8J/2016
SCC – Sociedade Central de Cervejas, S.A
vs.
UNICER – Bebidas de Portugal, SGPS S.A.
EXTRACTO DE ACTA
Reunida no décimo oitavo dia do mês de Julho do ano de dois mil e dezasseis, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 8J/2016 tendo deliberado o seguinte:
Processo nº 8J/2016
1. Objecto dos Autos
A SCC – SOCIEDADE CENTRAL DE CERVEJAS E BEBIDAS, S.A. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por SCC ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra UNICER BEBIDAS, S.A. e UNICER – BEBIDAS DE PORTUGAL, SGPS S.A (adiante indiscriminada e abreviadamente designadas por UNICER ou Requerida), relativamente a comunicação comercial ao produto à cerveja Carlsberg, sob o slogan de campanha “Provavelmente a melhor equipa do mundo”, promovida pela última nos suportes Internet e imprensa escrita, tal por alegada violação dos artigos 4.º, 5.º e 27.º do Capítulo I da Parte II, artigos A-1, alínea e) do artigo B-II, e artigo B2 do Capítulo II da Parte II, todos do Código de Conduta do ICAP em Matéria de Publicidade e Outras Formas de Comunicação Comercial, no artigo art. 317.º do Código da Propriedade Industrial, bem como dos artigos 4.º e 7.º, n.º1, alínea c) do Decreto-Lei nº 57/2008, de 26 de Março.
1.2. Notificada para o efeito, a UNICER apresentou contestação.
1.3. Dão-se por reproduzidas a queixa, a contestação e os documentos apresentados pelas partes.
1.4. Questão prévia
Atentas as diversas questões do exclusivo foro contratual suscitadas pela SCC (cfr. pontos 17), 18), 36), 40), e 43) da queixa) e pela UNICER (cfr. art.ºs 17, 18, 20, 21 da contestação), cumpre ao JE lembrar que a sua competência material se encontra circunscrita à apreciação de comunicações comerciais e, ou, institucionais, não devendo pronunciar-se sobre tais questões, sendo que as Partes, a qualquer momento, poderão suscitá-las junto dos tribunais.
1.5. Dos factos
A campanha publicitária em lide tem sido divulgada nos suportes imprensa escrita (cfr. Doc. 1 da queixa) e Internet, neste no último caso, utilizando-se, também, a rede social Facebook (cfr. Docs. 2 a 8 da queixa).
1.5.1. Das alegações publicitárias ou claims
1.5.1.1. São colocadas em crise, as seguintes alegações publicitárias ou claims:
– (i) cores verde e encarnada na generalidade das peças publicitárias que integram a campanha (cfr. ponto 3) da queixa e Docs. 1 a 8 juntos à mesma);
– (ii) imagem de um potencial adepto da Selecção Nacional de Futebol, a envergar um cachecol verde e encarnado com o escudo da bandeira portuguesa, e com uma garrafa de cerveja Carlsberg (cfr. ponto 3) da queixa e Docs. 1 a 8 juntos à mesma);
– (ii.a) imagem essa, associada ao lema da campanha publicitária “Provavelmente a melhor equipa do mundo”, ao símbolo oficial do “UEFA EURO 2016 FRANÇA” (de ora em diante o “EURO 2016”), (cfr. ponto 4) da queixa e Docs. 1 a 8 juntos à mesma); bem como ao
– (ii. b) disclaimer “Official Beer“ (cfr. ponto 5) da queixa e Docs. 1 a 8 juntos à mesma);
1.5.1.2. Todos os claims referidos, constantes, de páginas de Facebook, e associados às seguintes alegações publicitárias, objecto de denúncia:
– (iii) “Com os olhos postos nos quartos-de-final. Força Portugal! Sabor a vitória” (cfr. Doc. 2, cópia de publicação no Facebook em 25.06.2016);
– (iv) “Já está! Estamos nos quartos de final!” (cfr. Doc. 3, cópia de publicado no Facebook em 25.06.2016);
– (v) “Já estamos nos oitavos!” (cfr. Doc. 4, cópia de publicação no Facebook em 23.06.2016);
– (vi) “Rumo à final. Força Portugal! Provavelmente a melhor equipa do mundo.” (cfr. Doc. 5, cópia de publicação no Facebook em 22.06.2016);
– (vii) “Portugal precisa do teu apoio. Contamos contigo? Juntos somos mais fortes?” (cfr. Doc. 6, cópia de publicação no Facebook em 18.06.2016);
– (viii) “Amanhã todos os caminhos vão dar ao Carlsberg Euro Lounge no Terreiro do Paço. Junta-te a nós para apoiar Portugal a chegar mais longe!” (cfr. Doc. 7, copia de publicação no Facebook em 17.06.2016);
– (ix) “É apenas o primeiro jogo de muitos. Mostra-nos o teu apoio a Portugal! Continuamos na luta” (cfr. Doc. 8, cópia de publicação no Facebook em 14.06.2016).
1.6. Das alegações das Partes
1.6.1. Das alegações da SCC
Vem a Requerente alegar, em sede de queixa, e em síntese, que:
– (i) “Sem prejuízo de a “Carlsberg” ser um “parceiro global” da UEFA no EURO 2016, não é um patrocinador oficial da Selecção Nacional de Futebol, contrariamente ao que a sua campanha publicitária quer dar a entender ao consumidor médio” (sic. ponto 6)), e que “… a utilização da referência a “Provavelmente a melhor equipa do mundo”, no contexto específico da realização do evento desportivo EURO 2016, acompanhada das cores da Selecção Nacional de Futebol e de ícones tais como o cachecol da Selecção Nacional de Futebol e o símbolo oficial da competição, bem como da referência a “Official Beer”, cria, na campanha publicitária em causa, uma associação clara, porém ilícita, da Carlsberg e da UNICER à Selecção Nacional de Futebol e à sua participação no EURO 2016, dando a entender que a Carlsberg é a cerveja oficial da Selecção Nacional de Futebol”. (sic. ponto 8));
– (ii) A campanha publicitária em causa é um exemplo parasitário de uma estratégia de marketing e publicidade de “emboscada” ou parasitária, nos termos da qual a UNICER procura buscar uma vantagem comercial ilícita, à custa da imagem das Selecções Nacionais sem ter adquirido os respectivos direitos de patrocínio e em violação evidente e clara dos direitos dos legítimos patrocinadores, designadamente da SCC, ora Queixosa, um dos seus mais directos concorrentes e única e legítima titular dos direitos de sponsorização e patrocínio das Selecções Nacionais, em exclusividade no que respeita a marcas de cerveja e água…” (sic. ponto 11)).
1.6.2. Das alegações da UNICER
Contraditando a argumentação da SCC, sustenta a Requerida na sua contestação, o que se resume:
– (i) “…a queixa apresentada pela SCC carece de verdade na fundamentação factual e jurídica. (sic. art.º 58)) sendo “… descontextualizada da campanha em apreço” (sic. art.º 59), acrescentando que, “A campanha objecto do presente processo não pretendeu desrespeitar quaisquer normas ou princípios ético-publicitários.” (sic. art.º 60);
– (ii) “Inexiste fundamento para a interdição de utilização de expressões ou imagens difundidas ou divulgadas pela UNICER, uma vez que são expressões e formas de apoio utilizadas por qualquer apoiante da Selecção Nacional de Futebol.” (sic. art.º 61), sendo que “A UNICER não pretendeu desrespeitar normas ou princípios ético-publicitários, nem tão pouco enganar os consumidores, assim como não faltou à verdade na sua comunicação.” (sic. art.º 62);
– (iii) “Nas suas campanhas publicitárias a UNICER não se associou, nem se colou à Selecção Nacional, enquanto patrocinadora oficial do EURO 2016, apenas terá utilizado elementos ou símbolos de cariz nacional, elementos esses que são insusceptíveis de apropriação e, consequentemente, insusceptíveis de configurarem sinais distintivos de concorrentes geradores de confusão no consumidor médio” (sic. art.º 64) e “Mais, o contrato de exclusividade de patrocinador oficial da Selecção da SCC, não lhe confere o direito a uma apropriação privativa e exclusiva dos símbolos nacionais, nem de qualquer expressão de apoio à selecção.” (sic. art.º 65);
– (iv) “…o Grupo UNICER orgulha-se de pautar sempre a sua actuação no mercado por rigorosos princípios éticos, com absoluto respeito pelos valores da boa fé e da lisura comercial, pelo que não pode deixar de rejeitar veementemente o teor de tais imputações.” (sic. art.º 67).
2. Enquadramento ético-legal
2.1. Da extensão dos direitos exclusivos da SCC
2.1.1 Da alegada insusceptibilidade de apropriação de símbolos nacionais e de designações genéricas
Alega a Requerente na sua queixa que, “A campanha publicitária em causa é um exemplo parasitário de uma estratégia de marketing e publicidade de “emboscada” ou parasitária, nos termos da qual a UNICER procura buscar uma vantagem comercial ilícita, à custa da imagem das Selecções Nacionais sem ter adquirido os respectivos direitos de patrocínio e em violação evidente e clara dos direitos dos legítimos patrocinadores, designadamente da SCC, ora Queixosa, um dos seus mais directos concorrentes e única e legítima titular dos direitos de sponsorização e patrocínio das Selecções Nacionais, em exclusividade no que respeita a marcas de cerveja e água…” (sic. ponto 11)), acrescentando que “A SCC é, como tal, a única e exclusiva titular, no que respeita a marcas de cerveja, dos direitos de imagem e patrocínio das Selecções Nacionais de Futebol e da própria Federação Portuguesa de Futebol, incluindo os direitos de utilização e exploração comercial de símbolos, emblemas, logótipos oficiais ou imagens colectivas das Selecções Nacionais de Futebol.” (sic. ponto 18)).
Perante tal denúncia, cumpre ao Júri pronunciar-se sobre o que é possível entender-se como “direitos exclusivos” da SCC”, ainda antes de qualquer análise na totalidade da campanha publicitária objeto da lide (cfr. artigo 27.º, n.º 3 do Código de Conduta do ICAP). Tal, já que a Requerente não só invoca a titularidade de extensos direitos sobre a Selecção Nacional, sem os concretizar (cfr. pontos 17) e 43) da queixa)) como – constata o JE, face aos elementos carreados para os autos -, não junta qualquer prova dos mesmos alegados direitos conferidos por contrato. (Cfr. artigo 9.º, n.º 2 do Regulamento do JE.).
Ainda que possa ser aceite – por tal ser do domínio público – a existência de direitos exclusivos decorrentes de contrato celebrado (a própria Requerida o admite, designadamente, a art.º 23 da contestação), nunca poderá conceder o Júri que, a alegada exacta extensão daqueles consubstancie um facto público e notório (cfr. pontos 3) e 19) da queixa) e, logo, apto a considerar que tais direitos incidem sobre imagens das cores e do escudo portugueses, no que, no entender do JE, assiste razão à UNICER. (Cfr. art.ºs 25 e 26 da contestação).
Em conformidade, constitui posição do Júri que, o que ficou exposto assume particular relevância no que concerne a dois géneros de claims colocados em crise os quais, atentos os quadros normativos à luz de que são apreciados, deverão sê-lo individualmente e, de acordo com o seu significado literal, apenas e só, quando esteja em causa a exacta extensão dos direitos da SCC, enquanto Patrocinadora Oficial da Selecção Nacional de Futebol, extensão essa, do desconhecimento do Júri. O contrário, ou seja, a apreciação do significado das alegações publicitárias no seu todo (cfr. pontos 3) a 10) da queixa) justificar-se-á em sede de averiguação da eventual indução do consumidor médio em erro quanto à qualidade do anunciante, a mesma, independente da questão da titularidade de direitos exclusivos de natureza contratual.
Assim, no que concerne ao seu significado literal, são ora relevantes, os seguintes claims visuais definidos em 1.5.1.1.:
– (i) cores verde e encarnada na generalidade das peças publicitárias que integram a campanha; (cfr. ponto 3) da queixa e Docs. 1 a 8 juntos à mesma);
– (ii) imagem de um potencial adepto da Selecção Nacional de Futebol, a envergar um cachecol verde e encarnado com o escudo da bandeira portuguesa, e com uma garrafa de cerveja Carlsberg (cfr. ponto 3) da queixa e Docs. 1 a 8 juntos à mesma).
O Júri entende que elementos que equivalham a símbolos nacionais consagrados no artigo 11º da Constituição da República Portuguesa como sejam, concretamente, a bandeira nacional, o escudo ou as suas cores, bem como outras designações genéricas referentes a Portugal, não são passíveis de apropriação privativa e exclusiva dos patrocinadores de eventos internacionais de excepcional interesse publico, como o em apreço e, logo, deverão ser considerados per se, insusceptíveis de configurar sinais distintivos de concorrentes ou geradores de confusão junto do consumidor médio, entendido este de acordo com a acepção amplamente divulgada pelo JE.
Mais, constitui posição do Júri que, analisados individualmente os referidos claims colocados em crise, não se poderá sustentar que a respetiva utilização seja de molde a colidir com normas ético-legais em matéria de princípios da veracidade e de livre e leal concorrência, ou de patrocínio. Na realidade, dentro do delimitado âmbito da ética publicitária e, embora sabendo da existência de um contrato de exclusividade, cumpre questionar até que ponto poderá estender-se a protecção dos legítimos interesses de um patrocinador da Selecção Nacional de Futebol, como é o caso da SCC, quando estejam em causa símbolos nacionais ou designações genéricas.
Contudo, não pode o Júri abster-se de referir que a conclusão aqui retirada, não traduz uma aquiescência quanto ao alegado pela UNICER, em sede de contestação, no sentido de que:
“…não é a primeira vez que a SCC apresenta queixa junto do ICAP com conteúdo idêntico ao da presente, tendo, já então, sido negado provimento às suas pretensões…” (sic. art.º 14), de que ” Veja-se, a decisão no processo 5J/2008 desse Júri de Ética, da qual e atendendo à similitude e por uma questão de economia e celeridade processuais, aqui reproduzimos alguns extractos” (sic. art.º 15), e de que “Na verdade, também então se discutia a utilização pela UNICER de palavras e frases alusivas ou às posições obtidas pela Selecção Nacional em grandes competições internacionais ou a características associadas à vitória” (sic. art.º 16).
Com efeito, tais afirmações encontram-se algo descontextualizadas, para além de serem redutoras. De facto, como a UNICER saberá, o que então era colocado em crise, não se assemelha, em essência, ao que agora é.
2.1.2. Do claim visual relativo à imagem da Selecção Nacional de Futebol
Embora o direito à imagem seja irrenunciável e inalienável, não são de considerar-se interditas, as limitações ao exercício desse direito de personalidade, nomeadamente a cedência a terceiros, por futebolistas, do direito à exploração comercial da sua imagem de desportistas profissionais.
Aliás, é a própria Requerida que admite a art.º 23 da contestação que, “sendo inquestionável a qualidade da queixosa enquanto Patrocinador Oficial da Selecção Nacional, tais direitos referem-se à: (1) o direito de utilização da designação “Patrocinador Oficial da Selecção Nacional” e (2) o direito de utilização, para feitos promocionais e publicitários, da imagem colectiva das Selecções Nacionais de Futebol “ e, a art.º 33 da mesma peça, que “De todos os documentos juntos com a Queixa só num deles se vêem, ao longe, alguns jogadores da selecção, mas sem grande definição ou qualidade!”. (Cfr. Doc. 4 junto aos autos com a queixa).
Considera o Júri que viola o disposto nos artigos 79.º, n.ºs 1 e 2 do Código Civil e 7.º n.º 2, alínea e) do Código da Publicidade, a empresa que, sem obtenção de autorização prévia de um futebolista ou, por parte de quem aquele haja cedido o direito de explorar comercialmente, com exclusividade, divulgar para fins de comunicação comercial de marca, a sua imagem pública. Por maioria de razão, a imagem da Selecção Nacional de Futebol ou de qualquer jogador da mesma (com ou sem qualidade fotográfica, e independentemente do conhecimento dos exactos contornos dos direitos adquiridos pela SCC), encontra-se desconforme com o disposto nos referidos normativos.
2.2. Do invocado embuste do objecto de patrocínio
Qualquer embuste de um bem sob patrocínio, in casu, a Selecção Nacional de Futebol, quando praticado através de publicidade, constituirá sempre um caso de violação do princípio da veracidade em matéria de comunicações comerciais, por indução do destinatário em erro, quanto à qualidade do anunciante, independentemente de ser ou não conhecida e notória, a real extensão dos direitos que são abrigados pelo “chapéu de chuva” patrocínio.
Com efeito, não se conhecendo a abrangência de tais direitos, é o estabelecimento de uma eventual prática de publicidade enganosa que determinará a conclusão sobre a existência de um embuste de um bem sob patrocínio.
Para tanto, é curial o estabelecimento do que é susceptível de ser percebido por parte do consumidor médio, colocado perante a campanha publicitária da responsabilidade da UNICER, quanto à qualidade do anunciante Carlsberg.
Ora, tal como se referiu no ponto anterior, não se estando agora em presença de matéria meramente contratual mas, antes, do exclusivo foro da ética e da lei em matéria de comunicações comerciais, a apreciação da questão ora suscitada implica a análise da campanha como um todo passível de ser percepcionado pelo destinatário, para o que releva o significado semântico do conjunto de todas as alegações publicitárias visuais ou verbais que ficaram definidas a ponto 1.5.1., análise esta a que o Júri se permite, nomeadamente, de acordo com o disposto no artigo 27.º, n.º 3, do Código de Conduta do ICAP.
Mais, sendo objecto da lide uma comunicação comercial da Requerida divulgada em suporte imprensa escrita (cfr. Doc. 1 da petição), a qual é “repetida” na Internet e, concretamente, numa página publicitária da rede social Facebook, cujas alegações são insusceptíveis de percepção isolada e, ou, caso a caso, permanecendo visíveis após o evento de interesse público em causa – ambas as características inerentes à natureza do meio (cfr. Docs. 1 a 8 juntos à queixa) – a referida análise como um todo é, a todos os níveis, premente.
Por maioria de razão, a pergunta a que se tem de dar resposta é esta: colocado perante todas as alegações publicitárias ou claims objecto de denúncia, existirá a susceptibilidade de o consumidor médio confundir a qualidade ou estatuto do anunciante, considerando a Carlsberg como Patrocinadora Oficial da Selecção Nacional de Futebol, para além (ou em vez de) Patrocinadora Oficial do Euro 2016?
No entender do Júri, a resposta a tal questão deve ser afirmativa.
“Provavelmente” ou “probably” é a expressão que faz parte da assinatura da marca Carlsberg. A própria UNICER o lembra, em sede de contestação (cfr. art.ºs 52 e 53). Acrescenta o Júri que tal é um facto público e notório, atento o prestígio da marca. Aliás, a notoriedade do brand slogan “Provavelmente a melhor cerveja do mundo“, bem como a capacidade de associação do mesmo à dita são tais, que bastará divulgar a expressão “probably”, para imediatamente o destinatário da publicidade ou da menção de patrocínio saber que se está a falar da marca Carlsberg.
Aliás, como também bem enfatiza a UNICER, “Pelo que quase todas as suas campanhas utilizam tal expressão!” (sic. art.º 54 da contestação).
Ora, na modesta opinião do Júri, a notoriedade e o prestígio criados junto de destinatários de comunicações comerciais devem andar a par com a responsabilidade social, sendo que esta é arrepiada quando se usem artifícios gramaticais que visem um determinado significado semântico da propriedade de terceiros – e sem que se expresse o literal -, aqueles associados, numa campanha conjugada, às cores e escudo nacionais, bem como a frases de incentivo à Selecção Portuguesa de Futebol as quais, deste modo, resvalam para claims publicitários (cfr. Docs. 2 a 8 da queixa): todos, desse modo, desconformes com o princípio da veracidade e da livre e leal concorrência em matéria de publicidade.
Que artifícios gramaticais? No caso, “Provavelmente a melhor equipa do mundo”, em que a Selecção Nacional de Futebol é colocada, através do grau mais elevado de integração de marca: o slogan. Ou, para usar a expressão utilizada pela UNICER, a assinatura da Carlsberg:
O que será muito diferente, da variante “Probably the best moments in Euro History”, atento o estatuto da Carlsberg de Patrocinadora Oficial do Euro 2016:
De onde, concorda o Jom a SCC, quanto ao alegado no sentido de que “…a utilização da referência a “Provavelmente a melhor equipa do mundo”, no contexto específico da realização do evento desportivo EURO 2016, acompanhada das cores da Selecção Nacional de Futebol (…) e o símbolo oficial da competição, bem como da referência a “Official Beer”, cria, na campanha publicitária em causa, uma associação clara, porém ilícita, da Carlsberg e da UNICER à Selecção Nacional de Futebol e à sua participação no EURO 2016, dando a entender que a Carlsberg é a cerveja oficial da Selecção Nacional de Futebol.” (cfr. ponto 8) da queixa).
Acresce que, sendo a cerveja Carlsberg, comercializada pela UNICER, Patrocinadora Oficial do Euro 2016 e, sendo a cerveja Sagres, comercializada pela SCC, Patrocinadora Oficial da Selecção Nacional de Futebol, impor-se-ia um cuidado acrescido no que tange à possibilidade de confusão entre estatutos em matéria de patrocínio relativos a um evento (veiculados através da respectiva publicidade), de acordo com o disposto no artigo B8, n.º s 1 e 2, do Código de Conduta do ICAP, nos termos dos quais: “Sempre que uma actividade ou acontecimento exija ou permita que coexistam diversos Patrocinadores, as partes devem usar os seus melhores esforços para que se estabeleçam claramente os direitos, limites e obrigações respectivos de cada um dos Patrocinadores, aqui se incluindo, além do mais, os detalhes de qualquer exclusividade.” (1) “Em particular, cada membro de cada grupo de Patrocinadores deve respeitar os campos de Patrocínio definidos e as operações de comunicação que lhes são autorizadas, evitando qualquer interferência susceptível de alterar de forma desleal o equilíbrio entre as contribuições dos diferentes Patrocinadores.” (2).
Tendo o Júri chegado à conclusão de que a publicidade da UNICER, entendida no seu todo, e divulgada através dos suportes imprensa escrita e Internet, é susceptível de transmitir ao consumidor médio a ideia de que o anunciante é Patrocinador Oficial da Selecção Nacional de Futebol, entende existir uma associação parasitária a uma forma de publicidade reservada a terceiros (in casu, à SCC) e, logo, uma desconformidade com o artigo B2, Capítulo II da Parte II, do Código de Conduta do ICAP sob a epígrafe “Embuste do objecto de patrocínio” e segundo o qual, “Nenhuma parte deve procurar dar a entender que patrocina um qualquer acontecimento ou a transmissão ou comunicação do mesmo nos Meios, seja ele patrocinado ou não, se não for, de facto, patrocinador de um bem ou dessa transmissão ou comunicação.”
De igual modo, existindo tal confundibilidade quanto à qualidade de patrocinador por parte do destinatário da campanha publicitária, entendida no seu todo, e sob o lema repetido em todos os suportes e versões “Provavelmente a melhor equipa do mundo” – cirurgicamente colocado para além das margens ou limites do eticamente admissível -, entende o Júri que a mesma traduz um embuste de um bem sob patrocínio praticado através de publicidade enganosa quanto `qualidade e estatuto de um anunciante, bem como um caso de violação do princípio da livre e leal concorrência.
Não obstante, o JE não quer deixar de vincar o que atrás referiu em sede de questão prévia: o cerne da apreciação da campanha publicitária objeto dos autos é o da ética publicitária, o que não prejudica a possibilidade de as Partes suscitarem e discutirem eventuais danos e, ou, prejuízos contratuais junto das competentes instâncias judiciais.
3. Decisão
Termos em que a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da UNICER divulgada nos suportes Internet e imprensa escrita, em apreciação no presente processo, se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4º, n.º s 1 e 2, 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2 e B2 e B8, n.º s 1 e 2 do Código de Conduta do ICAP, 10.º e 11.º do Código da Publicidade, o último, com a redação introduzida pelo artigos 4.º e 7.º, n.º 1, alínea f) do Decreto-Lei nº 57/2008, de 26 de Março, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipos de ilícito apurado pelo JE.».
A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP