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13J / 2016 :: Pessoa Singular vs. Modelo Continente

13J/2016

Pessoa Singular
vs.
Modelo Continente

 

EXTRACTO DE ACTA

 

Reunida no terceiro dia do mês de Outubro do ano de dois mil e dezasseis, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 13J/2016 tendo deliberado o seguinte:

Processo n. º 13J/2016

1.   Objecto dos Autos

1.1.   Pessoa Singular, adiante designada por Requerente ou pessoa singular, veio apresentar queixa junto do Júri de Ética (JE) Publicitária do ICAP contra o Continente, adiante designado por Requerido, por considerar enganosa a forma como é publicitado o preço do produto “Água com Gás Natural Pet” no sítio de internet www.continente.pt.
Alega a Requerente que no dia 19 de agosto de 2016, no sítio continente.pt, tentou adquirir 99 embalagens de 6x33cl do referido produto ao preço anunciado de 0,54 euros por unidade, tendo verificado que “após colocar o produto no carrinho o preço que surgia não era de 53,46 eur mas sim de 211,71 eur, que corresponderia ao valor unitário aprox. de 2,14 eur”. Junta como elementos probatórios impressões do sítio de internet continente.pt.

Mais refere que tendo contatado o serviço de apoio ao cliente foi-lhe negada a aquisição do produto nas condições anunciadas, explicando que “o preço anunciado estava errado e que o valor a pagar por unidade seria aquele que aparecia no carrinho, justificando ainda que nem este seria o correcto pois o preço do folheto era de 2,26 eur”. Conclui no sentido da mensagem veiculada ser enganosa, entendendo que “facilmente (…) passaria despercebido que estava a ser cobrado quase 4 vezes sobre o preço anunciado”.Notificada, a Requerida não apresentou contestação, nos termos do art.º 10.º do Regulamento do JE do ICAP.

Dão-se por reproduzidos a queixa e os documentos juntos aos autos pela Requerente.

2.   Enquadramento ético-legal

2.1.   Questões prévias

Poder-se-ia questionar se a matéria objeto da presente consulta se poderia qualificar como publicidade e se deveriam ser aqui aplicáveis os princípios estabelecidos no Código de Conduta do ICAP.

Quanto a este aspeto, refere-se que o próprio preâmbulo do Código de Conduta do ICAP indica que o mesmo “não se cinge à Publicidade em sentido estrito: trata da Comunicação Comercial, numa larga aceção do termo”, enquadramento que é depois estabelecido no art.º 1.º ao afirmar-se que o mesmo se aplica “genericamente ao conjunto da Publicidade e de outras formas de Comunicação Comercial destinadas à promoção de um qualquer tipo de bem ou serviço, incluindo a promoção institucional e corporativa.”

Por outro lado, na alínea b) do art.º 2.º é definida a “Comunicação Comercial” como abrangendo a Publicidade bem como outras técnicas, tais como promoções, patrocínios e marketing direto e deve ser interpretada de forma lata de modo a poder designar toda a comunicação produzida diretamente, por ou em representação de um operador de mercado, que pretenda essencialmente promover Produtos ou influenciar o comportamento dos Consumidores.

Esta noção acompanha a do Código da Publicidade, inscrita no seu art.º 3.º, n.º 1, na alteração promovida ao mesmo pelo Decreto-Lei n.º 6/95, de 17 de Janeiro, na sequência da aprovação da Diretiva n.º 84/450/CEE, de 10 de Setembro de 1984. Note-se a este respeito que a noção do Código da Publicidade é mais ampla do que a que resulta do consagrado na diretiva, abrangendo qualquer forma de comunicação, com o objetivo direto ou indireto de promover, com vista à sua comercialização ou alienação, quaisquer bens ou serviços, ou de promover ideias, princípios, iniciativas ou instituições, com exceção da propaganda política.

No caso em apreciação, o anúncio do preço é veiculado num suporte destinado a promover a aquisição de produtos, anunciando uma promoção, estando em causa uma eventual ação ou omissão enganosa, devendo todos os contornos da comunicação comercial conformar-se com o disposto no Código de Conduta do ICAP.

2.2.   Análise ético-legal

Nos termos do art.º 5.º do Código de Conduta do ICAP, toda a “Comunicação Comercial deve respeitar os valores, direitos e princípios reconhecidos na Constituição e na restante legislação aplicável”, cumprindo assim o princípio da legalidade.

Também o Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de março, que regula as práticas comerciais desleais, estabelece no seu art.º 7.º, sob a epígrafe “Ações enganosas” que “É enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente corretas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja suscetível de induzir em erro o consumidor em relação a um ou mais dos elementos a seguir enumerados e que, em ambos os casos, conduz ou é suscetível de conduzir o consumidor a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo”, enumerando, na sua alínea d), “O preço, a forma de cálculo do preço ou a existência de uma vantagem específica relativamente ao preço”.

O art.º 9.º, por outro lado, estabelece, sob a epígrafe “Omissões enganosas”, que a prática comercial “Que omite uma informação com requisitos substanciais para uma decisão negocial esclarecida do consumidor;” ou “Em que o profissional oculte ou apresente de modo pouco claro, ininteligível ou tardio a informação referida na alínea anterior”. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, “São considerados substanciais os requisitos de informação exigidos para as comunicações comerciais na legislação nacional decorrentes de regras comunitárias”, explicitando o n.º 4, na sua alínea a), que para a aferição dos elementos essenciais se deverá ter em conta, nomeadamente, o estabelecido no Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de Abril, que aprova o regime jurídico relativo à obrigação de exibição dos preços dos bens ou serviços colocados à disposição do consumidor no mercado, diploma entretanto alterado pelo Decreto-Lei n.º 162/99, de 13 de maio.

Ora, não existem dúvidas quanto ao facto do sítio de internet do Continente ser uma plataforma para a venda a retalho de bens, sujeita, assim, ao regime imposto pelo normativo referido. Tal infere-se, ainda, do disposto no Decreto-Lei n.º 10/2015, de 16 de Janeiro, que aprova o regime jurídico de acesso e exercício de atividades de comércio, serviços e restauração, e que, concretamente no seu art.º 30.º, reitera que “A afixação dos preços de venda ao consumidor e a indicação dos preços para prestação de serviços devem obedecer ao disposto no Decreto-Lei n.º 138/90, de 26 de abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 162/99, de 13 de maio”.

Ora, estabelece o art.º 6.º deste diploma que “A publicidade, sempre que mencione preços de bens ou serviços, deve respeitar as regras referidas no presente diploma e indicar de forma clara e perfeitamente visível o preço total expresso em moeda com curso legal em Portugal, incluindo taxas e impostos”. O n.º 2 do mesmo artigo refere que a publicidade escrita ou impressa e os catálogos, quando mencione o preço de venda a retalho, deve conter a indicação do preço da unidade de medida, salvo se o diploma expressamente dispensar essa informação, o que no caso não acontece.

Assim, nos termos do n.º 2 do art.º 1.º do diploma, para o produto em causa, deverá ser indicado o preço por unidade de medida, acrescentando o n.º 5 do mesmo artigo que “O preço de venda e o preço por unidade de medida, seja qual for o suporte utilizado para os indicar, referem-se ao preço total expresso em moeda com curso legal em Portugal, devendo incluir todos os impostos, taxas e outros encargos que nele sejam repercutidos, de modo que o consumidor possa conhecer o montante exato que tem a pagar”. A definição de “preço de venda” e de “preço por unidade de medida” são estabelecidas, respetivamente, na alínea d) e na alínea e) do art.º 2.º, sendo o primeiro o preço de venda válido para uma determinada quantidade do produto e o segundo o preço válido para a unidade de medida de referência, esclarecendo o n.º 3 do art.º 3.º que “O preço da unidade de medida dos géneros alimentícios e dos produtos não alimentares pré-embalados refere-se à quantidade declarada”.

Tal significa que a indicação do preço do produto em causa deveria fazer menção, igualmente, ao preço por unidade de medida. O n.º 2 do art.º 4.º vem dispensar da indicação do preço por unidade de medida nos “géneros alimentícios comercializados em embalagens até 50 g ou 50 ml ou com mais de 10 kg ou 10 l”, mas tal isenção não tem aplicação ao caso concreto, dado que o produto em causa é comercializado em embalagens de 33 cl.

Compulsada a documentação junta ao processo pela Requerente, verifica-se a conformidade legal da indicação do preço quanto aos aspetos anunciados, sendo referido quer o preço de venda quer o preço por unidade de medida, neste caso o litro. Verifica-se, ainda, que o preço por unidade anunciado é de EUR 0,54 e que o preço por litro é de EUR 0,27.

Concretizado este ponto, verifica-se, da análise das impressões juntas ao processo, que a comunicação comercial apresenta ainda um “desconto imediato” no montante de EUR 2,75 e que o valor da compra final de 99 unidades seria de EUR 211,71.

Acompanhando a Requerente, sendo apresentado um preço por litro de EUR 0,27, o preço por unidade de 33 cl seria sensivelmente de um terço deste preço, ou seja, EUR 0,09 por unidade e, como tal, o pacote de seis unidades ficaria por EUR 0,54, não restando dúvidas de que, face ao preço fixado para a unidade de medida, o preço anunciado se refere ao pacote de seis, em que este representa a unidade. É, de resto, frequente nas compras a retalho a apresentação deste tipo de pacotes em que não é possível a compra isolada de uma embalagem do produto.

Assim, por 99 unidades, o preço a apresentar seria de EUR 53,46 e não os EUR 211,71 que aparecem no carrinho. Não é, de resto, sequer percetível a fórmula de cálculo para o valor apresentado no carrinho, sem qualquer correspondência aos valores anunciados, ainda que aplicando-se o suposto desconto. Não tendo a Requerida apresentado a sua defesa, também não contribuiu para o esclarecimento da questão.

Ora, o que caracteriza a publicidade enganosa é sua suscetibilidade de induzir em erro o destinatário, ou porque é falsa, ou porque é ambígua, tomando por referência a presumível expectativa de um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido.

No caso em apreço, face aos preços indicados para a unidade e para o indicador de referência, entende o Júri que qualquer consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido não esperaria que lhe fosse apresentado o preço de EUR 211,71, cúmulo que não resulta da aplicação dos preços anunciados.

Considera-se, por isso, que a comunicação comercial em causa é assim ambígua e incorreta, e como tal suscetível de induzir em erro o Consumidor, designadamente, no que respeita “ao valor do Produto e preço total a pagar pelo Consumidor”, como expressamente estabelece o art.º 9.º n.º2, alínea b) do Código de Conduta do ICAP, ofendendo os princípios da legalidade e da veracidade, nos termos dos seus art.ºs 5.º e 9.º.

3.   Conclusão

Considera, assim, o JE que a comunicação comercial da responsabilidade do Continente, em apreciação no presente processo e no suporte analisado, encontra-se desconforme com o disposto nos art.ºs 4.º, 5.º e 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea b) do Código de Conduta do ICAP, bem como nos art.ºs 7.º e 9.º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, e no art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 162/99, de 13 de maio, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipo de ilícito apurados pelo JE.».

A Presidente da Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP

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