9J/2016
Essilor Portugal
vs.
VisionLab, S.A.
EXTRACTO DE ACTA
Reunida no vigésimo nono dia do mês de Julho do ano de dois mil e dezasseis, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 9J/2016 tendo deliberado o seguinte:
Processo n. º 9J/2016
1. OBJETO DOS AUTOS
1.1. A ESSILOR PORTUGAL – SOCIEDADE INDUSTRIAL DE ÓPTICALDA., adiante designada por Requerente, veio apresentar queixa junto do Júri de Ética (JE) Publicitária do ICAP contra a VISIONLAB, S.A. (SUCURSAL EM PORTUGAL), adiante designada por Requerida, relativamente às menções publicitárias constantes do anúncio publicitário ao produto comercializado sob a marca “Kumer 4k” divulgado em suporte rádio, concretamente pela Rádio Renascença, emitido primeiramente em 1 de março de 2016 e depois em 4 de julho de 2016.
1.2. As menções publicitárias objeto da queixa são as seguintes:“A VisionLab criou as melhores lentes progressivas da história – Kumer 4kAs únicas com visão perfeita, máxima precisão, conforto e estética (…).”,tendo a Requerente juntado o suporte áudio correspondente ao anúnciopublicitário em que as alegações são difundidas.
1.3. Alega a Requerente que “As afirmações em causa encerram em siinformações falsas e enganosas, na medida em que não encontram a mínima correspondência com a realidade, não encontrando acolhimento em qualquer suporte técnico ou científico.”, não existindo “qualquer dado científico disponível com base no qual se possa classificar o produto Kumer 4k como as melhores lentes progressivas e, muito menos, da história, na certeza de tal produto não consubstancia as únicas [lentes progressivas] com visão perfeita, máxima precisão, conforto e estética”, mais acrescentando que “todas as lentes progressivas comercializadas pela Denunciante têm uma visão perfeita, bem como máxima precisão, conforto e estética.”
A Requerente dá notícia de que terá procurado o encontro de uma solução amigável com uma sociedade pertencente ao mesmo grupo empresarial da Denunciada, a Visionlab Espanã, tentativa que se frustrou e levou à apresentação da presente queixa.
Alega, ainda, que “a campanha publicitária integra, em geral, o conceito de prática comercial desleal previsto no artigo 5.º, n.º 1 do DL n.º 57/2008, de 26 de Março, o qual indica que “é desleal qualquer prática comercial desconforme à diligência profissional, que distorça ou seja suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico do consumidor seu destinatário ou que afete este relativamente a certo bem ou serviço”.Mais afirma que quanto à desconformidade da prática com a diligência profissional, que a mesma “é definida no artigo 3.º, alínea g) como «o padrão de competência especializada e de cuidado que se pode razoavelmente esperar de um profissional nas suas relações com os consumidores, avaliado de acordo com a prática honesta do mercado e ou com o princípio geral da boa fé no âmbito da atividade profissional»”.
A requerente considera que “No presente caso, deve ter-se em consideração que o consumidor médio poderá ficar, falsamente, sugestionado a acreditar a Denunciada teria criado «as melhores lentes progressivas da história» e «as únicas com visão perfeita, máxima precisão, conforto e estética», uma vez que tal pode levar a crer que tais afirmações têm uma base científica e médica, o que não se verifica. Conclui assim que as menções publicitárias se traduzem “numa prática comercial desleal em especial, prevista no artigo 6.º, alínea b) do mesmo Decreto-Lei, porquanto se integra no leque de «práticas comerciais enganosas e as práticas comerciais agressivas referidas nos artigos 7.º, 9.º e 11.º», porquanto “as referidas expressões publicitárias, afiguram-se suscetíveis de distorcer, de maneira substancial, o comportamento económico do consumidor médio, que poderá assim ser levado a adquirir o produto Kumer 4k em detrimento de produtos concorrentes, como os comercializados pela Denunciante, por assumir, erradamente é certo, que aquele produto é o «melhor da história» e o «único» com visão perfeita, máxima precisão, conforto e estética.”
A Requerente considera, assim, que as menções publicitárias em análise violam o princípio da veracidade previsto no art.º 10.º do Código da Publicidade e no art.º 9.º do Código de ética do ICAP, o princípio da honestidade, previsto no art.º 7.º do mesmo Código.
A Requerente sustenta a sua alegação, ainda, na decisão proferida pelo Júri de Ética do ICAP no âmbito do Processo n.º 11J/2004, pretendendo qualificar as alegações publicitárias em análise como exemplos de publicidade excludente.Conclui solicitando que a Requerida seja “condenada a: abster-se de divulgar a mensagem publicitária em apreço, nos termos do artigo 30.º do Código de Conduta do ICAP”.
Notificada para o efeito a Requerida apresentou contestação fora do prazo previsto no n.º 1 do art.º 10.º do Regulamento do JE do ICAP.Dão-se por reproduzidos a queixa e os documentos juntos aos autos pela Requerente.
2. ENQUADRAMENTO ÉTICO-LEGAL
2.1. Questões prévias e síntese da tramitação do processo
Na sequência da apresentação pela ESSILOR PORTUGAL – SOCIEDADE INDUSTRIAL DE ÓPTICA LDA., de uma queixa contra a VISIONLAB, S.A. (SUCURSAL EM PORTUGAL), ao abrigo do disposto no art.º 1.º e 10.º do Regulamento do JE do ICAP, foi a Requerida notificada, em cumprimento do disposto no art.º 11.º do mesmo Regulamento, procedendo-se à sua notificação por carta registada com aviso de receção dirigida à sua sede social remetida no dia 11 de julho de 2016.Examinado o aviso de receção conclui-se ter sido o mesmo recebido pela Requerida no dia 12/07/2016.
Nos termos do art.º 11.º do Regulamento do JE, a Requerida considera-se notificada, contando-se o prazo para a apresentação da defesa, sob a forma de contestação, a partir do dia 13/07/2016, inclusive. Sendo este prazo de 5 dias úteis, conforme o mesmo artigo, o seu termo ocorreu no dia 19/07/2016.A Requerida veio a apresentar a sua contestação à queixa por e-mail e carta, em 20/07/2016, conforme se verifica pela análise do carimbo dos CTT aposto no respetivo envelope.Estando verificada a regularidade da notificação, que foi efetuada no estrito cumprimento das formalidades previstas, não padecendo de qualquer vício, tendo a contestação sido recebida fora de prazo, deve considerar-se não recebida, aplicando-se a cominação expressamente prevista no citado Regulamento, i.e., “não serem consideradas pelo JE”.
2.2. Análise ético-legal
O princípio da veracidade consagrado o art.º 9.º do Código de Conduta do ICAP e, também, no art.º 10.º do Código da Publicidade, impõe o respeito pela verdade, a não deformação dos factos e a possibilidade de prova das afirmações relativas à origem, natureza, composição, propriedades e condições de aquisição dos bens e serviços publicitados.O art.º 9.º vem, assim, proibir a publicidade que, direta ou indiretamente, por via de omissões ou ambiguidades, bem como por quaisquer exageros apresentados, induza ou seja suscetível de induzir em erro os seus destinatários.
Conforme enunciado na decisão do JE no Processo n.º 11J/2004, referido pela Requerente, a propósito de decisão em caso análogo, “para se estar na presença de publicidade enganosa, «tem de haver um elemento concreto de engano para o tipo poder funcionar», pois o comerciante afirma sempre que os seus serviços são excelentes e só é enganado quem quer». Na verdade, «é próprio de toda a publicidade um exagero», pelo que «a indução em erro, pois é ela que justifica a proscrição, tem de resultar de afirmações concretas, mesmo que implícitas, que criem uma impressão falsa no destinatário: é lavável; foi premiado; tem tratamento anti-alérgico»; em contrapartida, «o melhor de todos é inócuo» porque não é a afirmação de um facto concreto (Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, Lisboa, AAFDL, 1994, pp. 163 e 165).”
Por outro lado, não sendo identificado, de forma explícita ou implícita, algum concorrente nas alegações publicitárias em apreço, a publicidade em apreço não deverá qualificar-se de comparativa, sendo de referir que quer o Código de Conduta do ICAP, no seu art.º 15.º, quer o Código da Publicidade, no seu art.º 16º, estatuem que não há publicidade comparativa quando se contrapõe um produto com o género a que pertence, e não com outro produto determinado. Assim, ainda que se entendesse que as menções publicitárias contêm uma afirmação de superioridade relativamente a toda a concorrência, tal não determinaria a sua qualificação como publicidade comparativa, (Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, Lisboa, AAFDL, 1994, pág. 150), mas mera publicidade superlativa (Adelaide Menezes Leitão, A Concorrência Desleal, Almedina, Coimbra, 1997, pág. 154).
Não é também esta a posição da Requerente que defende que as alegações publicitárias em causa são enganosas por ofenderem o princípio da veracidade e da honestidade consubstanciando, ademais, uma prática comercial desleal, nos termos do art.º 5.º e art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de março.Ora, o princípio da veracidade encontra-se consagrado no Código de Conduta do ICAP no art.º 9.º, que determina que “A Comunicação Comercial deve ser verdadeira e não enganosa”, devendo o anunciante abster-se de qualquer declaração, alegação ou tratamento auditivo ou visual que seja de natureza a, direta ou indiretamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou ser suscetível de induzir, em erro o Consumidor.Assim, o princípio da veracidade tem por fundamento a necessidade de permitir ao consumidor efetuar uma escolha consciente e racional entre os bens e serviços concorrentes, estipulando-se que, para tal, a publicidade deve respeitar a verdade, não deformando os factos.
A violação do princípio da veracidade conduz à caracterização da publicidade como enganosa quando as menções, sejam estas orais, escritas, ou representações visuais, sejam produzidas em termos de tal modo ambíguos, que o destinatário possa ser induzido em erro.
Por outro lado, o princípio da honestidade, consagrado no art.º 7.º do Código de Conduta do ICAP, estabelece, com relevância à decisão, que “A Comunicação Comercial deve ser concebida de forma a não abusar da confiança dos Consumidores e a não explorar a sua falta de conhecimento ou de experiência”.Ora, entende-se que é face a estes princípios que devem ser analisadas as menções publicitárias objeto deste processo.
Assim, no que respeita às alegações publicitárias contidas na frase “”A VisionLab criou as melhores lentes progressivas da história – Kumer 4k – As únicas com visão perfeita, máxima precisão, conforto e estética (…)”, a questão central prender-se-á com a qualificação ou não destas alegações como publicidade excludente, ou meras afirmações próprias do exagero publicitário admissível.Ora, a publicidade pretende criar evocações mentais que tornem os produtos objetos de desejo e, em geral, comunicar a sua superioridade aos consumidores. Não obstante a comunicação comercial ter limites no que concerne ao uso de expressões de superioridade, entende-se que este tipo de alegações, para poderem ser consideradas enganosas, devem induzir ou ser suscetíveis de induzir em erro os consumidores e ter, assim, uma influência determinante no comportamento económico dos mesmos.
Contendo as alegações publicitárias o sentido de afirmar uma posição de supremacia do produto anunciado relativamente a todos os seus concorrentes – “melhor da história” – sem ser feita, no entanto, qualquer referência específica a qualquer concorrente – está-se, ainda assim, a, de forma indireta, excluir todos os concorrentes dessa mesma posição de proeminência.A expressão “melhores”, é um adjetivo superlativo relativo de superioridade que revela um juízo subjetivo próprio de quem pretende anunciar comercialmente o seu produto, o que é apreendido também pela associação genérica que é feita – “melhores da história”.Atentando na possibilidade da expressão poder ser considerada um mero exagero publicitário, poder-se-ia invocar que a própria Requerente, ao transcrever a alegação publicitária, não coloca a palavra “história” com letra maiúscula, de forma a aproximá-la a uma alegação científica.
No entanto, entende este JE que para poder ser considerado um exagero publicitário a expressão não poderia ter a assertividade do adjetivo usado e que pela posição de supremacia que coloca o anunciante face à concorrência, a alegação deve ser sujeita ao princípio da veracidade, o que não aconteceria caso fosse considerado apenas um exagero admitido.Já a expressão “únicas” é associada aos adjetivos “perfeita”, “precisão”, “conforto” e “estética”.
Ora, algumas destas expressões, como “conforto” e “estética, traduzem apreciações de caráter subjetivo, não se fazendo um apelo a caraterísticas objetivas de eficácia ou qualidade, mas evidenciando caraterísticas que implicam uma valoração subjetiva que será necessariamente diferente de pessoa para pessoa.
Por esta razão, entende-se que estas afirmações poderão ser entendidas e conformadas com o aceitável exagero que é em geral usado nas alegações publicitárias, não se entendendo que as alegações, como pretende a Requerente, tenham “base científica e médica” e sejam por isso suscetíveis de distorcer, de maneira substancial, o seu comportamento económico.Já as expressões “visão perfeita” e “precisão”, entendemos que devem ser sujeitas ao princípio da veracidade, não podendo ser tomados por exageros inócuos, cabendo ao anunciante a sua comprovação. Posto isto, conclui-se que a alegação publicitária não é totalmente dispensada do princípio da veracidade e deverá por esse motivo ser comprovada.Nos termos do disposto no art.º 30.º do Código de Conduta e n.º 2, do art.º 10.º do Código da Publicidade, o ónus de prova da veracidade das alegações recai sobre o anunciante, e existe uma presunção de inexatidão relativamente a afirmações publicitárias, em caso de insuficiência de prova.
Não tendo a Requerida apresentado a sua contestação, não logrou igualmente efetuar a devida comprovação dos factos alegados que devem, por isso, ser considerados inexatos e por esta razão enganosos dada a suscetibilidade de induzir em erro o seu destinatário.
Já quanto às alegações de conforto e estética, entende-se que as mesmas são expressões com um grau de subjetividade que facilmente o consumidor se apercebe que as mesmas se enquadram num exagero normal, próprio da atividade. Entende-se, assim, que, neste caso, ainda que falsas, as alegações não são enganosas, porque não sujeitas ao princípio da veracidade, podendo-se exageros publicitários e inócuos em termos de influenciar o comportamento económico do consumidor. Considera-se, assim, que sendo apreciações subjetivas e genéricas não podem ser comprovadas. E, se não podem ser comprovadas não podem ser infirmadas.
3. CONCLUSÃO
Conclui-se, assim, no sentido de considerar como enganadoras as alegações publicitárias em causa, dado que exprimem um juízo de superioridade que não foi comprovado pela Requerida, violando assim o princípio da veracidade estatuído nos art.s 9.º e 7.º do Código de Conduta do ICAP.
A Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP