14J/2016
Reckitt Benckiser
vs.
Procter & Gamble
EXTRACTO DE ACTA
Reunida no terceiro dia do mês de Novembro do ano de dois mil e dezasseis, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 14J/2016 tendo deliberado o seguinte:
Processo nº 14J/2016
1. Objecto dos Autos
1.1. A RECKITT BENCKISER (PORTUGAL) S.A., (adiante abreviada e indiferenciadamente designada por RECKITT ou Requerente), veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante abreviada e indiferenciadamente designado por JE ou Júri), apresentar queixa contra PROCTER & GAMBLE PORTUGAL – PRODUTOS DE CONSUMO, HIGIENE E SAÚDE, S.A. (adiante abreviada e indiferenciadamente designada por P&G ou Requerida) relativamente a comunicação comercial da sua marca de detergente para máquina de lavar loiça em forma de pastilhas “Fairy Platinum” – feita através de suporte televisão – tal, por alegada ofensa do quadro ético-legal em matéria de princípios da veracidade e de livre e leal concorrência, bem como de publicidade comparativa.
1.2. Notificada para o efeito, a P&G apresentou a sua contestação.
Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.
1.3. Dos factos
A P&G é responsável pela divulgação – entre 1 e, pelo menos, 8 de Outubro de 2016 – de uma comunicação traduzida por um spot publicitário com 20 segundos. (Cfr. Doc. 1 da queixa apresentado em CD-Rom), divulgação essa realizada nos canais de televisão: “RTP1”, “SIC”, “TVI”, “SIC Notícias”, “AXN”, “Globo”, “TV Record” e “Hollywood”. (Cfr. art.º 2 da petição).
A análise da queixa, da contestação e dos documentos juntos aos autos pelas Partes, permite concluir que a comunicação da responsabilidade da P&G, colocada em crise, é consubstanciada pelas alegações publicitárias ou claims que o Júri passa a elencar.
1.3.1. Do teor das alegações publicitárias ou claims
– (i) Interveniente mãe zangada por virtude de o filho ter deixado restos de comida ressecarem na loiça, dificultando a tarefa de a lavar na máquina, enquanto lhe entrega um “pirex sujo de um molho que aparenta ser de massa e tomate ressequidos”;- (ii) A máquina de lavar loiça” ganha vida, como uma personagem, afirmando “Não é preciso! Eu limpo isso à primeira com o novo Fairy Platinum”;- (iii) pelo que o interveniente filho ”fecha a torneira e coloca o pirex na máquina de lavar loiça, sem o passar por água”;- (iv) Em voz-off, a máquina de lavar loiça” afirma: “Se usa as cápsulas Fairy Platinum, consigo limpar os restos difíceis melhor do que a pastilha mais vendida”;- (v) enquanto, simultaneamente, é visualmente apresentada uma comparação “lado-a-lado” visualizando-se, no topo do ecran repartido, a imagem de “travessa com restos de massa no forno lavada com Míele a 50 graus”;- (v. a) à esquerda, a menção “Pastilha tudo-em-um mais vendida” associada a “imagem de pirex ainda sujo” e a “ilustração típica de uma pastilha de Finish azul com a powerball encarnada ao centro” (da RECKITT);- (v. b) à direita, as menções “Limpeza na 1.ª Lavagem” e “FAIRY”, associadas à “imagem de um pirex limpo e resplandecente” e à “ilustração de uma pastilha Fairy Platinum” (da P&G);- (vi) Interveniente mãe analisa os “resultados de lavagem com Fairy Platinum exclamando: “Perfeito!””;- (vii) Packshot ladeado pela imagem de uma máquina de lavar loiça com um selo “Recomendação N.º 1 da Whirlpool”, imagem que é associada aos claims divulgados em voz-off “Experimente Fairy Platinum” e “Recomendação N.º 1 da Whirlpool”.
1.4. Das alegações das Partes
1.4.1. Entende a RECKITT, em sede de queixa, que a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida traduz um caso de publicidade comparativa ilícita – porquanto, alegadamente, se encontra em desconformidade com vários dos requisitos estabelecidos nos preceitos ético-legais que regulam tal prática -, sendo, designadamente, enganosa e denegridora da concorrência:
– (i) “…Compara-se o novo Fairy Platinum com a “Pastilha tudo-em-um mais vendida” (na legenda do lado esquerdo do ecrã), enquanto o voice-over refere “Se usa as cápsulas Fairy Platinum, consigo limpar os restos difíceis melhor do que a pastilha mais vendida”, sendo que “ …assim, as cápsulas de Fairy Platinum (…) estão a ser o objecto da afirmação de superioridade e da comparação com a pastilha tudo-em-um mais vendida”, acrescentando que “O pirex lavado com Fairy fica totalmente limpo e resplandecente, enquanto que o pirex lavado com a pastilha tudo-em-um mais vendida fica com restos de comida.” (Cfr. CONCLUSÕES, i);- (ii) “Considerando o JE que não existe publicidade comparativa: Deverá então ser seguida a jurisprudência do JE no Proc. n.º 8J/2010 e determinar que a utilização da expressão “Pastilha tudo-em-um mais vendida” pela impossibilidade de identificação por parte do consumidor médio (…) com a qual se compara o produto da P&G ser “de molde a gerar uma prática de publicidade enganosa” (…) em face da sua ambiguidade…(Cfr. CONCLUSÕES, ii);- (iii) “Considerando o JE que existe publicidade comparativa mas que apenas a marca é identificada (…) a utilização da expressão “Pastilha tudo-em-um mais vendida” é enganosa por não ser “claro o objeto da comparação, se a marca Finish, se o produto Finish All-in-One por esta comercializado…” (Cfr. CONCLUSÕES, ii); – (iv) “Considerando o JE que existe publicidade comparativa e que é possível identificar o produto da marca Finish, em concreto, objecto de comparação (o que apenas se coloca como hipótese de raciocínio), deverá ser analisada em concreto a comparação efectuada e concluir-se que (…) a comparação não é lícita (…) porque os dois detergentes em causa, potencialmente identificáveis pelo consumidor – Fairy Platinum e Finish All in One – não podem ser objectivamente comparados” em razão “…do segmento de mercado em que cada um se insere, sendo o Fairy Platinum um produto premium e o Finish All in One um produto de gama média…” (Cfr. CONCLUSÕES, ii);- (v) A P&G “…procurou, ao comparar produtos não comparáveis, desacreditar e depreciar a marca Finish, da sua concorrente Reckitt Benckiser, que os consumidores poderão hipoteticamente identificar (…) e que a P&G visou como sendo a pastilha tudo-em-um mais vendida. Ao apresentar um com restos de comida como tendo sido lavado com Finish, claramente a P&G teve como objectivo denegrir a marca e os produtos da Reckitt Benckiser. O que desrespeita os princípios da leal concorrência. Tornando as comparações, contidas na publicidade em apreço, enganosas…” (Cfr. CONCLUSÕES, ii);- (vi) “O teste independente e idóneo acima junto (…) permite concluir que, mesmo sem qualquer pré-lavagem, e em condições de lavagem que serão idênticas àquelas em que Fairy terá sido testado, tendo por base uma sujidade idêntica de massa no forno/lasanha como aquela que é apresentada no filme em causa, Finish All In One Max teve um desempenho de limpeza a 100%, i.e. excelente! O que refuta completamente a comunicação comercial da P&G em causa…” acrescentando que, “…também com Finish All in One Max – que é o produto com quem a P&G estará eventualmente a comparar o seu Fairy Platinum – não há qualquer necessidade de os consumidores passaram a loiça por água antes de a colocar na máquina, para obter resultados excelentes. E isto é assim também precisamente na sujidade que a P&G entendeu destacar: a massa no forno/lasanha. Tendo o produto Finish All in One Max obtido resultados de limpeza a 100%.”(Cfr. CONCLUSÕES, iii);- (vii) “Por último, ao transmitir que resultados como o apresentado no filme só se conseguem obter “Se usa as cápsulas Fairy Platinum”, a P&G está a incorrer em publicidade de tom excludente, no sentido de que só o seu Produto Fairy Platinum atinge os resultados anunciados, o que não é verdade, e que a P&G terá sustentar com provas que demonstrem a superioridade do seu produto sobre todos os demais produtos do mercado”. (Cfr. CONCLUSÕES, iv).
1.4.2. Contraditando a argumentação da RECKITT, defende a P&G a legalidade e a ética da sua comunicação comercial concluindo, em síntese, que:- (i) “A comparação efetuada entre o Fairy Platinum e a “pastilha tudo-em-um mais vendida não é ambígua, na medida em que (i) tendo presente a posição de liderança da pastilha Finish All-In-One comercializada pela Reckitt Benckiser no mercado nacional (…) conjugada com (ii) a forma típica da pastilha “tudo-em-um” utilizada na comparação lado-a-lado, que é facilmente reconhecida como a pastilha Finish All-in-One, sendo como tal facilmente reconhecida pelo consumidor médio, não é ambígua.” (Cfr.III. A.);- (ii) “Sendo a publicidade efetuada pela Procter & Gamble relativamente ao seu produto Fairy Platinum, publicidade comparativa, a mesma é permitida, na medida em que compara produtos que respondem às mesmas necessidades e que têm os mesmos objetivos” (Cfr.III. B.), acrescentando que, “…o argumento de que o Fairy Platinum, por ser de uma gama superior (Tier 1), não pode ser comparado com o Finish All-In-One, por este ser de uma gama inferior (Tier 2), é contrário à normativa comunitária e ao enquadramento jurídico-regulamentar português, pois o propósito da publicidade comparativa é exatamente o de permitir aos operadores económicos, como a Procter & Gamble, dar a conhecer ao consumidor uma alternativa melhor ao produto mais vendido, dando-lhe a possibilidade de optar por pagar por essa alternativa, se essa for a sua escolha” (Cfr.III. C.) e que, “…ao comparar produtos da mesma categoria, que respondem às mesmas necessidades e têm o mesmo objetivo, a Procter & Gamble faz uma comparação objetiva e com relevância para o consumidor, podendo até fazê-lo entre produtos de fabricante e entre produtos de marca própria, dado que tal comparação pode ser determinante para a escolha do consumidor.” (Cfr.III. D.);- (iii) “Quanto ao claim publicitário “Se usar as cápsulas Fairy Platinum consigo limpar os restos difíceis melhor do que a pastilha mais vendida”, não pode ser considerado como publicidade em tom excludente” (Cfr.III. E.) acrescentando que “A expressão “se” não é sinónimo de “só”, e a sua utilização apenas pretende informar o consumidor médio de que se usar o produto da Procter & Gamble poderá obter melhores resultados do que usando a pastilha tudo-em-um líder de mercado.” (Cfr.III. F.);- (iv) “Também ficou demonstrado que, de acordo com testes de performance realizados pelo laboratório independente alemão Tensioconsult, efetivamente, as cápsulas ou pastilhas para a máquina Fairy Platinum limpam melhor os restos de comida do que o Finish All-In-One…” (Cfr.III. G.), acrescentando que, “Dos relatórios carreados nesta contestação pela Procter & Gamble, resulta a existência de uma performance superior de Fairy Platinum em relação a Finish All-In-One” (Cfr.III. H.), “Performance essa que lhe permite alegar que Fairy Platinum limpa melhor os restos difíceis da loiça do que a pastilha Finish All-In-One, objeto da comparação.” (Cfr.III. I.);- (v) “…quanto à alegação de denegrição formulada pela Reckitt Benckiser, diga-se que a mesma não tem fundamento, na medida em que, em lado nenhum do spot publicitário, a Procter & Gamble alega que o Finish All-in-One da Reckitt Benckiser não elimina restos difíceis de comida sem pré-lavagem, mas apenas que o Fairy Platinum o faz melhor, conforme ficou tecnicamente demonstrado.” (Cfr. III. L.).
2. Enquadramento e fundamentação ético-legal
2.1. Da alegada prática de publicidade comparativa
Cita a Requerente vários processos que correram no ICAP, em que foi trazida à colação a perceção do consumidor médio sobre marcas, produtos e quotas de mercado, para o efeito de se concluir pela inexistência ou não de práticas de publicidade comparativa implícita. (Cfr. art.ºs de 7 a 10 da queixa). Analisada e ponderada a argumentação da RECKITT, opina o Júri no sentido de que a sua jurisprudência se refere a casos concretos com contornos diversos, os quais não equivalem aos constantes dos presentes autos. Mais, colocando a Requerente três hipóteses de categorização do tipo de comunicação comercial em apreço por parte do Júri (fundadas em processos anteriores), fica este sem elementos que lhe permitam entender qual é a posição da RECKITT, neste tocante. Só para referir um dos referidos contornos diferentes, diga-se que as alegações publicitárias em lide não se esgotam na menção “Se usa as cápsulas Fairy Platinum consigo limpar os restos difíceis melhor do que a pastilha mais vendida”, porquanto faz toda a diferença a respetiva associação ao claim visual suscetível de ser percebido como imagem da pastilha Finish All-in-One comercializada pela Requerente. Ou seja, é suscetível de ser identificada pelo consumidor médio. De facto, não se crê que o sinal forte da marca Finish seja compreendido e interiorizado pelo destinatário da publicidade, através do seu produto de gama mais alta, Finish Quantum mas sim, pelo de gama média e mais vendido Finish All-in-One, o que não só é corroborado pelo estudo da Nielsen constante do Doc. 1 da contestação e pelos art.ºs de 52 a 60 da queixa, como pela tipicidade da imagem da pastilha usada na comunicação comercial colocada em crise. (Cfr. Doc. 1 da petição).
Logo, entende o Júri dever ser afastada qualquer hipótese de “ambiguidade” no que concerne ao produto da Requerente que é utilizado como objeto de comparação.
De qualquer forma, é tese da Requerida, admitida como possível pela Requerente (cfr. art.ºs 52 a 54 da queixa) – ou como real (artigo 57 da petição) – que a comunicação comercial da primeira configura uma prática de publicidade comparativa implícita entre o produto de gama alta Fairy Platinum (da P&G) e o Finish All-in-One de gama média (da RECKITT), (cfr. artigo 15.º, n.º 1 do Código de Conduta do ICAP). Com efeito, em sede de contestação, a Requerida “…assume recorrer novamente à figura da publicidade comparativa (…) usando para o efeito o produto comercializado pela Reckitt Benckiser sob a marca Finish All-in-One (“tudo-em-um”)” (cfr. art.º 13) reconhecendo, igualmente, a P&G “…que tais pastilhas são as mais vendidas no mercado português”. (Cfr. art.º 14). Ora, esta será também, no entender do JE, e como já se referiu, a perceção que o consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e esclarecido terá da mesma comunicação, o qual, de acordo com o disposto no n.º 5 do artigo 3.º do Código de Conduta do ICAP), será o destinatário da publicidade “que possua um grau razoável de experiência, de conhecimento e bom senso e detenha uma razoável capacidade de observação e prudência.”
De onde, a análise por parte do Júri da comunicação comercial em lide, categorizada nos termos expostos, terá por referência o disposto no n.º 2 do artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP, nos termos do qual “Na Comunicação Comercial comparativa, a comparação deve: a) não ser enganosa; b) identificar apenas bens ou serviços que respondam às mesmas necessidades ou que tenham os mesmos objectivos; c) referir-se objetivamente a uma ou mais características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses bens ou serviços, entre as quais se pode incluir o preço; d) não desrespeitar os princípios da leal concorrência; e) não gerar confusão no mercado (…) entre marcas, designações comerciais, ou outros sinais distintivos, bens ou serviços do anunciante ou de um concorrente; f) não desacreditar ou depreciar marcas, designações comerciais, ou outros sinais distintivos, bens, serviços, actividades ou situação de um concorrente; (…)”
2.2. Da alegada prática de publicidade de tom exclusivo
Alega a RECKITT, em sede de petição que, a mensagem que a P&G pretende passar ao consumidor médio, através do claim “Se usa as cápsulas Fairy Platinum consigo limpar os restos difíceis melhor do que a pastilha mais vendida” associada à expressão “Perfeito”, é a de que só o Fairy Platinum é que isenta o consumidor da tarefa de pré-lavar a loiça antes de a colocar na máquina, removendo a sujidade à primeira.
Em conformidade com tal linha de raciocínio, acrescenta a Requerente que tal mensagem é reforçada pela alegação publicitária “Experimente Fairy Platinum”, pelo que incumbe à Requerida comprová-la através de junção de prova apta a demonstrar a superioridade do seu produto sobre todos os demais do mercado em causa.
Cumpre ao JE lembrar que a publicidade de tom exclusivo constitui uma modalidade de comunicação que a doutrina estrangeira (maxime a alemã e a espanhola) tem definido como aquela através da qual “o anunciante pretende excluir da posição que ocupa os restantes concorrentes (…) alcançando uma posição superior à dos seus rivais” (vd. Carlos Lema Devesa in “La Publicidad de Tono Excluyente”, Editorial Moncorvo, 1980), limitando-se “a realçar a sua posição de proeminência sem fazer nenhuma referência directa aos seus concorrentes.” (vd. Anxo Tato Plaza in “La Publicidad Comparativa”, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A. Madrid, 1996, p.50).
Ora, não restam dúvidas de que, quem afirma no contexto das restantes alegações publicitárias (cfr. 1.3.1. supra) que: “Se usa as cápsulas Fairy Platinum consigo limpar os restos difíceis melhor do que a pastilha mais vendida” não se encontra a praticar publicidade de tom exclusivo, entendendo o Júri, neste tocante, assistir razão à P&G, quanto ao alegado na contestação no sentido de que:- “…a expressão “se” não é sinónimo da expressão “só” (cfr. art.º 77);- “A expressão “se” é usada com o propósito de chamar a atenção do consumidor para uma alternativa,,,” (Cfr. art.º 78);- “Se a publicidade usada pela Procter & Gamble fosse em tom excludente, teria utilizado a expressão “só usando Fairy Platinum é que consegue remover melhor os restos difíceis, sem ter de passar por água” (cfr. art.º 80, negrito e itálico do JE);- “Tanto mais que não é em tom excludente, que a Procter & Gamble faz uma comparação direta com o produto da Reckitt Benckiser, o Finish All-in-One e não com todos os produtos concorrentes do mercado.” (Cfr. art.º 82).
Acrescenta o Júri que, por maioria de razão, o referido claim, mesmo que associado à alegação “Se usa as cápsulas Fairy Platinum, consigo limpar os restos difíceis melhor do que a pastilha mais vendida” (cfr. 1.3.1 (iv) supra), não é de molde a fazer resvalar a comunicação comercial da P&G para uma prática de publicidade de tom exclusivo.
De onde, constitui posição do JE que qualquer eventual necessidade de prova das alegações em lide, por parte da Requerida, não deverá incidir sobre toda a concorrência representativa do mercado em apreço mas, tão só, sobre a prestação da marca que estiver em causa, por objeto de comparação. In casu, a Finish All-in-One da concorrente RECKITT.
Mais, esclarece o Júri que a única alegação publicitária que consubstancia uma prática de publicidade de tom exclusivo (embora num contexto autónomo em relação aos claims colocados em crise, e que não é invocada por parte da RECKITT) é a última constante da comunicação comercial objeto dos autos “Recomendação N.º 1 da Whirlpool”, em packshot ladeado pela imagem de uma máquina de lavar loiça com o correspondente selo. (cfr. 1.3.1. (vii) supra).
2.3. Da comparação de produtos que alegadamente satisfazem necessidades diferentes
Segundo o n.º 2, alínea b) do artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP, “Na Comunicação Comercial comparativa, a comparação deve: (…) identificar apenas bens ou serviços que respondam às mesmas necessidades ou que tenham os mesmos objectivos”.
Refere a P&G, a art.º 44 da sua contestação, o facto de a RECKITT defender que este requisito (entre outros) não “…é cumprido pela Procter & Gamble, alegando, em suma que os produtos em comparação – Fairy Platinum e Finish All-in-One – não podem ser objetivamente comparáveis, pois o primeiro é de uma gama premium e o segundo de uma gama média”. (sic). Acrescenta, ainda, a P&G, uma série de argumentos falaciosos, com cuja linha de raciocínio o Júri não pode concordar. (Cfr. art,ºs 48 a 73 da contestação). Designadamente, e sem excluir, a Requerida apresenta uma série de exemplos de comunicações comerciais, ou desconformes com o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 16.º do Código da Publicidade, ou com contornos completamente diversos do caso em apreciação, ou ambos.
O facto de dois produtos serem objeto de comparação lícita quanto aos objetivos e, ou, necessidades que visam satisfazer (cumprindo, desse modo, o disposto nas alíneas b) do n.º 2 do artigo 16.º do Código da Publicidade e do artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP) não significa que se possa concluir, como efeito necessário, que as características que constituem o cerne de comparação sejam representativas de todos os produtos escolhidos como objeto de comparação. (vd. alíneas c).
Aliás, nesta matéria, por razões de coerência sistemática, os quadros normativos europeu e interno equivalem-se. A regra relativa ao requisito de comparação entre produtos, bens ou serviços que satisfaçam necessidades semelhantes e tenham os mesmos objetivos encontra-se separada da que estipula a obrigação de referência objetiva a uma ou mais características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses mesmos produtos, bens ou serviços.
Assim, a verificação do cumprimento de um requisito não determina a conclusão sobre a observância do outro, como se de uma relação causa/efeito se tratasse.
Ora, tal destrinça é relevante, no que tange ao objeto dos presentes autos, o que se esclarece, respondendo o Júri às perguntas (ainda que retóricas) colocadas pela P&G, na sua contestação: “…perguntamos: a que necessidades do consumidor respondem o Fairy Platinum e o Finish All-In-One?” (sic. art.º 53);- “Resposta: à mesma necessidade, ou seja, lavagem da loiça na máquina de lavar loiça.” (sic. art.º 54);- “Outra pergunta: que objetivos têm o Fairy Platinum e o Finish All-In-One?” (sic. art.º 55);- “Resposta: o objetivo de lavar a loiça na máquina de lavar a loiça!” (sic. art.º 56);- “Cremos que nada mais necessita de ser dito!”. (sic. art.º 57).
Com a devida vénia, o JE entende que algo mais terá que ser dito, não obstante aceitar que a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida não se encontra desconforme com o disposto no citado n.º 2, alínea b) do Código de Conduta do ICAP.
2.4. Da alegada comparação não objetiva
Consigna-se no n.º 2, alínea c) do artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP que, “Na Comunicação Comercial comparativa, a comparação deve (…) c) referir-se objetivamente a uma ou mais características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses bens ou serviços, entre as quais se pode incluir o preço”.
Alega a RECKITT na sua queixa, a propósito da alegada comparação não objetiva que, “É (…) possível constatar que o Fairy Tudo em Um tem normalmente um preço de venda mais aproximado ao de Finish All in One Max e, por sua vez, o Fairy Platinum tem um preço de venda mais aproximado ao de Finish Quantum” (sic. art.º 45), “O que permite concluir que o Fairy Tudo em Um e o Finish All in One Max são os produtos de gama média da P&G e da Reckitt Benckiser, respectivamente” (sic. art.º 46, negrito e sublinhado do Júri), sendo que “…o Fairy Platinum e o Finish Quantum são os produtos de gama alta, premium, da P&G e da Reckitt Benckiser, respectivamente” (sic. art.º 47), acrescentando que, “A diferença de preço reflecte-se necessariamente na maior ou menor eficácia do produto, nas funções integradas na pastilha e na experiência de lavagem com o produto que o consumidor consegue obter” (sic. art.º 48) e que, “…é por isso que quer a P&G, quer a Reckitt Benckiser, anunciam ao consumidor qual é o produto que proporciona melhores resultados, como se pode ver na imagem do front pack das embalagens do Fairy Platinum e do Finish Quantum:” (sic. art.º 49) “Na embalagem de Fairy Platinum pode ler-se “Nuestra Mejor Limpieza de Restos Dificiles” e na embalagem de Finish Quantum pode ler-se “O Nosso Melhor Brilho e Limpeza”. (Cfr. art.º 50, negrito e sublinhado do JE), “Pelo que este segmento de produtos representam o melhor que a P&G e a Reckitt Benckiser têm para oferecer a cada momento.” (sic. art.º 51).
Questiona, ainda a RECKITT: “…Por que razão a P&G terá a comparado o seu melhor produto com um produto de gama média da Reckitt Benckiser?”,“Porque é que a P&G não comparou o seu melhor produto com o melhor produto da Reckitt Benckiser?” (Cfr. art.º 52).
Diga-se que, a esta questão concreta, a P&G não respondeu na sua contestação.
Concordando com a Requerente, conclui o JE que a Requerida, ao não comparar o seu melhor produto, o Fairy Platinum com o produto equivalente da RECKITT – o Finish Quantum – não se referiu objetivamente às características essenciais, pertinentes e comprováveis da marca Finish, (gama ou tier), pelo que a sua comunicação comercial não se compagina com o cumprimento da obrigação consignada no n.º 2, alínea c) do artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP.
Para tal entendimento concorre o facto de a prova junta aos autos com a contestação, por parte da P&G, não ser de molde a comprovar que as pastilhas Finish All in One da RECKITT possuem as mesmas características essenciais e pertinentes do seu Fairy Platinum. Aliás, a Requerida assume, na sua contestação, que “…Fairy Platinum é um produto premium (Tier 1) e o Finish All-in-One é um produto de um segmento inferior (Tier 2).” (sic. art.º 47), vincando que “…a sua comparação direta não deixa de ser legal!” (sic. art.º 48).
De facto, concorda o JE em que, “De acordo com a al. b) do art.º 4º da Diretiva 2006/114/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de dezembro de 2006, relativa à publicidade enganosa e comparativa, esta última é permitida se se estiver a comparar bens ou serviços que respondem às mesmas necessidades ou com os mesmos fins.“ (sic. art.º 49 da contestação).
Não obstante, em coerência com o que concluiu no ponto anterior, cumpre ao Júri lembrar que, nos termos da alínea c) da exata norma europeia citada pela Requerida que, “No que se refere à comparação, a publicidade comparativa é permitida se estiverem reunidas as seguintes condições: (…) Comparar objectivamente uma ou mais características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses bens e serviços…”.
Logo, não é correta a afirmação da P&G no sentido de que “…nem a Diretiva Comunitária, nem o Código da Publicidade, nem o CCI indicam que os produtos em comparação têm de ser da mesma gama ou tier.” (sic. art.º 51 da contestação).
2.5. Da comparação que alegadamente estabelece a confusão entre marca e produtos da RECKITT
De acordo com o disposto no n.º 2, alínea e) do artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP, “Na Comunicação Comercial comparativa, a comparação deve: (…) não gerar confusão no mercado (…) entre marcas, designações comerciais, ou outros sinais distintivos, bens ou serviços do anunciante ou de um concorrente”.
A propósito, alega a RECKITT na petição que, “Não tendo comparado produtos que são, objectivamente, comparáveis, a P&G incorreu numa comparação que não é objectiva nem tem em conta produtos que são destinados ao mesmo público-alvo, nem adquiridos pelos mesmos consumidores.” (sic. art.º 53), questionando se “Saberão os consumidores que compram a “Pastilha tudo-em-um mais vendida” que Fairy Platinum é mais caro e de um segmento diferente?” (sic. art.º 54).
Concluiu o Júri a ponto 2.1. que, não se crê que o sinal forte da marca Finish seja compreendido e interiorizado pelo destinatário da publicidade, através do seu produto de gama mais alta Finish Quantum mas sim, pelo de gama média e mais vendido Finish All-in-One, o que não só é corroborado pelo estudo da Nielsen constante do Doc. 1 da contestação e pelos art.ºs de 52 a 60 da queixa, como pela tipicidade da imagem da pastilha usada na comunicação comercial colocada em crise. (Cfr. Doc. 1 da petição).
De onde o JE entende, por maioria de razão, que existe a suscetibilidade de o consumidor médio, por via da comunicação comercial da Requerida, entender que não existe, comercializada pela RECKITT, qualquer gama de pastilhas do mesmo tier do Fairy Platinum.
Termos em que, o Júri considera que a campanha publicitária em análise é de molde a gerar a confusão no mercado entre marcas da concorrente RECKITT, sendo desconforme com o disposto no referido artigo 15.º, n.º 2, alínea e).
2.6. Da prática de publicidade que alegadamente desacredita uma marca concorrente
Nos termos do disposto no n.º 2, alínea f), do artigo 15.º, do Código de Conduta do ICAP, “Na Comunicação Comercial comparativa, a comparação deve: (…) não desacreditar ou depreciar marcas, designações comerciais, ou outros sinais distintivos, bens, serviços, actividades ou situação de um concorrente; (…)”.
Mutatis mutandis do que ficou concluído nos pontos anteriores – concretamente, no que tange à comparação ilícita efetuada pela Requerida entre dois produtos com características representativas dissemelhantes (o que torna irrelevante a prova constante do Doc. 3 da contestação), de forma a comunicar um mau desempenho do comercializado pela concorrente RECKITT consubstanciado, designadamente, pelos claims “Pastilha tudo-em-um mais vendida” associado a “imagem de pirex ainda sujo” e a “ilustração de uma pastilha de Finish azul com a powerball encarnada ao centro” (cfr. 1.3.1. v a) e Doc. 1 da queixa), bem como pelas alegações publicitárias “Limpeza na 1.ª Lavagem” e “FAIRY” associadas à “imagem de um pirex limpo e resplandecente” e à “ilustração de uma pastilha Fairy Platinum” (da P&G) – entende o Júri que a comunicação comercial em apreço é de molde a desacreditar a marca/produto Finish All-in-One.
Quer o JE acrescentar que, mesmo a concluir-se pela bondade da prova de eficácia, traduzida por testes realizados pelo laboratório independente alemão Tensioconsult e resultados constantes de relatório datado de 4 de Agosto de 2016, juntos aos autos como Doc. 3 da contestação – e os quais apontam para a superioridade do produto Fairy Platinum, face ao produto Finish All-in-One (o que, pelos motivos expostos, é despiciendo) – sempre restará afirmar que imagens podem configurar hipérboles publicitárias inadmissíveis quando se trate do crédito público de uma marca. Dito de outra forma, o simbolismo decorrente da sujidade apresentada no pirex após lavagem com Finish All-in-One poderá ser excessivo, por referência ao relatório do referido Doc. 3, sobretudo, se se tiver em conta o teor do também Doc. 3 da petição. Logo, a questão a suscitar, não é tanto sobre a visualização do excelente resultado apresentado pela lavagem com o produto da P&G, mas sim, sobre a comunicação do mau resultado decorrente do uso da marca da RECKITT, mesmo tratando-se de um produto de gama inferior e, até, por causa disto mesmo, como se referiu ad nauseam.
2.7. Da alegada prática de publicidade enganosa e ofensiva do princípio da livre e leal concorrência
Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código de Conduta do ICAP, sob a epígrafe “Princípios Fundamentais”, “Toda a Comunicação Comercial deve ser legal, decente, honesta e verdadeira”, sendo que, segundo o respetivo artigo 5.º, sob a epígrafe “Legalidade”, a mesma comunicação “deve respeitar os valores, direitos e princípios reconhecidos na Constituição e na restante legislação aplicável”.
De acordo com o disposto no artigo 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) daquele Código de Conduta, sob a epígrafe “Veracidade”, “A Comunicação Comercial deve ser verdadeira e não enganosa” (1) e “deve proscrever qualquer declaração, alegação ou tratamento auditivo ou visual que seja de natureza a, directa ou indirectamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou ser susceptível de induzir, em erro o Consumidor…(2)”
Ora, foi entendido quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matéria de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. actual n.º 3 do artigo 11.º do Código da Publicidade) nos termos da qual se presumem inexactos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado dos artigos 4.º, 5.º e 12.º do Código de Conduta do ICAP se encontram em consonância, pelo que impende sobre a P&G, o ónus da prova das alegações publicitárias em lide.
Com efeito, nos termos do referido artigo 12.º, “As descrições, alegações ou ilustrações relativas a factos verificáveis de uma comunicação comercial, devem ser susceptíveis de comprovação” (1) e “Esta comprovação deve estar disponível de maneira que a prova possa ser prontamente apresentada por mera solicitação do ICAP”. (2).
No entanto, por maioria de razão do que se expôs nos pontos anteriores, a matéria que é alvo de denúncia incide, tão só, na necessidade de prova sobre as características essenciais e pertinentes do Finish All-in-One.
Na realidade, tal como já ficou referido pelo Júri, a P&G ao não comparar o seu melhor produto, o Fairy Platinum com o produto equivalente da RECKITT, o Finish Quantum (e sim, com o Finish All-in-One), não se referiu objetivamente às características essenciais, pertinentes e comprováveis (gama ou tier) da marca Finish, pelo que a sua comunicação comercial se encontra desconforme com o disposto no n.º 2, alínea c) do artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP, sendo, deste modo enganosa, por indução do consumidor em erro quanto às características representativas do Finish All-in-One da Requerente, sendo que:
– (i) a prova junta aos autos por parte da P&G com a contestação, não é de molde a comprovar que as pastilhas Finish All in One da RECKITT possuem as mesmas características essenciais e pertinentes do seu Fairy Platinum;- (ii) a bondade da prova apresentada pela P&G, quanto à eficácia do seu produto, não é apta a afastar a enganosidade da comunicação comercial em lide, porquanto o que é denunciado não é a inveracidade da alegada eficácia, mas antes, a indução em erro do consumidor médio por virtude da ausência de objetividade da comparação efetuada, e da consequente desacreditação do produto Finish All in One.
De onde, a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida se encontra, igualmente, desconforme com o preceituado no artigo 15.º, n.º 2, alíneas a) e d) do Código de Conduta do ICAP, nos termos dos quais, e respetivamente, “Na Comunicação Comercial comparativa, a comparação deve: não ser enganosa” e (…) “não desrespeitar os princípios da leal concorrência.
3. Decisão
Termos em que a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da P&G – veiculada em suporte televisão – em apreciação no presente processo – se encontra desconforme com os artigos 4.º, n.º 1, 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, 12.º e 15.º, n.º 2, alíneas a), c), d), e) e f) do Código de Conduta do ICAP, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurado pelo JE.».
A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP