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3J / 2018 – Recurso :: VPMS – Águas e Turismo e Super Bock Bebidas vs. Sumol + Compal

3J/2018

Recurso

VMPS – ÁGUAS E TURISMO, S.A. e SUPER BOCK BEBIDAS, S.A.
vs.
SUMOL+COMPAL MARCAS, SA.

 

COMISSÃO DE APELO

Proc. n.º 3J/2018

 

I – RELATÓRIO

VMPS – ÁGUAS E TURISMO, S.A., sociedade anónima, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Vila Pouca de Aguiar, com o número Único de Matrícula e de Pessoa Colectiva 501.887.644, com sede em Pedras Salgadas, Vila Pouca de Aguiar e com o capital social de € 500.000,00 (doravante designada, abreviadamente por VMPS),
e
SUPER BOCK BEBIDAS, S.A., sociedade anónima, matriculada na Conservatória do Registo Comercial do Porto, com o número Único de Matrícula e de Pessoa Colectiva 505.266.202, com sede à Via Norte, Leça do Balio, Matosinhos e com o capital social de € 38.500.000,00 (doravante designada, abreviadamente por SBB),

vêm recorrer para esta Comissão de Apelo, da deliberação de 10 de Outubro de 2018, da 1ª Secção do Júri de Ética da Auto Regulação Publicitária que julgou procedente a queixa apresentada por SUMOL+COMPAL MARCAS, S.A., e determinou que deveriam cessar de imediato as menções publicitárias inscritas nas embalagens dos produtos e nos demais suportes, não devendo ser repostas, total ou parcialmente, seja em que suporte for, relativamente à comunicação comercial difundida nos suportes televisão, outdoors, meios digitais, rótulos das embalagens, materiais de ponto de venda e relativa à bebida “Águas das Pedras Sabores”, nas variedades Limão, Frutos Vermelhos e Maçã e, doravante abreviadamente designada por “Produto”, por alegada violação dos n.ºs 1, 2. 3 e 4 do artigo 7º do Regulamento nº 1169/2011, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, dos artigos 9.º, n.º 1 do Código de Conduta da Auto-Regulação Publicitária (“ARP”) e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º do Código da Publicidade.

1.1.- Queixa. 

A queixa apresentada pela SUMOL+COMPAL MARCAS, S.A., nos termos do Regulamento do Júri de Ética Publicitária, contra SUPER BOCK BEBIDAS, S.A., pessoa coletiva n.º 505 266 202, com sede na Via Norte, 4465-764 Leça do Balio, produz e comercializa o produto com a marca “ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES”, tem os seguintes fundamentos:

A SUPER BOCK BEBIDAS, S.A., produz e comercializa o produto com a marca “ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES”, nas variedades Limão, Frutos Vermelhos e Maçã, encontrando-se a ser vendida através das cadeias de grande distribuição, hotéis, restaurantes, cafés e pastelarias, e a ser amplamente publicitada.

A bebida “ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES” consiste, de acordo com a informação transmitida pela própria marca:

i. Limão: “de uma bebida à base de água mineral natural com gás e ingredientes 100% naturais, com um sabor suave e refrescante a limão

ii. Frutos Vermelhos: “de uma bebida à base de água mineral natural com gás e ingredientes 100% naturais, com um sabor suave e refrescante a frutos vermelhos (framboesa e morango), conhecidos pelas suas propriedades antioxidantes

iii. Maçã: “de uma bebida à base de água mineral natural com gás e ingredientes 100% naturais, com um sabor leve e refrescante a maçã” É feita menção na respetiva embalagem a “PEDRAS – (SABOR) – INGREDIENTES 100% NATURAIS”.
Constam, ainda, do verso das referidas embalagens, os seguintes ingredientes:

iv. PEDRAS LIMÃO
“Água Mineral Natural Gasocarbónica, frutose, extrato de frutos, sumo de limão (2,1%) e maçã (0,2%) obtido a partir de um produto concentrado, acidificante (ácido cítrico), aroma natural de limão”
cfr. documento n.º 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.

v. PEDRAS FRUTOS VERMELHOS“ Água Mineral Natural Gasocarbónica, frutose, extrato de frutos, sumos de framboesa (1,15%), maçã (0,7%), pera (0,5%) e morango (0,18%) obtidos a partir de um produto concentrado, acidificante (ácido cítrico), aromas naturais”
cfr. documento n.º 1 já junto.

vi. PEDRAS MAÇÓÁgua Mineral Natural Gasocarbónica, frutose, extrato de frutos, sumo de maçã obtido a partir de um produto concentrado (1,94%), acidificante (ácido cítrico), aroma naturais”
cfr. documento n.º 1 já junto.

Trata-se, pois, de uma bebida refrigerante de extratos vegetais com água mineral gasocarbónica, contendo frutose, extratos de frutos obtidos de produtos concentrados, acidificantes e outros ingredientes comunicados ao consumidor. A referida sociedade encontra-se a fazer uma ampla comunicação publicitária, com presença em televisão, outdoors, meios digitais, rótulos, materiais de ponto de venda, ao referido produto “ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES”.

Ora, a publicidade feita é falsa e enganosa, tendo sido elaborada de modo a, voluntariamente, induzir o consumidor em erro a respeito das características essenciais do produto, pretendendo dar deste uma falsa ideia de naturalidade, quando, na realidade, a bebida contém frutose e ácido cítrico, que não são ingredientes naturais.

A utilização da palavra natural associada aos ingredientes presentes na fórmula da ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES, nomeadamente FRUTOSE e ÁCIDO CITRICO, é errada e enganosa.
A utilização do termo natural para descrever produtos ou ingredientes que “nascem” de processos químicos de extração e purificação, como os acima referidos, de forma a realçar e preservar sabores, alterar a cor dos líquidos, regular o respetivo PH, mascarar o gosto desagradável de alguns compostos, neutralizar o paladar doce e acidificar o seu sabor, é enganador.

Tendo esta bebida ingredientes não naturais, a utilização da denominação “INGREDIENTES 100% NATURAIS” é manifestamente abusiva.

As utilizações das referidas alegações comprometem as práticas leais de informação ao consumidor (onde se inclui a publicidade), como previsto no artigo 7º do Regulamento nº 1169/2011, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios.

Para além do exposto, a publicidade veiculada viola de forma evidente o princípio da veracidade constante do Código do ICAP e do Código da Publicidade, aprovado pelo Decreto-lei n.º 330/90, de 23 de outubro.

Conclui pedindo que:

a) que seja ordenada a imediata interrupção da publicidade veiculada a respeito do Produto “ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES”, nas suas diversas formas e suportes;

b) que seja emitido o entendimento de V. Exas. a respeito da falta de adequação do rótulo aos princípios da comunicação publicitária;

c) que seja ordenado o respeito da decisão de V. Exas., abstendo-se aquelas de divulgar as campanhas que oram se contestam, quer parcial, quer totalmente, seja em que suporte for.

1.2.- Contestação à queixa. 

Foi apresentada pela VMPS – ÁGUAS E TURISMO, S.A.  e pela  SUPER BOCK BEBIDAS, S.A., contestação relativamente à queixa, nos seguintes termos essenciais.

A Super Bock Bebidas, S.A. não produz nem é a detentora da marca “Água das Pedras Sabores”.

As marcas “Pedras” ou “Água das Pedras” são marcas detidas pela sociedade VMPS – Águas e Turismo, S.A. (doravante VMPS) que as produz.

As águas das Pedras nos seus vários sabores, são, de facto, constituídas à base de água mineral natural com gás e com ingredientes 100% naturais.

O uso da terminologia “natural” na menção “ingredientes 100% naturais” não se aplica no âmbito do Regulamento (EU) 1924/2006, de 20 de Dezembro, de 2006, relativo às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos.

Em conformidade com o artigo 2.º, do Regulamento (EU) 1924/2006, entende-se por «alegação nutricional», qualquer alegação que declare, sugira ou implique que um alimento possui propriedades nutricionais benéficas, sendo que as alegações nutricionais autorizadas são as constantes do anexo. Neste contexto, a terminologia “natural” pode acompanhar uma alegação nutricional das presentes no anexo quando preencha naturalmente essa condição.

A VMPS nestes seus produtos não altera a cor dos líquidos; não regulariza o pH e não mascara o gosto desagradável de compostos.

Não existe qualquer definição na legislação nacional ou europeia sobre a terminologia “Natural”. Contudo, existem linhas orientadoras sobre a utilização do termo natural definidas pela DGFCQA em 2005 (Direção-Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar) – (Doc. 1).

Contrariamente ao que alega a S+C – e não ao que faz – o ácido cítrico e a frutose são elementos naturais, pelo menos na origem.

São produtos obtidos da natureza ou constituídos por ingredientes produzidos pela natureza, isentos de produtos químicos ou ingredientes que contenham produtos químicos tais como aditivos e aromatizantes resultantes de processos químicos.

Nem a frutose nem o ácido cítrico nascem de processo químicos!!!

Nem a VMPS nem a SBB induzem em erro o consumidor, nem prestam informações erradas ou inexactas.

As informações prestadas são verdadeiras quer quanto à natureza quer quanto às características dos produtos.
Nem sequer se pode extrair da comunicação da VMPS e SBB que todos os ingredientes são 100% naturais, ou seja, que 100% dos ingredientes são 100% naturais.

Concluem no sentido de dever ser julgada improcedente, por não provada a queixa formulada pela Sumol+Compal Marcas, S.A., devendo, em consequência, esse Júri abster-se de deliberar no sentido requerido pela Queixosa.

1.3. – Decisão recorrida (1ª Secção do Júri de Ética).

A 1ª Secção do Júri de Ética do Instituto da Auto Regulação Publicitária julgou procedente a queixa apresentada com base nos seguintes fundamentos essenciais:

Para efeitos da apreciação da questão sub judice e tendo presente que a entidade que produz o produto, que é proprietária do mesmo e detentora da marca “Pedras” optou por se coligar com a entidade que comercializa o Produto, afigura-se para este JE que as partes se encontram devidamente identificadas.
Por outro lado, quanto à marca, ainda que a mesma não se encontre registada, o produto apresenta-se com o nome comercial de “Água das Pedras Sabores”, inequivocamente um produto da família “Água das Pedras”, perfeitamente identificado na queixa e reconhecido pela Requerida como seu.

Qualquer vício quanto a esta matéria se encontra sanado, considerando as partes legítimas, na sua qualidade de Anunciantes – a pessoa singular ou coletiva no interesse de quem se realiza a publicidade”. (Cfr. artigo 5.º, n.º 1, alínea a) do Código da Publicidade) e que o objeto da mensagem comercial – o produto – é reconhecido pelas mesmas pelo seu nome comercial: “Água das Pedras Sabores” ou “Pedras Sabores”.

O claim em análise e que delimita a questão controversa prende-se com a utilização da expressão “Ingredientes 100% naturais” patente nos rótulos das garrafas do produto, nas embalagens de cartão, materiais de ponto de venda e em toda a comunicação comercial difundida nos suportes televisão, outdoors e meios digitais. Já a expressão “natural” utilizada que surge no spot difundido nos suportes televisão e meios digitais, no contexto em que surge, associado a outras expressões como “Fresca”, “Divertida”, “Leve” e com um fundo musical que associa palavras do mesmo estilo, não parece a este júri que possa ser entendida como um apelo à naturalidade do produto e que esteja em crise neste pleito.

Quanto à questão da utilização da frutose e do ácido cítrico na composição do produto, não são apenas estes dois ingredientes que estão em causa, mas de todos os que são utilizados na elaboração do produto nos seus diferentes sabores.

Nem no rótulo do produto, nem na informação ao consumidor se conseguem descortinar todos os tratamentos a que os ingredientes foram sujeitos.

É diferente afirmar que um produto é feito com ingredientes naturais ou afirmar que é feito com “100% de ingredientes naturais”.

O termo “NATURAL” só deve ser utilizado pelos produtos constituídos apenas por ingredientes naturais”.

“100% Naturais” significa, consequentemente, para o consumidor médio que os ingredientes são naturais no sentido de não terem sofrido quaisquer modificações ou intervenções, ou seja, provêm diretamente da natureza sem qualquer intervenção humana, isento de produtos químicos ou ingredientes que contenham produtos químicos.

A requerida não logrou fazer prova que todos os ingredientes são 100% naturais na aceção que este JE já referiu, sendo certo que, apenas, se todos fossem efetivamente 100% naturais quando adicionados podia o produto ser publicitado nos termos já descritos e nos suportes referidos, nomeadamente na embalagem.

Aliás a própria Requerida acaba por reconhecer que “os ingredientes são naturais na origem”, mas não consegue afirmar que todos continuam 100% naturais – no sentido já referido – no produto final, nos seus diferentes sabores.

Existe uma enorme probabilidade do consumidor médio considerar que todos os ingredientes são 100% naturais – na aceção de proveniente diretamente da natureza sem qualquer intervenção humana ou química- sendo, consequentemente, induzido em erro quanto às características essenciais do produto, nas suas diferentes variantes de sabores, sendo por isso publicidade enganosa nos termos do n.º 1 e da alínea a), do n.º 2, do art.º 9.º do Código de Conduta do ICAP e do artigo 7.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Regulamento n.º 1169/2001 (UE), do Parlamento e do Conselho, de 25 de outubro, relativo à prestação de informação aos consumidores sobre géneros alimentícios, nos termos das quais “…a informação sobre os géneros alimentícios não deve induzir em erro, em especial no que respeita às características do género alimentício e, nomeadamente, no que se refere à sua natureza, identidade, propriedades, composição, quantidade…” (a) “Sugerindo que o género alimentício possui características especiais quando todos os géneros alimentícios similares possuem essas mesmas características evidenciando, especificamente, a existência ou inexistência de determinados ingredientes e/ou nutrientes.”

1.4. -Recurso.

Não se conformando a com esta deliberação e dela foi interposto o presente recurso, alegando, em síntese:

i. A queixa submetida à apreciação do JE por parte da Sumol+Compal tinha como Requerida a ora Recorrente SBB que, conforme demonstrado à saciedade, não é detentora das marcas “Pedras” e “Água das Pedras”, produtor ou anunciante;

ii. A SBB é parte ilegítima, pelo que a exceção dilatória invocada deveria ter sido julgada procedente e, em consequência, a SBB absolvida do pedido contra si formulado;

iii. Contrariamente a todos os princípios e normas que compõem o direito português e, bem assim o Regulamento do JE, a Primeira Secção do JE veio a julgar sanada a exceção dilatória referida com base na apresentação conjunta de contestação;

iv. A apresentação de contestação não constitui, nem poderá ser interpretado como constituindo um ato com capacidade jurídica para sanar um vício formal;

v. Nem tão-pouco a Primeira Secção do JE poderia, no âmbito da decisão prolatada, deixar de se reger pelo princípio do dispositivo e da segurança jurídica ou desconsiderar os direitos fundamentais das partes processuais;

vi. Resulta do exposto que a decisão da Primeira Secção do JE padece de um vício que não poderá deixar de merecer o reparo e correção por parte da Comissão de Apelo para salvaguarda dos princípios constitucionais e segurança das decisões proferidas pela ARP;

vii. A queixa apresentada pela Sumol+Compal, não encontra fundamento fáctico ou jurídico atendível, tendo as Recorrentes deixado claro em sede de contestação que os motivos que movem a Sumol+Compal se fundam em práticas de concorrenciais agressivas que têm como desígnio último a limitação de toda e qualquer comunicação sobre a naturalidade do produto “Água das Pedras” Sabores, devido ao lugar que esta ocupa no panorama nacional.

viii. Contrariamente ao entendimento propugnado pela Primeira Secção do JE, não estamos aqui perante um caso de publicidade enganosa, pois a interpretação do claim publicitário apenas poderá encontrar fundamento no seu elemento literal.

ix. Em momento algum é alegado que todos os ingredientes são naturais, mas apenas e somente que o produto tem ingredientes naturais, constituindo tal interpretação um deturpado e capcioso argumento da Sumol+Compal que, crê-se, induziu em erro a Primeira Secção do JE.

x. Com efeito, não pretende a Recorrente e momento algum induzir o consumidor em erro, dado que a afirmação utilizada é de facto verdadeira.

xi. Desconformemente ao entendimento do JE da ARP, face ao exposto, não existe motivo que justifique a retirada do mercado de todas as referências ao claim “Ingredientes 100% Naturais” associados ao Produto, pois o mesmo possui mesmo ingredientes totalmente naturais, em particular e de especial importância, a denominada “Água das Pedras”.

xii. A “Água das Pedras” é uma água com particularidades únicas amplamente reconhecidas não apenas em Portugal, mas internacionalmente, e constitui um elemento diferenciador no mercado português.

xiii. A Recorrente VMPS não utiliza ácido cítrico e frutose fabricados quimicamente, mas sim produzidos em respeito pela sua naturalidade, conforme declarações emitidas pelos produtores e juntas aos autos em sede de contestação.

xiv. O ácido cítrico e a frutose, sendo produtos naturais na sua origem, considerando os métodos de fabrico utilizados pelos produtores, não perdem a sua qualidade de naturais.

Tal entendimento encontra-se perfeitamente alinhado com a orientação Direção Geral de Fiscalização e Controlo da Qualidade Alimentar, única em Portugal sobre a matéria em referência.

Nestes termos, e nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se, em consequência, a decisão recorrida e declarando a Super Bock Bebidas, S.A. parte ilegítima.

Caso assim não se entenda, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, revogando-se, em consequência a decisão que declarou o claim publicitário “Ingredientes 100% naturais” violador do disposto no n.º 1 e 2, alínea a) do Código de Conduta da ARP e 7.º, n.º 1, alínea a) e c) e n.º 4 do Regulamento n.º 1169/2001 (UE), julgando o mesmo conforme à legislação aplicável.

1.5.- Resposta ao recurso. 

A SUMOL apresentou contra-alegações no recurso, concluindo nos seguintes termos:

A. A douta Decisão deve ser integralmente mantida por não merecer qualquer censura, já que revela inabalável acerto, encontrando-se, aliás, fundada em expressa e suficiente motivação e bem assim, porque procede ao respetivo enquadramento de direito com modelar clareza e correção.

B. Não se vislumbra eventual ilegitimidade passiva, que, a ter existido, o que não se concede, logo teria sido sanada pelas ora Recorrentes, com a sua livre e espontânea intervenção processual, motivada na sua conjunta Contestação, subscrita mediante procuração emitida a favor dos mesmos ilustres mandatários.

C. Ademais, mal se andaria, perante este processado de fim público, cujo ratio pretende a proteção do consumidor contra as práticas lesivas do consumo e da publicidade enganosa, se a deliberação do artifício utilizado ficasse a aguardar por nova reclamação em tudo idêntica.

D. Realça-se que ambas as Recorrentes beneficiaram do contraditório, deduziram as suas oposições, sem qualquer entrave de ordem factual ou outro, configurando-se os factos enganosos como prejudiciais ao consumidor.

E. Resulta de forma clara e inequívoca que a informação veiculada na publicidade e nos rótulos do produto induz efetivamente em erro quanto à natureza ou composição do refrigerante “Água das Pedras Sabores”.

F. O claim utilizado sugere que o refrigerante é composto exclusivamente por ingredientes naturais (ingredientes 100% naturais), quando, afinal, é também composto por ingredientes que não são naturais.

G. E, ainda, falsamente, através da aparência, da descrição e de imagens, a presença exclusiva de ingredientes naturais, quando, na realidade, contém ingredientes que não o são.

H. A Recorrida solicitou a realização de um estudo sobre a perceção dos portugueses sobre o claim “100% ingredientes naturais”.

I. Retira-se do estudo, ao contrário do que as Recorrentes referem, e sufragando o entender da Queixosa e do Júri de Ética, que, quanto à expressão “Ingredientes 100% naturais”: a. 55% avaliam que esta indica que a bebida só contém ingredientes 100% naturais; b. 45% avaliam que esta indica que a bebida contém alguns ingredientes 100% naturais e outros não naturais.

J. A opinião expressa pela maioria dos inquiridos é significativamente superior à que sufragam as Recorrentes.

K. A mensagem constante da publicidade veiculada não é verdadeira, explorando de forma manifesta e inaceitável a falta de conhecimento dos consumidores com o conseguido propósito de os induzir em erro.

L. A douta Decisão não se mostra inquinada de qualquer vício ou erro, devendo ser integralmente mantida sem qualquer alteração, e sequentemente, o recurso ser julgado improcedente, como é de inteira Justiça.

Termina pedindo que o Recurso seja julgado improcedente e, em consequência, se mantenha a douta Decisão recorrida, que não deve ser revogada.

II – Apreciação jurídica do mérito do recurso.

2.1. Questões adjetivas.

Alega a recorrente Super Bock Bebidas, S.A., que não produz nem é a detentora da marca “Água das Pedras Sabores”, a qual é detida, sim, pela sociedade VMPS – Águas e Turismo, S.A., que se dedica a essa mesma produção.

Logo, a queixa apresentada não lhe diz processualmente respeito, não lhe assistindo legitimidade para ser demandada.

Apreciando:

Constitui um facto público e notório que o produto comercialmente conhecido como “Águas das Pedras Sabores” se integra no grupo (digamos  família empresarial) das “Água das Pedras” de que a Super Bock Bebidas, S.A., é anunciante e detentora do registo da respectiva marca.

Basta para este efeito consultar o site “www.superbockgroup.com”.

Compreende-se por conseguinte que a presente queixa tenha sido apresentada pela Sumol + Compal Marcas, S.A., contra esta entidade (sua principal concorrente no mercado nacional de bebidas), ainda que formalmente o produto em referência se encontre afinal registado em favor de outra.

De todo o modo, havendo a VMPS- ÁGUAS DE TURISMO, SA, intervindo e aderido espontaneamente ao presente recurso – o que só por si, é perfeitamente sintomático quanto à ligação empresarial de interesses, de natureza comercial, prosseguidos pelas duas entidades -, não se vê motivo para considerar qualquer vício na presença, em conjunto, de ambas as entidades neste processo, tal como decidiu o Júri de Ética.

Desde logo, não se vislumbra qualquer afectação sensível ou minimamente relevante dos direito de defesa que a VMPS- ÁGUAS DE TURISMO, SA, prolixamente exerceu, com toda a liberdade e abrangência, fazendo valer os seus pontos de vista e desenvolvendo largamente o seu próprio argumentário.

Por outro lado, seria absolutamente insensato e contrário ao espírito da regulação publicitária um formal retorno “à estaca zero” – quando existem nos autos todos os elementos que habilitam a proferir uma decisão conscienciosa – para a repetição de uma nova queixa a
apresentar exactamente nos mesmos moldes da anterior.

Improcedem, deste modo, as excepções apresentadas pelas recorrentes.

2.2. – Mérito da causa.

2.2.1.- Factos provados.

A bebida “ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES” encontra-se registada em favor da VMPS- ÁGUAS DE TURISMO, SA, integrando-a no conjunto da comercialmente conhecido como “Água das Pedras” de que a Super Bock Bebidas, S.A., é anunciante e detentora da regista marca.

A bebida “ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES” consiste, de acordo com a informação transmitida pela própria marca:

vii. Limão: “de uma bebida à base de água mineral natural com gás e ingredientes 100% naturais, com um sabor suave e refrescante a limão

viii. Frutos Vermelhos: “de uma bebida à base de água mineral natural com gás e ingredientes 100% naturais, com um sabor suave e refrescante a frutos vermelhos (framboesa e morango), conhecidos pelas suas propriedades antioxidantes

ix. Maçã: “de uma bebida à base de água mineral natural com gás e ingredientes 100% naturais, com um sabor leve e refrescante a maçã
É feita menção na respetiva embalagem a “PEDRAS – (SABOR) – INGREDIENTES 100% NATURAIS”.

Constam, ainda, do verso das referidas embalagens, os seguintes ingredientes:

x. PEDRAS LIMÃO
Água Mineral Natural Gasocarbónica, frutose, extrato de frutos, sumo de limão (2,1%) e maçã (0,2%) obtido a partir de um produto concentrado, acidificante (ácido cítrico), aroma natural de limão
cfr. documento n.º 1 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.

xi. PEDRAS FRUTOS VERMELHOS
Água Mineral Natural Gasocarbónica, frutose, extrato de frutos, sumos de framboesa (1,15%), maçã (0,7%), pera (0,5%) e morango (0,18%) obtidos a partir de um produto concentrado, acidificante (ácido cítrico), aromas naturais
cfr. documento n.º 1 já junto.

xii. PEDRAS MAÇÓÁgua Mineral Natural Gasocarbónica, frutose, extrato de frutos, sumo de maçã obtido a partir de um produto concentrado (1,94%), acidificante (ácido cítrico), aroma naturais”
cfr. documento n.º 1 já junto.

Trata-se de uma bebida refrigerante de extratos vegetais com água mineral gasocarbónica, contendo frutose, extratos de frutos obtidos de produtos concentrados, acidificantes e outros ingredientes comunicados ao consumidor.

Existe comunicação publicitária, com presença em televisão, outdoors, meios digitais, rótulos, materiais de ponto de venda, ao referido produto “ÁGUAS DAS PEDRAS SABORES”, designadamente:

xiii. Spot Tv Pedras Sabores 2018 (cfr. documento n.º 2 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.

xiv. Outdoors (cfr. documento n.º 3 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.

xv. Peças de digital (cfr. documento n.º 4 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.

xvi. Rótulos (cfr. documento n.º 5 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.

xvii. Materiais de Ponto de Venda (cfr. documento n.º 6 que se junta e se dá por integralmente reproduzido.

A comunicação deste produto pretende transmitir que o mesmo contém “água mineral natural com gás e ingredientes 100% naturais”.

Nos materiais de publicidade o produto aposta na evidenciação das palavras “INGREDIENTES 100% NATURAIS”.

2.2.2.- Enquadramento, qualificação e apreciação dos factos, à luz das normas jurídicas aplicáveis.

Questão essencial a apreciar:

Saber se a expressão publicitária “Ingredientes 100% naturais” aposta no produto anunciado deverá considerar-se enganosa para o consumidor médio e, nessa medida, ilícita a sua utilização à luz das normas comunitárias aplicáveis, do Código de Publicidade e do Conduta da Auto Regulação Publicitária em Matéria de Publicidade e outras formas de Comunicação Comercial

Apreciando:
A publicidade rege-se pelos princípios da licitude, identificabilidade, veracidade e respeito pelos direitos do consumidor”, conforme determina o artigo 6º do Código da Publicidade, aprovado pelo Decreto-lei nº 330/90 de 23 de Outubro e alterações legislativas subsequentes, sendo a última a introduzida pelo Decreto-lei nº 66/2015, de 29 de Abril.

Acrescenta o artigo 10º, nos seus números 1 e 2:

A publicidade deve respeitar a verdade, não deformando os factos”.

As afirmações relativas à origem, natureza, composição, propriedades e condições de aquisição dos bens ou serviços publicitados devem ser exactas e passíveis de prova, a todo o momento, perante as instâncias competentes”.

No mesmo sentido, o artigo 9º, nº 1, do Código de Conduta da Auto Regulação Publicitária em Matéria de Publicidade e outras formas de Comunicação Comercial prescreve: “A Comunicação Comercial deve ser verdadeira e não enganosa”, acrescentando o seu nº 2: “A Comunicação Comercial deve proscrever qualquer declaração, alegação ou tratamento auditivo ou visual que seja de natureza a, directa ou indirectamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou se susceptível de induzir em erro o Consumidor, designadamente no que respeita a (…) características essenciais do Produto ou que sejam determinantes para influenciar a escolha do Consumidor, como por exemplo: a natureza, a composição, o método e data de fabrico, campo de aplicação, eficácia e desempenho, quantidade, origem comercial ou geográfica ou impacto ambiental”.

Conforme refere Ana Clara Amorim in “Manual de Direito da Publicidade”, Março de 2018, Petrony Editora, a página 72: “O princípio da veracidade postula tradicionalmente a conformidade dos produtos ou serviços promovidos com o conteúdo da mensagem publicitária. Mas pode ser igualmente ser abordado numa dimensão subjectiva, que permite atender à convicção dos consumidores ou às suas fundadas expectativas face à comunicação social”.

No domínio específico dos géneros alimentícios, estabelece o Regulamento nº 1169/2011, do Parlamento Europeu e do Conselho da União Europeia, de 25 de Outubro de 2011, no seu artigo 7º, nº 1, alíneas a) e c), que “a informação sobre géneros alimentícios não deve induzir em erro, em especial “no que respeita às características do género alimentício e, nomeadamente, no que se refere à sua natureza, identidade, propriedades, composição, quantidade, durabilidade, país de origem, ou local de proveniência, método de fabrico ou de produção”; “sugerindo que o género alimentício possui características especiais quando todos os géneros alimentícios similares possuem essas mesmas características, evidenciando, especificamente, a existência ou a inexistência de determinados ingredientes e/ou nutrientes”.

Constituem, portanto, regras essenciais e basilares do Direito da Publicidade:

– que a comunicação publicitária seja verdadeira;

– que não seja susceptível de induzir em erro o consumidor, designadamente, quanto à natureza, características, método de fabrico e desempenho dos produtos anunciados.

– que o anunciante disponha dos meios que lhe possibilitem comprovar as características essenciais do produto que publicita e que os apresente, quando necessário, às entidades reguladoras.

Na situação que nos ocupa, a referência “Ingredientes 100% Naturais” aposta na bebida “Pedras Sabores”, pretende aliciar o público consumidor através da revelação – em claro destaque e enfoque na forma de promover o produto – de uma sua característica essencial, visando conotá-lo com a natureza, genuidade e pureza dos frutos figurados.

Quando a “Pedras Sabores” se associa a um determinado fruto (Limão, Frutos Vermelhos e Maçã) e o expõe no seu produto, com primacial destaque, aludindo a que a bebida contém “ingredientes 100% naturais”, está a passar – ainda que subliminarmente – a mensagem ao consumidor da absoluta genuidade das suas qualidades enquanto verdadeiro “produto da natureza”, excluindo totalmente a interferência de processos químicos na respectiva confecção ou a sua transformação por acção humana.

A naturalidade dos ingredientes “a 100%” do produto, quando associada a géneros de fruta, é imediatamente intuída pelo consumidor médio em relação à genuidade do próprio sumo de fruta, sem a introdução de quaisquer processos humanos que o modificam na sua essência ou o sabor.

Ora, o produto “Pedras Sabores” mais não é do que um simples refrigerante – na essência, água gaseificada -, sem qualquer garantia de exclusiva associação às propriedades genuínas do produto natural, entendido neste sentido.

E, de resto, a comprovação pelo anunciante do produto composto por “ingredientes 100% naturais” – ambiciosamente propalado em moldes peremptórios e absolutos – não foi minimamente realizada, sendo que ao mesmo competia o respectivo ónus de prova, conforme claramente resulta do artigo 12º, nºs 1 e 2, do Código de Conduta da Auto Regulação Publicitária em Matéria de Publicidade e outras formas de Comunicação Comercial.

Acompanhamos, portanto e inteiramente, a conclusão a que chegou o Júri de Ética no sentido de que “existe uma enorme probabilidade do consumidor médio considerar que todos os ingredientes são 100% naturais – na acepção de proveniente directamente da natureza sem qualquer intervenção humana ou química, sendo consequentemente induzido em erro quanto às características essenciais do produto nas suas diferentes varientes de sabores”.

É ainda falacioso, se perspectivado no contexto singular e próprio da apresentação publicitária do produto ao consumidor médio, o argumento de que “em momento algum é alegado que todos os ingredientes são naturais, mas apenas e somente que o produto tem ingredientes naturais”.

A especial valência daquele segmento junto do público-alvo consiste precisamente na importante exclusividade do qualificativo “natural” quando referido a todos os ingredientes do produto, isto é, ao produto em si, considerado como uma unidade ou como um todo.

Se o consumidor médio alcançasse, com facilidade e evidência, que afinal o que se pretendia significar é que o produto contém apenas “alguns ingredientes 100% naturais” (e outros não), a mensagem, pela sua relativa irrelevância, perderia toda a força e energia apelativas (relacionada com a pretensa e intocável naturalidade de todos os ingredientes utilizados à imagem salutar do fruto impresso). Não foi isso, seguramente, que pretendeu o comunicador publicitário, como é óbvio.

Outrossim, a circunstância do ácido cítrico e a frutose, bem como outros elementos, serem – reconhecidamente – naturais apenas na sua origem, só pode significar, logicamente – face a tal significativa delimitação – que não são “ingredientes 100% naturais”.

Em suma, a comunicação publicitária em apreço constitui efectivamente publicidade enganosa, violando desse modo o disposto nos artigos 6º e 10º, nºs 1 e 2, do Código de Publicidade;  9º e 12º do Código de Conduta da Auto Regulação Publicitária em Matéria de Publicidade e outras formas de Comunicação Comercial e 7º, nº 1, alíneas a) e c), e nº 4 do Regulamento nº 1169/2011 (UE) do Parlamento e do Conselho da União Europeia, de 25 de Outubro.
Mantém, assim, a decisão sob recurso.

2.2.3. – Conclusão de jure.

Constituem regras essenciais e basilares do Direito da Publicidade:

– que a comunicação publicitária seja verdadeira;

– que não seja susceptível de induzir em erro o consumidor, designadamente, quanto à natureza, características, método de fabrico e desempenho dos produtos anunciados.

– que o anunciante disponha dos meios que lhe possibilitem comprovar as características essenciais do produto que publicita e que os apresente, quando necessário, às entidades reguladoras.

A naturalidade dos ingredientes “a 100%” do produto, quando associada a géneros de fruta, é imediatamente intuída pelo consumidor médio em relação à genuidade do próprio sumo de fruta, sem a introdução de quaisquer processos humanos que o modificam na sua essência ou o sabor.

O produto “Pedras Sabores” mais não é do que um simples refrigerante – água gaseificada -, sem qualquer garantia de exclusiva associação às propriedades apenas naturais deste.

Tal comprovação – de “ingredientes 100% naturais” – pelo anunciante não foi realizada, sendo que ao mesmo competia o respectivo ónus de prova, conforme resulta do artigo 11º, nº 3, do Código da Publicidade e do 12º do Conduta da Auto Regulação Publicitária em Matéria de Publicidade e outras formas de Comunicação Comercial.

Esta comunicação publicitária constitui publicidade enganosa, violando desse modo o disposto nos artigos 6º e 10º, nº 1 e 2, do Código de Publicidade; do Conduta da Auto Regulação Publicitária em Matéria de Publicidade e outras formas de Comunicação Comercial; 7º, nº 1, alíneas a) e c) e nº 4 do Regulamento nº 1169/2011 (UE) do Parlamento e do Conselho da União Europeia, de 25 de Outubro.

III – Decisão.

Nestes termos, delibera esta Comissão de Apelo negar provimento ao recurso, uma vez que a publicidade em questão, tal como foi veiculada nos, viola as normas constantes dos artigos 6º do Código da Publicidade, aprovado pelo Decreto-lei nº 330/90 de 23 de Outubro e alterações legislativas subsequentes, sendo a última a introduzida pelo Decreto-lei nº 66/2015, de 29 de Abril; 9º e 12º do Conduta da Auto Regulação Publicitária em Matéria de Publicidade e outras formas de Comunicação Comercial e 7º, nº 1, alíneas a) e c), e nº 4 do Regulamento nº 1169/2011 (EU), do Parlamento e do Conselho, de 25 de outubro, pelo que decidiu bem a Primeira Secção na deliberação ora recorrida, a qual deve ser, por isso, inteiramente mantida.»

Lisboa, 2 de Novembro de 2018

Luis Espirito Santo
Presidente da Comissão de Apelo

Augusto Ferreiro do Amaral
Vice-Presidente da Comissão de Apelo

Clara Moura Guedes
Vice-Presidente da Comissão de Apelo

Auto Regulação3J / 2018 – Recurso :: VPMS – Águas e Turismo e Super Bock Bebidas vs. Sumol + Compal