2017

2J / 2017 :: Unilever Jerónimo Martins vs. Reckitt Benckiser Portugal

2J/2017

 

Unilever Jerónimo Martins
vs.
Reckitt Benckiser Portugal

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no oitavo dia do mês de Fevereiro do ano de dois mil e dezassete, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 2J/2017 tendo deliberado o seguinte:

«Processo nº 2J/2017

1. Objecto dos Autos 

1.1.   UNILEVER JERÓNIMO MARTINS, Lda., (adiante abreviada e indiferenciadamente designada por UNILEVER ou Requerente), veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante abreviada e indiferenciadamente designado por JE ou Júri), apresentar queixa contra a RECKITT BENCKISER (PORTUGAL) S.A., (adiante abreviada e indiferenciadamente designada por RECKITT ou Requerida) relativamente a comunicação comercial ao seu detergente para máquina de lavagem de roupa em forma de pastilhas multichamber marca “XAU” – feita através de suporte televisão – tal, por alegada ofensa do quadro ético-legal em matéria de princípio da veracidade e de publicidade comparativa.

1.2.   Notificada para o efeito, a RECKITT apresentou a sua contestação.
Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.

1.3.   Dos factos

A RECKITT é responsável por uma comunicação comercial traduzida por spot publicitário ao seu detergente para máquina de lavagem de roupa marca “XAU” e divulgada através de suporte televisão. (Cfr. art.ºs 1 a 9 da queixa e Doc. 1 junto à mesma em suporte digital).
A análise da queixa, da contestação e dos documentos juntos aos autos pelas Partes, permite concluir que a comunicação, colocada em crise é consubstanciada pelas alegações publicitárias ou claims que o Júri passa a elencar.

1.3.1. Do teor das alegações publicitárias ou claims- (i) Primeiro claim visual: “Em ambiente de cozinha, a mulher retira da máquina de lavar a roupa uma camisa onde se pode identificar uma nódoa e questiona o marido:”- (ii) Primeiro claim verbal: “Mas, como é que a lavaste?”;- (iii) Segundo claim verbal: “Com detergente”;- (iv) Segundo claim visual: “Mão da mulher a segurar com dois dedos uma substância pastosa que a eles se cola afirmando:”;- (iv) Terceiro claim verbal: “Que não se dissolveu!”;- (v) Terceiro claim visual: “A mulher surge com uma cápsula do produto Xau, ao lado de uma embalagem do dito produto, enquanto afirma:”;- (vi) Quarto claim verbal: “Usa as novas Xau Vanish Power Gel Caps!”;-(vii) Quarto claim visual: “Imagens paralelas de duas cápsulas submergidas em água”, constando:- (vii-a) da esquerda a menção “cápsulas multichamber mais vendidas associada cápsula que não chega a dissolver-se completamente”. (Cfr. Doc. 1 da queixa e art.º 3 da contestação);- (vii-b) da direita a referência à “marca XAU” associada a dissolução imediata da cápsula”. (Cfr. Doc. 1 da queixa e art.º 3 da contestação);- (vii-c) a associação de ambas as imagens a quinto claim verbal, em voz-off: “Dissolvem-se mais rápido e os agentes Vanish removem as nódoas mais difíceis”;- (viii) Quinto claim visual: “Imagem única do líquido proveniente da cápsula  XAU a remover a nódoa de camisa”;- (ix) Sexto claim visual: “surge o casal, estando o marido com a camisa vestida e sem qualquer nódoa, em associação a “- (x) sexto claim verbal voz-off de mulher: “Para uma limpeza perfeita, sem resíduos!”;- (xi) sétimo claim visual “produto XAU, junto a um conjunto de roupa colocado em cima da máquina de lavar” associado a- (xii) sétimo claim verbal com locução em voz-off “Nova XAU Vanish Power Gel Caps”.

1.4. Das alegações das Partes

1.4.1. Entende a UNILEVER, em sede de queixa, que a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida traduz um caso de publicidade comparativa ilícita – porquanto, alegadamente, se encontra em desconformidade com vários dos requisitos estabelecidos nos preceitos ético-legais que regulam tal prática – sendo, designadamente, enganosa:
– (i) “O anúncio (…) sem margem para dúvidas (sic. art. 11) “Compara as cápsulas do produto da marca XAU as cápsulas multichamber mais vendidas.” (sic. art.º 12) ficando a questão: “com que cápsulas pretende a RECKITT comparar as suas cápsulas XAU?” (sic. art.º 15) já que, “A análise da imagem transmitida, ao contrário de esclarecer, faz adensar a dúvida sobre o objecto da comparação” (sic. art.º 16), porquanto “…a cápsula apresentada como sendo a mais vendida, tanto pode ser uma cápsula de ARIEL, como pode ser uma cápsula de SKIP, senão vejamos as imagens de cada uma delas” (sic. art.º 17), pelo que, “Ao baralhar a identificação do concorrente, a RECKITT pretendeu (e conseguiu!) lançar a confusão no espírito do consumir que, por mais atento e advertido que seja, retém apenas a mensagem de que a cápsula mais vendida é verde e não se dissolve.” (sic. art.º 37);- (ii) “…caberá à RECKITT, em resposta à presente denúncia, apresentar ao ICAP a comprovação da sua publicidade” (sic. art,º 48) acrescentando que, “Tal comprovação deverá abranger toda a extensão da alegação publicitária em causa, isto é: (…) que se comparou pelo menos com as cápsulas de ARIEL e de SKIP presentes no mercado português, pois só assim pode fundamentar a comparação de superioridade; (…) que a cápsula XAU se dissolve muito mais rapidamente do que as mencionadas cápsulas de SKIP e ARIEL e não apenas em algumas circunstâncias, porquanto o anúncio em causa não contém qualquer reserva ou restrição; (…) que o efeito da utilização das cápsulas SKIP e ARIEL é (…) a não dissolução, com o consequente depósito de uma pasta pegajosa; (…) que as cápsulas de XAU, pelo facto de se dissolverem muito mais rapidamente do que as de SKIP e ARIEL, removem eficazmente as nódoas que aqueles detergentes (em cápsula) não removem.” (sic. art.º 49).

1.4.2. Contraditando a argumentação da UNILEVER, defende a RECKITT, em sede de contestação, a legalidade e a ética da sua comunicação comercial argumentando, em síntese, que:- (i) “….ao contrário do que a ULJM afirma, a imagem utilizada na comparação side-by-side remete efectivamente os consumidores para a cápsula ARIEL em causa (sic. art.º 27) “Não existindo, portanto, qualquer susceptibilidade de confusão” (sic. art.º 28), acrescentando que, “(…) conjugando todos os factores – referência para a cápsula mais vendida e a imagem de uma cápsula verde com uma espiral – os consumidores identificam as cápsulas ARIEL” (sic. art.º 32) “E sabem também o que é multichamber” (sic. art.º 33) sendo “…bastante plausível que os consumidores têm nítida noção de que existem dois tipos de cápsulas de detergente para lavagem da roupa: i) as que têm apenas um tipo de detergente e uma única câmara e função, e ii) as que têm diferentes tipos de produtos, com uma pluralidade de funções (tira-nódoas, detergente, etc.) e que, por esse facto, são têm mais do que uma câmara.” (sic. art.º 36);- (ii) “Foi realizado um estudo em Novembro de 2016 pela Innovhub – SSI, elaborado para a Reckitt Benckiser Italia S.p.A (…) para comparar a velocidade de dissolução de cápsulas de gel na máquina de lavar” sendo que o seu “,,,objectivo final (…) suportar a afirmação “Dissolução mais Rápida” das cápsulas de gel dualchamber da RB versus cápsulas de gel multichamber concorrentes, tendo em conta que por cápsulas de “dissolução mais rápida” se deve entender aquelas que revelem, num painel de avaliação visual, menos resíduos após 5 minutos de ciclo de lavagem” (…) que “concluiu que após uma avaliação estatística: RB Gelcaps é melhor que ARIEL PODS a um nível alfa inferior a 1% (um resultado significativamente alto); RB Gelcaps é melhor que NEW SKIP ULTIMATE DOUBLE ACTION a um nível alfa inferior a 1% (um resultado significativamente alto)” (sic. art.º 47), “Pelo que se deverá concluir que a comparação inerente ao filme em apreço está devidamente substanciada”. (sic. art.º 50).

2. Enquadramento e fundamentação ético-legal

2.1. Da alegada prática de publicidade comparativa ilícita

Concordam as Partes em que a comunicação comercial em lide consubstancia uma prática de publicidade comparativa (cfr. art.ºs 11 a 52 da queixa e 6 a 53 da contestação) discordando, porém, quanto à respectiva ambiguidade, esta, alegada pela UNILEVER.

Analisados o teor do spot publicitário televisivo em apreço e a argumentação tecida quer pela Requerente, quer pela Requerida, bem como os documentos juntos aos autos por ambas, considera o Júri que, colocado o consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e esclarecido perante a comunicação comercial ao produto “XAU”, (entendendo-se por aquele, de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 3.º do Código de Conduta do ICAP, o destinatário da publicidade que possua um grau razoável de experiência, de conhecimento e bom senso e detenha uma razoável capacidade de observação e prudência) a sua percepção quanto ao produto concorrente escolhido para comparação, tanto poderá abarcar as cápsulas de detergente da marca “ARIEL”, como as da marca “SKIP”, porquanto:

– (i) A expressão “cápsula mais vendida” é, por si só ambígua, podendo o respectivo significado equivaler a uma mancha de marcas mais conhecidas e respetivas cores representativas, ao jeito de “facto público e notório das principais marcas”, e não só de uma;

– (ii) Mas nunca, certamente, de uma sub-marca “multichamber” específica, na medida em que este segmento pode, por um lado, não consubstanciar o sinal forte de cada marca ou fabricante (tendo presente que a Requerida não logrou comprovar o contrário) e que, por outro, a liderança partilhada do respectivo segmento de mercado ao não ser, sequer, susceptível de apreensão significativa, muito menos o será por via da expressão “cápsulas mais vendidas”;

– (iii)   Acresce, ainda, ser muito pouco plausível que o consumidor-médio tenha a nítida noção de que existem dois tipos de cápsulas de detergente para lavagem da roupa, sendo um destes o da gama “multichamber”, por terem as respectivas cápsulas mais do que uma câmara (cfr.. art.ºs 20 da queixa e 36 da contestação), já que se concorda em que tal designação é reconhecida pelas empresas que actuam no mercado, mas não é usada na linguagem corrente.” (cfr. art.º 18 da queixa). Tal como não o é, o termo “monochamber”;

– (iv) Não releva o que o destinatário da publicidade polaco possa entender acerca de tal nomenclatura (cfr. art.º 36 da contestação e Doc. 3 junto), já que para a definição do conceito do primeiro são curiais, nomeadamente, uma cultura e um território específicos e, com alguma probabilidade, os géneros masculino e feminino, e não somente o último;

– (v) Tal como não releva o entendimento que a RECKITT tem de “destinatário da publicidade em causa” para concluir pela representação necessária de um significado único traduzido por “ARIEL multichamber” (cfr. art.º 41 da contestação), já que aquele não equivale à noção de público-alvo da mesma publicidade, nem tão pouco à de consumidor do produto ou da gama comunicada reportando-se, sim, a um conceito bastante mais abrangente: o de qualquer pessoa que possa ser atingida pela comunicação comercial;

– (vi) De onde, por maioria de razão, o termo “multichamber”, ao não permitir a identificação de um tipo de cápsulas específico por parte do destinatário da publicidade, muito menos será propiciador da identificação da cápsula mais vendida de tal segmento: a da ARIEL (Cfr. Doc. 2 da queixa);

– (vii) Aliás, não deverá ser considerado despiciendo o facto de o quadro legal em matéria de publicidade e de informação a prestar ao consumidor interditar o uso de expressões em língua estrangeira – línguas mortas incluídas -, que traduzam informações essenciais (e não meras fantasias), precisamente, em ordem a evitar qualquer susceptibilidade de indução em erro por impossibilidade de compreensão total ou parcial da mensagem;

– (viii) Pela ordem de motivos exposta, e também por virtude de ser a própria RECKITT a admitir que pretende comparar as suas cápsulas “multichamber” da marca “XAU” com as da marca “ARIEL” da mesma gama, não entende o Júri a razão de ter optado a Requerida pelo uso de uma expressão ambígua e susceptível de poder implicar a representação das cápsulas “SKIP” na mente do destinatário ou mesmo de outras. (Vd. ponto 1.3.1. (vii-a)). Tal, ainda para mais, no contexto de uma prática de publicidade comparativa, cujos espartilhos ético-legais (designadamente, em matéria de clareza da mensagem) vão muito para além da necessidade de observância do princípio da veracidade nas comunicações comerciais;

– (ix) De acordo com tais espartilhos e susceptibilidades de incompreensão de toda a extensão do significado “cápsula multichamber mais vendida”, constacta-se na publicidade colocada em crise a utilização de cores para a “identificação” da concorrência, as quais não se podem considerar típicas e exclusivas das cápsulas “ARIEL”, na medida em que também identificam as da “SKIP”, sendo que, por maioria de razão do que se referiu quanto ao conhecimento do mercado em apreço por parte do chamado consumidor-médio, qualquer espiral, ou ausência desta, no interior de uma cápsula, será irrelevante para o efeito da necessidade de uma única leitura e de uma única representação por parte do destinatário, em matéria publicidade comparativa e de princípio da veracidade;

– (x) Por último, e em coerência com o expendido, assume-se como válida para o efeito de se concluir sobre quais das marcas de detergentes em causa para lavagem na máquina de roupa são mais conhecidas, nos termos expostos, a prova decorrente dos dados oficiais da Nielsen, constantes do Doc. 2 da queixa, sendo curial a circunstância de ter a marca “SKIP”, o SKU de cápsulas mais vendido. Dito de outra forma, poderá ser a mais conhecida, não obstante não o ser, provavelmente, por via do segmento “multichamber”.

Ora, nos termos do disposto no artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP, “É comparativa a Comunicação Comercial que identifica, explícita ou implicitamente, um concorrente ou os bens ou serviços oferecidos por um concorrente.” (1), sendo que “…a comparação deve: (2) não ser enganosa; (a), não gerar confusão no mercado entre o anunciante e um concorrente ou entre marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens ou serviços do anunciante ou de um concorrente; (e), não desacreditar ou depreciar marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens, serviços, actividades ou situação de um concorrente” (f), redacção que encontra a sua equivalência no artigo 16.º do Código da Publicidade.

Por seu turno, de acordo com o disposto no artigo 9.º, n.ºs 1 e 2 daquele Código de Conduta, sob a epígrafe “Veracidade”, “A Comunicação Comercial deve ser verdadeira e não enganosa” (1) e “deve proscrever qualquer declaração, alegação ou tratamento auditivo ou visual que seja de natureza a, directa ou indirectamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou ser susceptível de induzir, em erro o Consumidor…(2)”.

Saliente-se que, foi entendido quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matéria de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. actual n.º 3 do artigo 11.º do Código da Publicidade) nos termos da qual se presumem inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado dos artigos 4.º, 5.º e 12.º do Código de Conduta do ICAP se encontram em consonância, pelo que impende sobre a RECKITT, o ónus da prova das alegações publicitárias em lide.

Com efeito, nos termos do referido artigo 12.º, “As descrições, alegações ou ilustrações relativas a factos verificáveis de uma comunicação comercial, devem ser susceptíveis de comprovação” (1) e “Esta comprovação deve estar disponível de maneira que a prova possa ser prontamente apresentada por mera solicitação do ICAP”. (2).

Concluiu o Júri que, não são somente as cápsulas multichamber da marca “ARIEL” susceptíveis de serem interiorizadas pelo destinatário da publicidade em lide, como objecto de comparação com as da marca “XAU” da RECKITT. Ao contrário, sustentou a possibilidade de tal acontecer, igualmente, com as da marca “SKIP”, por virtude de uma prática de publicidade comparativa implícita eivada de uma ambiguidade de natureza verbal e imagética.

De onde, o JE considera que a campanha publicitária em análise é de molde a gerar a confusão no mercado entre produtos da concorrência sendo, neste tocante, desconforme com o disposto no referido artigo 15.º, n.º 2, alíneas a) e e).

2.2. Da bondade da prova

No entender do Júri, nenhum dos documentos juntos aos autos com a contestação é apto a comprovar a veracidade das alegações publicitárias que comunicam quer a superioridade das cápsulas “XAU” na remoção de nódoas em relação às “ARIEL” e “SKIP” (sem restrições), quer a pastosidade agarrada aos dedos enquanto resto de pastilha não dissolvida na lavagem da máquina de roupa, (em qualquer circunstância), sendo que, o que está em causa não é tanto a comunicação do excelente resultado apresentado pela lavagem com o produto da RECKITT, mas sim, a comunicação do mau resultado propiciado pelos produtos da concorrência que a comunicação identifica implicitamente.
Concretamente, o estudo constante do Doc. 4 da contestação apresenta resultados para “Dissolução mais Rápida” das cápsulas “XAU” versus cápsulas de gel multichamber concorrentes, entendendo-se por “cápsulas de dissolução mais rápida” aquelas que revelem, num painel de avaliação visual, “menos resíduos após 5 minutos de ciclo de lavagem”.

Não crê o Júri que “dissolução mais rápida num ciclo de lavagem de cinco minutos” equivalha a “não dissolução num ciclo de lavagem de mais do que cinco minutos, de molde a gerarem-se resíduos pastosos”. Ora, sendo esta última, com toda a razoabilidade, a mensagem que é compreendida pelo destinatário da comunicação comercial comparativa em apreço, ter-se á que concluir que a RECKITT não a logrou provar.

Pelo exposto (e não sendo admissíveis in casu, quaisquer hipérboles publicitárias), no que tange às mensagens de superioridade implícita de remoção das nódoas mais difíceis (sem especificação) e de não dissolução de cápsulas da concorrência (em qualquer circunstância), simbologia que decorre das alegações colocadas em crise, verifica-se uma prática de publicidade desacreditadora da concorrência, para além de enganosa.

3. Decisão

Termos em que a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da RECKITT- veiculada em suporte televisão – em apreciação no presente processo -, se encontra desconforme com os artigos 4.º, n.º 1, 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, 12.º e 15.º, n.º 2, alíneas a), e) e f) do Código de Conduta do ICAP, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurado pelo JE.».

A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP

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1J / 2017 :: Fromageries Bel Portugal vs. Lactogal – Prod. Alimentares

1J/2017

 

Fromageries Bel Portugal
vs.
Lactogal – Prod. Alimentares

EXTRACTO DE ACTA

Reunida no vigésimo dia do mês de Janeiro do ano de dois mil e dezassete, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 1J/2017 tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 1J/2017

1.   Objeto dos Autos

1.1.   A FROMAGERIES BEL PORTUGAL SA. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por FROMAGERIES BEL ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a LACTOGAL – PRODUTOS ALIMENTARES, S.A. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por LACTOGAL ou Requerida), quanto à campanha publicitária dos produtos comercializados sob a sua marca “Mimosa”, com o lema “2017 vai ser boooom, Mimosa é parte de nós” veiculada nos suportes televisão, outdoor, meio digital, pontos de venda e activações de marca, por as suas alegações verbais e visuais, bem como a imagética e a utilização como intervenientes principais de bebés recém-nascidos (crianças até aos 28 dias de vida) e crianças lactentes (crianças entre os 29 dias de vida e os 24 a 36 meses de vida) alegadamente infringir os artigos 6º, 7º/1 e 2 alínea c), 10º, 11º, 13º/3, 14º/1 e 2 do Código da Publicidade e os artigos 3º/4, 4º/1, 5º, 6º, 7º, 9º/1 e 2, alíneas a) e h), 21º, 22º, D3, do Código de Conduta do ICAP.

Notificada para o efeito, a LACTOGAL apresentou contestação.

Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos aos autos pela Requerida.

2.   Enquadramento ético-legal

Analisada a comunicação comercial subjacente à campanha publicitária da marca “Mimosa”, sob o lema “2017 vai ser boooom, Mimosa é parte de nós”, verifica-se que os claims verbais associados à mesma não apresentam qualquer desconformidade legal ou ética atendendo ao enquadramento legal e ético publicitário.

Com efeito, as alegações publicitárias verbais constantes do spot associado à campanha em análise são as seguintes:
“Aos olhos de uma criança,Uma nova pessoa no mundo não é apenas mais uma pessoa,É a pessoa mais importante do mundo!Encare o novo ano assim…não complique!2017 vai ser bom!Bom com Mimosa! É parte de nós!”

O objetivo da campanha, como refere a Requerida, “passa por despertar uma atitude positiva perante o novo ano” consubstanciando as alegações publicitárias veiculadas frases inócuas publicitárias não se encontrando desconformidades por si.

No entanto, quanto às alegações visuais e a imagética, e tal como alegado pela Requerente, verifica-se que no spot são intervenientes várias crianças, devendo, assim, este JE ter em atenção a regulamentação legal e ética quanto às comunicações publicitárias em que os menores são intervenientes ou interessados.

Neste ponto, concorda-se com a Requerida no que diz respeito ao facto da comunicação publicitária não ser especialmente dirigida a menores.
Tal como prescreve o art.º 3.º do CC do ICAP, “Uma Comunicação Comercial deve ser avaliada tendo em consideração os conhecimentos, a experiência e a capacidade de discernimento de um Consumidor médio, ou aquele a quem especialmente se destinam, tendo em conta os factores sociais, culturais e linguísticos.”, sendo que, não sendo especialmente dirigida a menores também não lhe são aplicáveis as prescrições especiais constantes do n.º 3 do art.º 3.º ou do art.º 22.º do Código de Conduta (CC) do ICAP. Igualmente não lhe são aplicáveis as disposições do Código de Autorregulação em Matéria de Comunicação Comercial de Alimentos e Bebidas Dirigida a Crianças, cujos princípios e normas “aplicam-se à comunicação comercial, incluída a publicidade, de alimentos e bebidas dirigida a crianças.”

Por outro lado, e não sendo o caso em apreço uma comunicação comercial dirigida a menores, não lhe será também aplicável o prescrito no n.º 1 do art.º 14.º do Código da Publicidade (CP).

Importa, não obstante, ater-nos no disposto no n.º 2 do citado artigo do CP. O normativo dispõe que “Os menores só podem ser intervenientes principais nas mensagens publicitárias em que se verifique existir uma relação directa entre eles e o produto ou serviço veiculado”.

Ora, a visualização do spot publicitário não deixa dúvidas de que os intervenientes principais na mensagem que é veiculada são os menores que nele intervêm.

Senão vejamos:
(i)   O spot dá em grande plano uma primeira imagem de um bebé que seguramente terá menos de 12 meses;(ii)   A segunda imagem são duas crianças, um bebé também com menos de um ano e uma criança em idade pré-escolar, aparecendo os mesmos intervenientes e apenas estes em duas posições distintas;(iii)   A terceira imagem que o spot apresenta tem como interveniente uma outra criança, mais velha que as que apareceram precedentemente, que aparece primeiro sozinho e depois a interagir com um bebé;(iv)   As imagens subsequentes repetem cenas de interação entre as mencionadas crianças, sem que seja visível qualquer outro interveniente com ação na mensagem, sendo relevante, entre estas, a imagem veiculada de um bebé, em idade lactente, por duas vezes, sendo que numa delas o berço em que a mesma está colocada remete para um ambiente hospitalar induzindo, assim, tratar-se de um recém nascido.

Conforme é referido pelo JE (cfr. Processo 2J/205) “um interveniente numa encenação não se torna “principal” porque não existam outros ou porque só exista mais um: ele é principal de acordo com a existência ou não de atuação suportada por uma caracterização física e psicológica – mínima que seja e, na publicidade, é-o geralmente -, em ordem a representar uma “personagem atuante”.

Face ao alegado pela Requerida que sustenta que apenas as crianças maiores surgem a beber o leite, poderá ser discutível se quer o recém-nascido quer a criança lactente que intervêm no spot o fazem a título principal ou secundário.

A este respeito, o JE é de opinião que não se poderá considerar neste caso que se está em presença de uma “intervenção secundária” ou de mera “figuração”, como aliás resulta do expresso pela própria Requerida quando menciona, a propósito da mensagem que se pretende veicular no anúncio – um novo ano – que “o consumidor médio, com a experiência comum de vida que tem, sabe que a imagem de um bebé, designadamente do seu nascimento ou das manifestações de ternura e afeto por parte dos irmãos, traduz umas das formas conhecidas de caracterizar a chegada de um novo ano”, donde resulta serem as crianças e nomeadamente, as de menor idade, que são o objeto principal da mensagem que visa publicitar o produto.

Ora, face ao explanado, não restam dúvidas quanto ao facto dos menores serem os intervenientes principais desta mensagem, nos termos expressos no n.º 2 do art.º 14.º do CP.

Resta apurar se a condição exigida para que a intervenção dos menores seja conforme se encontra preenchida, ou seja, verificar se no caso concreto existe a “relação direta entre eles e o produto ou serviço veiculado”, único caso em que se admite a participação dos menores a título principal.

Ora, entende-se relevante para a apreciação da questão o alegado pela Requerente no art.º 20.º da Queixa, nomeadamente quanto ao facto de “O leite de vaca em natureza (pasteurizado e UHT) nunca deve ser introduzido antes dos 12 (preferencialmente 24 – 36) meses de vida da criança”, facto que a comprovar-se determina que o produto anunciado não está diretamente relacionado com as crianças que surgem no spot como intervenientes principais, sendo assim desconforme ao enquadramento legal e ético publicitário.

Analisando o que entende a doutrina e a jurisprudência quanto a esta “relação direta” com os menores, verifica-se a existência de uma decisão da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria de Publicidade, de 6 de Fevereiro de 1998 no processo nº 310-D, na qual é expresso o entendimento de que “ao condicionar a intervenção de menores nas mensagens publicitárias o nº 2 do artigo 14º do Código da Publicidade pretende ilegitimar o abuso da utilização da sua imagem como forma de atrair, naturalmente, a atenção dos consumidores e de os sensibilizar através da inocência e graça próprias das crianças, criando nos consumidores a propensão para a compra e aquisição desses bens ou produtos onde os menores interviessem injustificadamente”, sendo que, “ao só permitir a intervenção de menores como intervenientes principais nas mensagens publicitárias em que se verifique existir uma relação directa entre eles e o produto ou serviço veiculado, faz com que a regra, em termos genéricos, seja a de que os menores só podem ser intervenientes principais na publicidade de bens ou serviços que lhes sejam especialmente destinados”.

A decisão da CACMEP é de 1998, sendo importante considerar a evolução no entendimento deste dispositivo e, neste contexto, é de referir o alegado pela Comissão de Apelo do ICAP no âmbito do Processo n.º 3J/2007, citando a Desembargadora Ana Luísa Geraldes, in Direito da Publicidade, pág. 175, que interpreta o preceito como só sendo “admitida a intervenção dos menores quando o bem anunciado se liga directamente com eles, pelo «destino, natureza, interesse ou utilização própria». “Não é exigível portanto que a mensagem publicitária se dirija aos menores, que os tenha como principais destinatários. Pelo contrário.

A protecção legal é até mais rigorosa sempre que encara os menores como destinatários da mensagem, pelo que não pode ser esse o sentido da exigência legal do nº 2 do art. 14º. O legislador desconfia mais e é mais rigoroso e severo quando pensa nos menores como alvo da mensagem publicitária. A mensagem com intervenientes menores pode dirigir-se aos adultos. O que não pode é utilizar os menores como instrumento do objectivo de promoção dum produto que lhes é alheio ou que só indirectamente se relaciona com eles, um produto que nem pelo destino, nem pela natureza, nem pelo interesse, nem pela utilização própria, não tem relação directa com menores.”.

Permitimo-nos ir buscar a citação completa da Dra. Ana Geraldes, com a qual este JE concorda: ”É nosso entendimento que a expressão relação directa inserida no nº 2, do citado artigo, deve ser interpretada no sentido de que essa relação está interligada directamente com o destino, natureza, interesse ou utilização própria que o menor faz do bem ou produto anunciado: com tudo aquilo que integra o denominado Universo e Mundo da Criança.”.

Entende, assim, este JE que face ao estipulado no art.º 12.º do CC do ICAP, competia à Requerida efetuar prova desta relação direta entre os menores intervenientes principais na campanha publicitária de que é responsável e o produto anunciado.

Com efeito, não tendo o JE quaisquer dúvidas quanto ao alegado pela Requerida no art.º 36.º da sua contestação, de que “o leite é um alimento importante na alimentação das crianças, que se encontram em crescimento”, entende que esta relação direta não é evidente para todas as crianças, em especial a recém-nascidos e lactentes.

Analisada a contestação da Requerida e documentação junta, o JE não considera demonstrada esta relação direta.
Com efeito, não se depreende dos documentos n.º 1 e n.º 2 juntos pela Requerida que o leite anunciado seja adequado às crianças intervenientes principais do spot em análise, antes resultando que o referido produto não será, pelo menos, adequado a crianças com idade inferior a um ano (confr. documento n.º 2, 3.ª página correspondente à página 36 do documento integral), conforme a própria Requerida admite em contestação.

De acordo com o que se sustentou, entende o JE que quer o recém-nascido quer a criança lactente que intervêm no spot o fazem a título principal dado que são as crianças e nomeadamente, as de menor idade, que são o objeto principal da mensagem que visa publicitar o produto.

Assim, embora apenas se possa visualizar duas crianças a beber leite no spot em análise, entende-se que as restantes crianças intervêm na mensagem também a título principal, tendo ficado por demonstrar que o produto anunciado se liga diretamente com eles, pelo «destino, natureza, interesse ou utilização própria», motivo pelo qual a mensagem viola o n.º 2 do art.º 14.º do CP, que se considera assim ilícita.

Ademais, existindo na representação de imagem crianças de idade muito jovem – recém-nascidos -, o JE considera que a comunicação comercial é suscetível de induzir em erro o Consumidor no que respeita ao que a alínea a) do n.º 2 do art.º 9.º do CC do ICAP denomina de “campo de aplicação” e que aqui será o grupo-alvo do produto, bem como quanto aos “efeitos na saúde do consumidor” mencionados na alínea h) do mesmo artigo porquanto pode induzir o consumidor a acreditar que o produto anunciado é próprio para o conjunto dos menores representados na imagem associada à comunicação comercial, o que não é verdade, conforme já referido e aliás admitido pela Requerida nos art.ºs 43.º e seguintes da contestação.

3.   Conclusão

Termos em que a Primeira Secção do JE delibera no sentido que a comunicação comercial da responsabilidade da LACTOGAL em apreciação no presente processo se encontra desconforme com o disposto no n.º 1 do art.º 4.º, no n.º 1 e alínea a) e h) do n.º 2 do art.º 9.º e art.º 12.º do Código de Conduta do ICAP, bem como o n.º 2 do art.º 14.º do Código da Publicidade, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipo de ilícito apurados pelo JE.

A Presidente da Primeira Secção do Júri de Ética

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