5J/2017
Recurso
Unilever Jerónimo Martins, Lda.
vs.
Johnson & Johnson, Lda.
COMISSÃO DE APELO
Proc. n.º 5J/2017
I- RELATÓRIO
Unilever Jerónimo Martins, Lda. (adiante referida como “Unilever”), com sede no Largo Monterroio de Mascarenhas 1, em Lisboa, vem recorrer para esta Comissão de Apelo, da deliberação de 9 de junho de 2017 da 1ª Secção do Júri de Ética da Auto-Regulação Publicitária, relativa a uma queixa que fora apresentada por Johnson & Johnson, Lda. (adiante referida como “J&J”), com sede na Estrada Consiglieri Pedroso, 69-A, Queluz de Baixo, em Barcarena, ora Recorrida, que entendeu que dois spots publicitários da dita Unilever, sob o título “Teste Sabonete Bebé”, violam diversos preceitos do Código de Conduta da Auto-Regulação Publicitária.
1. Resumo do Processo
O processo iniciou-se com a referida queixa da J&J, que visava dois spots publicitários referentes ao sabonete “Baby Dove” sob o título “Teste Sabonete Bebé”.
Segundo a Queixosa, em síntese:
– O Spot publicitário 1 começa por referir que as mães gostam de testar tudo e por expor um “papel que reage como a superfície da pele do seu bebé”.
– Este papel é aplicado num sabonete “Baby Dove” e em três outros sabonetes, alegadamente “sabonete comum para bebé”, de modo a testar os efeitos dos vários sabonetes na pele de bebé.
“A demonstração indica como um sabonete comum pode enfraquecer as proteínas e desidratar a pele”
– Além disso, refere-se que “apenas “Baby Dove” tem um quarto de creme hidratante que deixa a pele hidratada a cada banho”, sendo que na imagem associada ao alegado no anúncio não é visível qualquer sabonete mas sim outros produtos da gama “Baby Dove”.
– O Spot publicitário 2, para além das afirmações contidas no Spot Publicitário 1 e referidas nos pontos 2 a 5 supra, acrescenta que “os sabonetes comuns fazem com que a pele do bebé perca hidratação”.
– Os ditos Spots Publicitários terminam com a exibição de todos os produtos da gama “Baby Dove” e não apenas com referência ao sabonete, apesar de só este ter sido o produto objeto da realização do publicitado teste.
– Os Spots Publicitários afetam, segundo a Queixosa, os interesses legítimos da J&J (i) constituem publicidade comparativa ilícita, (ii) não respeitam o princípio da veracidade e (iii) constituem também publicidade enganosa.
– A J&J comercializa, designadamente, produtos cosméticos, incluindo dirigidos ao cuidado do bebé sob a marca Johnson’s® baby.
– A J&J e a Unilever são concorrentes na mesma gama de produtos cosméticos, incluindo no que toca a produtos para bebés.
– Dentro da oferta variada da gama bebé da J&J – e para o que aqui releva – são comercializadas duas subgamas: (i) os produtos hidratantes e (ii) os produtos “bons sonhos”.
– Os produtos hidratantes são produtos que se destinam a hidratar a pele do bebé.
– Estes produtos da J&J são reconhecidos no mercado e pelos consumidores-alvo pela sua cor rosa, conforme imagens infra:
– Os produtos “bons sonhos” são produtos perfumados para o banho do bebé que estimulam o sentido do olfato do bebé visando promover uma rotina de relaxamento.
– Estes produtos da J&J são reconhecidos no mercado, e em particular, pelos consumidores-alvo, pela sua cor lavanda.
– Em Portugal são comercializados produtos desta subgama.
– Faz ainda parte desta subgama um sabonete que, presentemente, não é comercializado em Portugal.
– É assim perceptível nos Spots Publicitários que o produto da J&J é claramente utilizado para ser objeto de comparação
– A escolha do sabonete da J&J, segundo esta, tem exatamente o objetivo, atenta a sua cor lavanda específica e distintiva, de facilitar a apreensão pelo mercado e pelo consumidor-alvo de que se trata de um produto J&J.
– No que respeita a bens de consumo para bebés, os respetivos consumidores-alvo são consumidores especialmente atentos, reconhecendo facilmente os produtos ou marcas comercializados no mercado.
– Apenas os produtos da J&J para bebé apresentam a cor lavanda – não se trata pois de algo genérico, comum e usualmente utilizado nos sabonetes para bebés.
– A comunicação comercial vertida nos Spots Publicitários é, assim, para a Queixosa, comparativa, na medida em que identifica, implicitamente, um produto concorrente da J&J para efetuar a comparação.
– A publicidade comparativa só é permitida se for respeitado um conjunto de condições de aplicação cumulativa, previstas no artigo 15.º, n.º 2 do Código de Conduta do ICAP e no artigo 16.º, nº 2 do Código da Publicidade.
– De entre estas destaca-se a obrigação de que a publicidade não seja enganosa, não desacredite ou deprecie marcas de um concorrente e compare bens que respondem às mesmas necessidades ou têm os mesmos objetivos, comparando objetivamente uma característica substancial ou representativa desse bem.
Ora, sempre segundo a Queixosa, tais condições não se verificam nos referidos Spots Publicitários.
– Em primeiro lugar, a publicidade comparativa tal como é apresentada é ilícita na medida em que não permite aos consumidores-alvo apreender quais as características ou propriedades dos produtos que, em concreto, estão a ser comparados: é a limpeza ou a hidratação?
– E nessa medida induz também em erro e é enganosa.
– Isto porque a característica do produto “Baby Dove” que é destacada nos Spots Publicitários é a hidratação – contrariamente ao que a Unilever refere na Carta de Resposta que seria “a limpeza do bebé.”. O que é destacado nos Spots Publicitários não é a limpeza do bebé, mas sim a eventual característica e capacidade de hidratação do referido produto.
– A mensagem que se pretende incutir no consumidor, conforme a Queixosa, é a de que o “Baby Dove” é melhor do que o produto J&J porque “apenas “Baby Dove” tem um quarto de creme hidratante que deixa a pele hidratada a cada banho” (destaque nosso).
– Mas, para sustentar tal afirmação, teríamos de estar perante produtos que respondam às mesmas necessidades e tenham os mesmos objetivos, o que não sucede no caso concreto, pois o produto da J&J objeto de comparação é um produto de uma subgama destinada ao relaxamento e não à hidratação.
– Acrescenta a Queixosa que se pretende fundamentar o elemento diferencial do produto “Baby Dove” com base num teste de papel que alegadamente reagirá como a superfície da pele do bebé, não sendo feita qualquer referência a estudos ou dados que permitam demonstrar esta equiparação.
– E, no entanto, o modo como o teste é descrito cria no consumidor a perceção de que os respetivos resultados são indiscutíveis como se de uma verdade absoluta e científica se tratasse.
– O próprio texto que, a dada altura e em letras minúsculas, passa nos Spots Publicitários é contraditório com a mensagem percecionada ao longo dos mesmos, uma vez que, ao longo dos Spots Publicitários, a perceção é a de que apenas o sabonete “Baby Dove”, por comparação com os demais, incluindo o produto da J&J, hidrata.
– Em letras pequenas, surge uma frase que refere que “a demonstração indica como um sabonete comum pode enfraquecer as proteínas e desidratar a pele” e não que efetivamente enfraquece ou desidrata.
– Assim, o consumidor é levado a acreditar que o sabonete “Baby Dove” é o único que tem uma componente hidratante adequada ao cuidado da pele do bebé, quando a própria reconhece, ainda que à margem da atenção do consumidor, que assim poderá não ser.
– Por último, a Unilever ao recorrer a frases como “a demonstração indica como um sabonete comum pode enfraquecer as proteínas e desidratar a pele” ou a expressões “os sabonetes comuns fazem com que a pele do bebé perca hidratação” está, sustenta a Queixosa, a desacreditar e a denegrir a marca J&J – e nessa medida, a desrespeitar também os princípios da leal concorrência pois, no fundo, o que está a ser transmitido ao destinatário da mensagem publicitária é que os produtos da J&J podem não ser adequados à pele do bebé, indo aliás ao ponto de referir que poderão causar perda de hidratação e enfraquecer as proteínas.
– Os Spots Publicitários, diz a Queixosa, constituem publicidade comparativa ilícita por violação dos artigos 15.º, n.º2, alíneas a), b), c), d) e f) e 16.º do Código de Conduta do ICAP e do artigo 16º, nº 2, alíneas a), b), c), d) e e) do Código da Publicidade.
– Mas, acrescentou ela, ainda que se entenda que a publicidade em causa não constitui publicidade comparativa ilícita, em qualquer caso os Spots Publicitários são contrários ao princípio da veracidade (cfr. artigos 4.º e 9.º do Código de Conduta do ICAP e artigos 6.º e 10º do Código da Publicidade).
– Isto porque a Unilever pretende incutir a ideia no consumidor de que a composição do sabonete “Baby Dove” é a única indicada para a hidratação da pele do bebé.
– Por outro lado, esta recorre a testes que afirma equivalerem à reação da pele do bebé sem qualquer exatidão e ou sustentação e sem nada esclarecer no que respeita à fonte ou aos modos de realização dos alegados testes, nem sobre os resultados obtidos.
– É que o consumidor-alvo – sensível e especialmente atento, relembre-se – não tem qualquer dado sobre o papel utilizado para a realização da demonstração para além da alegação de que o mesmo equivale à pele de bebé e que, segundo a demonstração transmitida nos spots publicitários, se mantém inalterado quando aplicado num sabonete “Baby Dove” mas desaparece quando aplicado num outro qualquer sabonete.
– Concluiu a queixosa que os spots publicitários em análise não respeitam o princípio da veracidade e, assim, infringem artigos 4.º, n.º 1 e 9.º, n.º 1 do Código de Conduta do ICAP e o artigo 10.º do Código da Publicidade, o que determina a sua ilicitude.
– E que, de igual modo, os Spots Publicitários constituem publicidade enganosa.
– Já que, como consequência da referência das características principais do produto “Baby Dove”, a Unilever retrata o seu sabonete como o único que é adequado à higiene do bebé e, assim, retrata todos os restantes sabonetes como sabonetes que não preenchem a adequação ao fim a que se destinam.
– Sempre segundo a queixosa, tal é agravado pela circunstância de serem apresentados resultados de testes que induzem em erro no que respeita à sua fiabilidade e veracidade – criando no consumidor-alvo a convicção de uma verdade absoluta.
– E deste modo, o consumidor é induzido em erro porque é levado a crer que os sabonetes “Baby Dove” são os únicos adequados à pele do bebé.
– E, correspondentemente, estando induzido em erro, o consumidor será conduzido “a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo”, nomeadamente a deixar de comprar produtos concorrentes que não sejam da marca “Baby Dove”.
– Assim, diz a Queixosa, a Unilever transporta todas a mensagem das suas alegações referentes ao sabonete para toda a sua gama de produtos para bebé, pelo que estabelece uma comparação entre toda a gama de produtos “Baby Dove” de modo a estender a indução do consumidor em erro a todos os produtos destinados a bebés.
– Estaríamos portanto perante publicidade enganosa nos termos do artigo 9.º, n.º 1 e n.º2, alínea a) do Código de Conduta do ICAP e do artigo 11.º, n.º 1 do Código da Publicidade, que remete o Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de março.
– Requereu em conclusão que fosse ordenada a imediata cessação dos ditos Spots Publicitários, declarando a respetiva ilicitude, bem como a proibição de utilização desta mesma publicidade em qualquer outro meio de divulgação do produto “Baby Dove”
Contestou a Unilever, dizendo, em suma:
– As barras de sabonete da marca Dove destinados a bebés têm uma característica (comum a outros produtos Dove) que faz com que os mesmos se diferenciem das demais barras de sabonete: são compostos por ¼ de creme hidratante.
– Ao contrário de todas as barras de sabonetes para bebé conhecidas (e certamente de todas as comercializadas em Portugal), a barra de sabonete Baby Dove não tem como elemento principal o sabão.
– Destaca-se, por isso, pelo facto de ter características que permitem a manutenção da hidratação da pele muito superior a qualquer outra barra de sabonete para bebé.
– Ora, a Unilever tem todo o interesse em publicitar esta característica do seu sabonete para bebé.
– O teste apresentado no Spot ora em causa, mais não é do que a reprodução de um teste científico com vista à determinação dos efeitos de irritação causados pelos produtos que contêm tensioactivos
– quanto mais as proteínas se dissolvem, maior irritação produz o produto testado.
– O teste pretende ilustrar a característica única das barras de sabonete para bebé Baby Dove.
– Para o efeito, foram seleccionadas três barras de outros sabonetes para bebé, de formato indiferenciado e diferentes cores: uma branca, uma cor-de-rosa e uma beije, embora apenas a branca seja comercializada em Portugal.
– Pretendeu-se demonstrar aos destinatários do Spot que a barra de sabonete Baby Dove permite evitar a desidratação de forma muito mais significativa do que a generalidade das barras de sabonete para bebés.
– Ela, Unilever, dispunha de testes científicos realizados pelo centro de pesquisa e desenvolvimento do próprio grupo, que comprovavam as alegações publicitárias constantes do Spot ora em causa.
– E dispunha igualmente de testes realizados por uma entidade externa independente (o Laboratório Hill Top Research HTR, sito em Toronto, Canadá), que comprovavam o comportamento diferenciado do sabonete Baby Dove, quando comparado com outros sabonetes sólidos, cujo relatório a Unilever juntou como DOC 2.
– Os resultados dos referidos testes levados a cabo pelo Hill Top Research são claros quanto ao efeito de preservação da hidratação da pele, em resultado da utilização do sabonete Baby Dove (ali identificado com Simba), quando comparado com os outros sabonetes sólidos para bebé.
– Não obstante, e para que dúvidas não restassem quanto à efectiva performance de Baby Dove quando comparado com as demais barras de sabonete para bebé comercializadas em Portugal, solicitou ao LIACQ – Laboratório Inovador em Análises de Controlo de Qualidade a realização de testes independentes e científicos (cujo relatório a Unilever juntou como DOC 3).
– Os referidos testes incidiram sobre 4 produtos (barras de sabonete para bebé): Baby Dove, Johnson’s Baby com Mel, Oleoban Sabonete para Bebé, e Klorane – Sabonete Gordo para Bebé; sendo os dois primeiros as únicas marcas de sabonete sólido para bebé comercializadas nos hipermercados e supermercados – conforme dados Nielsen que a Unilever juntou como DOC 4.
– Esses testes incluíram, portanto, todos os sabonetes sólidos para bebé presentes no mercado português.
– Os resultados do teste realizado pelo LIACQ são absolutamente conclusivos: a barra de sabonete e Baby Dove apresenta um comportamento distinto em relação aos sabonetes analisados.
– DOVE apresenta um valor de pH perto da neutralidade enquanto que os restantes sabonetes revelam valores de pH alcalinos.
– Em relação à dissolução da boneca de papel “ZEIN”, JOHNSON, OLEOBAN e KLORANE resultaram bastante céleres na sua dissolução comparativamente a DOVE, que no final do ensaio permanecia sem alterações significativas.
– Os testes são uma reprodução científica independente do Spot televisivo, sendo a performance dos sabonetes testados em tudo semelhante àquela apresentada no filme.
– A teoria da J&J sobre os diferentes produtos que comercializa e as cores que utiliza nesses mesmos produtos, com o (aparente) objetivo de concluir que o cor-de-rosa é sempre associado a determinado tipo de produtos J&J e a cor lavanda é sempre associada a outro tipo de produtos J&J, não tem qualquer adesão à realidade.
– Segundo a Unilever é inaceitável a conclusão de que o consumidor (português) perceciona a existência de uma comparação com o produto da marca J&J que nem sequer existe no mercado português.
– E a publicidade em causa não é comparativa pois, no Spot sub judice é de facto feita uma comparação entre a performance de Baby Dove e três outros sabonetes, sendo no entanto as características dos mesmos indiferenciadas, insuscetíveis de identificar qualquer concorrente.
– No caso em análise, a publicidade não é enganosa, porquanto o comportamento de Baby Dove apresentado no filme corresponde precisamente ao comportamento que o produto tem quando comparado com todos os produtos concorrentes (barras de sabonete para bebé) do mercado português.
Tal comportamento foi testado cientificamente por um laboratório independente, com resultados que afastam quaisquer dúvidas.
– A comparação (a existir) é feita com produtos que correspondem exatamente às mesmas necessidades e objetivos: sabonetes para a limpeza dos bebés.
– O facto de uns se apresentarem como sendo mais calmantes, com determinado perfume ou menos desidratantes não os desvia, obviamente, o seu propósito principal: lavar o bebé.
– A comparação, a existir, é sobre uma característica muito específica dos sabonetes para bebé em barra, a capacidade de manter a hidratação da pele dos bebés.
– Em nenhum momento se transmite a ideia de que os restantes sabonetes não são adequados para a limpeza da pele do bebé.
– Encontram-se por isso, sempre segundo a Unilever, preenchidos todos os requisitos de legitimidade da publicidade comparativa previstos nos artigos 15.º do Código de Conduta do ICAP e 16.º do Código da Publicidade.
– Em nenhum momento se refere (ou pode inferir) uma indicação no sentido de o produto Baby Dove ser o único produto destinado a manter a hidratação da pele do bebé.
– O que não deixa de referir e de colocar em destaque é a característica diferenciadora de Baby Dove: o facto de ser constituído por ¼ de creme hidratante.
– O que permite obter a função principal do sabonete (a limpeza do bebé) e um resultado adicional (manter a hidratação da pele).
– O «consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e advertido» entenderá que terá sido realizado um teste e que tal teste revelou que o produto anunciado terá características distintivas dos restantes no que respeita à capacidade de manter a hidratação da pele, as quais se traduzem no efeito provocado no dito papel.
– O destinatário do filme, o consumidor médio, compreende que a publicidade e as alegações em causa se referem, única e exclusivamente, ao produto barra de sabonete Baby Dove.
– É descabida a alegação da J&J segundo a qual a Unilever estabelece uma comparação “entre toda a gama de produtos Baby Dove de modo a estender a indução do consumidor em erro a todos os produtos destinados a bebés”.
– Donde, segundo a Unilever, inexiste qualquer violação do disposto nos artigos 9.º do Código de Conduta do ICAP ou 11.º do Código da Publicidade, pelo facto de ter apresentado a comprovação das suas alegações e de inexistir qualquer mensagem susceptível de induzir em erro o consumidor.
– Terminou requerendo que a queixa fosse julgada improcedente e não provada.
O Júri de Ética, pela sua Primeira Secção, emitiu a deliberação ora recorrida, pela qual decidiu, em suma:
– O JE não tem dúvidas quanto ao caráter excludente da publicidade em análise.
– Mas não é evidente o caráter comparativo da publicidade, nos termos descritos no art.º 15.º do Código de Conduta da Auto-Regulação Publicitária,
– Pois é dúbio o ato de comparação não permitindo retirar de imediato a conclusão de que a mensagem é assim percebida pelo “consumidor médio, razoavelmente, perspicaz”, indicador necessário à aferição da existência de publicidade excludente ou comparativa.
– Comprova-se por confissão que o produto identificado pela Requerente como objeto de comparação no spot publicitário, “Johnson’s baby bedtime soap” não é comercializado em Portugal, as imagens mostram mais de um produto em comparação, todos de cores e formatos diferentes sem que haja uma identificação imediata dos mesmos, e, por último o texto que acompanha as imagens identifica os produtos em comparação como “sabonete comum para bebé” sem qualquer outra referência, fatores que imprimem a dúvida quanto à identificação pelo consumidor do produto da Requerente.
– As alegações publicitárias não estão devidamente comprovadas, pondo em crise o princípio da veracidade das mesmas.
– O doc. n.º 2 junto pela Requerida não é suficiente para esta comprovação, devendo ser tido como “alegação de parte” e como tal, sujeito à livre valoração do JE, que entende não ser um meio de prova suficiente nesta sede.
– A Requerida junta, ainda, como doc. 3, um “Relatório de Estudo”, solicitado ao LIACQ – Laboratório Inovador de Análises de Controlo de Qualidade, Lda.. mas não avança qualquer informação quanto à existência de certificações e/ou acreditações do laboratório nem tão pouco às normas técnicas seguidas no teste comparativo realizado, não constando igualmente qualquer informação a este respeito no “Relatório de Estudo” apresentado ou mesmo no site da empresa.
– Compulsado o referido estudo, datado de 3 de abril, verifica-se, no que à apreciação do caso interessa, que (i) foram testados quatro sabonetes sólidos, entre os quais se encontra o produto objeto das alegações publicitárias e um outro produto da Requerente que não o que aparece representado no spot publicitário, mas antes um produto similar comercializado em Portugal; (ii) o estudo foi realizado com base na metodologia cedida pelo mandante do serviço e apoia-se exclusivamente sobre os seguintes pontos: Teste de dissolução do papel “ZEIN”, Medição do valor do pH; (iii) na “Nota Introdutória” é apontado como resultado do teste a determinação do poder de irritação de um produto à base de tensoativos, referindo que o poder de irritação é diretamente proporcional à quantidade de proteínas dissolvidas; as amostras dos produtos da Requerida e da Requerente sujeitas ao teste comparativo foram entregues por aquela, bem como os mencionados papéis ZEIN; a “Conclusão” do estudo indica que (a) “DOVE apresenta um comportamento distinto em relação aos restantes sabonetes analisados”; (b) DOVE apresenta um valor de pH perto da neutralidade enquanto os restantes sabonetes revelam valores de pH alcalinos”; (c) “DOVE” permaneceu no final do ensaio, com a duração de 2 minutos, sem alterações significativas ao nível da dissolução do papel ZEIN, verificando-se nos restantes sabonetes uma dissolução mais célere por comparação.”.
– Ora estes dados não permitem a comprovação das alegações contidas nos spots publicitários em lide, nomeadamente as seguintes: “papel que reage como a superfície da pele do seu bebé”; “A demonstração indica como um sabonete comum pode enfraquecer as proteínas e desidratar a pele”; “apenas “Baby Dove” tem um quarto de creme hidratante que deixa a pele hidratada a cada banho” e “os sabonetes comuns fazem com que a pele do bebé perca hidratação”.
– Atento o disposto nos art.ºs 4.º, 9.º e 12.º, todos do Código de Conduta da Auto-Regulação Publicitária, devem as alegações ser consideradas desconformes por violação do princípio da veracidade.
– Advoga a requerente que a Unilever transporta toda a mensagem das suas alegações referentes ao sabonete para toda a sua gama de produtos para bebé”, o que considera ser suscetível de indução do consumidor em erro.
– Ora os spots evidenciarem um teste comparativo que pretende evocar uma característica única do produto anunciado, não resultando da prova ou sequer das alegações da Requerida que o efeito anunciado seja extensível a toda a gama “Baby Dove”,
– Adere-se por isso à tese da Requerente, considerando a apresentação visual de toda a gama “Baby Dove” suscetível de induzir em erro o consumidor quanto à extensão das qualidades anunciadas a todos estes produtos e, também por este motivo, considerar a publicidade em apreço desconforme ao estabelecido na alínea a), do n.º 2, do art.º 9.º do Código de Conduta da Auto-Regulação Publicitária.
– Ainda a Requerida, nas alegações de tom excludente “A demonstração indica como um sabonete comum pode enfraquecer as proteínas e desidratar a pele” e “os sabonetes comuns fazem com que a pele do bebé perca hidratação”, utiliza uma caracterização negativa e sem qualquer prova nos autos que expõe todos os sabonetes sólidos a uma situação de desrespeito junto do consumidor, violando assim o disposto no art.º 16.º do Código de Conduta da Auto-Regulação Publicitária.
Termos em que a Primeira Secção deliberou no sentido de considerar as comunicações comerciais da responsabilidade da Unilever, insertas nos spots publicitários analisados nos autos sob o título “Teste Sabonete Bebé”, e veiculados em suporte digital, desconformes ao disposto nos art.ºs 4.º, 9.º e 12.º do Código de Conduta da Auto-Regulação Publicitária, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – na totalidade ou de forma parcial e seja em que suporte for – enquanto se mantenham os tipos de ilícito apurados pelo JE.
Não se conformou a Unilever com tal veredicto, e interpôs o recurso que ora está em apreço.
Nele sustentou, além do mais, o seguinte:
– O produto anunciado é um produto de limpeza, teoricamente incluído nos chamados sabonetes ou produtos de limpeza de pele.
– Os produtos de limpeza de pele foram concebidos para remover a sujidade, transpiração, o sebo e os óleos da pele. Este desiderato é normalmente atingido através da utilização de surfactantes (também designados tensioactivos), os quais ajudam na remoção da sujidade e na dissolução das gorduras.
– Adicionalmente à remoção de matérias indesejáveis da pele, o processo de limpeza ajuda à promoção da exfoliação normal e, dessa forma, ao rejuvenescimento da pele. Contudo, a interação dos surfactantes de limpeza com o estrato córneo (camada externa da pele), e com as suas proteínas e lípidos pode ser deletério para a pele.
– Os produtos de limpeza de pele não baseados no sabão são comummente designados nesta indústria como “syndets” (synthetic detergentbased bars ou detergentes sintéticos).
– Os produtos de baseados no sabão são normalmente alcalinos por natureza (pH 10), enquanto os syndets (não baseados no sabão) são na maioria neutros ou ácidos (pH 7 ou menor). Estas diferenças de pH têm importantes implicações no que respeita aos danos na pele induzidos pela limpeza.
– O produto Baby Dove é um syndet. Todas as barras de sabonete para bebé comercializadas no mercado português são sabonetes baseados no sabão.
– O sabonete Baby Dove é diferente dos outros sabonetes para lavagem do bebé.
– Ora, como pode ser observado da página 11 do relatório do LIACQ, o sabonete J&J, o sabonete Oleoban e o sabonete Klorane, apresentam em comum os 3 primeiros ingredientes: “Sodium Palmate, Sodium Palm Kernelate, Aqua”
– São sabonetes produzidos a partir da neutralização de ácidos gordos por agentes alcalinos. São sabonetes baseados em sabão.
– Ao invés disso, Dove Baby apresenta “Sodium Lauroly Isethionate, Stearic acid, Sodium Palmitate”.
– Nenhum outro sabonete comercializado em Portugal contém uma combinação destes elementos. Trata-se de uma fórmula única desenvolvida pela Unilever e que até ao momento não encontrou paralelo no mercado.
– O que a Unilever pretendeu transmitir ao consumidor através do anúncio sub judice foi precisamente a diferença das características do produto anunciado face aos sabonetes comuns (e não a um qualquer produto concorrente em particular). A ULJM assumiu, porventura erradamente, que a Primeira Secção do JE estaria familiarizada com o teste Zein reproduzido no anúncio ora em causa, assim como com as características do papel Zein.
– O teste Zein é, na realidade, um protocolo estabelecido de forma sólida, reconhecido pela indústria e pela comunidade científica. Trata-se de um teste desenvolvido por E. Gotte, globalmente aceite, que permite aferir da irritação da pele viva provocada pelos surfactantes ou produtos de limpeza.
– O teste Zein tem sido aceite como um indicador standard da interação entre surfactantes e as proteínas da pele.
– A metodologia é amplamente conhecida e divulgada, encontrando-se descrita nas mais variadas publicações ou fóruns de cosméticos. A título de exemplo, indicou a Recorrente vários sites da Internet.
– A Unilever não baseou os seus claims apenas no protocolo Zein. Tal protocolo é entendido, sem contestação, pela indústria, como sendo adequado a avaliar a irritação na pele humana por produtos de limpeza.
– Para sustentar as alegações utilizadas no seu anúncio, a Unilever juntara na sua contestação dois relatórios de testes; e acha a postura do Júri da Primeira Secção perante os ditos relatórios é, no mínimo, surpreendente.
– É que, segundo ela, não obstante a comprovada performance que aquele teste demonstra no que se refere à característica anunciada (a manutenção da hidratação da pele), o Júri da Primeira Secção considerou o dito estudo científico como insuficiente para efeito da prova dos seus efeitos – uma mera alegação de parte, totalmente desconsiderada.
– O LIACQ é um Laboratório que, desde a sua criação, tem vindo a ser utilizado pelos membros do ICAP como entidade externa independente para a realização de testes relacionados com produtos de limpeza no âmbito dos litígios que lhe são submetidos e que nunca foi posto em causa, quer pelas Secções, quer pela Comissão de Apelo.
– Estranha, pois, o ataque à credibilidade do LIACQ, jamais colocada em causa pelo Júri e/ou pela Comissão de Apelo, e que efetivamente não parece ter qualquer fundamento.
– Quanto à pretensa falta de indicação das normas técnicas seguidas, incorre em erro o Júri da Primeira Secção, porquanto está claríssima no relatório a indicação da metodologia seguida, que consiste na aplicação do teste Zein, desenvolvido por Gotte.
– E os resultados dos testes feitos pelo LIACQ são inequívocos.
– O pH de Baby Dove é praticamente neutro, enquanto o pH dos restantes sabonetes comercializados em Portugal é claramente alcalino. Nem poderia ser outro o resultado, porquanto estes últimos são sabonetes baseados em sabão e Baby Dove é um syndet.
– Por outro lado, o papel Zein reflecte efetivamente a ação dos surfactantes na pele, pelo que não é enganosa a afirmação segundo a qual o dito papel reage como a pele do bebé.
– É por isso manifesto que os sabonetes baseados em sabão têm como efeito o enfraquecimento das proteínas da pele e a sua desidratação.
– A dita afirmação não decorre apenas dos estudos apresentados por ela, Unilever. Trata-se de um facto que, no mundo global atual, é de conhecimento generalizado, pois qualquer pessoa que tenha um mínimo de interesse na escolha de um sabonete, rapidamente acede a um manancial de informação, toda ela no mesmo sentido, a de que um sabonete comum (isto é, baseado no sabão) pode ser prejudicial à pele, desde logo pela desidratação que provoca, apontando, a título de exemplos, vários sites da Internet.
– Quanto ao claim “apenas Baby Dove tem um quarto de creme hidratante que deixa a pele hidratada a cada banho”, a J&J não colocou, na sua queixa, em causa a veracidade da afirmação de que Baby Dove é composto por ¼ de creme hidratante. A J&J sabe que assim é e por isso não o contesta. O que a J&J contestou na sua queixa foi o carácter excludente da afirmação,
– foi por essa razão que a Unilever não sentiu necessidade de reafirmar, na sua contestação, que ¼ da composição do seu produto seria creme hidratante.
Do claim “os sabonetes comuns fazem com que a pele do bebé perca hidratação”.
– O Júri da Primeira Secção incorreu em erro de facto ao encarar o sabonete anunciado como um sabonete comum, quando na verdade o mesmo constitui uma nova geração de sabonetes que, é facto assente na ciência e conhecido dos cidadãos interessados, não produz os efeitos de desidratação que os tradicionais sabonetes à base de sabão produzem.
– A Unilever entende que demonstrou com clareza que as suas afirmações segundo as quais os sabonetes tradicionais provocam a desidratação e o enfraquecimento da pele são conclusões geralmente aceites pela ciência e até pela indústria.
– Entende também que o Júri da Primeira Secção incorreu igualmente em erro de direito, porquanto as provas apresentadas pela Unilever constituíam comprovação suficiente para os claims por si utilizados, pelo que não estaria em causa a violação dos artigos 4.º, 9.º e 12.º do Código de Conduta do ICAP.
– A Primeira Secção do JE considerou que a apresentação, pela Unilever, na parte final do anúncio ora em causa, do sabonete anunciado integrado na gama de produtos Baby Dove induz o consumidor em erro quanto à extensão das qualidades anunciadas a todos os referidos produtos, o que, om toda a subjetividade que a apreciação em causa envolve, a Unilever considera tal interpretação manifestamente errada.
– A Primeira Secção do JE não estaria assim, na sua análise, a considerar o consumidor médio definido pela jurisprudência comunitária e acolhido pelo Código de Conduta do ICAP, uma vez que esse consumidor médio identifica totalmente o produto anunciado e o distingue dos restantes produtos da sua “família”, onde o mesmo é colocado a final.
– Negou ainda a Unilever o carácter denegridor dos claims “a demonstração indica como um sabonete comum pode enfraquecer as proteínas e desidratar a pele” e “os sabonetes comuns fazem com que a pele do bebé perca hidratação”, pois nem a J&J na sua queixa defendeu tal posição, ao considerar as afirmações denegridoras apenas na medida em que (considerava a J&J) estava em causa publicidade comparativa aos seus produtos e não ao conjunto dos sabonetes sólidos (como defende a decisão recorrida).
Terminou requerendo que a Comissão de Apelo do JE revogue a decisão da sua primeira secção e a substitua por uma outra que declare a conformidade da campanha sub judice com as supra referidas normas de conduta.
Em resposta, a J&J alegou resumidamente o seguinte.
– Mantém as alegações apresentadas na queixa apresentada junto do JE, dando-se as mesmas por reproduzidas, centrando a sua resposta somente nas questões apontadas no recurso da Unilever com relevância para a avaliação pela Comissão de Apelo.
– No que ao princípio da veracidade respeita, é sobre a informação e alegações veiculadas na comunicação comercial objeto de queixa que cumpre ao JE avaliar a veracidade das mesmas face à prova demonstrada. (cfr. artigo 12.º do Código de Conduta).
– A avaliação do JE ou da Comissão de Apelo não recai sobre os dados, características e a informação carreada ao processo pelo anunciante.
– A avaliação do JE ou da Comissão de Apelo recai sobre a falta, ou não, de demonstração da veracidade das alegações veiculadas através da comunicação comercial.
– Em caso de ausência ou insuficiência de prova, as alegações presumem-se inexatas, sendo a comunicação considerada desconforme por violação do princípio da veracidade.
– Caberia à UNILEVER fazer a demonstração da veracidade das alegações veiculadas nas comunicações comerciais em análise.
– Contudo, a Unilever não fez prova, nos autos, como obriga os artigos 9.º e 12.º do Código de Conduta e o artigo 10.º do Regulamento do JE, da exatidão das alegações veiculadas.
– Não há qualquer correspondência entre as alegações efetuadas e as conclusões dos testes e estudos submetidos pela Unilever para demonstração da veracidade daquelas.
– No caso do estudo da Unilever conduzido pelo laboratório Hill Top Research HTR foi, mediante visualização e instrumental, avaliada a hidratação, qualidade da barreira cutânea, secura e eritema da pele, tendo o mesmo concluído que o produto Baby Dove seria superior face aos produtos J&J em determinadas países (África do Sul, Reino Unido e Índia), tendo este estudo sido feito exclusivamente em adultos compreendidos entre os 33 e 65 anos de idade.
– Como tal, este estudo não é adequado e é insuficiente para demonstrar a veracidade de qualquer das alegações transmitidas nas mensagens.
– O estudo incide sobre adultos, localizados em determinados países (que aparentemente não inclui Portugal) e tem apenas por base de comparação os produtos J&J, pelo que será, sem outra informação adicional, abusiva a extrapolação das respetivas conclusões para um universo mais alargado de produtos e marcas.
– Tanto assim é que é a própria Unilever que, na sua contestação, e refutando o sustentado pela J&J, rejeita que, no caso em apreço, esteja em causa publicidade comparativa com um produto da J&J, antes afirmando que visou comparar com a generalidade dos sabonetes. Logo, é a própria Unilever que reconhece que esta alegação não é feita nas comunicações comerciais em análise.
– Nenhuma das alegações veiculadas nos spots publicitários referir que o produto Baby Dove é superior ao produto J&J, como pretensamente demonstraria o estudo apresentado.
– O mesmo se dirá em relação ao estudo do Laboratório Inovador em Análise de Controlo de Qualidade (“LIACQ”).
– Nenhuma das alegações veiculadas nos spots publicitários refere ou faz alusão ao valor pH dos produtos ou até à metodologia Zein.
– Não é verdade – ou certamente é discutível – que o teste ou o papel Zein seja reconhecido pela indústria ou comunidade científica como equivalente à pele dos humanos em termos de irritação, pois não é tecnicamente adequado para medir o nível de hidratação por não ser um indicador exato das características de desidratação das barras de sabão.
– Por outro lado, existem estudos que indicam que o teste de Zein não é um bom indicador da irritação da pele. Por exemplo, de acordo com um estudo descrito no artigo que a J&J agora junta como Doc 1, o teste de Zein produziu a pior/menor exata correlação com os resultados in vivo.
– E do mesmo modo, um estudo mais recente, que junta como Doc 2 destaca que pode não ser relevante a interação entre o surfactante e as proteínas do estrato córneo.
– Acresce que o consumidor não é informado sobre o tipo de papel ou metodologia utilizada na comparação que é efetuada nos spots publicitários.
– Quando confrontado com o anúncio e teste divulgado pela Unilever, atenta a alegação de que o papel reage como a pele do bebé, é levado a crer que esta se degrada com a utilização do sabonete comum e que tal não sucede com Baby Dove – apenas e só.
– A alegação é, assim, inexata, sendo, por isso, suscetível de induzir em erro o consumidor, pelo que o recurso à mesma viola o princípio da veracidade.
– A Unilever defende que esta alegação “a demonstração indica como um sabonete comum pode enfraquecer as proteínas e desidratar a pele” mais não é do que a reprodução de um facto conhecido e aceite mundialmente, mas nenhum dos estudos – em que se pretende suportar a demonstração da veracidade – contém a afirmação vertida e plasmada na citada alegação.
– O estudo avalia a diferença de pH dos sabonetes comuns por comparação ao produto Baby Dove, facto que não chega sequer a ser alegado, em momento algum da comunicação comercial da Unilever é veiculado qualquer tipo de informação quanto à diferença de pH entre o produto Baby Dove e os demais sabonetes. Por outro lado, e como salientado anteriormente, não há uma correlação entre a informação obtida através dos testes da proteína Zein e a característica da hidratação alegada pela Unilever.
– A utilização da referida alegação de modo ambíguo cria no consumidor a ideia errada de que o sabonete Baby Dove não enfraquece as proteínas, nem desidrata a pele, o que, como afirmação genérica, não corresponde à verdade, pois, em teoria, todos os produtos de limpeza podem ter este efeito na pele.
– A visualização da linha inteira de produtos marca Dove seguida da expressão “pele hidratada a cada banho”, acrescido ao que foi já visualizado e transmitido na comunicação comercial ao consumidor, tem como efeito imediato o transporte das alegações feitas a propósito de um único produto para todos os demais, pelo que são suscetíveis de induzir em erro o consumidor ao tentar imprimir em todos os produtos da linha Baby Dove as características supramencionadas para o Baby Dove sabonete.
– As alegações analisadas, segundo a J&J, têm, no seu conjunto, o intuito de descredibilização dos “sabonetes comuns” junto dos destinatários da mensagem, apresentando estes produtos como agentes de desidratação e de enfraquecimento das proteínas presentes na pele de bebé.
– A Unilever ao referir apenas os sabonetes comuns como causadores da perda de hidratação, exclui desta generalização o seu produto Baby Dove, denigrindo a sua imagem e violando o disposto no artigo 16.º do Código de Conduta.
– A junção pela Unilever dos artigos, comentários e opiniões apresentados nos pontos 29 e 58 do recurso deveria ter sido documentação junta com a contestação (cfr. n.º 5 do artigo 15.º do Regulamento do JE).
Termos em que requereu que seja confirmada a deliberação, objeto de recurso interposto.
2. Questões adjetivas
Suscita-se apenas a seguinte questão adjetiva, como prévia à decisão do mérito da causa.
Devem ser aceites como provas, os documentos apontados ou juntos pelas partes na fase de recurso? O nº 5 do art. 15º do Regulamento deste Júri de Ética estabelece que, na fase de recurso para a Comissão de Apelo, «apenas serão admitidas novas provas se comprovadamente não puderam ter sido apresentadas perante a Secção.».
Não é esse o caso da indicação dos sites da Internet feita, no requerimento de recurso, pela Unilever. Mesmo que se entendesse que essa simples indicação serviria, em si, de prova, o que nunca seria de admitir nessa generalidade e abstração, ainda assim ela sempre poderia ter sido feita perante a Secção. É que tal indicação aponta para uma tarefa que é ónus probatório do anunciante: a prova da veracidade dos claims publicitários. E a questão de tal veracidade fora suscitada logo na queixa com que se iniciou o presente litígio.
Já no que toca ao doc. 1 junto pela J&J na resposta ao presente recurso, deve reconhecer-se que não podia ter sido junto com a queixa. Isto porque se destina a fazer prova de que o teste Zein não corresponde bem a resultados de testes feitos ao vivo, e não seria exigível à J&J que, quando a apresentou, soubesse que a Unilever iria invocar, na contestação, o teste Zein.
No apuramento da matéria de facto levar-se-á em consideração este documento I junto pela Recorrida, mas não o conteúdo dos sites para onde remete o requerimento de recurso.
3. Mérito da causa
Dá-se como adquirido, por incontroverso, que está em causa, no presente processo, a publicidade veiculada pela Unilever, acessível pelo canal Youtube, em dois spots publicitários.
Os seus termos podem descrever-se, para efeitos da decisão do presente litígio e com alguma sintetização, nos moldes semelhantes aos que o fez a Primeira Secção, na deliberação recorrida, ou seja:
– Os spots iniciam-se com o texto «As mães têm a sua forma de testar tudo.»
– Segue-se uma série de imagens de uma mãe a verificar um aparelho, medir a temperatura da água do banho e do leite do biberão, e.o. ouvindo-se o seguinte: «As mães têm a sua própria forma de testar tudo. Mas será que testam o sabonete do seu bebé?»
– É mostrado um papel colorido em forma de pato que é colocado sobre um sabonete identificado como sabonete Baby Dove que surge ao lado de outro sabonete, de forma retangular e identificado como sabonete comum para bebé.
– De seguida a imagem mostra quatro sabonetes alinhados, todos com o referido papel colorido em forma de pato, em que o primeiro se apresenta como o sabonete “Baby Dove” e os restantes “sabonete comum” mostrando a imagem um esbatimento progressivo da coloração do papel nos três sabonetes comuns, mantendo o sabonete “Baby Dove” a coloração.
– Passa depois para uma imagem de dois sabonetes, em que de novo o sabonete “Baby Dove” surge com o papel com coloração intensa e o “sabonete comum” totalmente descolorado. Acompanha a seguinte mensagem de texto: «A demonstração indica como um sabonete comum pode enfraquecer as proteínas e desidratar a pele».
– Ouvem-se as seguintes alegações: «Este papel reage como a superfície da pele do seu bebé. Os sabonetes comuns fazem com que a pele do bebé perca hidratação. O novo sabonete Baby Dove é diferente. Apenas “Baby Dove” tem um quarto de creme hidratante que deixa a pele do bebé hidratada a cada banho».
– Surge a imagem do sabonete Baby Dove acompanhada do texto «Pele hidratada a cada banho», passando depois uma imagem com vários produtos da gama “Baby Dove” com a alegação «A melhor forma de cuidar à sua maneira».
Também se entende fixado que os claims a considerar para escrutínio por este JE, são os seguintes:
a) – que o papel da imagem é “reage como a superfície da pele do seu bebé”
b) – que “a demonstração indica como um sabonete comum pode enfraquecer as proteínas e desidratar a pele”
c) – que “apenas Baby Dove tem um quarto de creme hidratante que deixa a pele hidratada a cada banho”
d) – que “os sabonetes comuns fazem com que a pele do bebé perca hidratação”.
As questões fundamentais que se suscitam sobre estes claims, no seu enquadramento nos referidos spots, são as de saber:
(i) – se o anunciante, a Unilever, fez nos autos prova da veracidade dos ditos claims;
(ii) – se a extensão pela Unilever da mensagem aplicável ao sabonete a toda a gama de produtos é suscetível de induzir o consumidor em erro;
(iii) – se a referida publicidade é denegridora da concorrência, nomeadamente dos produtos da J&J.
3.1. Os variados argumentos doutamente invocados e trocados entre as partes sugerem que, destas questões, a mais decisiva é a primeira, a qual passa por isso, de imediato, a ser abordada.
Os principais problemas que nessa questão se põem são, por um lado, o de avaliar se aos testes juntos pela Unilever com a sua contestação deve ser à partida ser atribuída tal eficácia comprovativa, pelo outro lado, se os resultados desses testes apontam mesmo para confirmação de todos os elencados claims.
Quanto ao primeiro, dir-se-á desde logo que a apreciação concreta da credibilidade que mereçam os autores dos estudos e testes técnicos que as partes frequentemente juntam com vista à prova da realidade do que alegam na publicidade, se entende como não afetando o princípio de liberdade da apreciação da prova. Tal apreciação deve ser sempre feita numa perspetiva casuística, em face da situação concreta. E posto que deva ter em conta o que noutros casos se julgou, não deverá conduzir à credenciação geral de quaisquer instituições, laboratórios ou investigadores. Isto ainda que em quaisquer outros casos se tenham aceite como credíveis os veredictos de tais instituições. A dita apreciação terá de levar em conta, não qualquer presunção de credibilidade emergente de alguma decisão anterior do JE que a tenha aceite, mas sim as circunstâncias que ocorrem em cada caso concreto.
Esta Comissão de Apelo não se acha pois vinculada por deliberações anteriores, cujo itinerário do raciocínio jurídico no respetivo caso haja passado pelo valor positivo ou negativo que tenha sido, nesse caso, reconhecido a tais entidades técnicas.
Acresce que a eficácia probatória, nestes processos submetidos ao JE, tem em vista, não tanto a realidade dos factos, mas sim a suficiência de determinados estudos ou testes para ilidirem, no caso concreto, pela forma processual que se acha estabelecida, a presunção de não-veracidade dos claims. O ónus de provar a dita realidade é de quem emite o claim.
A prova pode ser positiva e, no entanto, não ser suficiente. Cabe ao anunciante recorrer a elementos complementares dessa prova, não só relativos aos factos, mas também à própria credibilidade dos estudos e testes e dos seus autores.
No presente caso, a Primeira Secção entendeu que tanto o teste levado a cabo pelo Laboratório Hill Top Reseach HTR, como o efetuado pelo LIACQ são insuficientes. E são de considerar pertinentes tanto esse entendimento como as razões que o alicerçam, patentes na falta de uma ampla exposição e comprovação da metodologia seguida e pela ausência, nos autos, de prova, de outras proveniências, que reforce os resultados desses trabalhos.
Para mais, o segundo problema atrás referido, de saber se o conteúdo de tais testes legitima objetivamente falando, o reconhecimento da veracidade dos claims em causa, também foi bem exposto e fundamentado pela Primeira Secção. Haja em vista, por exemplo o que resulta do teste Zein, que não coincide com o que verdadeiramente estava em questão em alguns dos citados claims.
Não merece pois censura, nesse particular, a deliberação recorrida.
3.2. Em causa está também saber se a extensão pela Unilever da mensagem aplicável ao sabonete a toda a gama de produtos é suscetível de induzir o consumidor em erro.
Tal como a publicidade sob escrutínio é apresentada, é de considerar também que a mensagem, tal como é captada pelo consumidor médio, transcende mesmo a realidade que a Unilever invocou ter sido comprovada pelos testes que juntou. A apresentação visual de toda a gama “Baby Dove” é suscetível de induzir em erro o consumidor quanto à extensão das qualidades anunciadas a todos os produtos da gama “Baby Dove”, levando a acreditar que toda ela beneficia das qualidades especiais faladas nos spots.
Nessa medida estamos também perante uma ambiguidade suscetível de induzir em erro, prevista no nº 2 do art. 9º do Código de Conduta mencionado, como bem entendeu a Primeira Secção.
3.3. Falta abordar o problema da denegrição.
Ora, também pelas razões expostas pela Primeira Secção, haverá que reconhecer que ela teve bom fundamento para entender que a publicidade sub judice, embora não integrando o conceito de comparativa, se apresentou como publicidade “excludente”, feita pela negativa.
E, nessa medida, não estando provados os claims onde essa exclusão foi afirmada, e importando esta uma denegrição de quaisquer produtos da concorrência, fere igualmente o referido Código de Conduta, nomeadamente o art. 16º.
4. Decisão
Nestes termos, delibera esta Comissão de Apelo negar provimento ao recurso, uma vez que a publicidade em questão, tal como foi veiculada nos spots aludidos, viola as normas constantes dos art.ºs 4.º, 9.º, 12.º e 16.º do Código de Conduta da Auto-Regulação Publicitária, pelo que decidiu bem a Primeira Secção na deliberação ora recorrida, a qual deve ser, por isso, inteiramente mantida.».
Lisboa, 7 de Julho de 2017
Maria do Rosário Morgado
Presidente da Comissão de Apelo
Augusto Ferreiro do Amaral
Vice-Presidente da Comissão de Apelo
Clara Moura Guedes
Vice-Presidente da Comissão de Apelo