2018

4J / 2018 – :: TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES, SA VS SKYCOP.COM, UAB

4J/2018

TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES, SA
vs.
SKYCOP.COM, UAB

Processo n.º 4J/2018

 

  1. Objecto dos Autos

1.1. A TRANSPORTES AÉREOS PORTUGUESES, S.A. (adiante abreviada e indiferenciadamente designada por TAP ou Requerente), veio, junto do Júri de Ética da ARP (adiante abreviada e indiferenciadamente designado por JE ou Júri), apresentar queixa contra a SKYCOP.COM, UAB (adiante abreviada e indiferenciadamente designada por SKYCOP ou Requerida) relativamente a comunicação comercial à sua marca – feita através de MUPI – tal, por alegada ofensa do quadro ético-legal em matéria de livre e leal concorrência, bem como de princípio da legalidade.

1.2.     Notificada para o efeito, a SKYCOP não apresentou contestação.

Dão-se por reproduzidos a queixa e os documentos juntos pela Requerente.

1.3. Dos factos

A Requerida é responsável pela divulgação de uma campanha publicitária em suporte MUPI, mobiliário urbano que se encontra localizado nas principais estações de metro de Lisboa, designadamente, a do aeroporto da cidade. (Crf. art,ºs 1 e 2 da queixa e respetivo Doc n.º 1).

A análise da queixa e dos documentos juntos aos autos pela TAP permite concluir que a comunicação da responsabilidade da SKYCOP, colocada em crise, é consubstanciada pelas alegações publicitárias ou claims que o Júri passa a elencar.

1.3.1. Do teor das alegações publicitárias ou claims (cfr. Doc. n.º1 da queixa):

– (i) No topo do MUPI, em fundo branco, visualizam-se as letras maiúsculas “APT”, respetivamente, a encarnado, verde e preto, às quais se segue o slogan em caracteres de grande formato;

– (ii) “O QUE É MAIS FRUSTRANTE DO QUE TER UM VOO CANCELADO?” associado a imagem de suposto chat de apoio ao utente, no qual se inicia uma presumível troca de impressões entre o cliente, alegadamente lesado, e companhia aérea;

– (iii) “(Cliente) Ahh…Companhia Aérea Portuguesa? O vosso website não está a funcionar. Quero receber o meu dinheiro de volta pelo voo cancelado.”;

– (iv) “(APT) Error 404”;

– (v) “(ATP) Uma vez no aeroporto, por favor dirija-se ao nosso balcão para qualquer problema operacional”;

– (vi) “TENTAR PREENCHER O FORMULÁRIO DE RECLAMAÇÃO. SEJA OUVIDO. NÃO FIQUE PERDIDO”.

1.4. Em essência, alega a Requerente em sede de petição que:

– (i) A comunicação comercial da Requerida socorre-se de “expressões depreciativas denegrindo a atividade comercial da Queixosa, TAP” (sic. art.º 4) a que (acresce) “o tom jocoso e depreciativo utilizado (…) de forma a enfatizar – e ridicularizar –, generalizando alegadas falhas no serviço da Queixosa” (sic. art.º 5) aquele, associado à utilização dos sinais distintivos de comércio da TAP, modificando-os sem que, ainda assim, se afaste a possibilidade de serem facilmente reconhecidos por qualquer consumidor médio (cfr. art.º 6), designadamente, “o logótipo, que contém as mesmas cores, as mesmas iniciais, e o mesmo tipo de letra, apenas trocando a ordem das letras apresentadas para APT” (sic. art.º 11), acrescentando que “não obstante a desconstrução do logótipo, das iniciais e da ordem como as mesmas são apresentadas, o consumidor médio facilmente assimila o logótipo representado no chat ao da TAP.” (sic. art.º 12);

– (ii) “não sendo suficientes as menções da campanha publicitária, é ainda feito recurso aos sinais distintivos da TAP (inversão da sigla para ATP) para apresentação da atividade comercial da SKYCOP, ainda que de forma desconstruída, mas que, por toda a sua aparência e pelas suas cores, induz, de imediato, o consumidor na assimilação direta à marca da TAP e automaticamente à representação dos seus serviços” (sic. art.º 26), pelo que “se conclui que a campanha publicitária da SKYCOP, não só constitui uma grave ofensa da imagem e da qualidade dos serviços da Queixosa, como transportadora aérea, mas também como entidade prestadora de serviços de atendimento ao cliente – serviços esses que a SKYCOP se propõe prestar com esta campanha.” (sic. art.º 23);

– (iii) “Acresce que, ao utilizar sinais distintivos da TAP (mais uma vez, por associação clara ao logótipo (…), sem autorização para tal, a campanha publicitária da SKYCOP explora a reputação da TAP.” (sic. art.º 35).

  1. Enquadramento ético-legal

Nos termos do artigo 4.º, n.º 2, do Código de Conduta da ARP, sob a epígrafe “Princípios Fundamentais”, “…a Comunicação Comercial deve ser concebida com o sentido de responsabilidade social e profissional e devem ser conformes aos princípios da leal concorrência, tal como estes são comummente aceites em assuntos de âmbito comercial”, sendo que, de acordo com o artigo 5,º do mesmo Código, sob a epígrafe “Legalidade”, “A Comunicação Comercial deve respeitar os valores, direitos e princípios reconhecidos na Constituição e na restante legislação aplicável”.

Ainda segundo o Código de Conduta da ARP, a comunicação comercial comparativa não deve “ser enganosa“ (…) “desrespeitar os princípios da leal concorrência”; (…) “desacreditar ou depreciar marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens, serviços, actividades ou situação de um concorrente”; (…) “retirar partido indevido do renome de uma marca, designação comercial ou outro sinal distintivo de um concorrente ou da denominação de origem de Produtos concorrentes (cfr. art.º 15.º, n.º 2, alíneas a) d), f) e h)), devendo, ainda, “ser verdadeira e não enganosa” (cfr. artigo 9.º, n.º 1) e “…proscrever qualquer declaração, alegação ou tratamento auditivo ou visual que seja de natureza a, directa ou indirectamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou ser susceptível de induzir, em erro o Consumidor, designadamente no que respeita a (…) “direitos de propriedade industrial tais como patentes, marcas comerciais, desenhos e modelos e nomes comerciais (cfr. artigo 9.º, n.º 2, alínea f)), bem como abster-se de “…denegrir qualquer pessoa, categoria de pessoas, Entidade, organização, actividade comercial ou industrial, profissão ou Produto, nem procurar colocá-las a ridículo ou desrespeito ou sobre as mesmas suscitar o desprezo público” (sic. artigo 16.º); “…utilizar injustificadamente os nomes, siglas, logótipos e/ou marcas de uma outra Entidade ou instituição…” (cff. artigo 19.º).

Analisada a campanha publicitária em lide (cfr. Docs. n.ºs 1 e 2 da petição), conclui o Júri que a utilização por parte da SKYCOP da sigla ATP, em caracteres em tudo semelhantes aos do logotipo da TAP, com inclusão das cores da bandeira portuguesa associadas à menção “Companhia Aérea Portuguesa” traduz uma prática de publicidade comparativa explícita à luz do disposto no artigo 15.º, n.º 1 do Código de Conduta da ARP assistindo, assim, razão à Requerente, quanto ao alegado a art.ºs 5 a 15 e 26 da queixa).

Sustenta a TAP em sede de petição que “…o facto de que o recurso às menções “o website não está a funcionar”, “voo cancelado”, “APT Error 404” e as reticências do cliente sugerindo impaciência, denigre a prestação de serviços da Queixosa, porquanto as mesmas são suscetíveis de criar um impacto negativo junto dos consumidores” (sic. art. 16) sendo que “toda a campanha publicitária consiste, por conseguinte, numa representação da má prestação de serviços e na incapacidade de resolução de problemas junto dos consumidores pela” TAP” (cfr. art.º 18). Cumpre ao JE acrescentar que, independentemente da prova que impenderia sobre a Requerida neste tocante – e que não foi apresentada, de par com a ausência de contestação – sempre se trataria aqui de um caso de publicidade denegrido. Isto, não só pelo tom jocoso, satírico e de incentivo à reclamação patente na respetiva mensagem, como pela a existência de uma alusão à concorrência fundada em características não pertinentes e comprováveis. Tal, ao arrepio das obrigações decorrentes dos artigos 15.º, n.º 2, alíneas a), c) e f) e 16.º, bem como 12.º do Código de Conduta da ARP (em tudo equivalente ao quadro legal português em matéria de publicidade) o que, por maioria de razão, faz resvalar a comunicação comercial comparativa da responsabilidade da SKYCOP para uma prática de publicidade desconforme com os princípios da veracidade e da livre e leal concorrência.

Quanto à posição da Requerente no sentido de a campanha veiculada nos moldes expostos propiciar uma confusão entre sinais distintivos das Partes, quer o Júri esclarecer que tal confusão não é passível de ser gerada na mente do chamado consumidor médio, considerado este de acordo com a aceção sobejamente divulgada pelo JE. Com efeito, não se vislumbra, in casu, um acto suscetível de “criar confusão com a empresa, o estabelecimento, os produtos ou os serviços dos concorrentes, qualquer que seja o meio empregue“, por virtude de se fundar numa semelhança que “dê origem a que um sinal possa ser tomado por outro, ocorrendo risco de associação”. (Crf. art.ºs 27 a 29 da queixa).

De facto, o logotipo que, por truncagem, invoca o da TAP, não é o da SKYCOP, ao contrário do implicitamente alegado pela Requerente a art.º 31 da queixa.

Com efeito, é exatamente porque o consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido e informado, se apercebe de que é a TAP, e só ela, a companhia visada pela Requerida – quando colocado perante os sinais distintivos constantes da campanha em lide – que se conclui existir exploração da reputação daquela companhia aérea, em desconformidade com o disposto no artigo 19.º do Código de Conduta da ARP, para o que militam as desconformidades ético-legais que ficaram referidas.

Quer o Júri referir, igualmente, que não colhe o sustentado pela TAP na sua petição no sentido de que a campanha colocada em crise “…vem ainda ofender, de forma injustificável (…) direitos legal e constitucionalmente consagrados (cfr. (…) artigos 12.º e 26.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa” (sic. art.º 44). Na realidade, os direitos de personalidade reconhecidos no seio do artigo 26.º da CRP, enquanto vertentes do Direito à Honra, consubstanciam direitos pessoais. Logo, exclusivos da pessoa física e singular.

  1. Decisão

Termos em que a Segunda Secção do Júri de Ética da ARP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da SKYCOP, veiculada através de MUPI – em apreciação no presente processo -, se encontra desconforme com os artigos 4.º, n.º 2, 5.º, 9,º, n.ºs 1 e 2, alínea f), 12.º, 15.º, n.º 2, alíneas a), c), d), f) e h), 16.º e 19.º do Código de Conduta da ARP, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurado pelo JE.».

A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética da

Auto Regulação Publicitária

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3J/2018

Recurso

VMPS – ÁGUAS E TURISMO, S.A. e SUPER BOCK BEBIDAS, S.A.
vs.
SUMOL+COMPAL MARCAS, SA.

 

COMISSÃO DE APELO

Proc. n.º 3J/2018

 

I – RELATÓRIO

VMPS – ÁGUAS E TURISMO, S.A., sociedade anónima, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Vila Pouca de Aguiar, com o número Único de Matrícula e de Pessoa Colectiva 501.887.644, com sede em Pedras Salgadas, Vila Pouca de Aguiar e com o capital social de € 500.000,00 (doravante designada, abreviadamente por VMPS),
e
SUPER BOCK BEBIDAS, S.A., sociedade anónima, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto, com o número Único de Matrícula e de Pessoa Colectiva 505.266.202, com sede à Via Norte, Leça do Balio, Matosinhos e com o capital social de € 38.500.000,00 (doravante designada, abreviadamente por SBB),

vêm recorrer para esta Comissão de Apelo, da deliberação de 10 de Outubro de 2018, da 1ª Secção do Júri de Ética da Auto Regulação Publicitária que julgou procedente a queixa apresentada por SUMOL+COMPAL MARCAS, S.A., e determinou que deveriam cessar de imediato as menções publicitárias inscritas nas embalagens dos produtos e nos demais suportes, não devendo ser repostas, total ou parcialmente, seja em que suporte for, relativamente à comunicação comercial difundida nos suportes televisão, outdoors, meios digitais, rótulos das embalagens, materiais de ponto de venda e relativa à bebida “Águas das Pedras Sabores”, nas variedades Limão, Frutos Vermelhos e Maçã e, doravante abreviadamente designada por “Produto”, por alegada violação dos n.ºs 1, 2. 3 e 4 do artigo 7º do Regulamento nº 1169/2011, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, dos artigos 9.º, n.º 1 do Código de Conduta da Auto-Regulação Publicitária (“ARP”) e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º do Código da Publicidade.

1.1.- Queixa. 

A queixa apresentada pela SUMOL+COMPAL MARCAS, S.A., nos termos do Regulamento do Júri de Ética Publicitária, contra SUPER BOCK BEBIDAS, S.A., pessoa coletiva n.º 505 266 202, com sede na Via Norte, 4465-764 Leça do Balio, produz e comercializa o produto com a marca “ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES”, tem os seguintes fundamentos:

A SUPER BOCK BEBIDAS, S.A., produz e comercializa o produto com a marca “ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES”, nas variedades Limão, Frutos Vermelhos e Maçã, encontrando-se a ser vendida através das cadeias de grande distribuição, hotéis, restaurantes, cafés e pastelarias, e a ser amplamente publicitada.

A bebida “ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES” consiste, de acordo com a informação transmitida pela própria marca:

i. Limão: “de uma bebida à base de água mineral natural com gás e ingredientes 100% naturais, com um sabor suave e refrescante a limão

ii. Frutos Vermelhos: “de uma bebida à base de água mineral natural com gás e ingredientes 100% naturais, com um sabor suave e refrescante a frutos vermelhos (framboesa e morango), conhecidos pelas suas propriedades antioxidantes

iii. Maçã: “de uma bebida à base de água mineral natural com gás e ingredientes 100% naturais, com um sabor leve e refrescante a maçã” É feita menção na respetiva embalagem a “PEDRAS – (SABOR) – INGREDIENTES 100% NATURAIS”.
Constam, ainda, do verso das referidas embalagens, os seguintes ingredientes:

iv. PEDRAS LIMÃO
“Água Mineral Natural Gasocarbónica, frutose, extrato de frutos, sumo de limão (2,1%) e maçã (0,2%) obtido a partir de um produto concentrado, acidificante (ácido cítrico), aroma natural de limão”
cfr. documento n.º 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.

v. PEDRAS FRUTOS VERMELHOS“ Água Mineral Natural Gasocarbónica, frutose, extrato de frutos, sumos de framboesa (1,15%), maçã (0,7%), pera (0,5%) e morango (0,18%) obtidos a partir de um produto concentrado, acidificante (ácido cítrico), aromas naturais”
cfr. documento n.º 1 já junto.

vi. PEDRAS MAÇÓÁgua Mineral Natural Gasocarbónica, frutose, extrato de frutos, sumo de maçã obtido a partir de um produto concentrado (1,94%), acidificante (ácido cítrico), aroma naturais”
cfr. documento n.º 1 já junto.

Trata-se, pois, de uma bebida refrigerante de extratos vegetais com água mineral gasocarbónica, contendo frutose, extratos de frutos obtidos de produtos concentrados, acidificantes e outros ingredientes comunicados ao consumidor. A referida sociedade encontra-se a fazer uma ampla comunicação publicitária, com presença em televisão, outdoors, meios digitais, rótulos, materiais de ponto de venda, ao referido produto “ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES”.

Ora, a publicidade feita é falsa e enganosa, tendo sido elaborada de modo a, voluntariamente, induzir o consumidor em erro a respeito das características essenciais do produto, pretendendo dar deste uma falsa ideia de naturalidade, quando, na realidade, a bebida contém frutose e ácido cítrico, que não são ingredientes naturais.

A utilização da palavra natural associada aos ingredientes presentes na fórmula da ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES, nomeadamente FRUTOSE e ÁCIDO CITRICO, é errada e enganosa.
A utilização do termo natural para descrever produtos ou ingredientes que “nascem” de processos químicos de extração e purificação, como os acima referidos, de forma a realçar e preservar sabores, alterar a cor dos líquidos, regular o respetivo PH, mascarar o gosto desagradável de alguns compostos, neutralizar o paladar doce e acidificar o seu sabor, é enganador.

Tendo esta bebida ingredientes não naturais, a utilização da denominação “INGREDIENTES 100% NATURAIS” é manifestamente abusiva.

As utilizações das referidas alegações comprometem as práticas leais de informação ao consumidor (onde se inclui a publicidade), como previsto no artigo 7º do Regulamento nº 1169/2011, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios.

Para além do exposto, a publicidade veiculada viola de forma evidente o princípio da veracidade constante do Código do ICAP e do Código da Publicidade, aprovado pelo Decreto-lei n.º 330/90, de 23 de outubro.

Conclui pedindo que:

a) que seja ordenada a imediata interrupção da publicidade veiculada a respeito do Produto “ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES”, nas suas diversas formas e suportes;

b) que seja emitido o entendimento de V. Exas. a respeito da falta de adequação do rótulo aos princípios da comunicação publicitária;

c) que seja ordenado o respeito da decisão de V. Exas., abstendo-se aquelas de divulgar as campanhas que oram se contestam, quer parcial, quer totalmente, seja em que suporte for.

1.2.- Contestação à queixa. 

Foi apresentada pela VMPS – ÁGUAS E TURISMO, S.A.  e pela  SUPER BOCK BEBIDAS, S.A., contestação relativamente à queixa, nos seguintes termos essenciais.

A Super Bock Bebidas, S.A. não produz nem é a detentora da marca “Água das Pedras Sabores”.

As marcas “Pedras” ou “Água das Pedras” são marcas detidas pela sociedade VMPS – Águas e Turismo, S.A. (doravante VMPS) que as produz.

As águas das Pedras nos seus vários sabores, são, de facto, constituídas à base de água mineral natural com gás e com ingredientes 100% naturais.

O uso da terminologia “natural” na menção “ingredientes 100% naturais” não se aplica no âmbito do Regulamento (EU) 1924/2006, de 20 de Dezembro, de 2006, relativo às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos.

Em conformidade com o artigo 2.º, do Regulamento (EU) 1924/2006, entende-se por «alegação nutricional», qualquer alegação que declare, sugira ou implique que um alimento possui propriedades nutricionais benéficas, sendo que as alegações nutricionais autorizadas são as constantes do anexo. Neste contexto, a terminologia “natural” pode acompanhar uma alegação nutricional das presentes no anexo quando preencha naturalmente essa condição.

A VMPS nestes seus produtos não altera a cor dos líquidos; não regulariza o pH e não mascara o gosto desagradável de compostos.

Não existe qualquer definição na legislação nacional ou europeia sobre a terminologia “Natural”. Contudo, existem linhas orientadoras sobre a utilização do termo natural definidas pela DGFCQA em 2005 (Direção-Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar) – (Doc. 1).

Contrariamente ao que alega a S+C – e não ao que faz – o ácido cítrico e a frutose são elementos naturais, pelo menos na origem.

São produtos obtidos da natureza ou constituídos por ingredientes produzidos pela natureza, isentos de produtos químicos ou ingredientes que contenham produtos químicos tais como aditivos e aromatizantes resultantes de processos químicos.

Nem a frutose nem o ácido cítrico nascem de processo químicos!!!

Nem a VMPS nem a SBB induzem em erro o consumidor, nem prestam informações erradas ou inexactas.

As informações prestadas são verdadeiras quer quanto à natureza quer quanto às características dos produtos.
Nem sequer se pode extrair da comunicação da VMPS e SBB que todos os ingredientes são 100% naturais, ou seja, que 100% dos ingredientes são 100% naturais.

Concluem no sentido de dever ser julgada improcedente, por não provada a queixa formulada pela Sumol+Compal Marcas, S.A., devendo, em consequência, esse Júri abster-se de deliberar no sentido requerido pela Queixosa.

1.3. – Decisão recorrida (1ª Secção do Júri de Ética).

A 1ª Secção do Júri de Ética do Instituto da Auto Regulação Publicitária julgou procedente a queixa apresentada com base nos seguintes fundamentos essenciais:

Para efeitos da apreciação da questão sub judice e tendo presente que a entidade que produz o produto, que é proprietária do mesmo e detentora da marca “Pedras” optou por se coligar com a entidade que comercializa o Produto, afigura-se para este JE que as partes se encontram devidamente identificadas.
Por outro lado, quanto à marca, ainda que a mesma não se encontre registada, o produto apresenta-se com o nome comercial de “Água das Pedras Sabores”, inequivocamente um produto da família “Água das Pedras”, perfeitamente identificado na queixa e reconhecido pela Requerida como seu.

Qualquer vício quanto a esta matéria se encontra sanado, considerando as partes legítimas, na sua qualidade de Anunciantes – a pessoa singular ou coletiva no interesse de quem se realiza a publicidade”. (Cfr. artigo 5.º, n.º 1, alínea a) do Código da Publicidade) e que o objeto da mensagem comercial – o produto – é reconhecido pelas mesmas pelo seu nome comercial: “Água das Pedras Sabores” ou “Pedras Sabores”.

O claim em análise e que delimita a questão controversa prende-se com a utilização da expressão “Ingredientes 100% naturais” patente nos rótulos das garrafas do produto, nas embalagens de cartão, materiais de ponto de venda e em toda a comunicação comercial difundida nos suportes televisão, outdoors e meios digitais. Já a expressão “natural” utilizada que surge no spot difundido nos suportes televisão e meios digitais, no contexto em que surge, associado a outras expressões como “Fresca”, “Divertida”, “Leve” e com um fundo musical que associa palavras do mesmo estilo, não parece a este júri que possa ser entendida como um apelo à naturalidade do produto e que esteja em crise neste pleito.

Quanto à questão da utilização da frutose e do ácido cítrico na composição do produto, não são apenas estes dois ingredientes que estão em causa, mas de todos os que são utilizados na elaboração do produto nos seus diferentes sabores.

Nem no rótulo do produto, nem na informação ao consumidor se conseguem descortinar todos os tratamentos a que os ingredientes foram sujeitos.

É diferente afirmar que um produto é feito com ingredientes naturais ou afirmar que é feito com “100% de ingredientes naturais”.

O termo “NATURAL” só deve ser utilizado pelos produtos constituídos apenas por ingredientes naturais”.

“100% Naturais” significa, consequentemente, para o consumidor médio que os ingredientes são naturais no sentido de não terem sofrido quaisquer modificações ou intervenções, ou seja, provêm diretamente da natureza sem qualquer intervenção humana, isento de produtos químicos ou ingredientes que contenham produtos químicos.

A requerida não logrou fazer prova que todos os ingredientes são 100% naturais na aceção que este JE já referiu, sendo certo que, apenas, se todos fossem efetivamente 100% naturais quando adicionados podia o produto ser publicitado nos termos já descritos e nos suportes referidos, nomeadamente na embalagem.

Aliás a própria Requerida acaba por reconhecer que “os ingredientes são naturais na origem”, mas não consegue afirmar que todos continuam 100% naturais – no sentido já referido – no produto final, nos seus diferentes sabores.

Existe uma enorme probabilidade do consumidor médio considerar que todos os ingredientes são 100% naturais – na aceção de proveniente diretamente da natureza sem qualquer intervenção humana ou química- sendo, consequentemente, induzido em erro quanto às características essenciais do produto, nas suas diferentes variantes de sabores, sendo por isso publicidade enganosa nos termos do n.º 1 e da alínea a), do n.º 2, do art.º 9.º do Código de Conduta do ICAP e do artigo 7.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Regulamento n.º 1169/2001 (UE), do Parlamento e do Conselho, de 25 de outubro, relativo à prestação de informação aos consumidores sobre géneros alimentícios, nos termos das quais “…a informação sobre os géneros alimentícios não deve induzir em erro, em especial no que respeita às características do género alimentício e, nomeadamente, no que se refere à sua natureza, identidade, propriedades, composição, quantidade…” (a) “Sugerindo que o género alimentício possui características especiais quando todos os géneros alimentícios similares possuem essas mesmas características evidenciando, especificamente, a existência ou inexistência de determinados ingredientes e/ou nutrientes.”

1.4. -Recurso.

Não se conformando a com esta deliberação e dela foi interposto o presente recurso, alegando, em síntese:

i. A queixa submetida à apreciação do JE por parte da Sumol+Compal tinha como Requerida a ora Recorrente SBB que, conforme demonstrado à saciedade, não é detentora das marcas “Pedras” e “Água das Pedras”, produtor ou anunciante;

ii. A SBB é parte ilegítima, pelo que a exceção dilatória invocada deveria ter sido julgada procedente e, em consequência, a SBB absolvida do pedido contra si formulado;

iii. Contrariamente a todos os princípios e normas que compõem o direito português e, bem assim o Regulamento do JE, a Primeira Secção do JE veio a julgar sanada a exceção dilatória referida com base na apresentação conjunta de contestação;

iv. A apresentação de contestação não constitui, nem poderá ser interpretado como constituindo um ato com capacidade jurídica para sanar um vício formal;

v. Nem tão-pouco a Primeira Secção do JE poderia, no âmbito da decisão prolatada, deixar de se reger pelo princípio do dispositivo e da segurança jurídica ou desconsiderar os direitos fundamentais das partes processuais;

vi. Resulta do exposto que a decisão da Primeira Secção do JE padece de um vício que não poderá deixar de merecer o reparo e correção por parte da Comissão de Apelo para salvaguarda dos princípios constitucionais e segurança das decisões proferidas pela ARP;

vii. A queixa apresentada pela Sumol+Compal, não encontra fundamento fáctico ou jurídico atendível, tendo as Recorrentes deixado claro em sede de contestação que os motivos que movem a Sumol+Compal se fundam em práticas de concorrenciais agressivas que têm como desígnio último a limitação de toda e qualquer comunicação sobre a naturalidade do produto “Água das Pedras” Sabores, devido ao lugar que esta ocupa no panorama nacional.

viii. Contrariamente ao entendimento propugnado pela Primeira Secção do JE, não estamos aqui perante um caso de publicidade enganosa, pois a interpretação do claim publicitário apenas poderá encontrar fundamento no seu elemento literal.

ix. Em momento algum é alegado que todos os ingredientes são naturais, mas apenas e somente que o produto tem ingredientes naturais, constituindo tal interpretação um deturpado e capcioso argumento da Sumol+Compal que, crê-se, induziu em erro a Primeira Secção do JE.

x. Com efeito, não pretende a Recorrente e momento algum induzir o consumidor em erro, dado que a afirmação utilizada é de facto verdadeira.

xi. Desconformemente ao entendimento do JE da ARP, face ao exposto, não existe motivo que justifique a retirada do mercado de todas as referências ao claim “Ingredientes 100% Naturais” associados ao Produto, pois o mesmo possui mesmo ingredientes totalmente naturais, em particular e de especial importância, a denominada “Água das Pedras”.

xii. A “Água das Pedras” é uma água com particularidades únicas amplamente reconhecidas não apenas em Portugal, mas internacionalmente, e constitui um elemento diferenciador no mercado português.

xiii. A Recorrente VMPS não utiliza ácido cítrico e frutose fabricados quimicamente, mas sim produzidos em respeito pela sua naturalidade, conforme declarações emitidas pelos produtores e juntas aos autos em sede de contestação.

xiv. O ácido cítrico e a frutose, sendo produtos naturais na sua origem, considerando os métodos de fabrico utilizados pelos produtores, não perdem a sua qualidade de naturais.

Tal entendimento encontra-se perfeitamente alinhado com a orientação Direção Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar, única em Portugal sobre a matéria em referência.

Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida e declarando a Super Bock Bebidas, S.A. parte ilegítima.

Caso assim não se entenda, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se, em consequência a decisão que declarou o claim publicitário “Ingredientes 100% naturais” violador do disposto no n.º 1 e 2, alínea a) do Código de Conduta da ARP e 7.º, n.º 1, alínea a) e c) e n.º 4 do Regulamento n.º 1169/2001 (UE), julgando o mesmo conforme à legislação aplicável.

1.5.- Resposta ao recurso. 

A SUMOL apresentou contra-alegações no recurso, concluindo nos seguintes termos:

A. A douta Decisão deve ser integralmente mantida por não merecer qualquer censura, já que revela inabalável acerto, encontrando-se, aliás, fundada em expressa e suficiente motivação e bem assim, porque procede ao respetivo enquadramento de direito com modelar clareza e correção.

B. Não se vislumbra eventual ilegitimidade passiva, que, a ter existido, o que não se concede, logo teria sido sanada pelas ora Recorrentes, com a sua livre e espontânea intervenção processual, motivada na sua conjunta Contestação, subscrita mediante procuração emitida a favor dos mesmos ilustres mandatários.

C. Ademais, mal se andaria, perante este processado de fim público, cujo ratio pretende a proteção do consumidor contra as práticas lesivas do consumo e da publicidade enganosa, se a deliberação do artifício utilizado ficasse a aguardar por nova reclamação em tudo idêntica.

D. Realça-se que ambas as Recorrentes beneficiaram do contraditório, deduziram as suas oposições, sem qualquer entrave de ordem factual ou outro, configurando-se os factos enganosos como prejudiciais ao consumidor.

E. Resulta de forma clara e inequívoca que a informação veiculada na publicidade e nos rótulos do produto induz efetivamente em erro quanto à natureza ou composição do refrigerante “Água das Pedras Sabores”.

F. O claim utilizado sugere que o refrigerante é composto exclusivamente por ingredientes naturais (ingredientes 100% naturais), quando, afinal, é também composto por ingredientes que não são naturais.

G. E, ainda, falsamente, através da aparência, da descrição e de imagens, a presença exclusiva de ingredientes naturais, quando, na realidade, contém ingredientes que não o são.

H. A Recorrida solicitou a realização de um estudo sobre a perceção dos portugueses sobre o claim “100% ingredientes naturais”.

I. Retira-se do estudo, ao contrário do que as Recorrentes referem, e sufragando o entender da Queixosa e do Júri de Ética, que, quanto à expressão “Ingredientes 100% naturais”: a. 55% avaliam que esta indica que a bebida só contém ingredientes 100% naturais; b. 45% avaliam que esta indica que a bebida contém alguns ingredientes 100% naturais e outros não naturais.

J. A opinião expressa pela maioria dos inquiridos é significativamente superior à que sufragam as Recorrentes.

K. A mensagem constante da publicidade veiculada não é verdadeira, explorando de forma manifesta e inaceitável a falta de conhecimento dos consumidores com o conseguido propósito de os induzir em erro.

L. A douta Decisão não se mostra inquinada de qualquer vício ou erro, devendo ser integralmente mantida sem qualquer alteração, e sequentemente, o recurso ser julgado improcedente, como é de inteira Justiça.

Termina pedindo que o Recurso seja julgado improcedente e, em consequência, se mantenha a douta Decisão recorrida, que não deve ser revogada.

II – Apreciação jurídica do mérito do recurso.

2.1. Questões adjetivas.

Alega a recorrente Super Bock Bebidas, S.A., que não produz nem é a detentora da marca “Água das Pedras Sabores”, a qual é detida, sim, pela sociedade VMPS – Águas e Turismo, S.A., que se dedica a essa mesma produção.

Logo, a queixa apresentada não lhe diz processualmente respeito, não lhe assistindo legitimidade para ser demandada.

Apreciando:

Constitui um facto público e notório que o produto comercialmente conhecido como “Águas das Pedras Sabores” se integra no grupo (digamos  família empresarial) das “Água das Pedras” de que a Super Bock Bebidas, S.A., é anunciante e detentora do registo da respectiva marca.

Basta para este efeito consultar o site “www.superbockgroup.com”.

Compreende-se por conseguinte que a presente queixa tenha sido apresentada pela Sumol + Compal Marcas, S.A., contra esta entidade (sua principal concorrente no mercado nacional de bebidas), ainda que formalmente o produto em referência se encontre afinal registado em favor de outra.

De todo o modo, havendo a VMPS- ÁGUAS DE TURISMO, SA, intervindo e aderido espontaneamente ao presente recurso – o que só por si, é perfeitamente sintomático quanto à ligação empresarial de interesses, de natureza comercial, prosseguidos pelas duas entidades -, não se vê motivo para considerar qualquer vício na presença, em conjunto, de ambas as entidades neste processo, tal como decidiu o Júri de Ética.

Desde logo, não se vislumbra qualquer afectação sensível ou minimamente relevante dos direito de defesa que a VMPS- ÁGUAS DE TURISMO, SA, prolixamente exerceu, com toda a liberdade e abrangência, fazendo valer os seus pontos de vista e desenvolvendo largamente o seu próprio argumentário.

Por outro lado, seria absolutamente insensato e contrário ao espírito da regulação publicitária um formal retorno “à estaca zero” – quando existem nos autos todos os elementos que habilitam a proferir uma decisão conscienciosa – para a repetição de uma nova queixa a
apresentar exactamente nos mesmos moldes da anterior.

Improcedem, deste modo, as excepções apresentadas pelas recorrentes.

2.2. – Mérito da causa.

2.2.1.- Factos provados.

A bebida “ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES” encontra-se registada em favor da VMPS- ÁGUAS DE TURISMO, SA, integrando-a no conjunto da comercialmente conhecido como “Água das Pedras” de que a Super Bock Bebidas, S.A., é anunciante e detentora da regista marca.

A bebida “ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES” consiste, de acordo com a informação transmitida pela própria marca:

vii. Limão: “de uma bebida à base de água mineral natural com gás e ingredientes 100% naturais, com um sabor suave e refrescante a limão

viii. Frutos Vermelhos: “de uma bebida à base de água mineral natural com gás e ingredientes 100% naturais, com um sabor suave e refrescante a frutos vermelhos (framboesa e morango), conhecidos pelas suas propriedades antioxidantes

ix. Maçã: “de uma bebida à base de água mineral natural com gás e ingredientes 100% naturais, com um sabor leve e refrescante a maçã
É feita menção na respetiva embalagem a “PEDRAS – (SABOR) – INGREDIENTES 100% NATURAIS”.

Constam, ainda, do verso das referidas embalagens, os seguintes ingredientes:

x. PEDRAS LIMÃO
Água Mineral Natural Gasocarbónica, frutose, extrato de frutos, sumo de limão (2,1%) e maçã (0,2%) obtido a partir de um produto concentrado, acidificante (ácido cítrico), aroma natural de limão
cfr. documento n.º 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.

xi. PEDRAS FRUTOS VERMELHOS
Água Mineral Natural Gasocarbónica, frutose, extrato de frutos, sumos de framboesa (1,15%), maçã (0,7%), pera (0,5%) e morango (0,18%) obtidos a partir de um produto concentrado, acidificante (ácido cítrico), aromas naturais
cfr. documento n.º 1 já junto.

xii. PEDRAS MAÇÓÁgua Mineral Natural Gasocarbónica, frutose, extrato de frutos, sumo de maçã obtido a partir de um produto concentrado (1,94%), acidificante (ácido cítrico), aroma naturais”
cfr. documento n.º 1 já junto.

Trata-se de uma bebida refrigerante de extratos vegetais com água mineral gasocarbónica, contendo frutose, extratos de frutos obtidos de produtos concentrados, acidificantes e outros ingredientes comunicados ao consumidor.

Existe comunicação publicitária, com presença em televisão, outdoors, meios digitais, rótulos, materiais de ponto de venda, ao referido produto “ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES”, designadamente:

xiii. Spot Tv Pedras Sabores 2018 (cfr. documento n.º 2 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.

xiv. Outdoors (cfr. documento n.º 3 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.

xv. Peças de digital (cfr. documento n.º 4 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.

xvi. Rótulos (cfr. documento n.º 5 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.

xvii. Materiais de Ponto de Venda (cfr. documento n.º 6 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.

A comunicação deste produto pretende transmitir que o mesmo contém “água mineral natural com gás e ingredientes 100% naturais”.

Nos materiais de publicidade o produto aposta na evidenciação das palavras “INGREDIENTES 100% NATURAIS”.

2.2.2.- Enquadramento, qualificação e apreciação dos factos, à luz das normas jurídicas aplicáveis.

Questão essencial a apreciar:

Saber se a expressão publicitária “Ingredientes 100% naturais” aposta no produto anunciado deverá considerar-se enganosa para o consumidor médio e, nessa medida, ilícita a sua utilização à luz das normas comunitárias aplicáveis, do Código de Publicidade e do Conduta da Auto Regulação Publicitária em Matéria de Publicidade e outras formas de Comunicação Comercial

Apreciando:
A publicidade rege-se pelos princípios da licitude, identificabilidade, veracidade e respeito pelos direitos do consumidor”, conforme determina o artigo 6º do Código da Publicidade, aprovado pelo Decreto-lei nº 330/90 de 23 de Outubro e alterações legislativas subsequentes, sendo a última a introduzida pelo Decreto-lei nº 66/2015, de 29 de Abril.

Acrescenta o artigo 10º, nos seus números 1 e 2:

A publicidade deve respeitar a verdade, não deformando os factos”.

As afirmações relativas à origem, natureza, composição, propriedades e condições de aquisição dos bens ou serviços publicitados devem ser exactas e passíveis de prova, a todo o momento, perante as instâncias competentes”.

No mesmo sentido, o artigo 9º, nº 1, do Código de Conduta da Auto Regulação Publicitária em Matéria de Publicidade e outras formas de Comunicação Comercial prescreve: “A Comunicação Comercial deve ser verdadeira e não enganosa”, acrescentando o seu nº 2: “A Comunicação Comercial deve proscrever qualquer declaração, alegação ou tratamento auditivo ou visual que seja de natureza a, directa ou indirectamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou se susceptível de induzir em erro o Consumidor, designadamente no que respeita a (…) características essenciais do Produto ou que sejam determinantes para influenciar a escolha do Consumidor, como por exemplo: a natureza, a composição, o método e data de fabrico, campo de aplicação, eficácia e desempenho, quantidade, origem comercial ou geográfica ou impacto ambiental”.

Conforme refere Ana Clara Amorim in “Manual de Direito da Publicidade”, Março de 2018, Petrony Editora, a página 72: “O princípio da veracidade postula tradicionalmente a conformidade dos produtos ou serviços promovidos com o conteúdo da mensagem publicitária. Mas pode ser igualmente ser abordado numa dimensão subjectiva, que permite atender à convicção dos consumidores ou às suas fundadas expectativas face à comunicação social”.

No domínio específico dos géneros alimentícios, estabelece o Regulamento nº 1169/2011, do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, de 25 de Outubro de 2011, no seu artigo 7º, nº 1, alíneas a) e c), que “a informação sobre géneros alimentícios não deve induzir em erro, em especial “no que respeita às características do género alimentício e, nomeadamente, no que se refere à sua natureza, identidade, propriedades, composição, quantidade, durabilidade, país de origem, ou local de proveniência, método de fabrico ou de produção”; “sugerindo que o género alimentício possui características especiais quando todos os géneros alimentícios similares possuem essas mesmas características, evidenciando, especificamente, a existência ou a inexistência de determinados ingredientes e/ou nutrientes”.

Constituem, portanto, regras essenciais e basilares do Direito da Publicidade:

– que a comunicação publicitária seja verdadeira;

– que não seja susceptível de induzir em erro o consumidor, designadamente, quanto à natureza, características, método de fabrico e desempenho dos produtos anunciados.

– que o anunciante disponha dos meios que lhe possibilitem comprovar as características essenciais do produto que publicita e que os apresente, quando necessário, às entidades reguladoras.

Na situação que nos ocupa, a referência “Ingredientes 100% Naturais” aposta na bebida “Pedras Sabores”, pretende aliciar o público consumidor através da revelação – em claro destaque e enfoque na forma de promover o produto – de uma sua característica essencial, visando conotá-lo com a natureza, genuidade e pureza dos frutos figurados.

Quando a “Pedras Sabores” se associa a um determinado fruto (Limão, Frutos Vermelhos e Maçã) e o expõe no seu produto, com primacial destaque, aludindo a que a bebida contém “ingredientes 100% naturais”, está a passar – ainda que subliminarmente – a mensagem ao consumidor da absoluta genuidade das suas qualidades enquanto verdadeiro “produto da natureza”, excluindo totalmente a interferência de processos químicos na respectiva confecção ou a sua transformação por acção humana.

A naturalidade dos ingredientes “a 100%” do produto, quando associada a géneros de fruta, é imediatamente intuída pelo consumidor médio em relação à genuidade do próprio sumo de fruta, sem a introdução de quaisquer processos humanos que o modificam na sua essência ou o sabor.

Ora, o produto “Pedras Sabores” mais não é do que um simples refrigerante – na essência, água gaseificada -, sem qualquer garantia de exclusiva associação às propriedades genuínas do produto natural, entendido neste sentido.

E, de resto, a comprovação pelo anunciante do produto composto por “ingredientes 100% naturais” – ambiciosamente propalado em moldes peremptórios e absolutos – não foi minimamente realizada, sendo que ao mesmo competia o respectivo ónus de prova, conforme claramente resulta do artigo 12º, nºs 1 e 2, do Código de Conduta da Auto Regulação Publicitária em Matéria de Publicidade e outras formas de Comunicação Comercial.

Acompanhamos, portanto e inteiramente, a conclusão a que chegou o Júri de Ética no sentido de que “existe uma enorme probabilidade do consumidor médio considerar que todos os ingredientes são 100% naturais – na acepção de proveniente directamente da natureza sem qualquer intervenção humana ou química, sendo consequentemente induzido em erro quanto às características essenciais do produto nas suas diferentes varientes de sabores”.

É ainda falacioso, se perspectivado no contexto singular e próprio da apresentação publicitária do produto ao consumidor médio, o argumento de que “em momento algum é alegado que todos os ingredientes são naturais, mas apenas e somente que o produto tem ingredientes naturais”.

A especial valência daquele segmento junto do público-alvo consiste precisamente na importante exclusividade do qualificativo “natural” quando referido a todos os ingredientes do produto, isto é, ao produto em si, considerado como uma unidade ou como um todo.

Se o consumidor médio alcançasse, com facilidade e evidência, que afinal o que se pretendia significar é que o produto contém apenas “alguns ingredientes 100% naturais” (e outros não), a mensagem, pela sua relativa irrelevância, perderia toda a força e energia apelativas (relacionada com a pretensa e intocável naturalidade de todos os ingredientes utilizados à imagem salutar do fruto impresso). Não foi isso, seguramente, que pretendeu o comunicador publicitário, como é óbvio.

Outrossim, a circunstância do ácido cítrico e a frutose, bem como outros elementos, serem – reconhecidamente – naturais apenas na sua origem, só pode significar, logicamente – face a tal significativa delimitação – que não são “ingredientes 100% naturais”.

Em suma, a comunicação publicitária em apreço constitui efectivamente publicidade enganosa, violando desse modo o disposto nos artigos 6º e 10º, nºs 1 e 2, do Código de Publicidade;  9º e 12º do Código de Conduta da Auto Regulação Publicitária em Matéria de Publicidade e outras formas de Comunicação Comercial e 7º, nº 1, alíneas a) e c), e nº 4 do Regulamento nº 1169/2011 (UE) do Parlamento e do Conselho da União Europeia, de 25 de Outubro.
Mantém, assim, a decisão sob recurso.

2.2.3. – Conclusão de jure.

Constituem regras essenciais e basilares do Direito da Publicidade:

– que a comunicação publicitária seja verdadeira;

– que não seja susceptível de induzir em erro o consumidor, designadamente, quanto à natureza, características, método de fabrico e desempenho dos produtos anunciados.

– que o anunciante disponha dos meios que lhe possibilitem comprovar as características essenciais do produto que publicita e que os apresente, quando necessário, às entidades reguladoras.

A naturalidade dos ingredientes “a 100%” do produto, quando associada a géneros de fruta, é imediatamente intuída pelo consumidor médio em relação à genuidade do próprio sumo de fruta, sem a introdução de quaisquer processos humanos que o modificam na sua essência ou o sabor.

O produto “Pedras Sabores” mais não é do que um simples refrigerante – água gaseificada -, sem qualquer garantia de exclusiva associação às propriedades apenas naturais deste.

Tal comprovação – de “ingredientes 100% naturais” – pelo anunciante não foi realizada, sendo que ao mesmo competia o respectivo ónus de prova, conforme resulta do artigo 11º, nº 3, do Código da Publicidade e do 12º do Conduta da Auto Regulação Publicitária em Matéria de Publicidade e outras formas de Comunicação Comercial.

Esta comunicação publicitária constitui publicidade enganosa, violando desse modo o disposto nos artigos 6º e 10º, nº 1 e 2, do Código de Publicidade; do Conduta da Auto Regulação Publicitária em Matéria de Publicidade e outras formas de Comunicação Comercial; 7º, nº 1, alíneas a) e c) e nº 4 do Regulamento nº 1169/2011 (UE) do Parlamento e do Conselho da União Europeia, de 25 de Outubro.

III – Decisão.

Nestes termos, delibera esta Comissão de Apelo negar provimento ao recurso, uma vez que a publicidade em questão, tal como foi veiculada nos, viola as normas constantes dos artigos 6º do Código da Publicidade, aprovado pelo Decreto-lei nº 330/90 de 23 de Outubro e alterações legislativas subsequentes, sendo a última a introduzida pelo Decreto-lei nº 66/2015, de 29 de Abril; 9º e 12º do Conduta da Auto Regulação Publicitária em Matéria de Publicidade e outras formas de Comunicação Comercial e 7º, nº 1, alíneas a) e c), e nº 4 do Regulamento nº 1169/2011 (EU), do Parlamento e do Conselho, de 25 de outubro, pelo que decidiu bem a Primeira Secção na deliberação ora recorrida, a qual deve ser, por isso, inteiramente mantida.»

Lisboa, 2 de Novembro de 2018

Luis Espirito Santo
Presidente da Comissão de Apelo

Augusto Ferreiro do Amaral
Vice-Presidente da Comissão de Apelo

Clara Moura Guedes
Vice-Presidente da Comissão de Apelo

Auto Regulação3J / 2018 – Recurso :: VPMS – Águas e Turismo e Super Bock Bebidas vs. Sumol + Compal
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3J / 2018 :: Sumol + Compal Marcas vs. Super Bock Bebidas

3J/2018

Sumol + Compal Marcas, S.A.
vs.
Super Bock Bebidas, S.A.

EXTRACTO DE ACTA

 

Reunida no décimo dia do mês de Outubro do ano de dois mil e dezoito, a Primeira Secção do Júri de Ética da Auto Regulação Publicitária, apreciou o processo nº 3J/2018 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 3J/2018

1. Objeto dos Autos

1.1. A SUMOL+COMPAL MARCAS, S.A., adiante designada por Requerente, veio apresentar queixa, junto do Júri de Ética (JE) Publicitária da ARP – Associação da AUTOREGULAÇÃO PUBLICITÁRIA, contra a SUPER BOCK BEBIDAS, S.A., adiante designada por Requerida, relativamente a comunicação comercial difundida nos suportes televisão, outdoors, meios digitais, rótulos das embalagens, materiais de ponto de venda e relativa à bebida “Águas das Pedras Sabores”, nas variedades Limão, Frutos Vermelhos e Maçã e, doravante abreviadamente designada por “Produto”, por alegada violação dos n.ºs 1, 2. 3 e 4 do artigo 7º do Regulamento nº 1169/2011, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, dos artigos 9.º, n.º 1 do Código de Conduta da Auto-Regulação Publicitária (“ARP”) e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º do Código da Publicidade.

O objeto da queixa, conforme refere a Requerente, prende-se com o facto de a Requerida estar a “fazer uma ampla comunicação publicitária” ao Produto (cfrs. docs. n.ºs 2, 3, 4, 5 e 6 que se dão por reproduzidos) sendo que “Toda a comunicação deste produto pretende transmitir que o mesmo contém “água mineral natural com gás e ingredientes 100% naturais”. Nos materiais de publicidade o produto aposta na evidenciação das palavras “INGREDIENTES 100% NATURAIS”. Considera a Requerente que a Requerida “publicita o produto como sendo “água mineral natural com gás e ingredientes 100% naturais” quando, na realidade, a bebida contém frutose e ácido cítrico, que não são ingredientes naturais”.
Entende a Requerente que “o produto em causa não é feito com ingredientes 100% naturais” e que “A utilização da palavra natural associada aos ingredientes presentes na fórmula da ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES, nomeadamente FRUTOSE e ÁCIDO CITRICO, é errada e enganosa”.

Alega a Requerente que “a publicidade feita nos termos acima expostos é falsa e enganosa, tendo sido elaborada de modo a, voluntariamente, induzir o consumidor em erro a respeito das características essenciais do produto. Pretendendo dar deste uma falsa ideia de naturalidade.“.

Considera, ainda a Requerente que “a utilização da palavra natural associada a uma alegação nutricional num alimento, aplica-se o definido no Regulamento (UE) 1169/2011, relativo às alegações de saúde e nutricionais, que define que esta apenas se pode utilizar quando o alimento cumpre naturalmente as condições para utilização da alegação”, sendo seu entendimento que o ácido cítrico e a frutose não são ingredientes naturais, porquanto “o termo natural designa essencialmente que um determinado produto é composto por ingredientes naturais, ou seja, ingredientes provenientes da natureza sem interferência ou mão humana” e que “A utilização do termo natural para descrever produtos ou ingredientes que “nascem” de processos químicos de extração e purificação, como os acima referidos, de forma a realçar e preservar sabores, alterar a cor dos líquidos, regular o respetivo PH, mascarar o gosto desagradável de alguns compostos, neutralizar o paladar doce e acidificar o seu sabor, é enganador.”Refere, também a Requerente que “a publicidade estática e os rótulos das embalagens dos produtos contêm de forma especialmente destacada referências a “INGREDIENTES 100% NATURAIS” e que “Ao apresentarem o produto como contendo “INGREDIENTES 100% NATURAIS”, levam o consumidor médio a crer que está a adquirir uma bebida natural, o que está longe da verdade”, considerando a Requerente que “Tendo esta bebida ingredientes não naturais, a utilização da denominação “INGREDIENTES 100% NATURAIS” é manifestamente abusiva.” E que “A utilização do claim “INGREDIENTES 100% NATURAIS” contradiz a informação rotular prestada ao consumidor em caracteres necessariamente reduzidos, incorrendo, assim, numa prática de publicidade enganosa.”
Concluindo que “um consumidor médio, perante o claim “INGREDIENTES 100% NATURAIS”, depreenderá que a bebida em causa é composta apenas e só por ingredientes de origem 100% natural.

A Requerente entende que a “marca” (…) “explora de forma manifesta e inaceitável a falta de conhecimento dos consumidores com o propósito de os induzir em erro”, requerendo: “a) que seja ordenada a imediata interrupção da publicidade veiculada a respeito do Produto “ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES”, nas suas diversas formas e suportes;b) que seja emitido o entendimento de V. Exas. a respeito da falta de adequação do rótulo aos princípios da comunicação publicitária; c) que seja ordenado o respeito da decisão de V. Exas., abstendo-se aquelas de divulgar as campanhas que oram se contestam, quer parcial, quer totalmente, seja em que suporte for.”

Notificada para o efeito, a Requerida apresentou contestação dentro do prazo previsto no n.º 1 do art.º 10.º do Regulamento do JE da ARP, refutando “qualquer propósito de induzir os consumidores em erro” ou “qualquer intenção nem exploração da falta de conhecimento dos consumidores”, considerando que “não existe qualquer evidência nos autos que comprove esta temerária conclusão”.

Em concreto a Requerida alega que a comunicação comercial sobre o Produto corresponde à realidade, “a publicidade aos produtos em causa não é falsa nem enganosa e ainda menos foi feita com o intuito de voluntariamente induzir o consumidor em erro. Não sendo de todo falsa a ideia transmitida sobre a naturalidade do produto”, porquanto “As águas das Pedras nos seus vários sabores, são, de facto, constituídas à base de água mineral natural com gás e com ingredientes 100% naturais (…) “ as águas das Pedras nos seus vários sabores contêm ingredientes 100% naturais (…) “E essas bebidas são feitas com ingredientes 100% naturais.”

A Requerida defende a naturalidade, sublinhando que “o produto é feito com ingredientes 100% naturais” embora considere que “a alegação (…) não prescreve que a totalidade dos ingredientes são 100% naturais, mas que aquelas águas contêm ingredientes 100% naturais.” Acrescentando que “até são todos (…) embora não seja isso o alegado na publicidade”.

Refere a Requerida que “O uso da terminologia “natural” na menção “ingredientes 100% naturais” não se aplica no âmbito do Regulamento (EU) 1924/2006, de 20 de Dezembro, de 2006, relativo às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos” e “Em conformidade com o artigo 2.º, do Regulamento (EU) 1924/2006, entende-se por «alegação nutricional», qualquer alegação que declare, sugira ou implique que um alimento possui propriedades nutricionais benéficas, sendo que as alegações nutricionais autorizadas são as constantes do anexo. Neste contexto, a terminologia “natural” pode acompanhar uma alegação nutricional das presentes no anexo quando preencha naturalmente essa condição. Exemplo: Naturalmente fonte de ácidos gordos ómega-3.”

A Requerida alega, ainda, a inexistência de “qualquer definição na legislação nacional ou europeia sobre a terminologia “Natural”, chamando, no entanto, à colação “as linhas orientadoras sobre a utilização do termo natural definidas pela DGFCQA em 2005”, as quais são juntas à contestação como Doc. 1 e que se dão como reproduzidas, sublinhando que “resulta do mesmo parecer que o termo “natural” pode ser substituído por “ingredientes naturais””.

A Requerida procede, ainda, à descrição dos ingredientes do produto, juntando para o efeito as declarações dos fornecedores da frutose e do extrato de frutos em que estes afirmam a “naturalidade” dos mesmos, e fornece igualmente elementos sobre a constituição do sumo de frutos obtido a partir de um produto concentrado, do ácido cítrico e dos aromas naturais, concluindo que “o ácido cítrico e a frutose são elementos naturais, pelo menos na origem.”
“São produtos (ácido cítrico e a frutose) obtidos da natureza ou constituídos por ingredientes produzidos pela natureza, isentos de produtos químicos ou ingredientes que contenham produtos químicos tais como aditivos e aromatizantes resultantes de processos químicos”. “nem a frutose nem o ácido cítrico nascem de processo químicos.

Concluindo a Requerida que a ”mensagem publicitária” não é “equívoca ou enganosa para os consumidores”,(…)  “dado que, pelo menos na origem os ingredientes são naturais”, requerendo a improcedência da queixa.

Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos aos autos pelas partes, com exceção dos documentos juntos pela Requerida sob os n.ºs 3,4,5,6 e 7.

1.2. Questões prévias

a) Do erro quanto à marca, detentor da mesma e produtor
A requerente formulou a presente queixa contra a SUPER BOCK BEBIDAS, S.A., identificando-a como a entidade que produz e comercializa o produto com a marca “ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES”.
Veio a Requerida SUPER BOCK BEBIDAS, S.A. e a VMPS- ÁGUAS E TURISMO, S.A. alegar na sua contestação que a primeira apenas comercializa a marca “Pedras”, sendo que as marcas “Pedras” ou “Água das Pedras” são produzidas e detidas pela VMPS- ÁGUAS E TURISMO, S.A..
Esclarece, também, que não existe a marca “Água das Pedras Sabores”.
Para efeitos da apreciação da questão sub judice e tendo presente que a entidade que produz o produto, que é proprietária do mesmo e detentora da marca “Pedras” optou por se coligar com a entidade que comercializa o Produto, afigura-se para este JE que as partes se encontram devidamente identificadas.

Por outro lado, quanto à marca, ainda que a mesma não se encontre registada, o produto apresenta-se com o nome comercial de “Água das Pedras Sabores”, inequivocamente um produto da família “Água das Pedras”, perfeitamente identificado na queixa e reconhecido pela Requerida como seu.

Nesta conformidade, entende este JE, que qualquer vício quanto a esta matéria se encontra sanado, considerando as partes legítimas, na sua qualidade de Anunciantes – a pessoa singular ou coletiva no interesse de quem se realiza a publicidade”. (Cfr. artigo 5.º, n.º 1, alínea a) do Código da Publicidade) e que o objeto da mensagem comercial – o produto – é reconhecido pelas mesmas pelo seu nome comercial: “Água das Pedras Sabores” ou “Pedras Sabores”.

b) Da má-fé
A Requerida alega, na contestação, manifesta má-fé da Requerente sustentando tal posição no facto de esta utilizar “em toda a sua comunicação publicitária expressões como “da natureza”, “é mesmo natural”, “naturalidade”, etc”, desenvolvendo nos artigos seguintes considerações sobre outra marca, relativa a um produto semelhante detido pela Requerente, concluindo que “os factos suprarreferidos revelam que a queixosa atua de manifesta má fé e com intenso dolo ao acusar a marca Pedras de enganar o consumidor e, depois, utilizar os mesmos ingredientes nos seus produtos com alegações de naturalidade”.

O Júri, apoiando-se na definição constante do n.º2 do artigo 456º do Código de Processo Civil, entende por litigante de má fé “não só o que tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não ignorava, como também o que tiver conscientemente alterado a verdade dos factos ou omitido factos essenciais e o que tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal ou de entorpecer a acção da justiça ou de impedir a descoberta da verdade.”

No caso em apreço considera este JE não estarem reunidos os pressupostos da litigância de má fé, recordando que não se encontram em lide quer alegações no sentido de o produto comunicado não ser “saudável” ou não prestigiado, quer quaisquer eventuais práticas publicitárias da Requerente, pelo que o Júri considera despiciendo o teor dos articulados da contestação sob os artigos 57º a 66º, bem como o conteúdo dos documentos juntos como suporte daqueles (docs. n.ºs 3, 4, 5, 6 e 7).

2. Enquadramento ético-legal

O art.º 9.º do Código de Conduta da ARP estabelece que a comunicação comercial deve ser “verdadeira e não enganosa”, proscrevendo como enganosa qualquer declaração ou alegação que seja de natureza a, direta ou indiretamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir ou ser suscetível de induzir, em erro o consumidor, designadamente no que respeita a características essenciais do Produto ou que sejam determinantes para influenciar a escolha do consumidor.

As alegações e a publicidade aos produtos, bem como outras formas de comunicação comercial, são instrumentos essenciais para transmitir aos consumidores as características e qualidades de produtos, promover a comparabilidade e uma escolha informada por parte do consumidor quanto ao produto que melhor corresponde às suas necessidades e expetativas.

O claim em análise e que delimita a questão controversa prende-se com a utilização da expressão “Ingredientes 100% naturais” patente nos rótulos das garrafas do produto, nas embalagens de cartão, materiais de ponto de venda e em toda a comunicação comercial difundida nos suportes televisão, outdoors e meios digitais. Já a expressão “natural” utilizada que surge no spot difundido nos suportes televisão e meios digitais, no contexto em que surge, associado a outras expressões como “Fresca”, “Divertida”, “Leve” e com um fundo musical que associa palavras do mesmo estilo, não parece a este júri que possa ser entendida como um apelo à naturalidade do produto e que esteja em crise neste pleito.

Quanto à questão da utilização da frutose e do ácido cítrico na composição do produto, este Júri considera que não são apenas estes dois ingredientes que estão em causa, mas de todos os que são utilizados na elaboração do produto nos seus diferentes sabores, pelo que não se irá perder em detalhes, considerando que a Requerente citou estes dois ingredientes a título de exemplo.

Delimitado claim objeto da queixa, cumpre, colocar algumas questões:a) O que se entende por “Ingredientes 100% Naturais”?b) Na forma como o claim, é veiculado, qual será a perceção do consumidor médio relativamente aos ingredientes que compõem o produto? Ou dito de outro modo, serão todos os ingredientes 100% naturais ou só alguns? O consumidor médio perante o claim consegue descortinar se o ingrediente é só natural na origem?c) A rotulagem do produto está de acordo com o claim?

A Requerida alega a inexistência de qualquer definição na legislação nacional ou europeia sobre a terminologia “Natural”, citando, no entanto “as linhas orientadoras sobre a utilização do termo natural definidas pela DGFCQA em 2005”, referindo que de acordo com estas “o termo “natural” pode ser substituído por “ingredientes naturais”.
Este JE, no entanto, considera que a Requerida não faz a correta interpretação das referidas linhas orientadoras, que muito claramente esclarecem que “sempre que um género alimentício tenha sido submetido a, pelo menos, um dos tratamentos enunciados, o mesmo pode conter na rotulagem a menção “natural” associada à indicação do(s) tratamento(s) utilizados” e, por maioria de razão, à menção “ingredientes naturais”.

Ora, nem no rótulo do produto, nem na informação ao consumidor se conseguem descortinar todos os tratamentos a que os ingredientes foram sujeitos. Acresce que o claim ao afirmar que os ingredientes são “100% naturais” está claramente a excluir qualquer tipo de tratamento admitido pela referida orientação da DGFCQA. Na verdade, é diferente afirmar que um produto é feito com ingredientes naturais ou afirmar que é feito com “100% de ingredientes naturais”, como aliás se retira, ainda da referida orientação: “o termo “NATURAL” só deve ser utilizado pelos produtos constituídos apenas por ingredientes naturais”. 100% Naturais significa, consequentemente, para o consumidor médio que os ingredientes são naturais no sentido de não terem sofrido quaisquer modificações ou intervenções, ou seja, provêm diretamente da natureza sem qualquer intervenção humana, isento de produtos químicos ou ingredientes que contenham produtos químicos.

A requerida não logrou fazer prova que todos os ingredientes são 100% naturais na aceção que este JE já referiu, sendo certo que, apenas, se todos fossem efetivamente 100% naturais quando adicionados podia o produto ser publicitado nos termos já descritos e nos suportes referidos, nomeadamente na embalagem.
Aliás a própria Requerida acaba por reconhecer que “os ingredientes são naturais na origem”, mas não consegue afirmar que todos continuam 100% naturais – no sentido já referido – no produto final, nos seus diferentes sabores.

Sobre esta matéria da falta de prova acompanha este Júri a recente decisão do JE da 2ª secção no processo 9J/2017, confirmada pela Comissão de Apelo, sede de recurso.

“Foi entendido quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que como norma de instrução em matéria de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. actual n.º 3 do artigo 11.º do Código da Publicidade) nos termos da qual se presumem inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado dos artigos 4.º, 5.º e 12.º do Código de Conduta da ARP se encontram em consonância, pelo que impende sobre (…) a Requerida , “o ónus da prova das alegações publicitárias em lide.”
“Com efeito, nos termos do referido artigo 12.º, “As descrições, alegações ou ilustrações relativas a factos verificáveis de uma comunicação comercial, devem ser susceptíveis de comprovação” (1) e “Esta comprovação deve estar disponível de maneira que a prova possa ser prontamente apresentada por mera solicitação do então ICAP, actualmente Auto-Regulação Publicitária”. “Logo, a questão que se encontra em aberto é a de saber se impenderia sobre a Requerida o ónus da prova de que o produto em apreço, (…) só possui ingredientes 100% naturais “já que os documentos da contestação não são de molde a comprovar tal presença.

Ora, a resposta a tal questão irá depender, necessariamente, do estabelecimento da representação que o consumidor médio – entendido de acordo com a acepção amplamente divulgada pelo JE – ou destinatário dos claims “(…) fará dos mesmos”.

Considera este JE que existe uma enorme probabilidade do consumidor médio considerar que todos os ingredientes são 100% naturais – na aceção de proveniente diretamente da natureza sem qualquer intervenção humana ou química- sendo, consequentemente, induzido em erro quanto às características essenciais do produto, nas suas diferentes variantes de sabores, sendo por isso publicidade enganosa nos termos do n.º 1 e da alínea a), do n.º 2, do art.º 9.º do Código de Conduta do ICAP e do artigo 7.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Regulamento n.º 1169/2001 (UE), do Parlamento e do Conselho, de 25 de outubro, relativo à prestação de informação aos consumidores sobre géneros alimentícios, nos termos das quais “…a informação sobre os géneros alimentícios não deve induzir em erro, em especial no que respeita às características do género alimentício e, nomeadamente, no que se refere à sua natureza, identidade, propriedades, composição, quantidade…” (a) “Sugerindo que o género alimentício possui características especiais quando todos os géneros alimentícios similares possuem essas mesmas características evidenciando, especificamente, a existência ou inexistência de determinados ingredientes e/ou nutrientes.”

3. Decisão

Pelo exposto, delibera a Primeira Secção do Júri de Ética da ARP no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida, traduzida no claim “Ingredientes 100% naturais”, ofende o disposto no n.º 1 e 2 alínea a) e do Código de Conduta da ARP e 7.º, n.º 1, alíneas a) e c) e n.º 4 do Regulamento n.º 1169/2001 (UE), do Parlamento e do Conselho, de 25 de outubro, relativo à prestação de informação aos consumidores sobre géneros alimentícios, pelo que devem cessar de imediato as menções publicitárias inscritas nas embalagens dos produtos e nos demais suportes, não devendo ser repostas, total ou parcialmente, seja em que suporte for.».

A Primeira Secção do Júri de Ética

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2J / 2018 :: Unilever Fima vs. Reckitt Benckiser

2J/2018

Unilever Fima, Lda.
vs.
Reckitt Benckiser (Portugal), S.A.

EXTRACTO DE ACTA

No décimo nono dia do mês de Julho do ano de dois mil e dezoito, reuniu a Segunda Secção do Júri de Ética da Auto Regulação Publicitária, com a participação dos Senhores Drs. Margarida Almada Bettencourt, Presidente da Secção, António Corrêa de Oliveira e Doutor Rui Estrela, Vogais da mesma.

O Júri apreciou o processo n.º 2J/2018, tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 2J/2018:

1. Objecto dos Autos 

1.1. A UNILEVER FIMA, LDA (adiante abreviada e indiferenciadamente designada por ULF ou Requerente), veio, junto do Júri de Ética da ARP (adiante abreviada e indiferenciadamente designado por JE ou Júri), apresentar queixa contra RECKITT BENCKISER (PORTUGAL) S.A. (adiante abreviada e indiferenciadamente designada por RECKITT ou Requerida) relativamente a comunicação comercial da sua marca de produto tira-nódoas “Vanish Gold” – divulgada através de suporte televisão – tal, por alegada ofensa do quadro ético-legal em matéria de princípios da veracidade e da livre e leal concorrência, bem como de publicidade comparativa.

1.2. Notificada para o efeito, a RECKITT apresentou a sua contestação.

Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.

1.3. Dos factos

A RECKITT é responsável pela divulgação de uma comunicação comercial traduzida por um spot publicitário (cfr. Doc. 2 da queixa apresentado em CD-Rom), divulgação essa realizada através de vários canais televisivos. (Cfr. art.ºs 6.º e 7.º da petição).A análise da queixa, da contestação e dos documentos juntos aos autos pelas Partes, permite concluir que a comunicação da responsabilidade da Requerida, colocada em crise, é consubstanciada pelas alegações publicitárias ou claims que o Júri passa a elencar.

1.3.1. Do teor das alegações publicitárias 

São os seguintes, os claims em lide (crf. Doc. 2 da queixa):

– (i) Primeiro claim visual: “duas protagonistas analisam uma peça de roupa acabada de lavar e crivada de nódoas”;

– (ii) Segundo claim visual: “plano de pormenor de uma embalagem branca de tira-nódoas contendo um rótulo com a inscrição “outra marca”” associado a

– (iii) Primeiro claim verbal, traduzido por fala de interveniente que procedeu à lavagem da peça de roupa: “Não saíram! E usei um tira-nódoas. Tenho que voltar a lavar”;

– (iv) Segundo claim verbal, a cargo de outra interveniente: “Tens é de usar um tira-nódoas que funcione. Eu só uso Vanish Gold”;

– (v) Terceiro claim verbal (em voz off): “Não perca tempo. Vanish Gold é imbatível”.

1.4. Das alegações das Partes

1.4.1. Entende a RECKITT, em sede de queixa, que a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida traduz um caso de publicidade comparativa de tom exclusivo ilícita, concretamente, enganosa e denegridora porquanto, alegadamente, se encontra em desconformidade com vários dos requisitos que informam o quadro ético-legal em matéria de princípios da veracidade e de livre e leal concorrência. Em síntese, argumenta a Requerente que:

– (i) “A ULF e a RECKITT BENCKISER são concorrentes no segmento de tira-nódoas, no qual aquela detém a marca Skip tira-nódoas e esta detém a marca Vanish Gold” (sic. art.º 73.º), sendo que a segunda “…está actualmente a levar a cabo uma campanha publicitária para a marca Vanish Gold, em suporte televisivo, da qual se depreende a mensagem de que as outras marcas de tira-nódoas não funcionam, isto é, não removem as nódoas, e que apenas Vanish Gold funciona.” (sic. art.º 74.º);

– (ii) “…a LIACQ comparou, através de ensaios laboratoriais, a performance de eficácia de três produtos tira-nódoas em pó para roupa de cor” (sic. art.º 53.º), acrescentando que “Entre estes produtos encontra-se o Vanish Gold e o Skip tira-nódoas (Persan)” (sic. art.º 54.º) e que do resultado “…podemos tirar as seguintes ilações: (i) Skip tira-nódoas é qualitativo e performante, pelo que funciona, contrariamente à alegação publicitária ora em apreço; (ii) de facto funciona tão bem que se apresenta practicamente equivalente a Vanish Gold, com excepção da nódoa de chocolate (contudo, no Filme não aparecem nódoas de chocolate mas apenas outras nódoas).” (sic. art.º 56.º);

– (iii) “Esta campanha é contrária à Lei e ao Código de Conduta do ICAP em vários aspectos” (sic. art.º 75.º) porquanto, “…A mensagem transmitida pela RECKITT BENCKISER através da referida publicidade de tom exclusivo não é verdadeira e é susceptível de induzir em erro o consumidor…” (sic. art.º 76.º), acrescentando que, “Além de ser enganosa e não respeitar o princípio da veracidade, a campanha ora em apreço configura também publicidade comparativa ilícita, por denegrir a imagem dos seus concorrentes, por ser enganosa, não ser verdadeira e conformar uma situação de concorrência desleal.” (sic. art.º 78.º).

1.4.2. Contraditando a argumentação da ULF vem a RECKITT defender, na sua contestação, a legalidade e a ética da sua comunicação comercial, concluindo que:

– (i) “…a publicidade em apreço não contém afirmações de superioridade sobre toda a concorrência, nem coloca o produto Vanish Gold numa posição de proeminência inalcançável pelos seus concorrentes. A expressão “um que funcione” é entendida como havendo tira-nódoas – no plural – que funcionam, e não apenas um. UM tira-nódoas “que funcione” não é o mesmo que dizer “O tira-nódoas que funciona” ou “O ÚNICO tira-nódoas que funcione”. A recomendação que a segunda interveniente faz à primeira no sentido de que só usa Vanish Gold exprime a sua experiência e satisfação com o produto e não uma afirmação de que este é o único produto que “funciona”. Tudo isto é complementado com a utilização da expressão “IMBATÍVEL” como super e do voice-over “Vanish Gold é imbatível na remoção de nódoas”, o que (…) é uma fórmula de top parity ou equiparação publicitária (…) E nem se diga que da expressão “Não perca tempo” se deve entender que os demais produtos são perca de tempo, pois (…) tal está directamente ligado ao facto de a primeira interveniente ter sentido necessidade de voltar a lavar a roupa porque as nódoas não saíram na primeira lavagem, fruto da utilização de um produto não tão eficaz.” (sic. art.º A);

– (ii) “… estão identificados os concorrentes directos de Vanish Gold que, admite-se, poderão ser identificados na publicidade em apreço pela referência a “OUTROS TIRA-NÓDOAS EM PÓ” (…) Nessa medida, a Reckitt Benckiser apresenta testes laboratoriais externos, realizado com produtos devidamente identificados, presentes no mercado Português, seguindo os protocolo standard da indústria e aprovados por todos (…) que comprovam a superioridade do seu produto Vanish Gold sobre Skip Tira-Nódoas e sobre X-TRA (…) o que lhe permite sustentar a claim “IMBATÍVEL” face aos produtos concorrentes…” (sic. art.º B);

– (iii) “O teste laboratorial encomendado à medida pela ULF, realizado de acordo com a metodologia que exigiu ao LIACQ, está claramente eivado com deficiências e obscuridades que o tornam uma prova não fidedigna e a desconsiderar por completo, não obstante desse relatório acabar por resultar que o produto PERSAN que se diz ser SKIP ter paridade com Vanish Gold e um produto identificado apenas como JODEL, – que nem sequer a ULF fez corresponder a Continente Extra Oxi Power o que não deixa de ser estranho – terá, com toda as condicionantes e limitações do teste, tido resultados superiores, mas que não se podem levar em conta, pelo (…) exposto.” (sic. art.º C).

2. Enquadramento e fundamentação ético-legal

2.1. Da alegada prática de publicidade comparativa

Constitui tese da Requerente (cfr. art.ºs 24.º a 33.º da queixa), admitida como possível pela Requerida (cfr. art.ºs 45 e 46.ºda contestação), que a comunicação comercial da responsabilidade da RECKITT configura uma prática de publicidade comparativa implícita entre o produto tira-nódoas Vanish Gold e o da gama equivalente da marca Skip comercializado pela ULF.

A tal entendimento opõe-se o JE, por virtude de considerar que a caracterização da publicidade como comparativa implica, para além da referência genérica a todos os restantes concorrentes, uma referência inequívoca a um ou vários concorrentes determinados e identificáveis e, logo, “instintivamente” entendível por parte do consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido e informado , o que não é suscetível de ocorrer num mercado em que as respetivas quotas se encontram distribuídas por mais de quatro operadores.

Com efeito, como bem sustenta a Requerida a art.º 45 da contestação (embora retirando uma conclusão ao art.º 46 que torna a premissa contraditória), “…os consumidores poderão eventualmente identificar, de forma implícita, o tira-nódoas que habitualmente compram”. Diga-se que, não é esta possibilidade, o elemento definidor da “perceção média” de uma mesma marca (e, ou, de várias) a ter que se verificar independentemente do que se consome, enquanto condição inequívoca para a caracterização de uma comunicação comercial como comparativa.

De facto, constitui posição do Júri que, embora as quotas de mercado possam constituir um indício de que um determinado agente económico é mais conhecido por parte do consumidor médio, outras variáveis podem ser determinantes. Em conformidade, há que atender ao grau de conhecimento por parte dos destinatários da publicidade no que tange às marcas que compõem um determinado mercado (determinado por todas essas variáveis), e não, somente, às ditas quotas.

Em coerência, ainda que assista razão à ULF quanto ao alegado a art.º 30.º da queixa, já o Júri não concorda com o argumento da Requerente no sentido de que, “Parece claro que esta “outra marca” pode ser qualquer marca concorrente de Vanish. Um consumidor médio, com um grau razoável de experiência, de conhecimento e bom senso, e uma razoável capacidade de observação e prudência, indubitavelmente associa esta comparação às principais marcas de tira-nódoas, e em particular a Skip tira-nódoas, que desde o seu lançamento no ano de 2018 se tornou o segundo player do mercado neste tipo de produtos, como se pode verificar pelo Doc. 1”. (sic. art.º 27.º da petição).
Na realidade, mesmo que procedesse esta última tese, o que não se concede, entende o JE assistir razão à Requerida quanto ao alegado a art.ºs 4 e 5 da contestação.
De facto, da análise da comunicação comercial em lide, e considerados os respetivos elementos verbais e imagéticos, decorre a necessária conclusão de que estes se reportam, exclusivamente, a produtos tira-nódoas em pó, não abarcando, assim, o universo de todos os produtos comercializados para o efeito.

Mais, in casu, deve ser entendida como fora de questão a eventualidade de a embalagem utilizada como referência simbólica de “outros tira-nódoas em pó” (cfr. Doc. 2 da petição e art.º 90 da contestação) ser passível de ser associada, por parte do consumidor médio, a uma qualquer marca concreta.

Finalmente, ao JE cumpre chamar a atenção das Partes para a truncagem argumentativa subjacente ao afirmado a art.ºs 32.º e 33.º da petição no sentido de que: “…estaremos sempre perante publicidade comparativa”. (sic. 32.º) e

“Novamente, recorremos à argumentação apresentada pela própria RECKITT BENCKISER no processo 8J/2017:

“Para melhor sustentar este entendimento, recorre-se ao que foi ponderadamente considerado e decidido pelo JE no Processo n.º 12J/2016, (…) tendo-se entendido que a doutrina de Anxo Tato Plaza, por muito respeito que mereça, não deve levar a uma solução em que se defenda que tem sempre de haver uma clara identificação dos produtos concorrentes com maior poder de mercado para que se possamos estar perante publicidade comparativa.”” (sic. 33.º).

Com efeito, o Júri encontra-se a braços com uma séria dificuldade em encontrar “tal ponderadamente considerado e decidido” no seio da acta da Segunda Secção concernente ao processo 12J/2016 do ICAP.
Mais, mesmo a não existir tal dificuldade, sempre subsistiria a incoerência derivada, também, de uma descontextualização evidente.
O caso objeto da decisão “citada” reportou-se a uma comparação ilícita assente em categorias ou géneros de um produto com características diferentes em termos de representatividade e, logo, de impertinência de comparação, não obstante serem concorrentes entre si num nicho de necessidades a satisfazer.

Na realidade, o que se encontra afirmado no âmbito da decisão do referido processo 12J/2016 (e que se cita corretamente, atenta a pertinência em sede dos presentes autos) é o seguinte:

“…estruturas do mercado de natureza oligopolista, caracterizadas pela existência de vários concorrentes mas em que, todavia, apenas dois ou três têm efetivo poder de mercado, serão os casos mais comuns nos sectores de atividade mais representativos da economia;
– (iv) Logo, se adotarmos a tese defendida (…) de que, quando tal suceda, “…qualquer comparação genérica realizada por um concorrente na sua publicidade será entendida pelo público destinatário como uma comparação com os dois ou três concorrentes que o público conhece, ou seja, com os dois ou três concorrentes que detêm o poder de mercado (Estes concorrentes serão, portanto, identificáveis pelo público destinatário» (Anxo Tato Plaza, La Publicidad Comparativa, Marcial Pons, Madrid, 1996, pág. 30.
Em nota de rodapé, o autor cita a opinião do autor alemão Eichmann segundo o qual «há que atender ao grau de conhecimento do concorrente por parte do público, e não à quota de mercado», embora esta «possa ser um indício de que um concorrente é o mais conhecido do público»)” (sic) estaremos a excluir, liminarmente, na esmagadora maioria dos casos de publicidade de tom exclusivo, o ónus de prova da respetiva veracidade em relação a toda a concorrência (que impende sobre o anunciante que estiver em causa) prejudicando a intencionalidade subjacente, porquanto bastaria uma amostra que abarcasse aqueles que partilham o topo do mercado;
– (v) In casu, tal significaria “deixar-se de fora do ónus da prova” das alegações de superioridade constantes da campanha publicitária (…) a quota de mercado de (…);
– (vi) De onde, e com o devido respeito pela doutrina de Anxo Tato Plaza, que é muito – como sobejamente demonstra a já vasta jurisprudência do JE – a admitir-se a totalidade das consequências da aplicação da tese em apreço, a prova obrigatória em matéria de práticas de publicidade de tom exclusivo deixaria de o ser, sempre que estivesse em causa um oligopólio em que o consumidor médio não conseguisse identificar toda a concorrência, o que só não aconteceria em mercados muito exíguos, os quais são, aliás, uma minoria. Dito de outra forma, “a afirmação de que o próprio produto é superior ao de toda a concorrência, por exemplo, não caracteriza publicidade comparativa» (Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, Lisboa, AAFDL, 1994, p.150), mas mera publicidade superlativa (Adelaide Menezes Leitão, A concorrência desleal e o direito da publicidade, in Concorrência Desleal, Almedina, Coimbra, 1997, p.154).” (sic.).

Termos em que, a análise por parte do Júri da comunicação comercial em lide, categorizada nos termos expostos, não terá por referência o quadro ético-legal constante do artigo 15.º do Código de Conduta da ARP e, por maioria de razão, do artigo 16.º do Código da Publicidade.

2.2. Da alegada prática de publicidade de tom exclusivo

Cumpre ao JE lembrar que a publicidade de tom exclusivo constitui uma modalidade de comunicação que a doutrina estrangeira (maxime a alemã e a espanhola) tem definido como aquela através da qual “o anunciante pretende excluir da posição que ocupa os restantes concorrentes (…) alcançando uma posição superior à dos seus rivais” (vd. Carlos Lema Devesa in “La Publicidad de Tono Excluyente”, Editorial Moncorvo, 1980), limitando-se “a realçar a sua posição de proeminência sem fazer nenhuma referência direta aos seus concorrentes.” (vd. Anxo Tato Plaza in “La Publicidad Comparativa”, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A. Madrid, 1996, p.50).

No que a esta prática publicitária se refere, entende o JE dever pronunciar-se, antes de mais, sobre quatro equívocos que a figura doutrinária tem gerado, sendo que os mesmos não abarcam qualquer confusão com a prática de top parity. (Cfr. art.ºs 8 a 44 da contestação).

Assim:

– Parâmetros de superioridade como “n.º 1” e “o melhor” (este, com a conotação de desempenho) não se confundem, embora possam encontrar pontos de interseção, pelo que a respetiva prova deve abarcar um universo e uma amostra representativos de toda a concorrência e não só dos que partilham a maior parte do mercado. (Cfr. designadamente, mas sem excluir. art.ºs 2.º a 4.º da queixa e 2 e 3 da contestação);

– Muito embora as comunicações comerciais de tom exclusivo se socorram, não raras vezes, das expressões “o n.º 1”, “o melhor”, “o mais eficaz”, e por aí fora, as ditas não possuem o mesmo significado em todos os mercados, podendo gerar uma única interpretação inequívoca e instintiva por parte do consumidor médio ou, pelo contrário, várias, consoante o género de produto que estiver em causa. Um exemplo paradigmático do que ora se defende, é o caso da expressão “o melhor” a qual, por vezes comunica somente o parâmetro “eficácia” e, outras, também o parâmetro “cuidado no tratamento de…”, só para elencar dois dos possíveis.
Por outro lado, a expressão “o n.º 1” será, em grande parte dos produtos, equivalente a “mais vendido” mas, se se reportar a serviços, poderá assumir vários outros significados.
Ora, quando tal aconteça, a prova terá que incidir sobre todas as alegações percebidas pelo destinatário, não se devendo bastar por uma das vertentes de perceção possíveis;

– Mais, a inversa é verdadeira, no que tange às “não típicas” expressões de tom exclusivo “uns” e “umas”, o que se conclui pela evitação de um outro equívoco. (Cfr. art.ºs 11 a 17 da contestação);

– Refere-se o Júri à possibilidade de um parâmetro de superioridade comprovada como “o n.º 1” (percebido como “vendas”) fazer resvalar uma outra alegação (que, a divulgar-se individualmente, não seria de tom exclusivo), para um claim de superioridade e isolamento em relação a toda a concorrência, por associação de ambas numa mesma comunicação, já que esta é percebida pelo respetivo destinatário como um todo e não, “como partes”, ao contrário do que a RECKITT parece querer defender. (Cfr. art.ºs 11 a 17 da contestação);

– Por último, e concomitantemente com o exposto, acrescente-se que também os elementos imagéticos de uma só comunicação comercial podem ser de molde a conduzir um claim verbal que, considerado isoladamente, não seria de tom exclusivo, para uma alegação publicitária de supremacia e exclusividade, porquanto, os primeiros, para todos os efeitos, de claims se tratam: propiciam sensações e, logo, geram perceções passíveis de sobreposição a headlines e slogans de campanha, factos que a RECKITT, considerou despiciendos na sua contestação. (Cfr. art.ºs 8 a 44).

Contrariando a tese da ULF de que se está em presença de uma prática publicidade de tom exclusivo ao produto tira-nódoas Vanish Gold da RECKITT, defende a Requerida, na sua contestação, que a “…publicidade em causa contém apenas um claim de paridade, i.e. top parity.” (sic. art.º 9) traduzido pelo slogan “Não perca tempo. Vanish Gold é imbatível”.

Diga-se que, ao contrário do que acontece no caso das afirmações de tom exclusivo, nas meras alegações publicitárias de paridade, é clara a mensagem de que a posição de liderança invocada pelo anunciante pode ser alcançada por um concorrente. Afirma-se que um produto, marca, bem ou serviço ocupa uma posição de proeminência, mas não se exclui que outros da concorrência o igualem.
Com efeito, somente, se põe de lado a hipótese de o superarem no parâmetro (ou parâmetros) que forem comunicados. No que tange ao caso objeto dos presentes autos, tal clareza, segundo a RECKIT, assenta no uso da expressão “imbatível”.

A propósito, e no intuito de reforçar a sua tese sobre o significado de paridade de tal expressão, cita profusamente a Requerida uma certa jurisprudência de auto-regulação (cfr. art.ºs de 8 a 44 da contestação), concretamente, a “…consulta n.º 10J/2003, queixa da Unilever (hoje ULF) apresentada contra a Reckitt Benckiser, em que a expressão “Brilho Imbatível” (Calgonit 3em1) foi considerada pelo Júri de Ética uma afirmação de top parity.” (sic. art.º33), os “…ensinamentos do CAP Executive da ASA (Advertising Standards Authority) – congénere do ARP no Reino Unido” (sic. art.º 34) “…a decisão do Jurado do AUTOCONTROL, de 13 de Outubro de 2016, que opôs a PROCTER & GAMBLE ESPAÑA, S.A. à UNILEVER ESPAÑA, S.A” (cfr. art.º 35 e Doc. n.º 1 da contestação) e, ainda, “outra deliberação, datada de 22 de Junho de 2017, que opôs a Beiersdorf, S.A. contra a Unilever España S.A., com o título “Rexona Invisible. TV” (sic. art.º 40 e Doc. n.º 2 da contestação). Cita, ainda, a RECKITT, a posição doutrinária da ASA (cfr. art.º 36), concluindo que:

– “Pois está claro, salvo melhor opinião, que a doutrina e jurisprudência supra citada tem clara e inequívoca aplicação directa à publicidade em apreço em que: CLARÍSSIMO!

• não se verificam quaisquer afirmações de tom excludente

• Vanish Gold é apresentado como “IMBATÍVEL” que é uma expressão tipicamente utilizada e identificada como “top parity”, estando profusamente estuado que a mensagem que passa para os consumidores é a de equiparação publicitária e que não existe produto melhor, mas poderão haver outros idênticos.” (sic. art.º 43, negrito e sublinhado do JE).

O Júri não tem dúvidas de que assim é, nos casos elencados pela RECKITT.
Contudo, entende como cristalino, o facto de em nenhum deles a expressão de top parity “imbatível” ser contrariada, em termos literais e semânticos por outras semelhantes às que se encontram em lide, a saber (cfr. Doc. 2 da queixa em CD-Rom):

– “Não perca tempo” (a qual faz parte do slogan de campanha, tal como a expressão “é imbatível”);

– “Imagem de t.shirt pejada de nódoas após lavagem com outra marca” contrastando “com outra impecável” (side-by-side) lavada com Vanish Gold;

– sendo que numa outra peça de roupa se usam (referenciadamente) “os outros tira-nódoas em pó”, não saindo, igualmente, a respetiva nódoa:

Com efeito, mal se compreende a argumentação da RECKITT no sentido de que “…em momento algum no filme as intervenientes, ou as mensagens visuais, passam a ideia de que Vanish Gold é o único detergente eficaz na remoção de nódoas” (sic. art.º 10), quando são as próprias imagens, em duas sequências distintas (sendo que a segunda é, inclusivamente, alvo de print screen na própria contestação a art.º 21), bem como as referências verbais,  a passar a mensagem de tom exclusivo que a Requerida nega.

De facto, “UM tira-nódoas “que funcione” não é o mesmo que dizer “O tira-nódoas que funciona” ou “O ÚNICO tira-nódoas que funcione”. ” (sic. art.º 15 da contestação), a não ser que outras referências verbais e imagéticas se associem na mesma comunicação, como são os casos da alegação “outros tira-nódoas em pó” e os claims traduzidos por imagens de uma t.shirt e de uma peça de malha com nódoas evidentes que os “outros” ou “outra marca” não eliminaram após lavagem”.

Mais, as ditas nódoas – atentas as características do “side-by-side” utilizado (Vanish Gold versus “os outros” – não configuram uma mera hipérbole publicitária, já que tal seria inaceitável face aos mais elementares ditames do princípio da livre e leal concorrência em matéria de comunicações comerciais.

Acrescenta a RECKITT que, “…“UM” é um conceito indeterminado que corresponde à interpretação correcta de que existe mais do que um só produto” (sic. art.º 16), o que “Corresponde ao mesmo que dizer “Tens de escolher um qualquer tira-nódoas que funcione. Escolhe um bom, um que remova bem as nódoas e que não te faça ter de lavar outra vez a roupa.” (sic. art.º 17).
Ora, tal equivale a dizer que a própria Requerida admite que “os outros” (expressão apta a simbolizar “todos”), não funcionam à primeira lavagem, o que, aliás, está em perfeita coerência com parte do slogan de campanha: “Não perca tempo. Vanish Gold é imbatível”.

Ainda segundo a Requerida, “…na comparação side-by-side com “OUTROS TIRA-NÓDOAS EM PÓ” em que sobre o separador aparece o produto Vanish Gold, consta o claim, claramente visível e em grande destaque “IMBATÍVEL…” (sic. art.º 21 da contestação).

Contrapõe o Júri que, melhor se pode verificar quer no primeiro side by side, (quer no segundo, em que na sequência da esquerda se encontra a legenda “OUTROS TIRA-NÓDOAS EM PÓ”) que as ditas nódoas permanecem quando não usado o Vanish Gold, o que consubstancia uma contradição de termos com a pretensa conotação da expressão “imbatível” (ou alegado claim de paridade) aposta na sequência da direita relativa ao uso eficaz do produto da RECKITT.

Este, aliás, é um dos argumentos a favor da verificação de uma prática de publicidade de tom exclusivo, de par com o slogan de campanha e da camisola pejada de nódoas visível no side-by-side anterior”. (Cfr. Doc. 2 da queixa).

Com efeito, se a definição de paridade assenta na possibilidade de algum ou alguns dos concorrentes igualarem a prestação comunicada (limpeza absoluta à primeira lavagem) não se aceita a defendida “coerência” das alegações imagéticas de “evidente sujidade após lavagem” imputável à prestação dos “outros”, bem como da verbal “não perca tempo” (associada a “Vanish é imbatível”) já que, no entender do JE, serão essas, as imediatamente percebidas pelo destinatário e não, a invocada “paridade”. De facto, as ditas são de molde a fazer resvalar a comunicação comercial da RECKITT para uma prática de publicidade de tom exclusivo.

É colocado ainda o Júri perante os argumentos da Requerida de que, “…a mensagem apenas transmite que nenhum produto consegue resultados superiores aos de Vanish Gold, o não quer dizer que não haja produtos no mercado que consigam resultados equivalentes.” (sic. art.º 24),  de que “No que diz respeito à “perda de tempo” (…) é necessário ter em conta que o claim em causa é “Não perca tempo. Vanish Gold é imbatível”. (sic. art.º 26), de que “Não é atribuída a qualquer produto a qualidade de ser uma “perda de tempo”. (sic. art.º 27) e de que, “Como é óbvio, a perda de tempo em causa resulta do facto de que a primeira interveniente, ao ter constatado que após lavar a roupa as nódoas não saíram completamente, vê-se confrontada com a necessidade de repetir o processo e por isso afirma “Tenho de que voltar a lavar”. (sic. art.º 28, negrito e sublinhado do JE), concluindo aí residir “…a perda de tempo.” (cfr. art.º 29).

Com a devida vénia, opina o Júri que a Requerida defende “poder comprar a nata sem adquirir o leite”.

De facto, entende o JE que, colocado perante a comunicação comercial em lide, o consumidor médio percecionará a inexistência no mercado de qualquer outro tira-nódoas em pó, que não o Vanish Gold, que consiga remover todas as manchas à primeira lavagem.

Assim, este não será imbatível. Será inalcançável por qualquer um da concorrência, com inclusão, obviamente, do Skip tira-nódoas em pó da ULF.

Em conformidade, o Júri concorda com a Requerente quanto ao alegado em sede de petição, no sentido de que, “Quando analisado todo o contexto do Filme (…) a mensagem apreendida por um consumidor médio é a de que o único tira-nódoas que funciona é Vanish Gold, que a “outra marca” não funciona (…) e que é uma perda de tempo” (sic. art.º 12.º) sendo que, a “… RECKITT BENCKISER está claramente a “excluir da posição que ocupa os restantes concorrentes (…) alcançando uma posição superior à dos seus rivais”, ao afirmar que as “outras marcas” não removem as nódoas e que Vanish é o único tira-nódoas que funciona.” (sic. art.º13.º).

De onde, impende sobre a RECKITT a prova de tais alegações, consideradas nos termos expostos, não obstante se concordar com a Requerida, quanto ao por esta defendido de art.ºs 50 a 55 da contestação, no que concerne ao Doc. 3 da queixa.

2.3. Da bondade da prova apresentada pela RECKITT

Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código de Conduta da ARP, sob a epígrafe “Princípios Fundamentais”, “Toda a Comunicação Comercial deve ser legal, decente, honesta e verdadeira”. Por seu turno, dispõe-se no artigo 9.º, n.ºs 1 e 2 daquele Código de Conduta, sob a epígrafe “Veracidade”, que “A Comunicação Comercial deve ser verdadeira e não enganosa” (1) e “deve proscrever qualquer declaração, alegação ou tratamento auditivo ou visual que seja de natureza a, directa ou indirectamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou ser susceptível de induzir, em erro o Consumidor…(2)”

Ora, foi entendido quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Diretivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matéria de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. atual n.º 3 do artigo 11.º do Código da Publicidade) nos termos da qual se presumem inexatos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado dos artigos 4.º, 5.º e 12.º do Código de Conduta da ARP se encontram em consonância, pelo que impende sobre a RECKITT, o ónus da prova das alegações publicitárias em lide, com os significados e parâmetros de tom exclusivo que ficaram estabelecidos no ponto anterior.

Compulsada a prova carreada pela Requerida verifica-se a existência de três estudos realizados pela empresa LabTest com incidência sobre a performance dos produtos considerados como representativos no mercado pelas Partes (cfr. art.ºs 2.º a 4.º da queixa e 2 e 3 da contestação), sendo o primeiro sobre Vanish Gold Oxi Action e Skip Additive (cfr. Doc. n.º 6 da contestação), o segundo sobre Vanish Gold Oxi Action e X-Tra total Oxy5 esta, marca de distribuição Continente (cfr. Doc. n.º 7 da contestação) e, o terceiro, sobre Continente Oxi Extra Power, Continente Oxi Power e Vanish Gold Oxi Action (cfr. Doc.n.º 8 da contestação), e realizados com base no método proposto pela A.I.S.E (Laundry Detergent Testing Guidelines) constante de Doc. n.º 3 da contestação.

Os respetivos relatórios descrevem estudos comparativos de eficácia da limpeza e remoção de manchas das marcas de tira-nódoas em pó Vanish Gold, Skip Tira-Nódoas, X-tra, e Continente Oxi Power (o normal e o Extra), entendendo o JE que:

– (i) A prova carreada pela Requerida não abarca qualquer estudo que comprove o afirmado a art.ºs 3 e 4 da contestação sobre os produtos alegadamente relevantes no mercado português e para o consumidor, sendo que tal não pode ser considerado um facto público e notório;

– (ii) Logo, o universo e amostra dos supra referidos relatórios podem não ser representativos de todo o mercado e de toda a concorrência a ter em conta, entendida esta como alvo de uma comunicação de eficácia de tom exclusivo, como se concluiu;

– (iii) Ainda que tal representatividade possa ser sustentada, os resultados dos testes não definem as possibilidades de as performances das marcas comparadas serem diferencialmente apreciáveis pelos consumidores de tira-nódoas em pó, não indicando, assim, que os resultados obtidos podem ser percetíveis pelos mesmos. Tal, à semelhança do que considerou a ASA (in Chefaro UK Ltd, 8 de dezembro de 2010) e o que a própria RECKITT cita a art.º 34 da contestação, no sentido de que, “…Difícil seria provar que as nódoas não saem com qualquer dos outros detergentes e que, por isso, o consumidor médio consegue aperceber-se das diferenças resultantes dos testes científicos apresentados como prova!”;

– (iv) Ora, mesmo a concluir-se pela bondade da prova de eficácia de Vanish Gold por referência a uma comunicação de tom exclusivo (ou, até, de paridade, o que não se concede que seja o caso), aquela traduzida pelos testes carreados para os autos pela Requerida, sempre se dirá que os resultados dos mesmos testes não são aptos a comprovar as alegações traduzidas pelo simbolismo inerente à clara sujidade apresentada nas duas peças de roupa tratadas com os “outros” tira-nódoas em pó. Dito de outra forma, aqueles não permitem provar a veracidade das alegações de ineficácia à primeira lavagem de todos os concorrentes de Vanish Gold;

– (v) Tal, já que, em conformidade com o que o Júri concluiu nos pontos anteriores, a bondade da prova em análise não pode ser avaliada, somente, por referência à comunicação da imbatível performance do produto da RECKITT mas tem que o ser, igualmente, de acordo com a respetiva aptidão quanto ao péssimo resultado de limpeza alcançado pelos “outros” da concorrência.

Em conformidade, conclui o JE que a comunicação comercial da responsabilidade da RECKITT consubstancia uma ofensa do princípio da veracidade em matéria de publicidade, porquanto a prova apresentada quanto à eficácia do seu produto, não é apta a afastar a enganosidade das alegações publicitárias em lide, entendidas como um todo, na medida em que o que é denunciado não é a inveracidade da alegada eficácia de Vanish Gold, mas antes, a indução em erro do consumidor médio quanto à ineficácia dos produtos concorrentes.

3. Decisão

Termos em que a Segunda Secção do Júri de Ética da ARP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da RECKITT veiculada em suporte televisão – em apreciação no presente processo -, se encontra desconforme com os artigos 4.º, n.º 1, 9.º, n.ºs 1 e 2 e 12.º do Código de Conduta da ARP, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenha o tipo de ilícito apurado pelo JE.

A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética da Auto Regulação Publicitária

Auto Regulação2J / 2018 :: Unilever Fima vs. Reckitt Benckiser
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1J / 2018 :: SCC – Soc. Central de Cervejas vs. EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres

1J/2018

SCC – Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, S.A.
vs.
EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A.

 

EXTRACTO DE ACTA

 

Reunida no nono dia do mês de Julho do ano de dois mil e dezoito, a Primeira Secção do Júri de Ética da Auto Regulação Publicitária, apreciou o processo nº 1J/2018 tendo deliberado o seguinte:

1. Objeto dos Autos

«A SCC – Sociedade Central de Cervejas e Bebidas, S.A., adiante designada por Requerente, veio apresentar queixa junto do Júri de Ética (JE) Publicitária da Auto-Regulação Publicitária contra a EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres, S.A., adiante designada por Requerida, relativamente à campanha publicitária “Temos sede de Vitórias”, veiculada, pelo menos, através da televisão, rádio e internet, por violação do disposto nos artigos 4.º, 5.º e 27.º do Capítulo I da Parte II, artigos A-1, al. e) do artigo B-II, e artigo B2 do Capítulo II da Parte II, todos do Código de Conduta da ARP, no artigo art. 317º do Código da Propriedade Industrial e por violação do artigo 4º do Decreto-Lei nº 57/2008, de 26 de Março, ao realizar uma “prática comercial desleal em especial”, por concretizar uma “acção enganosa”, conforme o disposto na alínea c) do nº 1 deste diploma. Solicita a suspensão imediata da campanha publicitária.

O objeto da queixa prende-se com a comunicação comercial relativa à campanha publicitária e promocional para todo o território português designada “Temos sede de Vitórias”, destinada a promover a venda dos serviços da Requerida.

Em causa está um spot televisivo que corresponde, em termos gerais, a um cenário no qual cinco jovens assistem a um jogo de futebol num estabelecimento, equipados com camisolas e cachecóis que, não sendo merchandising oficial da Selecção Nacional de Futebol, no entender da Requerente “claramente induzem à associação com a Selecção Nacional de Futebol e o Campeonato do Mundo de Futebol de 2018 (FIFA World Cup 2018).”

Tal como descrito pela Requerente “Os jovens referidos estão sentados a uma mesa sobre a qual se encontram cinco copos cilíndricos normalmente usados para beber cerveja, quando um deles, equipado com uma camisola alusiva à Selecção Nacional, se oferece para pagar a próxima rodada, dirigindo-se ao balcão e pedindo “Sr. Barreto, queríamos cinco cer….”. Interrompendo o pedido, o cenário passa para um flashback do que aparentam ser os mesmos cinco jovens, agora em criança, a disputar um jogo de futebol – estando um deles equipado com uma camisola da Selecção Nacional – e a, no final, pedirem cinco copos de água ao “Sr. Barreto” que lhes serve os referidos copos de água directamente da torneira – esta filmada em destaque. Terminado o flashback descrito, o jovem corrige o pedido inicial para “Afinal são cinco copos de água”, ao que o “ Sr. Barreto” lhes serve os cinco copos de água directamente da torneira – novamente filmada em destaque – e nos já referidos copos cilíndricos normalmente associados a determinados tipos de cerveja. Segue-se ainda, em destaque, a seguinte sequência: “Amigos de Sempre. Bom Ambiente. A água que nos une. Força PORTUGAL.”.

No youtube é possível ver o filme estando o vídeo publicado por Epal – Empresa Portuguesa Das Águas Livres, S.A., Publicado a 09/06/2018.
Acompanham os seguintes dizeres “Há anos a unir gerações, nos momentos que partilhamos, na esperança que sentimos, nas memórias que guardamos.

Uma nação inteira com sede de Vitórias.” e os seguintes hashtags #eubeboaguadatorneira #epal #forcaportugal .

A Requerente alega ser “indiscutível a intencionalidade da associação da EPAL à Selecção Nacional de Futebol e à sua participação no FIFA WORLD CUP 2018 quando confrontados com menções expressas amplamente divulgadas nas redes sociais tais como: “Há anos a unir gerações, nos momentos que partilhamos, na esperança que sentimos, nas memórias que guardamos. Uma nação inteira com sede de Vitórias.  🇵🇹 💦 💦 🇵🇹 #epal #forçaportugal #eubeboaguadatorneira #russiaworldcup ” (cfr. post publicado no facebook em 10.06.2018 que se junta como Doc. n.º 2).”.

Com tal mensagem publicitária, entende a Requerente que a Requerida “procura, através da sua campanha, associar-se à Selecção Nacional de Futebol no FIFA World Cup 2018, procurando indevidamente benefícios comerciais por associação” quando não é um patrocinador oficial da Selecção Nacional de Futebol.

Neste contexto, a Requerente pede seja declarada a ilicitude da publicidade denunciada e ordenada a cessação imediata e definitiva da mesma.

Notificada para o efeito a Requerida apresentou contestação dentro do prazo previsto no n.º 1 do art.º 10.º do Regulamento do JE.
Em contestação alega a Requerida ser “inegável que a campanha da EPAL, dirigida ao público português, não teria sido concebida se não estivesse a disputar-se, com participação portuguesa, a fase final do Campeonato Mundial de Futebol” mas entende que “deste mero factor de oportunidade não decorre qualquer associação da campanha à selecção nacional patrocinada pela SCC, que é a que, em concreto, está a participar no campeonato que decorre na Rússia”, não sendo a identificação estabelecida com a selecção concretamente patrocinada pela SCC mas sim com as selecções nacionais de futebol genérica e idealmente consideradas.

Afirma a Requerida que “a campanha não pretende dar a entender que a EPAL é patrocinadora da selecção nacional. (…) A mensagem do anúncio em causa é a de que é melhor beber água do que beber cerveja” visando “promover a venda da vulgarmente denominada “água da torneira”, designadamente a fornecida pela EPAL.”.

Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos aos autos pelas mesmas.

1. Enquadramento ético-legal

A) DA PRÁTICA DE EMBUSTE DE UM BEM SOB PATROCÍNIO e
B) DA PRÁTICA DE PUBLICIDADE ILEGAL E ENGANOSA

O termo marketing de emboscada é referido pela primeira vez para descrever a associação intencional e enganosa de uma empresa que não patrocinava um evento com vista à obtenção de benefícios semelhantes aos oferecidos aos patrocinadores oficiais. Em sentido restrito, alguns autores definem o marketing de emboscada como o esforço direto de uma parte para enfraquecer ou prejudicar a associação oficial através de patrocínio de um concorrente a uma organização desportiva. Indicia-se a culpa. Num sentido mais amplo, o fenómeno é entendido como a tentativa de uma empresa em capitalizar a reputação e a popularidade de um evento criando uma associação sem a autorização ou o consentimento das partes necessárias. São vários os exemplos analisados pelos diversos autores interessados na matéria, desde o conflito entre a MacDonald’s e a Wendy’s nos Jogos de Inverno de Lillehammer de 1994, a atuação da American Express (AMEX), em 1992 para combater o patrocínio oficial da Visa aos Jogos de Verão de Barcelona e de Inverno de Albertville. Neste caso o Comité Olímpico Internacional chegou a ameaçar processar a American Express, mas acabou por não avançar com uma ação judicial.

Analisando o regime de autoregulação aplicável, o Código de Conduta, verifica-se que “patrocínio” é definido como “todo e qualquer acordo comercial pelo qual o Patrocinador, para benefício mútuo, seu e do patrocinado, oferece contratualmente apoio financeiro ou outro, visando estabelecer uma associação entre a imagem, marcas, bens, ou serviços do Patrocinador e o objecto patrocinado, em troca dos direitos de comunicar publicamente esta associação e/ou para garantir determinados benefícios, directos ou indirectos, que tenham sido objecto de acordo.”.

No Artigo B1 é estabelecido que (…)“Todos os patrocínios devem basear-se nas obrigações legais e contratuais acordadas entre patrocinador e parte patrocinada. Patrocinador e parte patrocinada devem estabelecer, com clareza, os termos e condições com todos os parceiros e definir as suas expectativas relativamente a todos os aspectos do acordo de patrocínio.”.

A este respeito note-se que a Requerente não faz prova dos usos exclusivos que tem, não juntando prova do patrocínio alegado ou do seu conteúdo e limites, conforme consignado no artigo 9.º n.º 2 do Regulamento do JE, admitindo, não obstante, o Júri, a existência do contrato de patrocínio por ser público e notório, não reconhecendo a sua extensão ou a garantia contratual dos direitos atribuídos.

Prossegue o artigo estatuindo que “2. O patrocínio deve ser identificado como tal. 3. Os termos do patrocínio e a sua gestão devem basear-se no princípio da boa-fé entre todas as partes envolvidas no patrocínio. (…)”.

Retira-se daqui a natureza contratual da relação de patrocínio. Como aparte, também se dirá que, na matéria ora em estudo, a apreciação da associação deveria ser necessariamente ética, pautando-se os profissionais pelos melhores princípios éticos na prossecução de atividades de comunicação comercial e usando de boa fé no seu relacionamento.

Por último, no Artigo B2 encontra-se sancionada a prática de “Embuste dos bens sob patrocínio”, prevendo-se que “Nenhuma parte deve procurar dar a entender que patrocina um qualquer acontecimento ou a transmissão ou comunicação do mesmo nos Meios, seja ele patrocinado ou não, se não for, de facto, Patrocinador de um bem ou dessa transmissão ou comunicação.”.

Ora, em nenhuma parte da campanha publicitária em análise a Requerida afirma ser patrocinadora oficial da seleção nacional.

Acresce que para que haja “embuste” exige-se uma conduta dolosa que aqui não se vislumbra. O artigo dispõe que, “Nenhuma parte deve procurar dar a entender que patrocina (…)”, sendo que, conforme se indicou, não se crê ser esta a mensagem retida pelo consumidor.

Por outro lado, seguindo-se o entendimento do Júri no Processo 11J/2014, da análise dos normativos aplicáveis ao patrocínio não resulta que “a mera associação entre uma marca e um objeto patrocinado, como é a Selecção Nacional de Futebol, nas promoções de vendas de terceiros, não patrocinadores, configure, para todos os fins, uma violação do regime estabelecido para Patrocínio.”

Adere-se ainda a esta decisão na parte em que admite que “possa ser aceite a existência de direitos exclusivos decorrentes de contrato celebrado (…),” sendo que também neste caso “o Júri desconhece a extensão e contornos desses direitos e, designadamente, em que medida caberia à (…) a titularidade do direito de queixa quanto a eventuais prejuízos causados aos concorrentes.”

Entende o Júri que não obstante seja clara a associação que a campanha faz ao evento desportivo que se encontra a decorrer e em que Portugal participará, não nos parece evidente que dessa associação resulte para o consumidor médio a conclusão, ou mesmo a dúvida, sobre a qualidade de Patrocinador da Selecção do anunciante.

Por outro lado, não é de desconsiderar o facto da Requerida se associar a um evento que não patrocina, tirando proveito da sua realização e do facto da seleção nacional nele participar, para promover a venda de bens que comercializa.

É, por isso, pertinente, em sede de ética publicitária, chamar à colação o artigo 19º do Código de Conduta que, sob a epígrafe Exploração da reputação dispõe:

1. A comunicação comercial não deve utilizar injustificadamente os nomes, siglas, logótipos e/ou marcas de uma outra empresa, sociedade ou instituição.

2. A comunicação comercial não deve, em caso algum, retirar indevidamente proveito da reputação ligada ao nome, marcas ou a qualquer outro elemento de propriedade intelectual relativo a uma outra empresa, pessoa ou instituição, nem tirar proveito da notoriedade obtida por outras campanhas de marketing, sem ter obtido a sua prévia autorização.

Ora, dever-se-á apreciar se no caso em apreço existe uso de imagem e símbolo suscetível de ser confundido com a marca registada, em primeiro plano, caso em que poderemos estar perante uma violação do mencionado art.º 19.º e, em sede de concorrência desleal, do preceituado no artigo 317º, alínea c) do Código da Propriedade Industrial: “Constitui concorrência l todo o acto de concorrência contrário às normas e usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, nomeadamente… as invocações ou referências não autorizadas feitas com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de um nome, estabelecimento ou marca alheios”.

Quanto à questão da utilização abusiva de marca, a Requerente entende existir confundibilidade para o consumidor entre o anunciante e os Patrocinadores do evento desportivo. Há, assim, que verificar se há uma utilização não autorizada da marca “Selecção Nacional de Futebol”.

De facto, e contrariamente ao defendido pela Requerida, a selecção nacional de futebol cabe na previsão do artigo 371º, alínea c), do Código da Propriedade Industrial, na medida em que é uma marca cujo crédito ou reputação não pode ser invocado sem autorização.

Entende-se que os concretos claims relevantes para esta apreciação são os seguintes:
A utilização, no contexto específico da realização do evento desportivo FIFA World Cup 2018, de:
• referência a “FORÇA PORTUGAL”• a utilização de cores da Selecção Nacional de Futebol• ícones como camisolas e cachecóis similares aos da Selecção Nacional de Futebol• “Há anos a unir gerações, nos momentos que partilhamos, na esperança que sentimos, nas memórias que guardamos. Uma nação inteira com sede de Vitórias.  🇵🇹 💦 💦 🇵🇹 #epal #forçaportugal #eubeboaguadatorneira #russiaworldcup ”

É entendimento assente deste Júri que os elementos que equivalham a símbolos nacionais consagrados no artigo 11º da Constituição da República Portuguesa como sejam, a bandeira nacional, o escudo ou as suas cores, bem como outras designações genéricas referentes a Portugal, não são passíveis de apropriação privativa e exclusiva dos patrocinadores de eventos internacionais de excecional interesse publico, como o em apreço. Tal significa que devem ser considerados insuscetíveis de por si configurarem sinais distintivos de concorrentes ou geradores de confusão junto do consumidor médio. A expressão “Portugal” é um símbolo de carácter genérico, necessário, comum, vulgar ou simplesmente descritivo e, assim, insuscetível de apropriação em sede de propriedade intelectual.

Assim, a apreciação concreta dos claims não permite afirmar que a respetiva utilização seja violadora das normas ético-legais, seja no que se refere à veracidade seja na ótica da concorrência ou de patrocínio, estando em causa símbolos nacionais ou designações genéricas.

Para a Requerente, há apenas “subtis diferenças, certamente intencionais, entre os equipamentos apresentados no anúncio televisivo e os equipamentos oficiais” e “O consumidor médio necessita de um grau de atenção para além do razoável para discernir, entre outros, as pequenas diferenças entre o equipamento e outros símbolos da campanha promocional “Temos sede de Vitórias” e os oficiais da Selecção Nacional de Futebol.”

Entende assim que “criam no público, facilmente impressionável, a convicção de que a Requerida, através da marca associada à referida campanha promocional, é patrocinadora oficial da Selecção Nacional de Futebol.”

Não estando em causa a utilização de nenhum elemento que se possa entender exclusivo do Patrocinador, a Requerente pretende que os elementos similares sejam considerados como fazendo intuir ao consumidor uma equivalência.

Não podemos, no entanto, omitir que na campanha em apreço se encontram ausentes referências expressas à marca “Selecção Nacional de Futebol”, que se entende não é utilizada.

Neste contexto conclui-se que os claims em análise devem ser considerados insuscetíveis de configurar sinais distintivos de concorrentes ou geradores de confusão por si.
Inexistindo confundibilidade por parte do destinatário da mensagem, quanto à qualidade de patrocinador, não se poderá também interpretar a comunicação comercial como uma prática comercial desleal ou uma violação do princípio da livre e leal concorrência. (Cfr. artigos 4.º a 6.º do Decreto-lei n.º 57/2008).

Não se retire daqui que o Júri entenda estas comunicações comerciais como positivas ou geradoras de um ambiente concorrencial salutar. O Júri entende ser essencial a promoção da ética e das boas práticas ao nível da publicidade relacionada com o desporto e reconhece a importância primordial dos patrocínios e parcerias para o desenvolvimento e sustentabilidade das organizações e eventos desportivos. O Júri entende assim necessária uma profunda reflexão sobre o tema e a definição dos precisos contornos da prática de “ambush marketing” a nível internacional.

É indubitável que a Requerida está a associar-se ao momento de um evento que não patrocina, aproveitando a sua realização para promover a venda de bens que comercializa, como é de resto admitido expressamente. Estamos, assim, perante o que se denomina comummente de “Ambush Marketing”.

Aquando da realização do Euro 2004 o Decreto–Lei nº 86/2004, de 16 de Abril, proibiu expressamente a utilização directa ou indirecta, por qualquer meio de uma firma, denominação, marca ou outro sinal distintivo do comércio por quem não tivesse obtido autorização das entidades responsáveis pela realização da fase final do campeonato europeu, que sugerisse ou criasse a falsa impressão de que estava autorizada ou de alguma forma, associada ao acontecimento.

No entanto, o diploma vigorou apenas de forma transitória, sendo aliás igualmente aceite que o ambush marketing ligado a eventos desportivos se aplique apenas nesse intervalo temporal.

Aqui chegados, e quanto à pretensão da Requerente, não podemos deixar de concluir que a Requerida não induz em erro os consumidores quanto à sua qualidade de Patrocinador, sendo uma prática de “ambush marketing” que não cai na configuração legal de “embuste”, não se podendo, assim, considerar existirem claims ilegais ou enganosos.

C)     DA PUBLICIDADE COMPARATIVA ILEGÍTIMA

Resta analisar a alegação da Requerente quanto à existência de publicidade comparativa ilegítima.
Entende a Requerente que “Analisado o spot publicitário e iniciando-se este com o que claramente denota ser um pedido de “cinco cervejas”, interrompido e substituído pelo pedido de “cinco copos de água”, estamos, sem qualquer margem para dúvidas, perante uma tentativa de gerar confusão, denegrir e/ou discriminar o produto concorrente “cerveja”, tentando mesmo desviar a clientela do referido produto, ou seja, também aqui, e a final, um claro acto de concorrência desleal.”

Não pode o Júri aderir a este entendimento.

Não há objetivamente nenhuma comparação que se possa considerar relevante para efeitos da aplicação do art.º 15.º do Código de Conduta, ou que seja suscetível de gerar confusão no mercado entre o anunciante e um concorrente ou entre marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens ou serviços do anunciante ou de um concorrente, não tendo, de resto, a Requerente provado a natureza de “concorrente” alegada, conforme lhe competia nos termos de Regulamento do JE.

2. Conclusão
Nestes termos, a Primeira Secção do Júri de Ética da ARP, delibera no sentido da improcedência da queixa apresentada.»

A Presidente da Primeira Secção do Júri de Ética

Auto Regulação1J / 2018 :: SCC – Soc. Central de Cervejas vs. EPAL – Empresa Portuguesa das Águas Livres
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