EXTRACTO DE ACTA
No quinto dia do mês de dezembro do ano de dois mil e dezanove, reuniu a Segunda Secção do Júri de Ética da Auto Regulação Publicitária, que apreciou o processo nº 4J/2019 tendo deliberado o seguinte.
Processo n.º 4J/2019
- Objecto dos Autos
1.1. A PROCTER & GAMBLE PORTUGAL, PRODUTOS DE CONSUMO, HIGIENE E SAÚDE, S.A. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por P&G ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética da ARP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a GLAXOSMITHKLINE CONSUMER HEALTHCARE PRODUTOS PARA A SAÚDE E HIGIENE, LDA. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por GSK CH ou Requerida), relativamente a comunicação comercial ao seu medicamento “Voltaren Emulgel” – promovida nos suportes televisão e Internet – tal, por alegada violação do quadro ético-legal em matéria de publicidade comparativa e de princípio da veracidade, bem como das normas que constam do Título VIII do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto (adiante designado por Estatuto do Medicamento), que transpôs para a ordem jurídica portuguesa, inter alia, o Título VIII da Diretiva n.º 2001/83/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de novembro, que estabelece um código comunitário relativo aos medicamentos para uso humano.
1.2. Notificada para o efeito, a GSK CH apresentou a sua contestação.
Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.
1.3. Questões prévias
1.3.1. Da competência material em sede de auto-regulação das comunicações comerciais
Esclarece a GSK CH, na sua contestação, que “… convicta da legalidade, técnica e regulamentar, das peças publicitárias e tendo sido interpelada pela PROCTER & GAMBLE, a qual alegou desconformidade legal do conteúdo dos claims constantes das peças publicitárias, a GSK CH nos termos e para os efeitos do artigo 164.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, Estatuto do Medicamento, requereu ao INFARMED, no âmbito das suas competências de monitorização e avaliação da publicidade de medicamentos, a apreciação das supra citadas peças publicitárias, por forma a avaliar da sua conformidade regulamentar, nomeadamente em matéria de integral cumprimento da legislação publicitária em vigor no território nacional”. (sic. ponto 5).
Acrescenta a Requerida que “…confrontada com o teor da queixa da PROCTER & GAMBLE junto do ICAP obviamente que reconhece competência e capacidade a este instituto para idêntica avaliação e, consciente da razão que lhe assiste, não se frusta, de forma nenhuma, a contestar especificadamente cada um dos pontos da referida queixa, nem se escuda numa pretensa competência exclusiva do INFARMED para esse efeito, sem prejuízo de razoavelmente considerar que o ICAP[1] deve ter em consideração o parecer que o INFARMED venha a emitir nesta matéria”. (sic. ponto 7, negrito, sublinhado e referência de rodapé do Júri).
Entende o JE não precisar de ter em consideração qualquer parecer que o INFARMED venha a emitir, porquanto a sua competência material e a da ARP não são “idênticas”. São distintas e passíveis de se não intercetarem. Aliás, sempre se verificaria uma óbvia impossibilidade prática, no que tange a tal consideração. O Júri não pode ter em conta algo que ainda não existe.
Com efeito, está-se aqui perante auto-regulação em sede de comunicações comerciais, sistema no qual assenta a disposição do artigo 30.º do Código de Conduta da ARP segundo a qual, “Os sócios do ICAP e os membros associados das Associações e outras congéneres filiadas no Instituto, bem como quaisquer Entidades, incluindo não membros, que submetam questões à apreciação do Júri de Ética, são obrigados a acatar prontamente, na letra e no espírito, as decisões oriundas, nomeadamente, dos órgãos sociais da ARP e do JE”.
Ora, quer a P&G, quer a GSK CH são associadas da ARP, tendo-se vinculado a cumprir o referido Código de Conduta em matéria de Publicidade e de Outras formas de Comunicação Comercial, cuja eventual inobservância, por parte da Requerida, cumpre ao JE decidir nos termos do artigo 13.º do seu Regulamento. Logo, sem prejuízo do disposto nos artigos 4.º, n.º 1 e 5.º do Código em apreço.
Por maioria de razão, entende o Júri não dever deter-se na apreciação de uma eventual desconformidade entre a comunicação comercial em lide e o Código Deontológico da APIFARMA contrariando, assim, as pretensões das Partes constantes de artigos 15.º a 19.º da queixa e pontos 14 a 21 da contestação.
1.3.2. Da sugestão de inquirição de testemunha
Vem a GSK CH sugerir, em sede de contestação, a inquirição por parte do Júri de uma testemunha invocando, como fundamento, “a extrema complexidade técnica do referido relatório que se reputa essencial para o esclarecimento da matéria dos autos bem como a respetiva conformidade com o disposto no artigo 11.º do Regulamento do JE” (cfr. MEIOS de PROVA), relatório esse constante do estudo “Efficacy and safety of dicoflenac diethylamine 1.16% gel in acute neck pain: randomized, double-blind, placebo-controlled study” junto aos autos com a queixa como Doc. 2 e com a mesma contestação como Documento n.º 4.
Cumpre esclarecer que, aquilo que a GSK CH apelida de “permissão” à luz de tal normativo constitui, antes, a faculdade que assiste ao JE de, em conformidade com o artigo 12.º do Regulamento em causa, sob a epígrafe “DILIGÊNCIAS COMPLEMENTARES”, decidir solicitar quaisquer outras diligências, nomeadamente recorrendo às Partes, a terceiros ou a assessores técnicos da Auto-Regulação Publicitária, para o efeito de esclarecimento das questões a decidir” o que, in casu, o Júri entende não se justificar, atentos os contornos da questão controvertida, como se verá.
Aliás, é a própria Requerida que argumenta no sentido de que atuou junto do INFARMED “…de forma proativa e preventiva e numa lógica de profilaxia do conflito com um concorrente por legitimamente entender que a complexidade técnica e científica dos claims em análise e o tipo de produtos em questão (medicamentos) exigem uma apreciação mais especializada que aquele instituto está especialmente vocacionado e habilitado.” (sic. ponto 6 da contestação, negrito e sublinhado do Júri).
De facto, face à denúncia da P&G – e em coerência com o que ficou exposto – cumpre ao JE apreciar, antes e para além da “ciência” em si, a eventual desconformidade da aludida “complexidade técnica e científica dos claims em análise” com o que, em matéria de publicidade comparativa e de princípio da veracidade se encontra estatuído no Código de Conduta da ARP.
1.4. Dos factos
Através da análise da globalidade do articulado da petição e dos documentos junto ao processo com a mesma, conclui o JE que a denúncia da P&G se reporta a comunicação comercial da responsabilidade da GSK CH ao seu medicamento “Voltaren Emulgel” – promovida pela última nos suportes televisão e Internet – sendo colocada em crise a alegação publicitária “Voltaren Emulgel, duas vezes mais rápido no alívio da dor” associada ao disclaimer “na dor do pescoço durante o movimento vs placebo”. (Cfr. art.ºs 3.º a 5.º da queixa e Docs. n.ºs 2 e 3 juntos).
1.4. Das alegações das Partes
1.4.1. Em síntese, sustenta a P&G em sede de petição, que:
– (i) “As normas legais infringidas (…) são as que estabelecem “A obrigação de correspondência entre o conteúdo do anúncio publicitário e o resumo das características do medicamento (RCM), constante do artigo 150.º n.º 3, alínea a) do Estatuto do Medicamento, que deve ser interpretado à luz do artigo 87.º, n.º 2 da Diretiva n.º 2001/83/CE; (…) A proibição de publicidade comparativa, vertida no artigo 153.º, n.º 5 do Estatuto do Medicamento; e (…) A proibição de publicidade enganosa, prevista conjugadamente no artigo 150.º, n.º 3, alínea c) do Estatuto do Medicamento e no artigo 11.º do Código da Publicidade, que, por sua vez, remete para o Decreto-Lei sobre Práticas Comerciais Desleais” (sic. art.º 7.º) acrescentando que, “… também é patente e notória a violação das regras do Código de Conduta em matéria de Publicidade e outras formas de Comunicação Comercial” da ARP”. (sic. art.º 8.º);
– (ii) “No que concerne à violação da obrigação de correspondência entre o anúncio e o RCM, dispõe o artigo 150.º n.º 3, alínea a) do Estatuto do Medicamento que “a publicidade de medicamentos deve conter elementos que estejam de acordo com as informações constantes do resumo das características do medicamento, tal como foi autorizado” (sic. art.º 9.º), pelo que “…importa citar o conteúdo do RCM (…) que refere, designadamente, que “Noventa e quatro por cento (94%) dos pacientes responderam ao Voltaren Emulgel após 2 dias de tratamento versus 8% com gel placebo (…). Resolução da dor e da incapacidade funcional foram atingidas após 4 dias de tratamento com Voltaren Emulgel” (sic. art.º 16.º), sendo que “Do excerto transcrito e, bem assim, da leitura exaustiva do documento não se retira qualquer referência à eficácia do medicamento no alívio da dor de pescoço durante o movimento, como mencionado no anúncio em questão” (sic. art.º 17) resultando, “…que a alegação constante do anúncio publicitário ora em análise não está em conformidade com o RCM, tal como autorizado” (sic. art.º 18.º) acrescentando que, “Não se pode presumir que o público consumidor consulte, ou tenha sequer capacidade para entender, artigos científicos sobre os medicamentos que pretende adquirir. Com efeito, para o público, a fonte de informação por excelência acerca dos medicamentos é o RCM.” (sic. art.º 26.º);
– (iii) “…o Estatuto do Medicamento, contrariamente ao Código da Publicidade, prevê uma proibição absoluta de publicidade comparativa no seu artigo 153.º” (sic. art.º 27.º), devendo-se ter em conta que “…a Denunciada, no anúncio publicitário à referência Voltaren Emulgel, não efetua qualquer tipo de autocomparação” (pelo que), “a utilização da expressão “duas vezes mais rápido no alívio da dor”, em particular do advérbio de intensidade “mais” acompanhado do adjetivo “rápido”, só pode encerrar uma comparação implícita com os medicamentos anti-inflamatórios oferecidos por concorrentes, como seja, entre outros, o Elás Creme, cujo titular da AIM é a Merck, S.A.” (sic. art.º 31.º)”.
1.4.2. Contraditando a denúncia da P&G, vem a GSK CH defender na sua contestação, e em resumo, que:
– (i) “…seja pela redação legal da Directiva, seja pelo Estatuto do Medicamento, o resultado será sistematicamente idêntico: apenas será exigível a conformidade da mensagem publicitária com o RCM e não a literalidade, identidade e correspondência absoluta entre alegações publicitárias e RCM. É este o entendimento racional e lógico que faz sentido quando o legislador permitiu expressamente a publicidade a medicamentos e não o fez para que os anúncios publicitários a medicamentos se limitassem a ser uma reprodução exata do RCM” (sic. ponto 23) pelo que, “…a publicidade ao medicamento Voltaren Emulgel está totalmente conforme com este quadro normativo globalmente considerado, tal como este deve ser interpretado…” (sic. ponto 24) acrescentando que, “…já que as referidas mensagens publicitárias, apesar de não reproduzirem apenas e literalmente o RCM (nem é legítimo, nem exigível que o façam porque o RCM não constituí publicidade, mas sim um documento técnico/científico) (i) são perfeitamente consentâneas com este resumo, porque com ele coerentes e conformes, (ii) não excedem os limites evidenciados pelas provas científicas de que dispomos; (iii) encontram-se expressamente suportadas pelas provas científicas existentes.” (sic. ponto 25);
– (ii) “O estudo científico (…) compara a aplicação de Voltaren com um gel placebo – um gel que apresenta a mesma formulação e aspeto do Voltaren Emulgel, mas sem qualquer substância ativa (diclofenac dietilamina)” (sic. ponto 27) sendo que, “Esta metodologia constitui o modus operandi em alguns ensaios clínicos cegos, nos quais existe um grupo das pessoas em tratamento a receber o medicamento (neste caso o Voltaren Emulgel) e outro grupo de pessoas equivalente a receber placebo, com o objetivo de reduzir o viés ao máximo na avaliação dos resultados. É uma metodologia de comparação aplicada em estudos científicos perfeitamente válida, lícita, útil e eficaz e que obviamente não é censurada ou proibida em termos publicitários, e muito menos constitui publicidade comparativa no sentido que é proibido pela legislação aplicável”. (sic. ponto 29);
– (iii) O claim “Voltaren Emulgel, duas vezes mais rápido no alívio da dor” tem suporte e origem num estudo mencionado no RCM através da seguinte informação clínica: “Os dados clínicos demonstraram que Voltaren Emulgel reduz a dor aguda uma hora após a aplicação inicial (p <0,0001 contra gel placebo)…” (sic. ponto 39) sustentando que “Este estudo científico credível e isento, elaborado por uma entidade independente – BIOMED CENTRAL “Efficacy and safety of dicoflenac diethylamine 1.16% gel in acute neck pain: randomized, double-blind, placebo-controlled study” – extende-se numa análise post-hoc que expressamente suporta o claim “Voltaren Emulgel, duas vezes mais rápido no alívio da dor” – pelo que cumpre os requisitos da sua validade e legalidade, dissipando assim a qualificação de publicidade enganosa” (sic. ponto 40) acrescentando que, “Os dados supra mencionados (…) demostram que o tempo médio de resposta (definido como o primeiro tempo de visita no qual a dor em movimento diminuiu em 50% a partir do valor basal) foi de 2 dias (46 horas) para aqueles que utilizaram Voltaren Emulgel 1,16% vs 5 dias (117 horas) para o grupo que aplicou o gel placebo (…) revelando, na realidade, um alívio da dor médio, em movimento, duas vezes mais rápido com Voltaren Emulgel do que com gel placebo.” (sic. ponto 41);
- Enquadramento ético-legal
2.1. Da alegada prática de publicidade comparativa
A prática de publicidade comparativa somente é consentida mediante a verificação concreta de determinados requisitos constantes do artigo 16.º do Código da Publicidade, os quais encontram a sua equivalência em sede de auto-regulação, no artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP, sob a epígrafe “Comparações”, sendo que nos termos do n.º 1 deste normativo, “É comparativa a comunicação comercial que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente.” De igual modo, é um facto que o Estatuto do Medicamento, contrariamente ao quadro ético-legal referido, consigna no seu artigo 153.º, n.º 5, a proibição absoluta de práticas de publicidade comparativa (explícitas ou implícitas), tal como afirma a Requerente. (Cfr. art.º 27.º da petição).
Contudo, não subscreve o JE o entendimento da P&G constante do art.º 31.º da sua queixa, no sentido de que ”… tendo em conta que a Denunciada, no anúncio publicitário à referência Voltaren Emulgel, não efetua qualquer tipo de autocomparação, a utilização da expressão “duas vezes mais rápido no alívio da dor”, em particular do advérbio de intensidade “mais” acompanhado do adjetivo “rápido”, só pode encerrar uma comparação implícita com os medicamentos anti-inflamatórios oferecidos por concorrentes, como seja, entre outros, o Elás Creme, cujo titular da AIM é a Merck, S.A. (sic., negrito e sublinhado do Júri).
Com efeito, de acordo com a melhor doutrina jus-publicitária e designadamente, mas sem excluir, a de Anxo Tato Plaza, para que ocorra a prática em apreço, “…deve existir, para além da referência genérica a todos os restantes concorrentes, uma referência inequívoca a um ou vários concorrentes” devendo atender-se “ao sentido que o público receptor da mensagem publicitária dê a este (…). Isto é, quando o público destinatário da mensagem a entenda como uma comparação com um ou vários concorrentes determinados e identificáveis[2].”
Dito de outra forma, só se verificará uma prática de publicidade comparativa implícita, caso o respetivo destinatário consiga identificar a totalidade da concorrência, de modo instintivo e imediato, o que apenas acontecerá em casos de mercados extremamente exíguos e de acessível perceção. O que não é o caso.
Aliás, tem sido esta a posição adotada pelo JE no âmbito da sua jurisprudência.
De facto, o destinatário da comunicação comercial – entendido este, de acordo com o critério do consumidor medio razoavelmente atento, esclarecido e informado estabelecido pela jurisprudência comunitária[3] e acolhido no artigo 3.º do Código de Conduta da ARP – colocado perante a alegação publicitária objeto da questão controvertida “Voltaren Emulgel, duas vezes mais rápido no alívio da dor” – não representará na sua mente a totalidade da concorrência do medicamento atentas quer a vastidão do mercado, quer a especificidade do mesmo.
De onde, considera o JE que o objeto dos presentes autos não configura um caso de publicidade comparativa – mesmo que implícita – acompanhando, assim, o entendimento da GSK CH vertido a pontos 30 e 36 da sua contestação.
2.2. Da alegada prática de publicidade enganosa
Sem prejuízo do que concluiu no ponto anterior, concorda o Júri quanto ao alegado pela Requerente, em sede de petição, no sentido de que ” Na medida em que o advérbio “mais” exprime a ideia relacional de maior quantidade – e partindo do pressuposto de que se considera que do anúncio não resulta uma comparação, explícita ou implícita, com qualquer produto, seja do próprio anunciante (autocomparação) ou de concorrentes (heterocomparação) –, a utilização desse advérbio terá como efeito inevitável a indução do consumidor em erro, pois dá ênfase a vantagens de natureza relativa sem que o medicamento seja colocado em relação com qualquer outro.” (sic. art.º 34.º, negrito e sublinhado do JE).
Face a tal alegação da P&G, não entende o Júri o motivo pelo qual a GSK CH enfatiza que “Uma certeza é legítima de extrair: um consumidor médio não retira seguramente as conclusões evidenciadas pela PROCTER & GAMBLE, no sentido de se tratar de um medicamento (VOLTAREN EMULGEL) superior aos demais existentes no mercado.” (sic. ponto 52 da contestação).
De facto, não é tal, o alegado pela Requerente.
Diga-se, antes, que o consumidor médio razoavelmente atento, esclarecido e informado (entendido de acordo com a aceção que ficou sobejamente referida) colocado, perante a alegação publicitária “Voltaren Emulgel, duas vezes mais rápido no alívio da dor” associada ao disclaimer “na dor do pescoço durante o movimento vs placebo”:
– (i) não só “não retirará, seguramente, conclusões (…) no sentido de se tratar de um medicamento (VOLTAREN EMULGEL) superior aos demais existentes no mercado” (sic. ponto 52 da contestação, negrito e sublinhado do Júri) e não identificáveis;
– (ii) como não perceberá, claramente, se “Voltaren Emulgel, é duas vezes mais rápido no alívio da dor” relativamente a eventuais versões anteriores do medicamento da GSK CH – ou seja, se estará em presença de uma auto-comparação;
– (iii) já que, relevando o vácuo relativo da palavra “mais”, por poderosa em termos semânticos, percecionará uma eventual superioridade do Voltaren Emulgel a “algo”. Quiçá, ao jeito de uma “quase publicidade de tom exclusivo”. Ou, talvez, a um produto da própria GSK CH;
– (iv) em ambas as hipóteses, não compreenderá o significado do termo científico “placebo” e, muito menos, o real alcance da expressão conjugada “na dor do pescoço durante o movimento vs placebo”, o que é de molde a arrepiar, inequivocamente, a função informativa e contextualizante dos disclaimers inerente à observância do princípio da veracidade em matéria de comunicações comerciais;
– (v) igualmente, na medida em que, mesmo que entendesse os contornos de tal conceito – o que não se concede – sempre ficaria sem perceber se o efeito “2 vezes mais rápido ” é aplicável a todas as situações dolorosas, a só a algumas e em qualquer circunstância, ou se é vocacionado, apenas, para dores do pescoço durante o movimento. Tal, por virtude de uma das alegações publicitárias imagéticas comunicar uma situação de dor lombar a qual, obviamente, nada tem a ver com a dor de pescoço referida no disclaimer.
Seja qual for o caso, e no restante, o claim “Voltaren Emulgel, duas vezes mais rápido no alívio da dor” associado ao disclaimer “na dor do pescoço durante o movimento vs placebo”, será indecifrável para o chamado consumidor médio como, aliás, a própria Requerida tacitamente admite em sede de contestação, ao adjetivá-los como complexos do ponto de vista técnico-científico. (Cfr. ponto 6). Logo, será suscetível de o induzir em erro.
Militando no sentido de tal indecifrabilidade acresce uma manifesta desproporção entre o relevo dado à citada alegação publicitária (“Voltaren Emulgel, duas vezes mais rápido no alívio da dor”) e a reduzida visibilidade do disclaimer assinalado através de um pequeno asterisco e com texto em caracteres muitíssimo reduzidos.
Na verdade, só um consumidor muito atento se aperceberá dos ditos texto e asterisco. De facto, um destinatário médio será, sobretudo, sensível ao efeito gráfico adoptado e à afirmação categórica, sem qualquer “mas…” ou restrição: “Voltaren Emulgel, duas vezes mais rápido no alívio da dor”.
Pelo exposto, entende o Júri que a comunicação comercial em lide configura uma prática de publicidade enganosa, por desconformidade com o disposto no artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Conduta da ARP, nos termos dos quais a comunicação comercial deve ser verdadeira, não enganosa e proscrever qualquer declaração, alegação ou tratamento auditivo ou visual que seja de natureza a, direta ou indiretamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou ser suscetível de induzir, em erro o consumidor.
Cumpre ao JE salientar que, esgrimir interpretações sobre se, à luz do estipulado no Estatuto do Medicamento, se deve concluir que a publicidade a medicamentos apenas não pode ser contrária, ou ir em sentido divergente, face a elementos do RCM aprovado pelo INFARMED (cfr. pontos 9 a 13 da contestação) ou se só deve conter elementos que constem do mesmo resumo das características do medicamento (cfr. art.ºs 8 a 14 da petição) – para o efeito de apurar da legitimidade ou da ilegitimidade da alegação de que o alívio se verifica na dor do pescoço durante o movimento – significaria sufragar, previamente, a inaceitável subjetividade de comunicação daqueles elementos, já que está em causa a proteção do bem jurídico saúde. Dito de outra forma, tal significaria aceitar a priori, como legítima, a utilização da expressão “duas vezes mais rápido”, sem que o medicamento seja colocado em relação com algo objetivo e claramente compreensível para o consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido e informado: o destinatário da publicidade.
Ora, o que é facto é que dificilmente poderia ser colocado desse modo, já que a publicidade comparativa cujo objeto seja medicamentos consubstancia uma prática interdita, de acordo com o artigo 153.º, n.º 5, do Estatuto do Medicamento.
De onde, não colhe o entendimento da Requerida no sentido de que, “… as expressões que a GSK CH utiliza na sua publicidade “duas vezes mais rápido no alívio da dor” são intencionalmente objetivas, informativas, cientificamente comprováveis e, inclusive, pouco agressivas em termos publicitários precisamente para se enquadrar na linha de uma publicidade lícita, identificável, verdadeira e respeitadora dos direitos dos consumidores que a Auto Regulação Publicitária exige dos agentes económicos que operam no mercado”. (sic. ponto 50 da contestação).
Na realidade, o que não seja objetivo, claro e informativo em matéria de comunicações comerciais que se relacionem com o bem jurídico saúde, não pode ser considerado conforme com o princípio da veracidade pelo que, com a devida vénia, se torna despicienda toda a argumentação da Requerida em sentido inverso. (Cfr, pontos 37 a 48 da contestação).
- Decisão
Termos em que a Segunda Secção do Júri de Ética da ARP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da GSK CH – veiculada nos suportes Internet e televisão – em apreciação no presente processo – se encontra desconforme com os artigos 4.º, n.ºs 1 e 2 e 9.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Conduta da ARP, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurados pelo JE.».
A Segunda Secção do Júri de Ética da Auto Regulação Publicitária
[1] Uma nota prévia: O ex-ICAP denomina-se, agora, Auto-Regulação Publicitária – ARP.
[2] Vd. Anxo Tato Plaza in “La Publicidad Comparativa”, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, S. A. Madrid, 1996, p. 52).
[3] Vd. Acórdão do Tribunal de Justiça proferido no processo C-220/98, de 13 de janeiro de 2000 (Estée Lauder Cosmetics vs. Lancaster Group).