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16J / 2016 – Recurso :: Lactogal vs. Fromageries Bel Portugal

16J/2016
Recurso

 

Lactogal
vs.
Fromageries Bel Portugal

 

COMISSÃO DE APELO

Proc. n.º 16J/2016

Recorrente:
“LACTOGAL – PROD. ALIMENTARES, SA”
versus:
“FROMAGERIES BEL PORTUGAL”

 

I- RELATÓRIO

 

1. A LACTOGAL – PRODUTOS ALIMENTARES, S.A recorreu para esta Comissão de Apelo da Deliberação da 2ª Secção do JE proferida em 5 de Janeiro de 2017, no âmbito do processo acima referenciado.

2. O processo teve início com uma queixa apresentada pela FROMAGERIES BEL PORTUGAL, S.A, adiante designada por BEL PORTUGAL, contra a LACTOGAL – PRODUTOS ALIMENTARES, S.A., doravante designada por LACTOGAL, relativa à comunicação comercial da responsabilidade da requerida ao leite Agros, sob o slogan de campanha “Agros, a Marca da Natureza”, veiculada nos suportes embalagem, televisão, internet, outdoor, transportes públicos e caixas multibanco.

De acordo com o referido pela BEL PORTUGAL – e no que à decisão deste recurso interessa – estão em causa as seguintes alegações publicitárias:

– “É ver o pasto crescer e ouvir o tilintar das vacas a deliciarem-se!”;
– “Desde o Joaquim e o Farrusco, que tomam conta das vacas”;
– “À Leonor que cuida da Ordenha”;
– “Agros, A Marca da Natureza”.

Claims estes, associados às alegações publicitárias de natureza audiovisual (gráfica ou imagética) que se elencam:
– Imagens fixas de vacas leiteiras a pastar ao ar livre em campos verdejantes;
– Imagens fixas de pastoreio tradicional de gado leiteiro em cenários de quintas, ambiente rural e, ou, bucólico;
– Imagens em movimento de vacas leiteiras a pastar ao ar livre em campos verdejantes;
– Imagens em movimento de pastoreio tradicional de gado leiteiro em cenários de quintas, ambiente rural e, ou, bucólico.

Em síntese, na sua petição, sustentou a BEL PORTUGAL que:

A campanha publicitária desenvolvida pela LACTOGAL para a promoção dos seus produtos “Agros” (…), sob a égide da assinatura (…) “Agros, A Marca da Natureza”, assenta na ideia de uma ligação umbilical entre a marca “Agros” e a “Natureza”, designadamente através do uso incisivo de vocábulos e na veiculação de imagens relativos a espaços agrícolas naturais, pastoreio tradicional (prados verdes e vacas a pastar ao ar livre).

Os valores da natureza e da naturalidade assim enunciados levam os consumidores a crer que os produtos da marca “Agros” têm a sua origem nesse método de produção leiteira e deste modo se distinguem dos demais produtos lácteos concorrentes, por serem indissociáveis dessa Natureza e naturalidade, como se nada mais interferisse nesta relação de causa e efeito, além da vida rural e bucólica das vacas bem tratadas e alimentadas do campo e do pasto verde e fresco”, mensagem que, no entender da Requerente, “…é susceptível de criar no consumidor médio uma impressão errada quanto à origem e às características dos produtos lácteos “Agros”.

Os métodos produtivos da LACTOGAL, designadamente a origem do leite Agros, assentam, pelo contrário, no confinamento de vacas em estábulos e na alimentação com dieta baseada em forragens conservadas, suplementadas com alimentos compostos.

A “verdade” veiculada através da comunicação comercial da Agros é por isso falsa e enganosa.

O leite da marca “Agros” é produzido, exclusivamente, no Noroeste continental com recurso ao método de produção intensivo com estabulação das vacas.

A assinatura publicitária “Agros, A Marca da Natureza” sugere uma posição de exceção e saliência, por comparação com todos os demais produtos concorrentes, no intuito de fazer crer que estes não dispõem de igual aproximação àquilo que é natural, em termos de qualidade e modo de produção e fabrico.

3. A LACTOGAL contestou, alegando, em síntese, que:

Apenas se mantêm ativas algumas das alegações publicitárias referidas na queixa, pelo que, quanto às demais, se verifica inutilidade superveniente da lide.

A alegação “Agros, A Marca da Natureza” está registada, desde 22.07.2013, como marca nacional, tendo como único e exclusivo titular a LACTOGAL, tendo há muito decorrido o prazo que a requerente tinha para se opor ao registo daquela marca, pelo que o Júri de Ética não se pode pronunciar sobre o referido uso.

O consumidor médio sabe que, independentemente da denominação técnica dos métodos de exploração pecuária – extensivo, semi-intensivo, intensivo e pasto intensivo – o facto de ver as vacas nos pastos, ao ar livre não significa que as mesmas não se alimentem também em estábulo ou, o facto de as ver no estábulo não significa que as mesmas não saiam para a pastagem.

As alegações usadas pela LACTOGAL nas descritas comunicações comerciais respeitam a lei nacional e comunitária sobre a publicidade e a rotulagem de embalagens de produtos alimentares.

4. Pronunciando-se sobre a queixa apresentada, veio a 2ª Secção do JE, a deliberar que «a comunicação comercial da responsabilidade da LACTOGAL – veiculada nos suportes televisão, internet, outdoor, embalagem, transportes públicos e caixas multibanco – em apreciação no presente processo -, se encontra desconforme com os artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 12.º do Código de Conduta do ICAP, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurados pelo JE.».

5. Desta deliberação, a LACTOGAL interpôs recurso para esta Comissão de Apelo, juntando com as alegações dois documentos e um «link».

Na sua douta alegação, em conclusão, disse:

O JE, dando seguimento à orientação que tem prevalecido em anteriores decisões, não se devia ter pronunciado sobre campanhas que já não estão no ar, cuja divulgação cessou, pois falta o objeto da queixa, pelo que a mesma se tornou supervenientemente inútil.

É o que sucede com as comunicações comerciais que o JE considerou serem ilícitas, consubstanciando publicidade enganosa.

Por sua vez, o JE não tem competência para se pronunciar sobre o uso de uma marca registada e da qual a LACTOGAL é única e legítima proprietária, não obstante até ter decidido que o uso da marca “Agros a Marca da Natureza” era lícito.

No caso de, por mera hipótese de raciocínio, se entender que não há inutilidade superveniente da queixa apresentada pela FROMAGERIES BEL, então, as imagens em movimento no filme “Agros Naturalidade” e as alegações “É ver o pasto a crescer e ouvir o tilintar das vacas a deliciarem-se”, “Desde o Joaquim e o Farrusco, que toma conta das vacas”, “À Leonor que cuida da Ordenha”, que dele constam, não são ilícitas.

O JE suporta a sua deliberação na reportagem da RTP (doc. nº 4 junto com a queixa), que versa sobre o processo de recolha do leite, transporte, transformação, embalamento e controlo de qualidade, e até se inicia com as declarações do jornalista Daniel Catalão, tendo, como pano de fundo, uma paisagem bucólica e um conjunto de vacas ao ar livre.

O JE entende que as mensagens transmitidas pelo referido filme “Agros Naturalidade” são contrárias às que são veiculadas pela dita reportagem, pelo que são suscetíveis de induzir em erro o consumidor.

Em momento algum da reportagem é dito ou se pode concluir que as vacas estão quase sempre estabuladas e em momento algum do filme é dito ou se pode concluir que as vacas passam a maior parte do seu tempo ao ar livre.

O filme retrata a vida diária do produtor – desde a madrugada, até ao final do dia – por via de uma visão verdadeira do pastoreio de gado leiteiro, que, no seu dia-a-dia, combina vários tipos de alimentação, alternando entre o confinamento e o pastoreio.

As filmagens foram efetuadas em ambiente real, concretamente numa exploração agropecuária em Friães, concelho de Montalegre, propriedade de um produtor que fornece a LACTOGAL, onde o “Joaquim” e a “Leonor”, que dão uma cara e um nome aos milhares de produtores que fazem parte da cooperativa Agros, são personagens “tipicamente rurais”, oriundas da região de Montalegre, que, como todos sabemos, têm cães (o Farrusco neste caso), pastando as vacas, quer ao ar livre, quer no estábulo, dependendo das condições atmosféricas.

Por sua vez, a produção de leite no Entre Douro e Minho e em Trás-os-Montes é essencialmente familiar, sendo os animais acompanhados, de forma próxima, em ambiente rural, seja no estábulo, seja no pasto, pelos seus donos, o produtor, bem como pelos familiares ou colaboradores deste último, todos eles, personagens “tipicamente rurais”.

É verdade – decorre da experiência de vida – que poderá já não se “ouvir o tilintar da vacas”, tratando-se, contudo, de uma imagem que compõe o nosso imaginário e que figurativamente a continuaremos a usar, sem qualquer intuito ou efeito enganador junto do consumidor médio.

No filme “Agros Naturalidade” foi utilizada a técnica de narrativa, traduzida numa “viagem” do local de origem ao local de consumo do leite e a relação dos portugueses e desse produto com a natureza, tendo o objetivo central sido o de exemplificar, com cenas reais, o processo de produção de Agros de forma fidedigna, a importância dos produtores e a ligação dos portugueses com a marca, que tem uma longa história de sucesso junto do consumidor.

Tendo por base técnicas de narrativa comuns a qualquer filme publicitário, no que se refere ao universo dos produtores Agros, à produção do leite e à relação e cuidado com as vacas, o que é apresentado no filme é real e fiel ao que acontece no dia-a-dia no terreno, seja quanto ao local escolhido para as filmagens, às personagens ou ao discurso, não há nada que se configure como suscetível de induzir o consumidor médio em erro.

A comunicação comercial em causa, bem como as alegações por ela veiculadas são lícitas, respeitando as regras nacionais e comunitários da publicidade a géneros alimentícios.

Nestes termos deve a Comissão de Apelo decidir (i) pela inutilidade superveniente de parte da lide; (ii) incompetência em razão da matéria no que se refere à marca “Agros, a marca da Natureza”; (iii) decidir como sendo lícitas as imagens em movimento no filme “Agros Naturalidade” e as alegações “É ver o pasto a crescer e ouvir o tilintar das vacas a deliciarem-se”, “Desde o Joaquim e o Farrusco, que toma conta das vacas”, “À Leonor que cuida da ordenha”.

6. A recorrida BEL PORTUGAL contra-alegou, dizendo, em síntese:

Está vedado à Comissão de Apelo tomar em consideração, para efeitos de apreciação do presente recurso, quer o conteúdo do link http://www.cm-montalegre.pt/showNT.php?Id=2259, quer também os documentos juntos pela LACTOGAL ao presente recurso, porque legalmente inadmissível a sua apresentação, nos termos do artigo 15.º, n.º 5 do Regulamento do Júri de Ética, dado que não resultou demonstrado que não pudesse tê-los junto em momento anterior;

Mesmo que assim não se entendesse, no que não se concede, os documentos ou reportam dados genéricos ou estatísticos gerais ou infirmam as conclusões da LACTOGAL.

De facto, como foi aliás recentemente comprovado pela BEL PORTUGAL (Consulta 12J/2016 relativa ao Leite de Pastagem Terra Nostra), no Continente não existem pastagens susceptíveis de caracterizar uma exploração leiteira extensiva de natureza industrial, seja aquela em que assenta toda a produção Agros ou outra de perfil similar. É simplesmente uma impossibilidade por variadíssimas razões, nomeadamente de natureza climáticas mas também geográficas e económicas.

A título ilustrativo, veja-se que o documento da FENELAC enuncia no seu ponto 6: “Por outro lado, embora de forma marginal, existem nestas regiões Prados Permanentes para o pastoreio animal…”.

As “pastagens perenes” referidas no ponto 5 do documento da FENALAC são, na prática, para alimentação de gado de carne e para cavalos, uma vez que as mesmas são localizadas fora do raio de acção da sua ordenha.

As alegadas pastagens semeadas no Outono são destinadas para corte para silagem e não para o pastoreio com os animais. Nestas áreas podem fazer na melhor das hipóteses 2 cortes de silagem, mas normalmente é apenas um, caso a sementeira tenha sido bastante precoce e não tenham ocorrido geadas é que podem fazer dois cortes sempre para armazenamento. Este alimento, depois de fermentado e estabilizado, é fornecido aos animais ao longo do ano, os quais permanecem fechados nos seus estábulos.

Na mesma linha, o “breve apontamento” do Sr. Prof. Miguel Sottomayor enuncia um conjunto de dados estatísticos gerais e indecomponíveis, não autonomizando, por exemplo, a área de pastagem permanente melhorada constituída à base de erva verde destinada à alimentação das vacas leiteiras, da área de pastagem para o gado caprino e/ou para o gado bovino ou cavalar para produção de carne, sendo aliás expressamente inconclusivo quanto ao método de exploração leiteira predominante (intensivo ou extensivo) nas áreas tratadas.

Por outro lado, a circunstância de a organização empresarial leiteira das regiões indicadas ser de base familiar não contradita o tipo de exploração industrial intensiva levada a cabo, incluindo nomeadamente o tipo de alimentação característica das vacas leiteiras à base de forragem de milho (silagem).

A respeito da inutilidade superveniente da lide para apreciação dos suportes publicitários que já não estavam supostamente em divulgação pela LACTOGAL à data da queixa, dir-se-á que tal só ocorreria caso existisse uma “insusceptibilidade total de repetição” das campanhas supostamente cessadas.

Inexistindo essa “insusceptibilidade total de repetição” quanto a determinada campanha, como é o caso dos autos (tanto mais que a LACTOGAL manifesta um propósito firme de poder continuar com tais alegações publicitárias) deve o ICAP, atento o seu desiderato de autorregulação e bem assim de prevenção e dissuasão de condutas contrárias às regras da publicidade, entender justificada a sua apreciação dessa campanha, atento inclusive o interesse em agir de quem perante si se queixou.

Pode, e deve, o Júri de Ética pronunciar-se sobre questões relacionadas com a comunicação publicitária que é feita com base ou sustentação em marcas registadas (como esta “Agros, a Marca da Natureza”), estando legalmente habilitado a fazê-lo, sob pena de, assim não sendo, não se vislumbrar qual seria afinal o alcance da atuação possível do ICAP.
Quanto às imagens em movimento, bem andou o Júri de Ética ao ter censurado tais imagens porque susceptíveis de enganar o consumidor médio, levando-o a percecionar que as vacas leiteiras dos produtores “Agros” têm um estilo de vida passado ao ar livre, alimentando-se em campos verdejantes de erva fresca, num ambiente puramente natural e rural, o que não é verdadeiro;

O que quis a LACTOGAL com a narração da história do “ver o pasto a crescer e ouvir o tilintar das vacas a deliciarem-se”, do “Joaquim”, do “Farrusco” e da “Leonor” foi criar na consciência do consumidor médio a ideia de que os seus produtores são, efetiva e tipicamente rurais como antigamente, não faltando o pastor, o cão pastor e a senhora da ordenha (manual, e não automática e/ou robótica, como retratado na reportagem do doc. 4 da queixa), retirando da perceção do consumidor médio a associação a estábulos, máquinas, robots, ou outro tipo de industrialização, o que conseguiu, ganhando dessa forma um lugar de destaque na concorrência, violando os princípios da veracidade e da leal concorrência;

A visão romântica do pastoreio do passado não é claramente uma realidade no caso “Agros”, sendo que o consumidor quer, e exige, transparência e verdade na forma como lhe é comunicada a informação sobre o fabrico e a produção dos bens colocados à sua disposição no mercado. É uma tendência do consumidor, que a lei não ignora, mas antes protege, e que por essa razão determinou o teor da deliberação do ICAP;

Não é, pois, verdadeira a mensagem veiculada por meio destas alegações publicitárias que, por isso, foram censuradas, e bem, pelo Júri de Ética, pelo que deverá o entendimento sufragado pelo mesmo ser confirmado na decisão a tomar pela presente Comissão de Apelo, de forma integral, em nome de todos os princípios que devem nortear a atividade publicitária.

II – FUNDAMENTAÇÃO

7. Os factos

Com relevo para a decisão do recurso, considerou-se na decisão recorrida que a requerida não logrou provar a veracidade das seguintes alegações publicitárias:

– Imagens em movimento de vacas leiteiras a pastar ao ar livre em campos verdejantes e imagens em movimento de pastoreio tradicional de gado leiteiro em cenários de quintas, ambiente rural e, ou, bucólico;
– “É ver o pasto crescer e ouvir o tilintar das vacas a deliciarem-se”;
– “Desde o Joaquim e o Farrusco, que tomam conta das vacas”;
– “À Leonor que cuida da Ordenha”

8. Cumpre apreciar e decidir.

9. Da oportunidade da junção de documentos e «link» com as alegações

Com as suas alegações de recurso, a Lactogal veio juntar dois documentos e indicar um «link», para prova de factos alegados.

Sucede que, nos termos do disposto nos arts. 10º, nº2 e 11º, nº3, do Regulamento do JE do ICAP, as provas devem ser apresentadas com a petição e a contestação.

Na fase do recurso, apenas se consente a junção de novas provas, «se comprovadamente não puderam ter sido apresentadas perante a Secção» (art. 15º, nº 5).
Das referidas disposições resulta, pois, que só é admissível a apresentação de documentos, na fase de recurso, se se destinarem a provar factos cuja relevância surja apenas com a decisão proferida, mas não para provar factos que já antes dessa decisão a parte sabia estarem sujeitos a prova.

Sendo assim, na situação em apreço, uma vez que os meios de prova agora apresentados se destinavam a provar matéria já sujeita a discussão, perante a secção, é de considerar manifestamente extemporânea a sua junção ao processo.

Os referidos meios de prova, não serão, portanto, admitidos.

10. Da inutilidade da lide

Insurge-se a Recorrente contra a decisão do Júri de Ética, na parte em que considerou inexistir fundamento para declarar a inutilidade da lide.

Sem razão.

Na verdade, não ficou demonstrado que a comunicação comercial, em discussão neste processo, tivesse efetivamente cessado. Note-se que é a própria recorrente a afirmar que algumas das alegações publicitárias, objeto da queixa apresentada, entre as quais as que estão em causa neste recurso, se mantêm ativas (cf. arts. 36 e 39 a 50, da contestação).

Inexiste, portanto, fundamento para julgar extinta a instância, por inutilidade da lide.

11. Da incompetência em razão da matéria do Júri de Ética

A recorrente alega que o Júri de Ética é incompetente, em razão da matéria, para se pronunciar sobre o uso da marca “Agros, a Marca da Natureza”, por se tratar de marca registada, de que a Lactogal é legítima e única titular, referindo que só os Tribunais e o INPI o podem fazer.

A este propósito, esclareça-se, desde já, que o Júri de Ética deixou bem claro na sua deliberação que estava fora da sua esfera de competência uma eventual pronúncia sobre direitos de propriedade industrial de que a ora recorrente fosse titular.

E teve o cuidado de salientar que a sua competência material se encontra circunscrita à apreciação de comunicações comerciais ou institucionais, na perspectiva da sua conformidade com os princípios ético-legais que disciplinam a publicidade.

É, assim, indiscutível que o JE tem competência para se pronunciar sobre o diferendo submetido à sua apreciação.

Improcede, pois, a exceção de incompetência invocada.

12. Enquadramento ético-legal

São princípios fundamentais da comunicação comercial, nos termos do Código de Conduta do ICAP (CC-ICAP), que tais comunicações “devem ser “honestas e verdadeiras” (art.º 4º nº 1), “devem ser conformes aos princípios da leal concorrência, tal como estes são comummente aceites em assuntos de âmbito comercial” (art.º 4º nº 2) e “não devem minar a confiança do público” (art.º 4º nº 3).

Estabelece-se ainda no CC-ICAP que a comunicação comercial “deve ser verdadeira e não enganosa” (art.º 9º nº 1) e “deve proscrever qualquer declaração ou tratamento auditivo ou visual que seja de natureza a, direta ou indiretamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou ser susceptível de induzir em erro o consumidor, designadamente no que respeita a características essenciais do produto, ou que sejam determinantes para influenciar a escolha do consumidor, como por exemplo: a natureza, a composição, o método e data de fabrico, …” (art.º 9º nº 2 al. a).

Por sua vez, a comunicação comercial “deve ser concebida de forma a não abusar da confiança dos consumidores” (art.º 7º nº 1).

Estes princípios e deveres estão também afirmados no DL 57/2008 de 26.03 (regime aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores, ocorridas antes, durante ou após uma transação comercial relativa a um bem ou serviço) nomeadamente quando aí se considera “enganosa a prática comercial que contenha informações … que, mesmo sendo factualmente corretas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor”, em relação às “características principais do bem” tais como “a sua composição”, conduzindo, ou sendo susceptível “de conduzir, o consumidor a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo” (art.º 7º nº 1 al. b)).

De igual modo, o Código da Publicidade (CP), aprovado pelo DL 330/90 de 23.10, consagra o princípio da veracidade (art.º. 10º), nos termos do qual a publicidade deve respeitar a verdade, não deformando os factos (nº1); as afirmações relativas à origem, natureza, composição, propriedades e condições de aquisição dos bens ou serviços publicitados devem ser exatas e passíveis de prova, a todo o momento, perante as instâncias competentes (nº2).

Estabelece-se ainda a proibição de “toda a publicidade que seja enganosa nos termos do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março” (art.º 11º, nº1).

Além disso, faz recair sobre o anunciante o ónus da apresentação de provas da exatidão material dos dados de facto contidos na publicidade (nº2), presumindo-se inexatos se as provas exigidas não forem apresentadas ou forem insuficientes (nº3).

Em consonância com esta regra de direito probatório está também o preceituado nos artigos 4.º, 5.º e 12.º do Código de Conduta do ICAP (CC-ICAP).

Feito este breve enquadramento normativo, e retornando ao caso em apreciação, afigura-se-nos, salvo melhor opinião, que as alegações publicitárias em causa neste recurso constituem uma prática de publicidade enganosa, conforme acertadamente decidiu a 2ª Secção do JE.

Com efeito:

As imagens em movimento de vacas leiteiras a pastar ao ar livre em campos verdejantes e as imagens em movimento de pastoreio tradicional de gado leiteiro em ambiente rural são susceptíveis de levar o consumidor a supor, erroneamente, que as vacas passariam a maior parte do tempo ao ar livre, pastando erva verdejante num ambiente puramente natural e rural, sem estar confinadas a estábulos e sem estar inseridas num regime intensivo, alimentando-se de silagem, como afinal ficou comprovado no processo (cf. doc. nº4, junto com a queixa).

Da mesma forma, as alegações “É ver o pasto crescer e ouvir o tilintar das vacas a deliciarem-se”, “Desde o Joaquim e o Farrusco, que tomam conta das vacas” e “À Leonor que cuida da Ordenha” criam, ou podem criar, no consumidor a errónea convicção/perceção de que as vacas são criadas num ambiente rural, sem recurso a estabulação e a ordenha mecânica, replicando sistemas de pastoreio de outros tempos, o que claramente se demonstrou não ser verdade (cf. doc. nº4, junto com a queixa).

Resta, pois, concluir que a comunicação comercial aqui em causa se encontra desconforme com os artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 12.º do Código de Conduta do ICAP.

Improcede, pois, o recurso.

III – DECISÃO

13. Em face do exposto, deliberam os membros da Comissão de Apelo em negar provimento ao recurso interposto pela LACTOGAL – PROD. ALIMENTARES, SA e em confirmar a decisão recorrida.».

Lisboa, 31 Janeiro de 2017

Maria do Rosário Morgado
Presidente da Comissão de Apelo

Augusto Ferreiro do Amaral
Vice-Presidente da Comissão de Apelo

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