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2J / 2018 :: Unilever Fima vs. Reckitt Benckiser

2J/2018

Unilever Fima, Lda.
vs.
Reckitt Benckiser (Portugal), S.A.

EXTRACTO DE ACTA

No décimo nono dia do mês de Julho do ano de dois mil e dezoito, reuniu a Segunda Secção do Júri de Ética da Auto Regulação Publicitária, com a participação dos Senhores Drs. Margarida Almada Bettencourt, Presidente da Secção, António Corrêa de Oliveira e Doutor Rui Estrela, Vogais da mesma.

O Júri apreciou o processo n.º 2J/2018, tendo deliberado o seguinte:

Processo n.º 2J/2018:

1. Objecto dos Autos 

1.1. A UNILEVER FIMA, LDA (adiante abreviada e indiferenciadamente designada por ULF ou Requerente), veio, junto do Júri de Ética da ARP (adiante abreviada e indiferenciadamente designado por JE ou Júri), apresentar queixa contra RECKITT BENCKISER (PORTUGAL) S.A. (adiante abreviada e indiferenciadamente designada por RECKITT ou Requerida) relativamente a comunicação comercial da sua marca de produto tira-nódoas “Vanish Gold” – divulgada através de suporte televisão – tal, por alegada ofensa do quadro ético-legal em matéria de princípios da veracidade e da livre e leal concorrência, bem como de publicidade comparativa.

1.2. Notificada para o efeito, a RECKITT apresentou a sua contestação.

Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.

1.3. Dos factos

A RECKITT é responsável pela divulgação de uma comunicação comercial traduzida por um spot publicitário (cfr. Doc. 2 da queixa apresentado em CD-Rom), divulgação essa realizada através de vários canais televisivos. (Cfr. art.ºs 6.º e 7.º da petição).A análise da queixa, da contestação e dos documentos juntos aos autos pelas Partes, permite concluir que a comunicação da responsabilidade da Requerida, colocada em crise, é consubstanciada pelas alegações publicitárias ou claims que o Júri passa a elencar.

1.3.1. Do teor das alegações publicitárias 

São os seguintes, os claims em lide (crf. Doc. 2 da queixa):

– (i) Primeiro claim visual: “duas protagonistas analisam uma peça de roupa acabada de lavar e crivada de nódoas”;

– (ii) Segundo claim visual: “plano de pormenor de uma embalagem branca de tira-nódoas contendo um rótulo com a inscrição “outra marca”” associado a

– (iii) Primeiro claim verbal, traduzido por fala de interveniente que procedeu à lavagem da peça de roupa: “Não saíram! E usei um tira-nódoas. Tenho que voltar a lavar”;

– (iv) Segundo claim verbal, a cargo de outra interveniente: “Tens é de usar um tira-nódoas que funcione. Eu só uso Vanish Gold”;

– (v) Terceiro claim verbal (em voz off): “Não perca tempo. Vanish Gold é imbatível”.

1.4. Das alegações das Partes

1.4.1. Entende a RECKITT, em sede de queixa, que a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida traduz um caso de publicidade comparativa de tom exclusivo ilícita, concretamente, enganosa e denegridora porquanto, alegadamente, se encontra em desconformidade com vários dos requisitos que informam o quadro ético-legal em matéria de princípios da veracidade e de livre e leal concorrência. Em síntese, argumenta a Requerente que:

– (i) “A ULF e a RECKITT BENCKISER são concorrentes no segmento de tira-nódoas, no qual aquela detém a marca Skip tira-nódoas e esta detém a marca Vanish Gold” (sic. art.º 73.º), sendo que a segunda “…está actualmente a levar a cabo uma campanha publicitária para a marca Vanish Gold, em suporte televisivo, da qual se depreende a mensagem de que as outras marcas de tira-nódoas não funcionam, isto é, não removem as nódoas, e que apenas Vanish Gold funciona.” (sic. art.º 74.º);

– (ii) “…a LIACQ comparou, através de ensaios laboratoriais, a performance de eficácia de três produtos tira-nódoas em pó para roupa de cor” (sic. art.º 53.º), acrescentando que “Entre estes produtos encontra-se o Vanish Gold e o Skip tira-nódoas (Persan)” (sic. art.º 54.º) e que do resultado “…podemos tirar as seguintes ilações: (i) Skip tira-nódoas é qualitativo e performante, pelo que funciona, contrariamente à alegação publicitária ora em apreço; (ii) de facto funciona tão bem que se apresenta practicamente equivalente a Vanish Gold, com excepção da nódoa de chocolate (contudo, no Filme não aparecem nódoas de chocolate mas apenas outras nódoas).” (sic. art.º 56.º);

– (iii) “Esta campanha é contrária à Lei e ao Código de Conduta do ICAP em vários aspectos” (sic. art.º 75.º) porquanto, “…A mensagem transmitida pela RECKITT BENCKISER através da referida publicidade de tom exclusivo não é verdadeira e é susceptível de induzir em erro o consumidor…” (sic. art.º 76.º), acrescentando que, “Além de ser enganosa e não respeitar o princípio da veracidade, a campanha ora em apreço configura também publicidade comparativa ilícita, por denegrir a imagem dos seus concorrentes, por ser enganosa, não ser verdadeira e conformar uma situação de concorrência desleal.” (sic. art.º 78.º).

1.4.2. Contraditando a argumentação da ULF vem a RECKITT defender, na sua contestação, a legalidade e a ética da sua comunicação comercial, concluindo que:

– (i) “…a publicidade em apreço não contém afirmações de superioridade sobre toda a concorrência, nem coloca o produto Vanish Gold numa posição de proeminência inalcançável pelos seus concorrentes. A expressão “um que funcione” é entendida como havendo tira-nódoas – no plural – que funcionam, e não apenas um. UM tira-nódoas “que funcione” não é o mesmo que dizer “O tira-nódoas que funciona” ou “O ÚNICO tira-nódoas que funcione”. A recomendação que a segunda interveniente faz à primeira no sentido de que só usa Vanish Gold exprime a sua experiência e satisfação com o produto e não uma afirmação de que este é o único produto que “funciona”. Tudo isto é complementado com a utilização da expressão “IMBATÍVEL” como super e do voice-over “Vanish Gold é imbatível na remoção de nódoas”, o que (…) é uma fórmula de top parity ou equiparação publicitária (…) E nem se diga que da expressão “Não perca tempo” se deve entender que os demais produtos são perca de tempo, pois (…) tal está directamente ligado ao facto de a primeira interveniente ter sentido necessidade de voltar a lavar a roupa porque as nódoas não saíram na primeira lavagem, fruto da utilização de um produto não tão eficaz.” (sic. art.º A);

– (ii) “… estão identificados os concorrentes directos de Vanish Gold que, admite-se, poderão ser identificados na publicidade em apreço pela referência a “OUTROS TIRA-NÓDOAS EM PÓ” (…) Nessa medida, a Reckitt Benckiser apresenta testes laboratoriais externos, realizado com produtos devidamente identificados, presentes no mercado Português, seguindo os protocolo standard da indústria e aprovados por todos (…) que comprovam a superioridade do seu produto Vanish Gold sobre Skip Tira-Nódoas e sobre X-TRA (…) o que lhe permite sustentar a claim “IMBATÍVEL” face aos produtos concorrentes…” (sic. art.º B);

– (iii) “O teste laboratorial encomendado à medida pela ULF, realizado de acordo com a metodologia que exigiu ao LIACQ, está claramente eivado com deficiências e obscuridades que o tornam uma prova não fidedigna e a desconsiderar por completo, não obstante desse relatório acabar por resultar que o produto PERSAN que se diz ser SKIP ter paridade com Vanish Gold e um produto identificado apenas como JODEL, – que nem sequer a ULF fez corresponder a Continente Extra Oxi Power o que não deixa de ser estranho – terá, com toda as condicionantes e limitações do teste, tido resultados superiores, mas que não se podem levar em conta, pelo (…) exposto.” (sic. art.º C).

2. Enquadramento e fundamentação ético-legal

2.1. Da alegada prática de publicidade comparativa

Constitui tese da Requerente (cfr. art.ºs 24.º a 33.º da queixa), admitida como possível pela Requerida (cfr. art.ºs 45 e 46.ºda contestação), que a comunicação comercial da responsabilidade da RECKITT configura uma prática de publicidade comparativa implícita entre o produto tira-nódoas Vanish Gold e o da gama equivalente da marca Skip comercializado pela ULF.

A tal entendimento opõe-se o JE, por virtude de considerar que a caracterização da publicidade como comparativa implica, para além da referência genérica a todos os restantes concorrentes, uma referência inequívoca a um ou vários concorrentes determinados e identificáveis e, logo, “instintivamente” entendível por parte do consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido e informado , o que não é suscetível de ocorrer num mercado em que as respetivas quotas se encontram distribuídas por mais de quatro operadores.

Com efeito, como bem sustenta a Requerida a art.º 45 da contestação (embora retirando uma conclusão ao art.º 46 que torna a premissa contraditória), “…os consumidores poderão eventualmente identificar, de forma implícita, o tira-nódoas que habitualmente compram”. Diga-se que, não é esta possibilidade, o elemento definidor da “perceção média” de uma mesma marca (e, ou, de várias) a ter que se verificar independentemente do que se consome, enquanto condição inequívoca para a caracterização de uma comunicação comercial como comparativa.

De facto, constitui posição do Júri que, embora as quotas de mercado possam constituir um indício de que um determinado agente económico é mais conhecido por parte do consumidor médio, outras variáveis podem ser determinantes. Em conformidade, há que atender ao grau de conhecimento por parte dos destinatários da publicidade no que tange às marcas que compõem um determinado mercado (determinado por todas essas variáveis), e não, somente, às ditas quotas.

Em coerência, ainda que assista razão à ULF quanto ao alegado a art.º 30.º da queixa, já o Júri não concorda com o argumento da Requerente no sentido de que, “Parece claro que esta “outra marca” pode ser qualquer marca concorrente de Vanish. Um consumidor médio, com um grau razoável de experiência, de conhecimento e bom senso, e uma razoável capacidade de observação e prudência, indubitavelmente associa esta comparação às principais marcas de tira-nódoas, e em particular a Skip tira-nódoas, que desde o seu lançamento no ano de 2018 se tornou o segundo player do mercado neste tipo de produtos, como se pode verificar pelo Doc. 1”. (sic. art.º 27.º da petição).
Na realidade, mesmo que procedesse esta última tese, o que não se concede, entende o JE assistir razão à Requerida quanto ao alegado a art.ºs 4 e 5 da contestação.
De facto, da análise da comunicação comercial em lide, e considerados os respetivos elementos verbais e imagéticos, decorre a necessária conclusão de que estes se reportam, exclusivamente, a produtos tira-nódoas em pó, não abarcando, assim, o universo de todos os produtos comercializados para o efeito.

Mais, in casu, deve ser entendida como fora de questão a eventualidade de a embalagem utilizada como referência simbólica de “outros tira-nódoas em pó” (cfr. Doc. 2 da petição e art.º 90 da contestação) ser passível de ser associada, por parte do consumidor médio, a uma qualquer marca concreta.

Finalmente, ao JE cumpre chamar a atenção das Partes para a truncagem argumentativa subjacente ao afirmado a art.ºs 32.º e 33.º da petição no sentido de que: “…estaremos sempre perante publicidade comparativa”. (sic. 32.º) e

“Novamente, recorremos à argumentação apresentada pela própria RECKITT BENCKISER no processo 8J/2017:

“Para melhor sustentar este entendimento, recorre-se ao que foi ponderadamente considerado e decidido pelo JE no Processo n.º 12J/2016, (…) tendo-se entendido que a doutrina de Anxo Tato Plaza, por muito respeito que mereça, não deve levar a uma solução em que se defenda que tem sempre de haver uma clara identificação dos produtos concorrentes com maior poder de mercado para que se possamos estar perante publicidade comparativa.”” (sic. 33.º).

Com efeito, o Júri encontra-se a braços com uma séria dificuldade em encontrar “tal ponderadamente considerado e decidido” no seio da acta da Segunda Secção concernente ao processo 12J/2016 do ICAP.
Mais, mesmo a não existir tal dificuldade, sempre subsistiria a incoerência derivada, também, de uma descontextualização evidente.
O caso objeto da decisão “citada” reportou-se a uma comparação ilícita assente em categorias ou géneros de um produto com características diferentes em termos de representatividade e, logo, de impertinência de comparação, não obstante serem concorrentes entre si num nicho de necessidades a satisfazer.

Na realidade, o que se encontra afirmado no âmbito da decisão do referido processo 12J/2016 (e que se cita corretamente, atenta a pertinência em sede dos presentes autos) é o seguinte:

“…estruturas do mercado de natureza oligopolista, caracterizadas pela existência de vários concorrentes mas em que, todavia, apenas dois ou três têm efetivo poder de mercado, serão os casos mais comuns nos sectores de atividade mais representativos da economia;
– (iv) Logo, se adotarmos a tese defendida (…) de que, quando tal suceda, “…qualquer comparação genérica realizada por um concorrente na sua publicidade será entendida pelo público destinatário como uma comparação com os dois ou três concorrentes que o público conhece, ou seja, com os dois ou três concorrentes que detêm o poder de mercado (Estes concorrentes serão, portanto, identificáveis pelo público destinatário» (Anxo Tato Plaza, La Publicidad Comparativa, Marcial Pons, Madrid, 1996, pág. 30.
Em nota de rodapé, o autor cita a opinião do autor alemão Eichmann segundo o qual «há que atender ao grau de conhecimento do concorrente por parte do público, e não à quota de mercado», embora esta «possa ser um indício de que um concorrente é o mais conhecido do público»)” (sic) estaremos a excluir, liminarmente, na esmagadora maioria dos casos de publicidade de tom exclusivo, o ónus de prova da respetiva veracidade em relação a toda a concorrência (que impende sobre o anunciante que estiver em causa) prejudicando a intencionalidade subjacente, porquanto bastaria uma amostra que abarcasse aqueles que partilham o topo do mercado;
– (v) In casu, tal significaria “deixar-se de fora do ónus da prova” das alegações de superioridade constantes da campanha publicitária (…) a quota de mercado de (…);
– (vi) De onde, e com o devido respeito pela doutrina de Anxo Tato Plaza, que é muito – como sobejamente demonstra a já vasta jurisprudência do JE – a admitir-se a totalidade das consequências da aplicação da tese em apreço, a prova obrigatória em matéria de práticas de publicidade de tom exclusivo deixaria de o ser, sempre que estivesse em causa um oligopólio em que o consumidor médio não conseguisse identificar toda a concorrência, o que só não aconteceria em mercados muito exíguos, os quais são, aliás, uma minoria. Dito de outra forma, “a afirmação de que o próprio produto é superior ao de toda a concorrência, por exemplo, não caracteriza publicidade comparativa» (Oliveira Ascensão, Concorrência Desleal, Lisboa, AAFDL, 1994, p.150), mas mera publicidade superlativa (Adelaide Menezes Leitão, A concorrência desleal e o direito da publicidade, in Concorrência Desleal, Almedina, Coimbra, 1997, p.154).” (sic.).

Termos em que, a análise por parte do Júri da comunicação comercial em lide, categorizada nos termos expostos, não terá por referência o quadro ético-legal constante do artigo 15.º do Código de Conduta da ARP e, por maioria de razão, do artigo 16.º do Código da Publicidade.

2.2. Da alegada prática de publicidade de tom exclusivo

Cumpre ao JE lembrar que a publicidade de tom exclusivo constitui uma modalidade de comunicação que a doutrina estrangeira (maxime a alemã e a espanhola) tem definido como aquela através da qual “o anunciante pretende excluir da posição que ocupa os restantes concorrentes (…) alcançando uma posição superior à dos seus rivais” (vd. Carlos Lema Devesa in “La Publicidad de Tono Excluyente”, Editorial Moncorvo, 1980), limitando-se “a realçar a sua posição de proeminência sem fazer nenhuma referência direta aos seus concorrentes.” (vd. Anxo Tato Plaza in “La Publicidad Comparativa”, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A. Madrid, 1996, p.50).

No que a esta prática publicitária se refere, entende o JE dever pronunciar-se, antes de mais, sobre quatro equívocos que a figura doutrinária tem gerado, sendo que os mesmos não abarcam qualquer confusão com a prática de top parity. (Cfr. art.ºs 8 a 44 da contestação).

Assim:

– Parâmetros de superioridade como “n.º 1” e “o melhor” (este, com a conotação de desempenho) não se confundem, embora possam encontrar pontos de interseção, pelo que a respetiva prova deve abarcar um universo e uma amostra representativos de toda a concorrência e não só dos que partilham a maior parte do mercado. (Cfr. designadamente, mas sem excluir. art.ºs 2.º a 4.º da queixa e 2 e 3 da contestação);

– Muito embora as comunicações comerciais de tom exclusivo se socorram, não raras vezes, das expressões “o n.º 1”, “o melhor”, “o mais eficaz”, e por aí fora, as ditas não possuem o mesmo significado em todos os mercados, podendo gerar uma única interpretação inequívoca e instintiva por parte do consumidor médio ou, pelo contrário, várias, consoante o género de produto que estiver em causa. Um exemplo paradigmático do que ora se defende, é o caso da expressão “o melhor” a qual, por vezes comunica somente o parâmetro “eficácia” e, outras, também o parâmetro “cuidado no tratamento de…”, só para elencar dois dos possíveis.
Por outro lado, a expressão “o n.º 1” será, em grande parte dos produtos, equivalente a “mais vendido” mas, se se reportar a serviços, poderá assumir vários outros significados.
Ora, quando tal aconteça, a prova terá que incidir sobre todas as alegações percebidas pelo destinatário, não se devendo bastar por uma das vertentes de perceção possíveis;

– Mais, a inversa é verdadeira, no que tange às “não típicas” expressões de tom exclusivo “uns” e “umas”, o que se conclui pela evitação de um outro equívoco. (Cfr. art.ºs 11 a 17 da contestação);

– Refere-se o Júri à possibilidade de um parâmetro de superioridade comprovada como “o n.º 1” (percebido como “vendas”) fazer resvalar uma outra alegação (que, a divulgar-se individualmente, não seria de tom exclusivo), para um claim de superioridade e isolamento em relação a toda a concorrência, por associação de ambas numa mesma comunicação, já que esta é percebida pelo respetivo destinatário como um todo e não, “como partes”, ao contrário do que a RECKITT parece querer defender. (Cfr. art.ºs 11 a 17 da contestação);

– Por último, e concomitantemente com o exposto, acrescente-se que também os elementos imagéticos de uma só comunicação comercial podem ser de molde a conduzir um claim verbal que, considerado isoladamente, não seria de tom exclusivo, para uma alegação publicitária de supremacia e exclusividade, porquanto, os primeiros, para todos os efeitos, de claims se tratam: propiciam sensações e, logo, geram perceções passíveis de sobreposição a headlines e slogans de campanha, factos que a RECKITT, considerou despiciendos na sua contestação. (Cfr. art.ºs 8 a 44).

Contrariando a tese da ULF de que se está em presença de uma prática publicidade de tom exclusivo ao produto tira-nódoas Vanish Gold da RECKITT, defende a Requerida, na sua contestação, que a “…publicidade em causa contém apenas um claim de paridade, i.e. top parity.” (sic. art.º 9) traduzido pelo slogan “Não perca tempo. Vanish Gold é imbatível”.

Diga-se que, ao contrário do que acontece no caso das afirmações de tom exclusivo, nas meras alegações publicitárias de paridade, é clara a mensagem de que a posição de liderança invocada pelo anunciante pode ser alcançada por um concorrente. Afirma-se que um produto, marca, bem ou serviço ocupa uma posição de proeminência, mas não se exclui que outros da concorrência o igualem.
Com efeito, somente, se põe de lado a hipótese de o superarem no parâmetro (ou parâmetros) que forem comunicados. No que tange ao caso objeto dos presentes autos, tal clareza, segundo a RECKIT, assenta no uso da expressão “imbatível”.

A propósito, e no intuito de reforçar a sua tese sobre o significado de paridade de tal expressão, cita profusamente a Requerida uma certa jurisprudência de auto-regulação (cfr. art.ºs de 8 a 44 da contestação), concretamente, a “…consulta n.º 10J/2003, queixa da Unilever (hoje ULF) apresentada contra a Reckitt Benckiser, em que a expressão “Brilho Imbatível” (Calgonit 3em1) foi considerada pelo Júri de Ética uma afirmação de top parity.” (sic. art.º33), os “…ensinamentos do CAP Executive da ASA (Advertising Standards Authority) – congénere do ARP no Reino Unido” (sic. art.º 34) “…a decisão do Jurado do AUTOCONTROL, de 13 de Outubro de 2016, que opôs a PROCTER & GAMBLE ESPAÑA, S.A. à UNILEVER ESPAÑA, S.A” (cfr. art.º 35 e Doc. n.º 1 da contestação) e, ainda, “outra deliberação, datada de 22 de Junho de 2017, que opôs a Beiersdorf, S.A. contra a Unilever España S.A., com o título “Rexona Invisible. TV” (sic. art.º 40 e Doc. n.º 2 da contestação). Cita, ainda, a RECKITT, a posição doutrinária da ASA (cfr. art.º 36), concluindo que:

– “Pois está claro, salvo melhor opinião, que a doutrina e jurisprudência supra citada tem clara e inequívoca aplicação directa à publicidade em apreço em que: CLARÍSSIMO!

• não se verificam quaisquer afirmações de tom excludente

• Vanish Gold é apresentado como “IMBATÍVEL” que é uma expressão tipicamente utilizada e identificada como “top parity”, estando profusamente estuado que a mensagem que passa para os consumidores é a de equiparação publicitária e que não existe produto melhor, mas poderão haver outros idênticos.” (sic. art.º 43, negrito e sublinhado do JE).

O Júri não tem dúvidas de que assim é, nos casos elencados pela RECKITT.
Contudo, entende como cristalino, o facto de em nenhum deles a expressão de top parity “imbatível” ser contrariada, em termos literais e semânticos por outras semelhantes às que se encontram em lide, a saber (cfr. Doc. 2 da queixa em CD-Rom):

– “Não perca tempo” (a qual faz parte do slogan de campanha, tal como a expressão “é imbatível”);

– “Imagem de t.shirt pejada de nódoas após lavagem com outra marca” contrastando “com outra impecável” (side-by-side) lavada com Vanish Gold;

– sendo que numa outra peça de roupa se usam (referenciadamente) “os outros tira-nódoas em pó”, não saindo, igualmente, a respetiva nódoa:

Com efeito, mal se compreende a argumentação da RECKITT no sentido de que “…em momento algum no filme as intervenientes, ou as mensagens visuais, passam a ideia de que Vanish Gold é o único detergente eficaz na remoção de nódoas” (sic. art.º 10), quando são as próprias imagens, em duas sequências distintas (sendo que a segunda é, inclusivamente, alvo de print screen na própria contestação a art.º 21), bem como as referências verbais,  a passar a mensagem de tom exclusivo que a Requerida nega.

De facto, “UM tira-nódoas “que funcione” não é o mesmo que dizer “O tira-nódoas que funciona” ou “O ÚNICO tira-nódoas que funcione”. ” (sic. art.º 15 da contestação), a não ser que outras referências verbais e imagéticas se associem na mesma comunicação, como são os casos da alegação “outros tira-nódoas em pó” e os claims traduzidos por imagens de uma t.shirt e de uma peça de malha com nódoas evidentes que os “outros” ou “outra marca” não eliminaram após lavagem”.

Mais, as ditas nódoas – atentas as características do “side-by-side” utilizado (Vanish Gold versus “os outros” – não configuram uma mera hipérbole publicitária, já que tal seria inaceitável face aos mais elementares ditames do princípio da livre e leal concorrência em matéria de comunicações comerciais.

Acrescenta a RECKITT que, “…“UM” é um conceito indeterminado que corresponde à interpretação correcta de que existe mais do que um só produto” (sic. art.º 16), o que “Corresponde ao mesmo que dizer “Tens de escolher um qualquer tira-nódoas que funcione. Escolhe um bom, um que remova bem as nódoas e que não te faça ter de lavar outra vez a roupa.” (sic. art.º 17).
Ora, tal equivale a dizer que a própria Requerida admite que “os outros” (expressão apta a simbolizar “todos”), não funcionam à primeira lavagem, o que, aliás, está em perfeita coerência com parte do slogan de campanha: “Não perca tempo. Vanish Gold é imbatível”.

Ainda segundo a Requerida, “…na comparação side-by-side com “OUTROS TIRA-NÓDOAS EM PÓ” em que sobre o separador aparece o produto Vanish Gold, consta o claim, claramente visível e em grande destaque “IMBATÍVEL…” (sic. art.º 21 da contestação).

Contrapõe o Júri que, melhor se pode verificar quer no primeiro side by side, (quer no segundo, em que na sequência da esquerda se encontra a legenda “OUTROS TIRA-NÓDOAS EM PÓ”) que as ditas nódoas permanecem quando não usado o Vanish Gold, o que consubstancia uma contradição de termos com a pretensa conotação da expressão “imbatível” (ou alegado claim de paridade) aposta na sequência da direita relativa ao uso eficaz do produto da RECKITT.

Este, aliás, é um dos argumentos a favor da verificação de uma prática de publicidade de tom exclusivo, de par com o slogan de campanha e da camisola pejada de nódoas visível no side-by-side anterior”. (Cfr. Doc. 2 da queixa).

Com efeito, se a definição de paridade assenta na possibilidade de algum ou alguns dos concorrentes igualarem a prestação comunicada (limpeza absoluta à primeira lavagem) não se aceita a defendida “coerência” das alegações imagéticas de “evidente sujidade após lavagem” imputável à prestação dos “outros”, bem como da verbal “não perca tempo” (associada a “Vanish é imbatível”) já que, no entender do JE, serão essas, as imediatamente percebidas pelo destinatário e não, a invocada “paridade”. De facto, as ditas são de molde a fazer resvalar a comunicação comercial da RECKITT para uma prática de publicidade de tom exclusivo.

É colocado ainda o Júri perante os argumentos da Requerida de que, “…a mensagem apenas transmite que nenhum produto consegue resultados superiores aos de Vanish Gold, o não quer dizer que não haja produtos no mercado que consigam resultados equivalentes.” (sic. art.º 24),  de que “No que diz respeito à “perda de tempo” (…) é necessário ter em conta que o claim em causa é “Não perca tempo. Vanish Gold é imbatível”. (sic. art.º 26), de que “Não é atribuída a qualquer produto a qualidade de ser uma “perda de tempo”. (sic. art.º 27) e de que, “Como é óbvio, a perda de tempo em causa resulta do facto de que a primeira interveniente, ao ter constatado que após lavar a roupa as nódoas não saíram completamente, vê-se confrontada com a necessidade de repetir o processo e por isso afirma “Tenho de que voltar a lavar”. (sic. art.º 28, negrito e sublinhado do JE), concluindo aí residir “…a perda de tempo.” (cfr. art.º 29).

Com a devida vénia, opina o Júri que a Requerida defende “poder comprar a nata sem adquirir o leite”.

De facto, entende o JE que, colocado perante a comunicação comercial em lide, o consumidor médio percecionará a inexistência no mercado de qualquer outro tira-nódoas em pó, que não o Vanish Gold, que consiga remover todas as manchas à primeira lavagem.

Assim, este não será imbatível. Será inalcançável por qualquer um da concorrência, com inclusão, obviamente, do Skip tira-nódoas em pó da ULF.

Em conformidade, o Júri concorda com a Requerente quanto ao alegado em sede de petição, no sentido de que, “Quando analisado todo o contexto do Filme (…) a mensagem apreendida por um consumidor médio é a de que o único tira-nódoas que funciona é Vanish Gold, que a “outra marca” não funciona (…) e que é uma perda de tempo” (sic. art.º 12.º) sendo que, a “… RECKITT BENCKISER está claramente a “excluir da posição que ocupa os restantes concorrentes (…) alcançando uma posição superior à dos seus rivais”, ao afirmar que as “outras marcas” não removem as nódoas e que Vanish é o único tira-nódoas que funciona.” (sic. art.º13.º).

De onde, impende sobre a RECKITT a prova de tais alegações, consideradas nos termos expostos, não obstante se concordar com a Requerida, quanto ao por esta defendido de art.ºs 50 a 55 da contestação, no que concerne ao Doc. 3 da queixa.

2.3. Da bondade da prova apresentada pela RECKITT

Nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do Código de Conduta da ARP, sob a epígrafe “Princípios Fundamentais”, “Toda a Comunicação Comercial deve ser legal, decente, honesta e verdadeira”. Por seu turno, dispõe-se no artigo 9.º, n.ºs 1 e 2 daquele Código de Conduta, sob a epígrafe “Veracidade”, que “A Comunicação Comercial deve ser verdadeira e não enganosa” (1) e “deve proscrever qualquer declaração, alegação ou tratamento auditivo ou visual que seja de natureza a, directa ou indirectamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou ser susceptível de induzir, em erro o Consumidor…(2)”

Ora, foi entendido quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Diretivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matéria de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. atual n.º 3 do artigo 11.º do Código da Publicidade) nos termos da qual se presumem inexatos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado dos artigos 4.º, 5.º e 12.º do Código de Conduta da ARP se encontram em consonância, pelo que impende sobre a RECKITT, o ónus da prova das alegações publicitárias em lide, com os significados e parâmetros de tom exclusivo que ficaram estabelecidos no ponto anterior.

Compulsada a prova carreada pela Requerida verifica-se a existência de três estudos realizados pela empresa LabTest com incidência sobre a performance dos produtos considerados como representativos no mercado pelas Partes (cfr. art.ºs 2.º a 4.º da queixa e 2 e 3 da contestação), sendo o primeiro sobre Vanish Gold Oxi Action e Skip Additive (cfr. Doc. n.º 6 da contestação), o segundo sobre Vanish Gold Oxi Action e X-Tra total Oxy5 esta, marca de distribuição Continente (cfr. Doc. n.º 7 da contestação) e, o terceiro, sobre Continente Oxi Extra Power, Continente Oxi Power e Vanish Gold Oxi Action (cfr. Doc.n.º 8 da contestação), e realizados com base no método proposto pela A.I.S.E (Laundry Detergent Testing Guidelines) constante de Doc. n.º 3 da contestação.

Os respetivos relatórios descrevem estudos comparativos de eficácia da limpeza e remoção de manchas das marcas de tira-nódoas em pó Vanish Gold, Skip Tira-Nódoas, X-tra, e Continente Oxi Power (o normal e o Extra), entendendo o JE que:

– (i) A prova carreada pela Requerida não abarca qualquer estudo que comprove o afirmado a art.ºs 3 e 4 da contestação sobre os produtos alegadamente relevantes no mercado português e para o consumidor, sendo que tal não pode ser considerado um facto público e notório;

– (ii) Logo, o universo e amostra dos supra referidos relatórios podem não ser representativos de todo o mercado e de toda a concorrência a ter em conta, entendida esta como alvo de uma comunicação de eficácia de tom exclusivo, como se concluiu;

– (iii) Ainda que tal representatividade possa ser sustentada, os resultados dos testes não definem as possibilidades de as performances das marcas comparadas serem diferencialmente apreciáveis pelos consumidores de tira-nódoas em pó, não indicando, assim, que os resultados obtidos podem ser percetíveis pelos mesmos. Tal, à semelhança do que considerou a ASA (in Chefaro UK Ltd, 8 de dezembro de 2010) e o que a própria RECKITT cita a art.º 34 da contestação, no sentido de que, “…Difícil seria provar que as nódoas não saem com qualquer dos outros detergentes e que, por isso, o consumidor médio consegue aperceber-se das diferenças resultantes dos testes científicos apresentados como prova!”;

– (iv) Ora, mesmo a concluir-se pela bondade da prova de eficácia de Vanish Gold por referência a uma comunicação de tom exclusivo (ou, até, de paridade, o que não se concede que seja o caso), aquela traduzida pelos testes carreados para os autos pela Requerida, sempre se dirá que os resultados dos mesmos testes não são aptos a comprovar as alegações traduzidas pelo simbolismo inerente à clara sujidade apresentada nas duas peças de roupa tratadas com os “outros” tira-nódoas em pó. Dito de outra forma, aqueles não permitem provar a veracidade das alegações de ineficácia à primeira lavagem de todos os concorrentes de Vanish Gold;

– (v) Tal, já que, em conformidade com o que o Júri concluiu nos pontos anteriores, a bondade da prova em análise não pode ser avaliada, somente, por referência à comunicação da imbatível performance do produto da RECKITT mas tem que o ser, igualmente, de acordo com a respetiva aptidão quanto ao péssimo resultado de limpeza alcançado pelos “outros” da concorrência.

Em conformidade, conclui o JE que a comunicação comercial da responsabilidade da RECKITT consubstancia uma ofensa do princípio da veracidade em matéria de publicidade, porquanto a prova apresentada quanto à eficácia do seu produto, não é apta a afastar a enganosidade das alegações publicitárias em lide, entendidas como um todo, na medida em que o que é denunciado não é a inveracidade da alegada eficácia de Vanish Gold, mas antes, a indução em erro do consumidor médio quanto à ineficácia dos produtos concorrentes.

3. Decisão

Termos em que a Segunda Secção do Júri de Ética da ARP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da RECKITT veiculada em suporte televisão – em apreciação no presente processo -, se encontra desconforme com os artigos 4.º, n.º 1, 9.º, n.ºs 1 e 2 e 12.º do Código de Conduta da ARP, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenha o tipo de ilícito apurado pelo JE.

A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética da Auto Regulação Publicitária

Auto Regulação2J / 2018 :: Unilever Fima vs. Reckitt Benckiser