o para o lançamento de um novo produto da gama Vibrocil, o qual contém uma nova substância ativa cientificamente testada, que potencia os seus efeitos no sentido de reduzir o tempo de recuperação dos sintomas nasais da constipação, estando em conformidade com o Código de Conduta da ARP, com o Código da Publicidade e o Estatuto do Medicamento.
2.4. Prova
A dos autos, não considerando o JE dentro das suas faculdades, necessária a audição de qualquer entidade, designadamente a testemunha oferecida pela Requerida.
Entende este JE não seguir a sugestão da Requerida quanto à audição de testemunha, possibilidade que o art.º 12.º do Regulamento do JE estabelece que o mesmo poderá, a qualquer momento decidir e solicitar diligências complementares, o que não se entende ser aqui justificado. Estranha-se, ademais, que o fundamento invocado seja o da “extrema complexidade técnica do referido relatório que se reputa essencial para o esclarecimento da matéria dos autos” quando a apreciação que o JE pretende fazer é a que fará um Consumidor médio, seguramente desprovido dos conhecimentos técnicos que a requerida pretende explicitar.
3. Decisão
Nestes termos, a Primeira Secção do Júri de Ética da ARP, delibera no sentido da improcedência da queixa apresentada pela PROCTER & GAMBLE PORTUGAL, PRODUTOS DE CONSUMO, HIGIENE E SAÚDE, S.A. relativa à comunicação comercial da responsabilidade da GLAXOSMITHKLINE CONSUMER HEALTHCARE PRODUTOS PARA A SAÚDE E HIGIENE, LDA., ao produto Vibrocil ActilongProtect.».
A Primeira Secção do Júri de Ética