12J/2016
Lactogal
vs.
Fromageries Bel
EXTRACTO DE ACTA
Reunida no décimo terceiro dia do mês de Setembro do ano de dois mil e dezasseis, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processonº 12J/2016 tendo deliberado o seguinte:
Processo n. º 12J/2016
1. Objecto dos Autos
A LACTOGAL – PRODUTOS ALIMENTARES, S.A. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por LACTOGAL ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra FROMAGERIES BEL PORTUGAL SA. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por FROMAGERIES BEL ou Requerida), relativamente a comunicação comercial ao seu leite “Terra Nostra” – promovida pela última nos suportes embalagem, televisão, rádio, Internet e imprensa – tal, por alegada violação dos artigos 4.º, 5.º, 9.º e 15.º do Código de Conduta do ICAP, artigo 10.°do Código da Publicidade, artigo 7.°, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-lei n.º 57/2008 de 26 de Março, artigo 23.º, n.º 1, alínea a), n.º 2 e n.º 3 do Decreto-lei 560/99, artigo 7.º do Regulamento (UE) nº 1169/2011, artigos 3.º, alínea a), 5º, n.ºs 1 e 2, 10.º, n,ºs 1, 2 e 3 do Regulamento (UE) n.º 1924/2006 e artigo 23.º do Regulamento (CE) 834/2007, bem como dos artigos 317º, alínea. e) e 331º do Código da Propriedade Industrial.
1.1. Notificada para o efeito, a FROMAGERIES BEL apresentou a sua contestação.
Dão-se por reproduzidos a queixa e os dez documentos juntos, bem como a contestação a que FROMAGERIES BEL juntou cinquenta documentos.
1.2. Questões prévias
1.2.1. Em sede de contestação da FROMAGERIES BEL, é o Júri remetido para a consulta de inúmeros sites de Internet (cfr. art.ºs 4.14, 5.23, 5.27, 6.33, 6.34, 6.35, 6.54, 6.56, 6.71, 6.72, 6.119, 6.126, 6.199, 6.211 e 6.221). Ora, nos termos do Regulamento do JE, a este não incumbe investigar quaisquer conteúdos constantes de sites, para cujo endereço as Partes remetam prova de factos alegados nas suas peças processuais, caso a mesma não se encontre anexa à mesma.
Esta é, aliás, uma prática sobre a qual o Júri teve já a oportunidade de se pronunciar, designadamente, no âmbito dos processos 8J/2009,17J/2009, 2J/2010 e 10J/2016 do ICAP.
1.2.2. Nos termos do n.º 1 do artigo 11º, “sob a epígrafe “Contestação”, “… A Parte ou as Partes contra quem a queixa é dirigida são notificadas para, no prazo máximo de cinco dias úteis (…) apresentarem as contestações (…) devendo as mesmas ser tão sintéticas quanto possível” (negrito e sublinhado do Júri), necessidade de síntese, esta, também assinalada no que se refere às petições (cfr. artigo 10.º, n.º 1 do mesmo Regulamento), e justificada em termos de eficácia de auto-regulação. Com efeito, esta implica celeridade nas decisões do Júri e, em conformidade, a prática é a de que se disponham de quadro dias úteis para a conclusão das respetivas propostas de acta. Assim, solicita-se novamente à Requerida que, peças processuais futuras, sejam “tão sintéticas quanto possível”. (Cfr. ponto 1.3. da decisão do processo 4J/2014).
1.2.3. Atentas as diversas questões relativas a matéria do âmbito da propriedade industrial suscitadas pela FROMAGERIES BEL (cfr., designadamente, art.ºs 116, 117,121, 152, 153 e 154 da contestação), cumpre ao JE lembrar que a sua competência material se encontra circunscrita à apreciação da publicidade e comunicações comerciais ou institucionais, não podendo e, ou, devendo pronunciar-se sobre tais questões – quando não haja interseção com as últimas -, sendo que as Partes, a qualquer momento, poderão suscitá-las junto dos tribunais.
1.2.4. A propósito de algumas alegações vertidas em sede de petição, quer o quer o Júri vincar que uma embalagem de um produto só consubstancia um suporte publicitário, caso possua alegações que encerrem juízos de valor que caibam no conceito ético-legal de comunicação comercial ou institucional. Caso contrário, estar-se-á em presença de informação ao consumidor aposta em rotulagem, o que é o caso do âmbito de aplicação do artigo 7.º do Regulamento (UE) n.º 1169/2011 e do Regulamento (UE) n.º 834/2007.
Dito de outra forma, entende o JE que tal informação apenas será apta, per se, a propiciar quaisquer juízos de valor promocionais junto do destinatário – e, logo, a ser considerada um disclaimer de uma comunicação comercial – caso, cumulativamente:
– Possua um destaque não obrigatório por lei;
– Não consubstanciando, em si mesma, algo que não seja uma mera informação ao consumidor “resvale” para o conceito de publicidade, por via de uma associação verbal e, ou, visual com claims publicitários.
Com efeito, a averiguação de qualquer alegado incumprimento do princípio do respeito pelos direitos do consumidor em matéria de publicidade implica a existência da última. A assim não ser, estar-se-ia em presença de uma tautologia.
Pelo exposto, esclarece o Júri que somente apreciará o teor de menções apostas na rotulagem do leite “Terra Nostra” que se possam considerar comunicações comerciais ou institucionais, vulgo publicidade, ou que, não o sendo, emprestem significado a claims publicitários por associação possível por parte do consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido e informado, porquanto tal é o que faz parte da competência material do ICAP, designadamente, nos termos do artigo 4.º dos seus Estatutos.
1.3. Dos factos
Através da análise da globalidade do articulado da petição e dos dez documentos juntos ao processo com a mesma, conclui o Júri que a denúncia da Requerente se reporta a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida ao “LEITE DE PASTAGEM TERRA NOSTRA”, sob o slogan de campanha “Programa Leite de Vacas Felizes – Puro Leite de Pastagem” (cfr. art.º 4 da queixa) aquela, veiculada nos suportes embalagem, televisão, rádio, internet e imprensa.
1.3.1. Dos suportes e das alegações publicitárias ou claims
1.3.1.1. Através de suporte imprensa
– (i) “Os objectivos da BEL passam por (…) fazer o bem para os nossos animais, para o ecossistema, para os Açores e para todos nós” (…) “que no final tenha a garantia de um leite distinto – puro leite de pastagem…” – Ana Cláudia Sá, Diretora Geral da BEL PORTUGAL ao Correio da manhã a 02.02.2015” (Cfr. Doc. 2 da queixa);
– (ii) “Esta é uma grande aposta da marca Terra Nostra. O Leite de Pastagem, disponível nas variedades meio-gordo e magro, é sobre fazer o bem: para os Açores, para os produtores, animais e para todos nós” – Paula Gomes, Directora de Marketing da BEL PORTUGAL, à revista Markeeter, a 30.05.2016. (Cfr. Doc. 3 da queixa);
– (iii) “Terra Nostra tem como missão fazer o Bem, bem feito, agindo como um dos principais embaixadores da sua origem, os Açores. Terra Nostra é uma marca líder no mercado de queijo, com mais de 60 anos de história. O lançamento do Leite de Pastagem, exclusivo de produtores certificados do Programa Leite de Vacas Felizes, traz ao mercado um leite puro e rico em nutrientes, com as melhores práticas para uma produção sustentável. O Leite de Pastagem representa o progresso do regresso às origens” – Ana Cláudia Sá, Diretora Geral da BEL PORTUGAL à Gazeta rural, a 21/05/2016. (Cfr. Doc. 4 da queixa);
– (iv) “O Leite de Pastagem Terra Nostra é sobre fazer o Bem: para os Açores, para os nossos produtores e para o bem-estar dos nossos animais. É um leite que vem responder à crescente procura de produtos mais naturais e saudáveis, assegurando a pastagem 365 dias por ano. Hoje a marca Terra Nostra criou um novo segmento de mercado: o Leite de Pastagem” – Paula Gomes, Diretora de Marketing da BEL PORTUGAL, à Gazeta Rural a 21/05/2016. (Cfr. Doc. 4 da queixa);
– (v) “Terra Nostra lança o primeiro leite de pastagem”; “um leite puro e rico, de vacas felizes que vivem ao ar livre e comem erva fresca 365 dias por ano”, em revista do jornal “O Expresso” de 1/7/2016. (Cfr, Doc. 5 da queixa);
– (vi) “Um leite exclusivo de produtores certificados do Programa Leite de Vacas Felizes”, em Revista do Jornal “O Expresso”, de 1/7/2016. (Cfr, Doc. 5 da queixa);
– (vii) “Porquê escolher o Leite de Pastagem Terra Nostra? Razões não faltam. A sua qualidade é rigorosamente testada, a produção é ambientalmente sustentável e o bem-estar animal é uma preocupação constante”, em “Observador”, de 14/6/2016 (Cfr. Doc. 6 da queixa);
– (viii) “Este Programa assenta em cinco pilares fundamentais: a pastagem, o bem-estar animal, a qualidade e segurança alimentar, a sustentabilidade e a eficiência”, em “Observador”, de 14/6/2016. (Cfr. Doc. 6 da queixa);
– (ix) “As vacas do Programa Leite de Vacas Felizes vivem ao ar livre, sem stress, e não fechadas em estábulos a comer ração, conforme acontece na maior parte das explorações com regimes intensivos, quer em Portugal Continental, quer noutros países europeus. É caso para dizer: Há vacas com muita sorte!”, em “Observador”, de 14/6/2016. (Cfr. Doc. 6 da queixa);
– (x) “…as características nutricionais, a preocupação com a sustentabilidade ambiental e a inerente sustentabilidade alimentar, o bem-estar animal, aliado a um Programa diferencial, num local único com a produção exclusiva e ímpar”, em “Observador” de 14/6/2016. (Cfr. Doc. 6 da queixa);
– (xi) “O Leite de Pastagem Terra Nostra ainda é amigo do ambiente. Com a adoção de práticas mais eficientes e sustentáveis, pretende-se preservar recursos naturais únicos no mundo”, em “Observador” de 14/6/2016. (Cfr. Doc. 6 da queixa);
– (xii) “Leite de pastagem Terra Nostra porque vacas-felizes agradecem com melhor leite”, em “Observador” on-line, de 14/6/2016. (Cfr. Doc. 6 da queixa);
– (xiii) “Todo o leite é bom, o Terra Nostra é melhor”, em Revista Grande Consumo on-line, de 16.8.2016. (Cfr. Doc. 7 da queixa);
– (xiv) “Através do Programa Leite de Vacas Felizes, implementado nos Açores, a Bel fez do bem-estar animal uma parte integrante dos seus objetivos de sustentabilidade e melhorou a vida de milhares de vacas que produzem leite para a marca Terra Nostra”, em Revista Grande Consumo on-line, de 16.8.2016. (Cfr. Doc. 7 da queixa);
– (xv) “Com Terra Nostra e o Programa Leite de Vacas Felizes, a Bel Portugal está também a dar aos consumidores a opção de escolherem níveis de bem-estar mais elevados” em Revista Grande Consumo on-line, de 16.8.2016. (Cfr. Doc. 7 da queixa);
– (xvi) “Programa Leite de Vacas Felizes”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);
– (xvii) “O melhor leite precisa de práticas agrícolas sustentáveis e de elevados critérios de qualidade. O melhor leite vem da pastagem de vacas felizes, que vivem ao ar livre e comem erva fresca o ano inteiro”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);
– (xviii) “Terra Nostra representa a terra das vacas felizes, a terra do Puro Leite de Pastagem”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);
– (xix) “A pastagem é uma fonte viva de nutrientes, é um método de alimentação natural e mais sustentável”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);
– (xx) “A pastagem é a garantia de um leite mais puro, saudável e saboroso”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);
– (xxi) “Não vivem em estábulos, nem são alimentadas à base de rações como na maioria das explorações com regimes intensivos”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);
– (xxii) “O resultado é um leite puro e rico”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);
– (xxiii) “Salvaguardamos os belos recursos naturais dos Açores para as próximas gerações, através de boas práticas ambientais e de um consumo de energia com práticas mais eficientes”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);
– (xxiv) “Ao saber de gerações, contribuímos para que as explorações leiteiras sejam mais eficientes e sustentáveis”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);
– (xxv) “Do Programa Leite de Vacas Felizes nasce o Primeiro Leite de Pastagem”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);
– (xxvi) “Um leite único, puro e rico, de vacas felizes que vivem ao ar livre e comem erva fresca 365 dias por ano. Um leite que faz bem e faz o Bem”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);
– (xxvii) “O Leite de Pastagem é um leite sem igual. Puro e rico em nutrientes”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);
– (xxviii) selo pelo qual os produtos que o ostentam se afirmam como “Puro Leite de Pastagem”, aquele associado às referidas alegações constantes do sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);
1.3.1.2. Através de suportes internet, televisão e rádio
– (xxix) “Uma vaca feliz, Outra vaca feliz, Uma ilha de vacas felizes, Andam sempre a passear, Têm vista para o mar, O pasto verdejante é o seu manjar”, em spot publicitário “Leite de Pastagem Terra Nostra”, versos ilustrados com imagens alegóricas, ao jeito de video-clip, nos suportes internet e televisão. (Cfr. Doc. 8 da queixa);
– (xxx) “Há vacas com muita sorte, Vivem livres todo o ano”, em spot publicitário “Leite de Pastagem Terra Nostra”, versos ilustrados com imagens alegóricas, ao jeito de video-clip, nos suportes internet e televisão. (Cfr. Doc. 8 da queixa);
– (xxxi) “Produtores Certificados fazem leite inovador, Rico em cálcio e proteínas, Sabe bem e faz melhor”, em spot publicitário “Leite de Pastagem Terra Nostra”, versos ilustrados com imagens alegóricas, ao jeito de video-clip, nos suportes internet e televisão. (Cfr. Doc. 8 da queixa);
– (xxxii) “Mas para fazer o Leite de Pastagem Terra Nostra, Perdoem-nos a indelicadeza, é mesmo preciso pôr vacas a morar na natureza!”, em spot publicitário “Leite de Pastagem Terra Nostra”, versos ilustrados com imagens alegóricas, ao jeito de video-clip, nos suportes internet e televisão. (Cfr. Doc. 8 da queixa);
– (xxxiii) “Chegou o primeiro leite de pastagem magro Terra Nostra”, em spot publicitário “Anúncio Leite de Pastagem Terra Nostra, versos ilustrados com imagens alegóricas, ao jeito de video-clip, nos suportes internet e televisão. (Cfr. Doc. 9 da queixa);
– (xxxiv) “Tão saboroso, puro e rico, tinha de vir de vacas felizes que vivem ao ar livre e comem erva fresca 365 dias por ano”, em spot publicitário “Anúncio Leite de Pastagem Terra Nostra, versos ilustrados com imagens alegóricas, ao jeito de video-clip, nos suportes internet e televisão. (Cfr. Doc. 9 da queixa);
1.3.1.3. Através de suporte embalagem
– (xxxv) “Leite de Pastagem”. (Cfr. Doc. 1 da queixa);
– (xxxvi) “O programa Leite de Vacas Felizes é sobre ter o melhor leite”. (Cfr. Doc. 1 da queixa);
– (xxxvii) “Este programa garante a pastagem 365 dias por ano e os mais rigorosos critérios de qualidade, sustentabilidade e bem-estar animal”. (Cfr. Doc. 1 da queixa);
– (xxxviii) “O Leite de Pastagem é um exclusivo de produtores do Programa Leite de Vacas Felizes”. (Cfr. Doc. 1 da queixa);
– (xxxix) “Leite de Pastagem de vacas felizes que vivem ao ar livre e comem erva fresca 365 dias por ano. Um leite que faz bem e faz o bem”. (Cfr. Doc. 1 da queixa);- (xL) “As nossas vacas disfrutam de uma alimentação natural e saudável, à base de erva fresca”. (Cfr. Doc. 1 da queixa);
– (xLi) “Leite de Pastagem Terra Nostra é um leite sem igual”. (Cfr. Doc. 1 da queixa).
1.4. Das alegações das Partes
1.4.1. Em síntese, sustenta a LACTOGAL na sua petição que:
– (i) “As alegações “Leite de Pastagem”, “Puro Leite de Pastagem”, “a terra do puro leite de pastagem”, “Primeiro Leite de Pastagem”, “um leite único, puro e rico”, “O Leite de Pastagem é um leite sem igual. Puro”, “Com a adoção de práticas mais eficientes e sustentáveis”, “O programa Leite de Vacas Felizes”, “O programa Leite de Vacas Felizes é sobre ter o melhor leite” e “O melhor leite vem da pastagem de vacas felizes” são susceptíveis de induzir em erro o consumidor médio, aquele “normalmente informado e razoavelmente atento e advertido.” (sic. art.º 15);
– (ii) “…as alegações em crise são susceptíveis de confundir o dito consumidor médio, pois consentem que “Leite de Pastagem Terra Nostra”, que é um leite ultrapasteurizado, seja confundido pelo consumidor médio com um leite biológico” .(sic. art.º 16) e que, “…com a sua atuação, a BEL Portugal, através do seu produto “Leite de Pastagem”, quer posicionar-se como sendo uma alternativa mais barata para o consumidor que queira optar por comprar Leite Biológico.” (sic. art.º 28);
– (iii) “…as alegações divulgadas no âmbito da campanha publicitária promovida pela BEL PORTUGAL (…) violam os princípios da veracidade, da legalidade, da proibição da publicidade enganosa, constituem prática comercial desleal, sob a forma de acção enganosa, violam as regras comunitárias sobre a rotulagem de produtos biológicos, bem como as comunitárias e nacionais sobre rotulagem, a prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios, o regime comunitário relativo às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos, configuram a prática de concorrência desleal e violam o Código de Conduta do ICAP.” (sic. CONCLUSÕES, S)).
1.4.2. Contraditando a denúncia da LACTOGAL, vem a FROMAGERIES BEL defender na sua contestação, e em resumo, que:
– (i) “Em Janeiro de 2015, a BEL PORTUGAL lançou o Programa Leite de Vacas Felizes, um programa de cooperação com os produtores de leite açorianos que visa modernizar, melhorar e especializar os produtores em leite de pastagem, assegurando pastagem ao ar livre durante todo o ano, alimentação à base de erva fresca e elevados critérios de qualidade e de bem-estar animal e promovendo um preço pago pelo leite cru ao produtor superior ao praticado no mercado, para o produtor aprovado de acordo com os critérios de rigor e verificação definidos – conforme documentos…” (sic. art.º 36), acrescentando que, “A garantia dada pelo Leite de Pastagem Terra Nostra aos consumidores é a de que o leite consumido provém de vacas que pastam ao ar livre 365 dias por ano e que é exclusivo de produtores que cumprem as práticas exigidas nos vários pilares do Programa leite de vacas felizes. Desde a recolha de leite até ao produto final embalado, todo o processo é auditado e certificado pela SGS.” (sic. art.º 65);
– (ii) “…o sinal distintivo do comércio Leite de Pastagem Terra Nostra não viola qualquer disposição ou princípio imperativo da Lei, tem carácter distintivo do produto que assinala e não reproduz ou imita qualquer outra designação para assinalar produtos concorrentes, por não ser susceptível de induzir em erro ou confusão o consumidor ou compreender o risco de associação com sinal anterior protegido” (sic. art.º 89), acrescentando que as menções constantes da campanha publicitária “…não indicam, nem sugerem, expressa ou implicitamente, qualquer comparação, nomeadamente de natureza excludente ou denegridora de outros produtos concorrentes ou dos respectivos produtores” (sic. art.º 94) e que, “É próprio de toda a publicidade um exagero que entra já no socialmente adequado. A indução em erro, pois é ela que justifica a proscrição, tem de resultar de afirmações concretas, mesmo que implícitas, que criem uma impressão falsa no destinatário… O melhor de todos é inócuo” – cfr. Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, Coimbra, Almedina, página 165.” (sic. art.º 103);
– (iii) “Em suma, o uso da sugestão criativa “Vacas Felizes” e a indicação de que o Programa Leite de Vacas Felizes “é sobre ter o melhor leite” não são susceptíveis de criar uma impressão falsa no destinatário” (sic. art.º 105) que, “De facto, a generalidade dos consumidores, ou o seu padrão médio, conhece e está familiarizado com as sugestões usuais ou correntes segundo concepções dominantes no mercado da produção e comercialização dos diferentes leites, produtos lácteos e outros géneros alimentícios essenciais, com as quais o mesmo consumidor lida no seu dia-a-dia“ (sic. art.º 106), acrescentando que, “Neste contexto, torna-se evidente que a alegação “o Leite de Pastagem é um exclusivo de produtores do Programa Leite de Vacas Felizes” é percepcionado pelo consumidor médio como apenas indicativo do Leite de Pastagem Terra Nostra” (sic. art.º 121) e que “Será, portanto, no limite, uma alegação percepcionada pelo consumidor médio como um exagero superlativo, inócuo e não enganoso.” (sic. art.º 122).
2. Enquadramento ético-legal
2.1. Da alegada prática de publicidade comparativa
No que tange a esta questão suscitada pela LACTOGAL a art.ºs 31 a 57 da petição e contraditados pela FROMAGERIE BEL, designadamente, a art.ºs 95, 96, 101, 115, 116, 117, 143 e 144 da contestação, cumpre ao Júri esclarecer o que, no seu entender, deve ser considerado como uma prática de publicidade comparativa.
Assim:
– (i) Atento o requisito positivo de identificação, explícita ou implícita da concorrência constante do artigo 16.º do Código da Publicidade (com o qual o artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP se encontra em consonância), estaremos em presença de uma prática de publicidade comparativa, sempre que se contraponha um produto com o género a que pertence ou com outro em que se verifique interseção em termos de satisfação de necessidades, fazendo dele concorrente do primeiro. Deste modo, caso por exemplo, um anunciante de uma marca de azeite compare o seu produto com margarina, estará a praticar publicidade comparativa ilícita, por desconformidade com o disposto no referido artigo 16, n.º 2, alínea c), por ausência do requisito “características representativas”. Com efeito, a margarina não tem que ter as características do azeite. Logo, a comparação é ilícita, mas existe;
– (ii) Por maioria de razão, no que concerne à comunicação comercial em apreço, o Júri não vai afirmar que “…não estamos perante publicidade comparativa, uma vez que a campanha publicitária em causa e acima escrita, bem como a rotulagem das embalagens do denominado “leite de pastagem”, não identificam o(s) produto(s) concorrente(s), mas apenas o género do produto “leite” (sic. art.º 55 da queixa) bem como também não irá defender que se trata aqui de um caso de publicidade comparativa, por virtude de a “LACTOGAL possui, alegadamente, a relevantíssima quota de 63% no mercado da produção e comercialização do leite. (Cfr. art.º 56 da petição);
– (iii) Com efeito, estruturas do mercado de natureza oligopolista, caracterizadas pela existência de vários concorrentes mas em que, todavia, apenas dois ou três têm efetivo poder de mercado, serão os casos mais comuns nos sectores de atividade mais representativos da economia;
– (iv) Logo, se adotarmos a tese defendida pela LACTOGAL de que, quando tal suceda, “…qualquer comparação genérica realizada por um concorrente na sua publicidade será entendida pelo público destinatário como uma comparação com os dois ou três concorrentes que o público conhece, ou seja, com os dois ou três concorrentes que detêm o poder de mercado (Estes concorrentes serão, portanto, identificáveis pelo público destinatário» (Anxo Tato Plaza, La Publicidad Comparativa, Marcial Pons, Madrid, 1996, pág. 30. Em nota de rodapé, o autor cita a opinião do autor alemão Eichmann segundo o qual «há que atender ao grau de conhecimento do concorrente por parte do público, e não à quota de mercado», embora esta «possa ser um indício de que um concorrente é o mais conhecido do público»)” (sic) estaremos a excluir, liminarmente, na esmagadora maioria dos casos de publicidade de tom exclusivo, o ónus de prova da respetiva veracidade em relação a toda a concorrência (que impende sobre o anunciante que estiver em causa) prejudicando a intencionalidade subjacente, porquanto bastaria uma amostra que abarcasse aqueles que partilham o topo do mercado;
– (v) In casu, tal significaria “deixar-se de fora do ónus da prova” das alegações de superioridade constantes da campanha publicitária da responsabilidade da FROMAGERIES BEL, a quota de mercado de, pelo menos, 26,7%, (cfr, art.º 13 da contestação;
– (vi) De onde, e com o devido respeito pela doutrina de Anxo Tato Plaza, que é muito – como sobejamente demonstra a já vasta jurisprudência do JE – a admitir-se a totalidade das consequências da aplicação da tese em apreço, a prova obrigatória em matéria de práticas de publicidade de tom exclusivo deixaria de o ser, sempre que estivesse em causa um oligopólio em que o consumidor médio não conseguisse identificar toda a concorrência, o que só não aconteceria em mercados muito exíguos, os quais são, aliás, uma minoria. Dito de outra forma, “a afirmação de que o próprio produto é superior ao de toda a concorrência, por exemplo, não caracteriza publicidade comparativa» (Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, Lisboa, AAFDL, 1994, p.150), mas mera publicidade superlativa (Adelaide Menezes Leitão, A concorrência desleal e o direito da publicidade, in Concorrência Desleal, Almedina, Coimbra, 1997, p.154).” (sic. petição);
– (vii) Pelo exposto, o caso objeto de denúncia por parte da LACTOGAL é um caso de publicidade comparativa, por virtude de o consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido e informado identificar qualquer leite que não seja o “Terra Nostra, “único leite de pastagem”, e logo, do género respetivo (alegadamente único no género extensivo), num género composto pelo universo de “todos os outros”: os “os de não pastagem” que praticam o método intensivo“, segundo a Requerida, (…) caracterizando-se pela criação de gado em espaços fechados (estabulação), com condições controladas de temperatura, humidade e ventilação”. (sic. art.º 15 da contestação, e Doc. 4 junto à mesma e art.º 31 da queixa). Aliás, segundo a própria campanha publicitária: “As vacas do Programa Leite de Vacas Felizes vivem ao ar livre, sem stress, e não fechadas em estábulos a comer ração, conforme acontece na maior parte das explorações com regimes intensivos, quer em Portugal Continental, quer noutros países europeus. É caso para dizer: Há vacas com muita sorte!”, em “Observador”, de 14/6/2016. (Cfr. Doc. 6 da queixa);
– (viii) Tal, já que “Leite de Pastagem Terra Nostra” é a única marca de leite que contém na sua designação comercial a expressão “Leite de Pastagem”, conforme resulta da pesquisa de marcas realizada junto do INPI…” (sic. art.º 115 da contestação) que, “Todos os sinais registados no INPI contendo a menção “Leite de Pastagem” são propriedade da Bel Portugal” (sic. art.º 116) e que, “…também as demais designações distintivas do produto e do programa encontram-se protegidas e registadas pela Bel Portugal, conforme resulta do Documento nº 44”. (sic. art.º 117 da contestação);
– (ix) Em conformidade, e em qualquer dos casos, seria sempre irrelevante em termos de perceção de marcas concretas, que o consumidor de leite não identificasse qualquer concorrente ou produto supostamente visado por certas alegações da campanha publicitária, por desconhecer “…que “Mimosa”, “Matinal”, “Agros”, “Gresso”, etc., são marcas detidas e produzidas pela mesma empresa leiteira”. (sic. art.º 96 da contestação);
– (x) De qualquer forma, ao contrário do alegado pela FROMAGERIES BEL em sede de contestação, nunca incumbiria à LACTOGAL a prova de que “… a generalidade dos consumidores (perante a comunicação comercial da Bel Portugal visada na queixa) identifica implicitamente cada uma daquelas marcas e apenas estas, e/ou, além disso, que cada uma dessas mesmas marcas lhe pertencem…” (sic. art.º 144 da contestação), uma vez que o ónus da prova em matéria de publicidade comparativa e de princípio da veracidade aplicável às comunicações comerciais ou institucionais recai sobre o anunciante;
– (xi) Por outro lado, ao contrário do que defende a LACTOGAL, nem todas as alegações publicitárias definidas no art.º 52 da queixa consubstanciam uma prática de publicidade comparativa (implícita), caso não se associem, no mesmo suporte, a alegações de tom exclusivo, ou não sejam elas próprias alegações superlativas.
2.2. Dos claims que traduzem uma prática de publicidade comparativa de tom exclusivo
A publicidade de tom exclusivo constitui uma modalidade de publicidade que a doutrina estrangeira (maxime a alemã e a espanhola) tem definido como aquela através da qual “o anunciante pretende excluir da posição que ocupa os restantes concorrentes (…) alcançando uma posição superior à dos seus rivais” (vd. Carlos Lema Devesa in “La Publicidad de Tono Excluyente”, Editorial Moncorvo, 1980), limitando-se “a realçar a sua posição de proeminência sem fazer nenhuma referência directa aos seus concorrentes.” (vd. Anxo Tato Plaza in “La Publicidad Comparativa”, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A. Madrid, 1996, p.50).
Ora, não restam dúvidas ao JE que, quem afirma no contexto das restantes alegações publicitárias (cfr. 2.3.) que:
– (i) “Hoje a marca Terra Nostra criou um novo segmento de mercado: o Leite de Pastagem”, – Ana Cláudia Sá, Diretora Geral da BEL PORTUGAL ao Correio da manhã, de 02.02.2015. (Cfr. Doc. 2 da queixa);- (ii) “Terra Nostra lança o primeiro leite de pastagem…”, em Revista do Jornal “O Expresso”, de 1/7/2016. (Cfr, Doc. 5 da queixa);- (iii) “Um leite exclusivo de produtores certificados do Programa Leite de Vacas Felizes”, em Revista do Jornal “O Expresso”, de 1/7/2016. (Cfr, Doc. 5 da queixa);- (iv) “Leite de pastagem Terra Nostra porque vacas-felizes agradecem com melhor leite”, em “Observador” on-line, de 14/6/2016. (Cfr. Doc. 6 da queixa);- (v) “Todo o leite é bom, o Terra Nostra é melhor”, em Revista Grande Consumo on-line, de 16.8.2016. (Cfr. Doc. 7 da queixa);- (vi) “O melhor leite precisa de práticas agrícolas sustentáveis e de elevados critérios de qualidade. O melhor leite vem da pastagem de vacas felizes, que vivem ao ar livre e comem erva fresca o ano inteiro”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);- (vii) “Do Programa Leite de Vacas Felizes nasce o Primeiro Leite de Pastagem”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);- (viii) “O Leite de Pastagem é um leite sem igual. Puro e rico em nutrientes”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);- (ix) “Chegou o primeiro leite de pastagem magro Terra Nostra”, em spot publicitário “Anúncio Leite de Pastagem Terra Nostra, versos ilustrados com imagens alegóricas, ao jeito de video-clip, nos suportes internet e televisão. (Cfr. Doc. 9 da queixa);- (x) “O programa Leite de Vacas Felizes é sobre ter o melhor leite”, em suporte embalagem. (Cfr. Doc. 1 da queixa);- (xi) “O Leite de Pastagem é um exclusivo de produtores do Programa Leite de Vacas Felizes”, em suporte embalafem. (Cfr. Doc. 1 da queixa), está a afirmar que o seu produto é superior a todos os demais da mesma concorrência, quanto aos parâmetros:- A. Pioneirismo (cfr. (i), (ii), (ix));- B. Exclusividade quanto à produção de leite de pastagem (cfr. (i), (iii), (xi));- C. Exclusividade de produtores certificados do “programa Vacas Felizes (cfr. (iii), (xi))”;- D. Melhor leite, por origem em pastagem ao ar livre todos os dias do ano (cfr. (v), (vi), (x));- E. Melhor leite, porque os demais não têm origem em pastagem ao ar livre todos os dias do ano (cfr. (v), (vi), (x));- F. Pureza do leite (cfr. (vi), (viii), (x));- G. Riqueza do leite em termos de nutrientes (cfr. (vi), (viii), (x)).
Tal originará, de forma implícita, a negação de que as prestações dos concorrentes gozam das qualidades ou características associadas ao claims, com os significados que ficaram definidos. O efeito comparativo, tal como se referiu no ponto anterior, resulta da contraposição entre géneros de leite: o “de pastagem” e o de “não pastagem” pelo que, nos termos do disposto nos artigos 4.º, 5.º, 9,º, 12.º, e 15.º, n.º 2, alínea a) do Código de Conduta do ICAP, e nos artigos 10.º, 11.º, n.º 3 e 16.º, n.º 2, alínea a) e 5 do Código da Publicidade, impende sobre a FROMAGERIE BEL o ónus da prova da veracidade de todos os claims que ficaram identificados, no que concerne, igualmente, a todos os parâmetros de superioridade referidos, prova essa que terá que abarcar um universo e uma amostra representativos de toda a concorrência formada pelas marcas de leite associadas ao género intensivo por virtude da campanha colocada em crise: provenientes de vacas que não pastam erva fresca ao ar livre durante os 365 dias do ano, e que, logo, não poderão ser certificadas como marcas de leite de pastagem, este, exclusivo da “Terra Nostra”. (Cfr. Docs. 40 e 44 da contestação).
E, não se defenda, como o faz a Requerida, que as alegações que o Júri entendeu como práticas de publicidade comparativa, consubstanciam meras auto-comparações, por se referirem a leites anteriores produzidos pela FROMAGERIES BEL, dado que a impossibilidade de tal é bastante óbvia, atentos os signos utilizados. (Cfr. Docs. de 1 a 9 da petição).
Importa, neste momento, que o Júri esclareça a sua posição quanto ao que deve ser entendido pela expressão “Vacas Felizes”, quer isoladamente, quer no contexto de todas as outras colocadas em crise.
Alega a FROMAGERIES BEL, na sua contestação, que “É um absurdo pretender-se que a indicação do Programa Leite de Vacas Felizes produz efeitos enganosos no convencimento do consumidor, que seria assim levado a considerar que os leites concorrentes são produzidos por “Vacas Infelizes”.“ (sic. art.º 95).
O Júri discorda parcialmente. A verificar-se o alegado “absurdo”, tanto ele incidirá na infelicidade das vacas, como na felicidade das ditas. Com efeito, já Kant afirmava que a felicidade é o estado em que se encontra no mundo um ser racional. Assim sendo, nenhuma vaca é feliz. Logo, trata-se aqui de uma figura de estilo, de uma expressão algo poética, de uma personificação e hipérbole publicitária, a qual, aliás, o Júri entende como adequada em termos semióticos e inócua nos casos dos spots publicitários divulgados através de internet, televisão e rádio (Cfr. Docs 8 e 9 da queixa), porquanto nem tudo o que é inverídico é enganoso. Com efeito, quanto mais afastada da realidade seja uma alegação, menos probabilidades existirão de o destinatário acreditar no respetivo significado literal. Aqui, sim, releva o alegado em sede de contestação, a art.º 104, no sentido de que ”…a doutrina chama “hipérbole publicitaria”, o que deve ser entendido como “normal “exagero publicitário” vulgar e inócuo, que não produz efeitos enganosos no convencimento do consumidor, que de nenhum modo pode ser interpretado literalmente por um consumidor médio” – citado por J. Pegado Liz, Práticas Comerciais Proibidas, in Estudos de Direito do Consumo (coordenação Professora Doutora Adelaide Menezes Leitão) – edição do Instituto de Direito do Consumo da Faculdade de Direito”.
Não obstante, existe na expressão em apreço, um significado “atrás do texto”, para o qual a própria campanha da FROMAGERIES BEL aponta constantemente. Em conformidade, a mesma só será inócua, caso a Requerida apresente prova da veracidade dos significados àquela expressão subjacentes: “leite de pastagem proveniente de vacas que pastam erva fresca ao ar livre 365 dias por ano”.
Ainda a propósito de expressões publicitárias, em princípio, inócuas, não quer o JE deixar de referir que a expressão “o melhor” não o é, no contexto dos considerandos que se teceram até aqui, ao contrário do alegado pela Requerida na sua contestação, a art.º 103.
Igualmente em sede de significados e de semântica, quer o Júri esclarecer melhor as razões dos entendimentos respetivos que ficaram vertidos.
Como é sobejamente sabido, a análise de alegações publicitárias constantes de campanhas deve ser feita na totalidade, não se considerando que o significado de um claim veiculado num determinado suporte, seja indissociável da interpretação dos restantes. Poder-se-á conceder, no que tange ao caso objeto dos presentes autos, que uma alegação publicitária veiculada, por exemplo, em suporte televisão, não deva possuir um significado decorrente de outras divulgadas, por hipótese, em embalagem. De facto, repugnará ao Júri entender que uma comunicação veiculada num determinado meio, a qual, per se, não seja ilícita, o passe a ser em razão de as restantes, noutros suportes, o serem.
Porém, tal poderá ser entendido, caso não cesse a que, eventualmente, seja ilícita num suporte, por possibilidade de conjugação de significados. (Cfr. artigo 3.º, n.º 1 do Código de Conduta do ICAP). Mais, num caso de marketing-mix, como o em análise, tal possibilidade é muito considerável.
Em suma, não se aceita que todos os claims constantes de um só suporte devam ser avaliados individualmente, quanto a uma eventual desconformidade com um quadro legal invocado, já que o destinatário da comunicação comercial não sofre “lobotomias sucessivas”, cada vez que tenha acabado de percecionar uma alegação e passe à seguinte, confrontado com um único meio…Logo, o significado da mensagem veiculada tem que ser aferido em função da conjugação de todas as alegações, avaliadas estas para além do seu significado literal, se dever ser esse o caso. Assim, umas serão de tom exclusivo e comparativas (circunstância em que terão que ser conformes com o respetivo regime ético-legal) outras, meras hipérboles publicitárias inócuas, outras, somente merecedoras de comprovação em matéria de princípio da veracidade, outras, ainda, pura e simplesmente consideradas enganosas, sem que seja possível prova em contrário, como acontece, não raras vezes, na enganosidade por omissão.
Esta, a razão pela qual o Júri considera que a sistematização de argumentos tecidos em sede de contestação, claim a claim, isoladamente, por referência a “significados estanques”, não colhe, até porque, agravantemente, em alguns casos estão em causa alegações publicitárias veiculadas num mesmo suporte.
Em coerência com o exposto, o JE compreende a conjugação de significados constante do art.º 15 da petição, e que se reproduz: “As alegações “Leite de Pastagem”, “Puro Leite de Pastagem”, “a terra do puro leite de pastagem”, “Primeiro Leite de Pastagem”, “um leite único, puro e rico”, “O Leite de Pastagem é um leite sem igual. Puro”, “Com a adoção de práticas mais eficientes e sustentáveis”, “O programa Leite de Vacas Felizes”, “O programa Leite de Vacas Felizes é sobre ter o melhor leite” e “O melhor leite vem da pastagem de vacas felizes” são suscetíveis de induzir em erro o consumidor médio, aquele “normalmente informado e razoavelmente atento e advertido.” (sic.), muito embora, por razões de rigor, tenha decidido proceder à identificação de práticas em claims e suportes, nos moldes supra.
Por maioria de razão quanto ao referido acerca da inconveniência de serem analisados “significados estanques”, o Júri entende que os decorrentes dos claims que passará a definir no ponto seguinte, dependerão da associação, ou não, com os de tom exclusivo que ficaram elencados.
2.3. Dos claims que traduzem uma prática de publicidade comparativa somente mediante associação com alegações publicitárias superlativas que lhes emprestem tal significado
Em conformidade com o que se expendeu no ponto anterior, e analisados os dez documentos da petição, entende o Júri que os claims superlativos referidos no ponto anterior, por referência aos parâmetros de superioridade de “A” a “G”, são suscetíveis de fazer resvalar os que ora se identificam para uma prática de publicidade comparativa, caso, num mesmo suporte, lhes emprestem um significado próprio de publicidade de tom exclusivo que, per se, não têm. Tal, a acontecer, terá por efeito a correspondente desconformidade com o quadro ético-legal em matéria de princípio da veracidade e de publicidade comparativa, caso não seja produzida a prova referida no ponto anterior, quanto às alegações que aí ficaram definidas, e nos moldes em que o ficaram.
São tais claims, concretamente, os seguintes:
– (i) “Os objectivos da BEL passam por (…) fazer o bem para os nossos animais, para o ecossistema, para os Açores e para todos nós” (…) “que no final tenha a garantia de um leite distinto – puro leite de pastagem…”, – Ana Cláudia Sá, Diretora Geral da BEL PORTUGAL ao Correio da manhã, a 02.02.2015” (Cfr. Doc. 2 da queixa);- (ii) “Esta é uma grande aposta da marca Terra Nostra. O Leite de Pastagem, disponível nas variedades meio-gordo e magro, é sobre fazer o bem: para os Açores, para os produtores, animais e para todos nós” – Paula Gomes, directora de Marketing da BEL PORTUGAL, à revista Markeeter, a 30.05.2016, (Cfr. Doc. 3 da queixa);- (iii) “Terra Nostra tem como missão fazer o Bem, bem feito, agindo como um dos principais embaixadores da sua origem, os Açores. Terra Nostra é uma marca líder no mercado de queijo, com mais de 60 anos de história. O lançamento do Leite de Pastagem, exclusivo de produtores certificados do Programa Leite de Vacas Felizes, traz ao mercado um leite puro e rico em nutrientes, com as melhores práticas para uma produção sustentável. O Leite de Pastagem representa o progresso do regresso às origens” Ana Cláudia Sá, Diretora Geral da BEL PORTUGAL à Gazeta rural, a 21/05/2016. (Cfr. Doc. 4 da queixa);- (iv) “O Leite de Pastagem Terra Nostra é sobre fazer o Bem: para os Açores, para os nossos produtores e para o bem-estar dos nossos animais. É um leite que vem responder à crescente procura de produtos mais naturais e saudáveis, assegurando a pastagem 365 dias por ano” – Paula Gomes, Diretora de Marketing da BEL PORTUGAL, à Gazeta Rural, a 21/05/2016. (Cfr. Doc. 4 da queixa);- (v) “…um leite puro e rico, de vacas felizes que vivem ao ar livre e comem erva fresca 365 dias por ano”, em Revista do Jornal “O Expresso”, de 1/7/2016. (Cfr, Doc. 5 da queixa);- (vi) “Porquê escolher o Leite de Pastagem Terra Nostra? Razões não faltam. A sua qualidade é rigorosamente testada, a produção é ambientalmente sustentável e o bem-estar animal é uma preocupação constante”, em “Observador”, de 14/6/2016 (Cfr. Doc. 6 da queixa);- (vii) “Este Programa assenta em cinco pilares fundamentais: a pastagem, o bem-estar animal, a qualidade e segurança alimentar, a sustentabilidade e a eficiência”, em “Observador”, de 14/6/2016. (Cfr. Doc. 6 da queixa);- (viii) “As vacas do Programa Leite de Vacas Felizes vivem ao ar livre, sem stress, e não fechadas em estábulos a comer ração, conforme acontece na maior parte das explorações com regimes intensivos, quer em Portugal Continental, quer noutros países europeus. É caso para dizer: Há vacas com muita sorte!”, em “Observador” de 14/6/2016. (Cfr. Doc. 6 da queixa);- (ix) “Com a adoção de práticas mais eficientes e sustentáveis, pretende-se preservar recursos naturais únicos no mundo”, em “Observador” de 14/6/2016. (Cfr. Doc. 6 da queixa);- (x) “Através do Programa Leite de Vacas Felizes, implementado nos Açores, a Bel fez do bem-estar animal uma parte integrante dos seus objetivos de sustentabilidade e melhorou a vida de milhares de vacas que produzem leite para a marca Terra Nostra”, em Revista Grande Consumo on-line, de 16.8.2016. (Cfr. Doc. 7 da queixa);- (xi) “Com Terra Nostra e o Programa Leite de Vacas Felizes, a Bel Portugal está também a dar aos consumidores a opção de escolherem níveis de bem-estar mais elevados”, em Revista Grande Consumo on-line, de 16.8.2016. (Cfr. Doc. 7 da queixa);- (xii) “Terra Nostra representa a terra das vacas felizes, a terra do Puro Leite de Pastagem”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);- (xiii) “A pastagem é uma fonte viva de nutrientes, é um método de alimentação natural e mais sustentável”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);- (xiv) “A pastagem é a garantia de um leite mais puro, saudável e saboroso”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);- (xv) “Não vivem em estábulos, nem são alimentadas à base de rações como na maioria das explorações com regimes intensivos”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);- (xvi) “O resultado é um leite puro e rico”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);- (xvii) “Um leite único, puro e rico, de vacas felizes que vivem ao ar livre e comem erva fresca 365 dias por ano. Um leite que faz bem e faz o Bem”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);- (xviii) “Tão saboroso, puro e rico, tinha de vir de vacas felizes que vivem ao ar livre e comem erva fresca 365 dias por ano”, em spot publicitário “Anúncio Leite de Pastagem Terra Nostra, versos ilustrados com imagens alegóricas, ao jeito de video-clip, nos suportes internet e televisão. (Cfr. Doc. 9 da queixa);- (xix) “Este programa garante a pastagem 365 dias por ano e os mais rigorosos critérios de qualidade, sustentabilidade e bem-estar animal”, em suporte embalagem. (Cfr. Doc. 1 da queixa);- (xx) “Leite de Pastagem de vacas felizes que vivem ao ar livre e comem erva fresca 365 dias por ano. Um leite que faz bem e faz o bem”, em suporte embalagem. (Cfr. Doc. 1 da queixa);- (xxi) “As nossas vacas disfrutam de uma alimentação natural e saudável, à base de erva fresca”, em suporte embalagem. (Cfr. Doc. 1 da queixa); – (xxii) “Leite de Pastagem Terra Nostra é um leite sem igual”, em suporte embalagem. (Cfr. Doc. 1 da queixa).
2.4. Da alegada prática de publicidade comparativa ofensiva dos princípios da veracidade e da livre e leal concorrência
Após leitura e análise das duas primeiras partes da contestação e dos cinquenta documentos juntos pela FROMAGERIES BEL, bem como dos anexos à petição da LACTOGAL, tem o Júri presente que parte da comunicação em causa consubstancia publicidade de interesse público (vulgo, publicidade institucional) praticada por um ente privado, cujo cerne será a economia açoreana e o sector leiteiro. Contudo, esta circunstância (não que a Requerida o defenda) não tem por efeito a inaplicabilidade do quadro ético-legal em matéria de comunicações comerciais, já que este se aplica, igualmente, à referida publicidade institucional. (Cfr. artigos 4.º, n.º 4 do Código de Conduta do ICAP e 3.º do Código da Publicidade).
Com alguma relação com o referido (e porque estamos em sede de auto-regulação, o Júri não quer deixar de o mencionar), estão os vários casos de publi-reportagem não identificada como tal constantes da campanha em lide os quais, desse modo, constituirão uma prática de publicidade enganosa em qualquer circunstância, por inobservância do disposto no artigo 8.º, alínea n) do Decreto-lei 57/2008. Será o caso, por exemplo, do conteúdo constante do Doc. 11 da contestação. Por outro lado, ainda, a publicidade efetuada no sítio oficial de internet de uma marca não pode aparentar ser notícia, nem alegar que o é. (Cfr. Doc. 24 da contestação).
2.4.1. Da alegada comunicação de um leite biológico
Segundo a LACTOGAL, “…as alegações em crise são susceptíveis de confundir o dito consumidor médio, pois consentem que “Leite de Pastagem Terra Nostra”, que é um leite ultrapasteurizado, seja confundido pelo consumidor médio com um leite biológico.” (sic. art.º 16 da queixa), acrescentando que “Tal é, aliás, sustentado por um estudo de mercado levado a cabo pela empresa Spirituc Investigação Aplicada, do qual resulta que 80% dos inquiridos incluiriam o Leite de Pastagem Terra Nostra na categoria de leite biológico, quando confrontados com a escolha entre leite biológico, leite pasteurizado, leite enriquecido e leite UHT (cfr. Doc.10)”. (sic. art.º 17 da queixa).
Analisado o estudo de mercado a que se refere a Requerente, conclui o Júri que o mesmo é apto a encontrar “pistas” ou tendências, mas que não se trata de um estudo aprofundado e quantitativo que permita retirar conclusões sobre universos alargados sendo, pois, inconclusivo.
De qualquer forma, atento o facto de a denúncia incidir sobre uma prática de publicidade enganosa, impenderia sobre a FROMAGERIE BEL o ónus da prova de que o consumidor médio, razoavelmente atento e informado, colocado perante a campanha publicitária da responsabilidade da Requerida, não a perceciona como publicidade a um leite biológico.
Em conformidade, a FROMAGERIE BEL juntou aos autos com a contestação, dois estudos (cfr. Docs. 37 e 38). Não obstante, as perguntas neles colocadas não são aptas a extrair quaisquer conclusões sobre qual a real perceção dos inquiridos perante a totalidade da comunicação comercial da Requerida, divulgada nos seus vários suportes, e através dos claims objeto de denúncia.
Entende o Júri que assiste razão à LACTOGAL, quanto ao afirmado no sentido de que “…na campanha intitulada “Programa Leite de Vacas Felizes – Puro Leite de Pastagem” é expressamente mencionado que “É sobre ter o melhor leite. E o melhor leite precisa de práticas agrícolas sustentáveis e de elevados critérios de qualidade”, fazendo uso de uma estratégia de marketing mix, que, através de uso de plataformas variadas como TV, Rádio, Imprensa e Internet, conjugada com uma pré-campanha alicerçada em entrevistas nos media de colaboradores da BEL PORTUGAL, visa criar a ideia que se trata de facto de um produto distinto” (sic. art.º 22 da queixa) e de que “…apesar de ao longo dos vários anúncios não se fazer menção à técnica de cultivo biológica, a referência feita a técnicas agrícolas sustentáveis, bem como as imagens e as alegações utilizadas são susceptíveis de criarem no consumidor a ideia de que se trata de leite biológico…”. (sic. art.º 23 da queixa).
Mais, entende o Júri que a produção leiteira em modo biológico está vinculada ao pasto, a uma alimentação à base de forragens e a uma menor aplicação de fertilizantes, bem como ao uso de raças dissemelhantes. A maioria das diferenças entre o leite biológico e o convencional são determinadas por características alimentares, bem como pelas raças exploradas, e não pela “denominação” do sistema, pelo que o Júri não concluirá pela verificação de uma prática de publicidade enganosa por omissão, em razão de os pressupostos serem de molde a extravasar a sua competência material.
A convicção suscetível de ser gerada junto do destinatário da publicidade de que nela se comunica um leite biológico é, na realidade – no entender do JE – conseguida através da força da campanha da FROMAGERIES BEL divulgada nos suportes imprensa e internet, resultante do constante e insistente apelo feito por via dos suportes publicitários e da rotulagem da embalagem às práticas agrícolas usadas, conjugada com as expressões referentes a critérios de cultivo sustentáveis, juntamente com a ideia de bem-estar dos animais e de proteção dos recursos naturais, referindo-se a esse leite como distinto do restante e denominando-o de “Leite de Pastagem”. Assim, no caso das alegações produzidas naqueles dois suportes referidos, verifica-se uma prática de publicidade enganosa quanto às características do leite “Terra Nostra”, por desconformidade com o disposto nos artigos 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do Código de Conduta do ICAP, sob a epígrafe “Veracidade e 12.º (“Comprovação”), e com o consignado no n.º 1, alínea b) do artigo 7.º do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março.
2.4.2. Das alegações de saúde
Sustenta a LACTOGAL que “As alegações “Um leite que faz bem”, “mais saudável” e puro”, que, por um lado, sugerem ter o leite – aquele leite – comercializado pela BEL características especiais, quando todos os outros leites UHT também as têm, atribuindo-lhe, por outro lado, propriedades de prevenção de doenças, configuram alegações de saúde proibidas pelas regras comunitárias relativas às alegações nutricionais e de saúde dos alimentos, seja na publicidade, seja na rotulagem das embalagens dos produtos alimentares.” (sic. art.º 49 da queixa).
Nos termos do artigo 2.º do Regulamento (UE) n.º 1924/2006, alegação de saúde é “…qualquer alegação que declare, sugira ou implique a existência de uma relação entre uma categoria de alimentos, um alimento ou um dos seus constituintes e a saúde”.
Assim sendo, os claims “Um leite que faz bem” e “mais saudável e puro” consubstanciam alegações de saúde, mas não “alegações de redução de um risco de doença”, para efeitos do mesmo quadro normativo europeu, não traduzindo, per se, casos de publicidade comparativa de tom exclusivo. (Cfr. ponto 2.3.).
Em coerência, não ocorre qualquer desconformidade dos claims em causa com o disposto nos artigos 5.º, n.ºs 1 e 2 e 10.º, n.ºs 1, 2 e 3, do Regulamento (UE) n.º 1924/2006, bem como no artigo 23.º, n.ºs 1, alínea a), 2 e 3 do Decreto-lei n.º 560/99, ao contrário do alegado pela Requerente.
No que tange ao disposto no artigo 3.º, alínea a) daquele Regulamento caso a Requerida apresente prova de que o leite “Terra Nostra” “faz bem” e é “saudável”, não se verificará a ofensa daquele preceito.
2.4.3. Da bondade da prova apresentada pela Requerida
As alegações “Leite de Pastagem Terra Nostra”, “Programa Leite de Vacas Felizes Puro Leite de Pastagem”, “Terra Nostra Melhor Leite de Pastagem Português” e “Terra Nostra Puro Leite de Pastagem” constituem sinais distintivos de comércio identificativos do “Leite de Pastagem Terra Nostra” da Requerida legalmente protegidos, conforme resulta dos títulos de marca constantes do Doc. 40 da contestação.
Tais sinais distintivos de comércio beneficiam, de facto, da presunção jurídica dos requisitos da sua concessão (cfr. artigo 4.º, n.º 2, do Código da Propriedade Industrial) e, entre estes requisitos, avultam os previstos nos artigos 238.º (fundamentos absolutos de recusa) e 239.º a 242.º do mesmo Código, que constituem fundamentos relativos de recusa.
Ora, alega a Requerida a art.ºs 90, 111 e 154 da sua contestação que, “Nos termos do disposto no artigo 350.º, n.º 1 do Código Civil, “Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de
2.4.3.1. Conclusão
À luz das peças processuais e dos documentos juntos pelas Partes, importa averiguar se a comunicação comercial em lide é de molde a ofender o quadro ético-legal em matéria de publicidade comparativa, bem como de princípios da veracidade, honestidade, responsabilidade social e da livre e leal concorrência aplicáveis às comunicações comerciais (cfr. artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, 5.º, 7.º, n.º 1, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 12.º e 15.º, alíneas a) e f) do Código de Conduta do ICAP, artigos 10.º e 11.º do Código da Publicidade, o último, com a redação introduzida pelos artigos 4.º, 6.º e 7.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, artigo 23.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 560/99 e artigo 3.º, alínea a) do Regulamento (UE) 1924/2006.
Analisados os cinquenta documentos juntos aos autos com a contestação, o Júri entende que a Requerida logrou provar a veracidade das seguintes alegações publicitárias definidas a ponto 2.3 (de acordo com interpretação literal e sem associação a alegações publicitárias comparativas de tom exclusivo, de cuja veracidade a Requerida, eventualmente, não produza prova):
– (2.3.i) “Os objectivos da BEL passam por (…) fazer o bem para os nossos animais, para o ecossistema, para os Açores e para todos nós” (…) “que no final tenha a garantia de um leite distinto…”, – Ana Cláudia Sá, Diretora Geral da BEL PORTUGAL ao Correio da manhã, a 02.02.2015” (Cfr. Doc. 2 da queixa), no sentido em que, como alega a Requerida, é um facto público e notório que todos os leites são distintos;- (2.3.ii) “Esta é uma grande aposta da marca Terra Nostra. O Leite de Pastagem, disponível nas variedades meio-gordo e magro, é sobre fazer o bem: para os Açores, para os produtores, animais e para todos nós” – Paula Gomes, directora de Marketing da BEL PORTUGAL, à revista Markeeter, a 30.05.2016, (Cfr. Doc. 3 da queixa);- (2.3.iii) “Terra Nostra tem como missão fazer o Bem, bem feito, agindo como um dos principais embaixadores da sua origem, os Açores. Terra Nostra é uma marca líder no mercado de queijo, com mais de 60 anos de história. O lançamento do Leite de Pastagem, exclusivo de produtores certificados do Programa Leite de Vacas Felizes, traz ao mercado um leite puro e rico em nutrientes, com as melhores práticas para uma produção sustentável. O Leite de Pastagem representa o progresso do regresso às origens” Ana Cláudia Sá, Diretora Geral da BEL PORTUGAL à Gazeta rural, a 21/05/2016. (Cfr. Doc. 4 da queixa);- (2.3.iv) “O Leite de Pastagem Terra Nostra é sobre fazer o Bem: para os Açores, para os nossos produtores e para o bem-estar dos nossos animais. É um leite que vem responder à crescente procura de produtos mais naturais e saudáveis, assegurando a pastagem 365 dias por ano” – Paula Gomes, Diretora de Marketing da BEL PORTUGAL, à Gazeta Rural, a 21/05/2016. (Cfr. Doc. 4 da queixa);- (2.3.v) “…um leite puro e rico, de vacas felizes que vivem ao ar livre e comem erva fresca 365 dias por ano”, em Revista do Jornal “O Expresso”, de 1/7/2016. (Cfr, Doc. 5 da queixa);- (2.3.vi) “Porquê escolher o Leite de Pastagem Terra Nostra? Razões não faltam. A sua qualidade é rigorosamente testada, a produção é ambientalmente sustentável e o bem-estar animal é uma preocupação constante”, em “Observador”, de 14/6/2016 (Cfr. Doc. 6 da queixa);- (2.3.vii) “Este Programa assenta em cinco pilares fundamentais: a pastagem, o bem-estar animal, a qualidade e segurança alimentar, a sustentabilidade e a eficiência”, em “Observador”, de 14/6/2016. (Cfr. Doc. 6 da queixa);- (2.3.ix) “Com a adoção de práticas mais eficientes e sustentáveis, pretende-se preservar recursos naturais únicos no mundo”, em “Observador” de 14/6/2016. (Cfr. Doc. 6 da queixa);- (2.3.x) “Através do Programa Leite de Vacas Felizes, implementado nos Açores, a Bel fez do bem-estar animal uma parte integrante dos seus objetivos de sustentabilidade e melhorou a vida de milhares de vacas que produzem leite para a marca Terra Nostra”, em Revista Grande Consumo on-line, de 16.8.2016. (Cfr. Doc. 7 da queixa);- (2.3.xi) “Com Terra Nostra e o Programa Leite de Vacas Felizes, a Bel Portugal está também a dar aos consumidores a opção de escolherem níveis de bem-estar mais elevados”, em Revista Grande Consumo on-line, de 16.8.2016. (Cfr. Doc. 7 da queixa);- (2.3.xii) “Terra Nostra representa a terra das vacas felizes, a terra do Puro Leite de Pastagem”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);- (2.3.xiii) “A pastagem é uma fonte viva de nutrientes, é um método de alimentação natural e mais sustentável”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);- (2.3.xiv) “A pastagem é a garantia de um leite mais puro, saudável e saboroso”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);- (2.3.xv) “Não vivem em estábulos, nem são alimentadas à base de rações como na maioria das explorações com regimes intensivos”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);- (2.3.xvi) “O resultado é um leite puro e rico”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);- (2.3.xvii) “Um leite único, puro e rico, de vacas felizes que vivem ao ar livre e comem erva fresca 365 dias por ano. Um leite que faz bem e faz o Bem”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa), no sentido em que todos os leites fazem bem;- (2.3.xviii) “Tão saboroso, puro e rico, tinha de vir de vacas felizes que vivem ao ar livre e comem erva fresca 365 dias por ano”, em spot publicitário “Anúncio Leite de Pastagem Terra Nostra, versos ilustrados com imagens alegóricas, ao jeito de video-clip, nos suportes internet e televisão. (Cfr. Doc. 9 da queixa);- (2.3.xix) “Este programa garante a pastagem 365 dias por ano e os mais rigorosos critérios de qualidade, sustentabilidade e bem-estar animal”, em suporte embalagem. (Cfr. Doc. 1 da queixa);- (2.3.xx) “Leite de Pastagem de vacas felizes que vivem ao ar livre e comem erva fresca 365 dias por ano. Um leite que faz bem e faz o bem”, em suporte embalagem. (Cfr. Doc. 1 da queixa);- (2.3.xxi) “As nossas vacas disfrutam de uma alimentação natural e saudável, à base de erva fresca”, em suporte embalagem. (Cfr. Doc. 1 da queixa); – (2.3.xxii) “Leite de Pastagem Terra Nostra é um leite sem igual”, em suporte embalagem. (Cfr. Doc. 1 da queixa), no sentido de que são todos diferentes.
Analisados os cinquenta documentos juntos aos autos com a contestação, o Júri entende que a Requerida não logrou provar a veracidade da seguinte alegação publicitária definida a ponto 2.3.:
– (2.3.viii) “As vacas do Programa Leite de Vacas Felizes vivem ao ar livre, sem stress, e não fechadas em estábulos a comer ração, conforme acontece na maior parte das explorações com regimes intensivos, quer em Portugal Continental, quer noutros países europeus. É caso para dizer: Há vacas com muita sorte!”, em “Observador de 14/6/2016. (Cfr. Doc. 6 da queixa), quanto ao factor “sem stress”.
Referiu o Júri no ponto 2.2. que impende sobre a FROMAGERIE BEL o ónus da prova da veracidade de todos os claims que aí ficaram identificados de (i) a (xi), por referência aos parâmetros de superioridade de “A” a “G”, prova essa que terá que abarcar um universo e uma amostra representativos de toda a concorrência formada pelas marcas de leite associadas ao alegado género intensivo: provenientes de vacas que não pastam ao ar livre durante todos os 365 dias do ano, e que, logo, não poderão ser certificadas como marcas de leite de pastagem, este, exclusivo da “Terra Nostra”. (Cfr. Docs. 40 e 44 da contestação).
Em conformidade com o que se expendeu em todos os pontos anteriores, analisados os cinquenta documentos juntos aos autos com a contestação, o Júri entende que a Requerida logrou provar a veracidade das seguintes alegações publicitárias superlativas, e as quais traduzem uma prática de publicidade comparativa, nos moldes e pelas razões que ficaram expostos:
– (2.2.i) “Hoje a marca Terra Nostra criou um novo segmento de mercado: o Leite de Pastagem”, – Ana Cláudia Sá, Diretora Geral da BEL PORTUGAL ao Correio da manhã, de 02.02.2015. (Cfr. Doc. 2 da queixa);- (2.2.ii) “Terra Nostra lança o primeiro leite de pastagem…”, em Revista do Jornal “O Expresso”, de 1/7/2016. (Cfr, Doc. 5 da queixa);- (2.2.iii) “Um leite exclusivo de produtores certificados do Programa Leite de Vacas Felizes”, em Revista do Jornal “O Expresso”, de 1/7/2016. (Cfr, Doc. 5 da queixa);- (2.2.vii) “Do Programa Leite de Vacas Felizes nasce o Primeiro Leite de Pastagem”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);- (2.2.ix) “Chegou o primeiro leite de pastagem magro Terra Nostra”, em spot publicitário “Anúncio Leite de Pastagem Terra Nostra, versos ilustrados com imagens alegóricas, ao jeito de video-clip, nos suportes internet e televisão. (Cfr. Doc. 9 da queixa);- (2.2.xi) “O Leite de Pastagem é um exclusivo de produtores do Programa Leite de Vacas Felizes”. (Cfr. Doc. 1 da queixa).
Igualmente em conformidade com o que se expôs em todos os pontos anteriores, e também analisados os cinquenta documentos juntos aos autos com a contestação, o Júri entende que a Requerida não logrou provar a veracidade das seguintes alegações publicitárias de tom exclusivo, as quais consubstanciam uma prática de publicidade comparativa, tal, por ausência de apresentação de estudos conclusivos com universo e amostra representativos de toda a concorrência:
– (2.2.iv) “Leite de pastagem Terra Nostra porque vacas-felizes agradecem com melhor leite”, em “Observador” on-line, de 14/6/2016. (Cfr. Doc. 6 da queixa);- (2.2.v) “Todo o leite é bom, o Terra Nostra é melhor”, em Revista Grande Consumo on-line, de 16.8.2016. (Cfr. Doc. 7 da queixa);- (2.2.vi) “O melhor leite precisa de práticas agrícolas sustentáveis e de elevados critérios de qualidade. O melhor leite vem da pastagem de vacas felizes, que vivem ao ar livre e comem erva fresca o ano inteiro”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa);- (2.2.viii) “O Leite de Pastagem é um leite sem igual puro e rico em nutrientes”, em sítio oficial da marca da Requerida. (Cfr. Doc. 5 da queixa), no sentido em que “sem igual” se refere, especificamente, a nutrientes e pureza, não sendo a expressão, aqui, uma mera hipérbole publicitária.
De onde, o Júri entende que a campanha publicitária da responsabilidade da FROMAGERIES BEL veiculada nos suportes imprensa, internet (com exceção dos dois vídeos do youtube) e embalagem constitui uma prática de publicidade comparativa enganosa e ofensiva do princípio da livre e leal concorrência.
3. Decisão
Termos em que a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da FROMAGERIES BEL – veiculada nos suportes internet (com exceção dos dois vídeos do youtube), imprensa e embalagem – em apreciação no presente processo -, se encontra desconforme com os artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, 5.º, 7.º, n.º 1, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 12.º e 15.º, alíneas a) e f) do Código de Conduta do ICAP, artigos 10.º e 11.º do Código da Publicidade, o último, com a redação introduzida pelos artigos 4.º, 6.º e 7.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 57/2008, de 26 de Março, bem como com o artigo 23.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-lei n.º 560/99, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurados pelo JE.».
“Declaração de Voto de Doutor Rui Estrela e Dr. Pedro Pereira da Silva.
Embora concordando com a decisão referente aos claims constantes das publi-reportagens (conteúdos patrocinados) considerados desconformes com o quadro ético-legal em causa, discorda-se, totalmente, que, em sede de ponto 2.4.3.1 (Conclusões) tenham sido consideradas alegações publicitárias as que, nos documentos de imprensa juntos aos autos com a queixa foram apresentados como notícia.”.
A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP