2J/2015
Recurso
Henkel Ibérica Portugal
vs.
Unilever Jerónimo Martins
COMISSÃO DE APELO
Proc. n.º 2J/2015
Recorrente:
“HENKEL IBÉRICA PORTUGAL, UNIP., LDA.”
versus:
“UNILVER JERÓNIMO MARTINS, LDA.”
I- RELATÓRIO
HENKEL Ibérica Portugal, Unipessoal, L.da, identificada nos autos, adiante abreviadamente designada por “HENKEL”, parte contrária de UNILEVER Jerónimo Martins, L.da, identificada nos autos, adiante abreviadamente designada por “ULJM”, recorre para esta Comissão de Apelo da Deliberação da 2ª Secção do JE proferida em 19 de Junho de 2015, no âmbito do processo acima referenciado.
1 – Síntese da tramitação deste processo
O processo teve início com uma queixa apresentada pela ULJM, que visando uma campanha publicitária da marca Persil, sobre um produto detergente em cápsulas, denominado Novo Persil Power Mix Caps, da responsabilidade da HENKEL, feita através de suporte televisivo em vários canais, conforme documento junto pela queixosa.
O anúncio em causa utiliza uma criança em posição destacada em imagem, argumento e narração.
Nele se afirma que o produto em causa é o primeiro detergente do mercado que junta gel e pó. E é apresentado como uma “mistura revolucionária”, conotada na sequência duma fantasia a abrir o anúncio, proclamada com entusiasmo pela criança, em jogo informático – uma mãe fictícia, “mãe do futuro”, com “três pernas e quatro braços”, que “pode jogar ao computador o tempo que quiser”
E nele se faz publicidade comparativa, reclamando-se a cápsula publicitada de “melhor cápsula do mercado”, ao mesmo tempo que numa espécie de gráfico de cinco cápsulas, quatro das quais implicitamente identificáveis com produtos concorrentes, em que na coluna do meio se destaca o produto publicitado que evolui por forma tal que essa coluna sobe destacadamente em relação às demais.
A ULJM questiona legalidade da utilização da criança, uma vez que tem dúvidas de que exista relação directa entre o produto anunciado e as crianças.
Sustenta que a afirmação de prioridade no mercado da mistura do gel tira-nódoas com potenciador em pó não corresponde à verdade e tal é um “exagero inadmissível”, porque, segundo ela, não foi a HENKEL quem introduziu internacionalmente no mercado tal tipo de cápsulas e no mercado português elas chegaram ao mesmo tempo que cápsulas Skip, produto dela, ULJM. Tal afirmação seria, por isso, enganosa.
Sustenta também que a superioridade geral, que constitui claim do anúncio do produto em causa, não está provada e deveria sê-lo, numa comparação “com todos os detergentes presentes no mercado português”, “relativamente a todas e quaisquer características do produto e não apenas em algumas circunstâncias”, e que tal vantagem “é muito significativa”. Junta documentos com vista a provar que tal não ocorre no caso vertente e que a HENKEL tem o ónus de provar tais claims.
Termina pedindo que seja mandado «cessar de imediato a campanha publicitária objecto da denúncia, ordenando a interrupção imediata da utilização das alegações publicitárias objecto da mesma, em quaisquer suportes».
A cópia da queixa foi pelo ICAP remetida à HENKEL, por carta registada com aviso de recepção, no dia 2 de junho de 2015. Era dirigida a “Henkel Ibérica, S.A.”, e na linha inferior da desse destinatário figurava a indicação “A/C Dra. Luís Oliveira”. Tal correio foi recepcionado pelos serviços de segurança do edifício onde a HENKEL tem a sua sede, no dia seguinte, que foi uma quarta-feira.
Decorreu o prazo de resposta – cinco dias úteis, que terminava em 11 de junho – sem que a HENKEL haja contestado nem juntado qualquer documento.
Em 15 de junho deu entrada no ICAP um requerimento subscrito pelo ilustre advogado, com procuração, da HENKEL, no qual esta alega, escorada numa declaração dos seus Recursos Humanos, que a referida Dra. Luísa Oliveira, «esteve férias no período entre os dias 4 e 12 de junho de 2015». Mais é afirmado nesse requerimento que, «tendo em conta a forma como a correspondência em causa estava dirigida – a uma pessoa singular específica dentro da empresa -, a mesma não foi aberta por mais ninguém». E que, nesse caso, «devia-se ter procedido, também, necessariamente, à notificação do advogado signatário», que interviera num acto de mediação, munido de procuração, que fora anteriormente efectuada entre as partes relativamente ao litígio que subjaz no presente processo.
Pelo dito requerimento se pretende que seja declarada a nulidade do processo perante o Júri de Ética do ICAP, pela falta de notificação da petição da ULJM e a abertura dum novo prazo de 5 dias para apresentar a contestação.
A Presidente da 2ª Secção do Júri de Ética, em 16 de junho, decidiu, com fundamentação que expôs «que não existem motivos para deferimento do requerido».
Em 17 de junho o mesmo mandatário de HENKEL apresentou em nome desta um conjunto de sete documentos «que se lhe figuram relevantes para a boa decisão da causa». E anunciou que não apresentava contestação porque tal seria um acto inútil, dada a referida decisão da Presidente da 2ª Secção.
A 2ª Secção do JE, pela deliberação que é objecto dos presentes recurso, decidiu, com base nos fundamentos dela constantes:
– não alterar a decisão que a Presidente tomara de indeferir o requerimento apresentado em 15 de junho;
– que os sete referidos documentos apresentados pela HENKEL a 16 de junho não seriam tomados em consideração pelo Júri;
– que a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida se encontra em desconformidade com o disposto nos artigos 4º e 17º, nºs 1, do Código de Conduta do ICAP e 14º, nº 2 do Código da Publicidade, pois no caso em apreço «a intervenção principal da menor cabe no conceito de “criança-álibi”, o que determina a ausência do requisito “relação direta” entre aquela e o produto comunicado»;
– que no caso há uma prática de publicidade enganosa por omissão, que abrange a ilegibilidade do disclaimer relativo à alegação “Na melhor cápsula do mercado”, e por os claims visuais da sequência de imagens de um gráfico não habilitarem o destinatário com a perceção do alegado grau de superioridade, nem se conformarem com os requisitos de objetividade e suscetibilidade de comprovação exigíveis na publicidade comparativa.
Concluiu deliberando «no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da HENKEL, em apreciação no presente processo, se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4º, nº 1, 9º, nºs. 1 e 2, alínea a) 12º, 15º, nº 2, alíneas a), d), f) e h) e 17º. Nº 1 do Código de Conduta do ICAP, bem como dos artigos 14º, nº 2 e 16º, nº 2, alíneas a) e) e g) do Código da Publicidade e, ainda, 7º, nºa 1, alínea b) e 9º, nº 1, alíneas a) e b) do Decreto-Lei nº 57/2008, de 26 de Março, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipos de ilícito apurados pelo JE».
Desta deliberação interpôs a HENKEL recurso para esta Comissão de Apelo.
Alegou doutamente e concluiu do seguinte modo:
«1ª
Ao julgar improcedente a arguição de nulidade deduzida pela Henkel com fundamento na falta de notificação da queixa, apresentada pela ULJM, ao advogado já constituído por aquela, o JE interpretou mal e violou o artigo 11.º, n.ºs 1 e 2, do RJE, o artigo 247.º do CPC (que consagra um princípio geral de direito processual), o artigo 61.º, n.º 3, do EOA e o artigo 20.º, n.º 2, da CRP.
Consequentemente, deve a Comissão de Apelo revogar a referida decisão e conceder agora prazo à Henkel, de 5 dias úteis, para que esta apresente a sua contestação.
2.ª
Ao indeferir o requerimento de junção de documentos aos autos, apresentado pela Henkel em 17 de junho de 2015, o JE interpretou mal e violou os artigos 11.º, n.º 3, 12.º e 15.º, n.º 5, do RJE e o artigo 423.º, n.º 2, do CPC. Consequentemente, devem os sete documentos apresentados a 17 de junho de 2015 ser agora admitidos pela Comissão de Apelo e, seguidamente, tidos devidamente em conta, no quadro da nova composição do litígio a que venha a proceder.
Subsidiariamente: o JE esteve especificamente mal quanto aos Docs. n.ºs 4, 5 e 7, juntos pelo requerimento de 17 de junho de 2015, dado que os referidos documentos têm data posterior do término do prazo que foi considerado pelo JE para apresentação de contestação e, por conseguinte, comprovadamente não poderiam ter sido apresentados dentro do referido prazo, pelo que, nos termos conjugados do artigo 15.º, n.º 5, do RJE e do artigo 423.º, n.º 2, última parte, do CPC, deviam ter sido sempre considerados. Não se tendo o JE pronunciado acerca desta questão, deve fazê-lo agora a Comissão de Apelo, no sentido de admitir a junção dos três documentos aqui em causa aos autos.
3.ª
Ao decidir ter-se verificado a prática de publicidade testemunhal em violação do artigo 17.º, n.º 1, do CC, o JE conheceu de questão que não foi suscitada pela ULJM e da qual, por conseguinte, não podia conhecer, tendo feito errada interpretação e aplicação do artigo 13.º do RJE.
Consequentemente, deve a Comissão de Apelo declarar a nulidade da decisão, ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
Subsidiariamente: ao decidir ter-se verificado a prática de publicidade testemunhal o JE fez errada interpretação e aplicação do artigo 17.º, n.º 1, do CC.
O que deve ser reconhecido por essa Comissão de Apelo, que deverá então proferir nova decisão que interprete e aplique a referida normas em linha com o que aqui se pugna.
4.ª
O JE, ao decidir que a publicidade em apreço violou, pelas razões expostas supra e para as quais expressamente se remete, os artigos 4.º, n.º 1, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 12.º, 15.º, n.º 2, alíneas a), d), f) e h), e 17.º, n.º 1, do CC, bem como os artigos 14.º, n.º 2, e 16.º, n.º 2, alíneas a), e) e g), do CP, bem como ainda os artigos 7.º, n.º 1, alínea b), e 9.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Decreto-Lei n.º 57/2008, fez errada interpretação das referidas disposições e aplicou-as mal.
O que deve ser reconhecido por essa Comissão de Apelo, que deverá então proferir nova decisão que interprete e aplique as referidas normas em linha com o que aqui se pugna.»
Contestou este recurso a ULJM, alegando doutamente e concluindo:
«a) A HENKEL foi devidamente “notificada” da queixa apresentada pela ULJM e não apresentou qualquer contestação;
b) De acordo com as normas aplicáveis, directa ou subsidiariamente, o ICAP não se encontrava obrigado a notificar o mandatário da HENKEL;
c) Como tal, não enferma o presente processo de qualquer ilegalidade processual;
d) A publicidade ora em causa utiliza como interveniente principal um menor;
e) Não existe uma relação directa entre o menor e o produto anunciado;
f) A HENKEL não apresentou comprovação da alegação publicitária que afirma o seu produto como tendo primazia no mercado e sendo inovador;
g) A HENKEL não apresentou comprovação da afirmação segundo a qual o seu produto é significativamente melhor do que os seus concorrentes;
h) A publicidade em causa faz uma comparação entre o produto anunciado e um conjunto de outros produtos concorrentes;
i) Essa comparação apresenta os produtos concorrentes como sendo ineficazes;
j) Razão pela qual a publicidade ora em causa se encontra desconforme com o disposto nos artigos 4.º, n.º 1, 9.º, n.º 1 e 2 alínea a), 12.º e 15.º, n.º 2 alíneas a), d), f) e h) do CCICAP, bem como no artigo 14.º, n.º 2, 16.º, n.º 2 alíneas a), e) e g) do Código da Publicidade e artigo 7.º, n.º 1 alínea b) e 9.º, n.º 1 alíneas a) e b) do Decreto-Lei 57/2008, de 26 de Março.»
Terminou pretendendo que esta Comissão de Apelo deve
«deliberar manter a decisão proferida pela 2ª Secção do JE, sendo confirmada a determinação no sentido de considerar que a campanha em questão viola as supra citadas disposições do Código de Conduta do ICAP, Código da Publicidade e DL 57/2008.»
2 – Questões prévias processuais
Suscitam-se, no caso sub judice três questões processuais que devem ser decididas antes de se passar à apreciação do mérito da causa.
A primeira é a de saber se houve nulidade do processo a partir da rejeição do requerimento da HENKEL apresentado em 15 de junho; a segunda é a de saber se deviam ser juntos aos autos e levados em consideração na deliberação da Secção recorrida os documentos apresentados pela Henkel em 17 de junho; a terceira é a de saber se a deliberação recorrida foi nula por ter conhecido duma questão não suscitada pela ULJM, designadamente a prática irregular de publicidade testemunhal.
Analisemo-las separadamente:
2.1 – O prazo para a Henkel contestar a queixa da ULJM
O processado depois da rejeição do requerimento de prazo feito em 15 de junho seria nulo, na tese da recorrente, porque ainda não estava precludido o prazo para contestar a queixa. Isto porque, segundo o mesmo requerimento, a notificação da Henkel não fora feita em 3 de junho, pois só nesse dia 15 tomara conhecimento da dita queixa.
Importa pois decidir, com base nos factos resultantes do processo, se a dita notificação foi, ou não, regularmente feita.
A recorrente aponta duas irregularidades para o acto de notificação, a saber: a correspondência enviada pelo ICAP foi dirigida a uma pessoa singular específica dentro da empresa – a dirigente do sector de detergentes, Dr.ª Luísa Oliveira – que entre 4 e 14 de junho estava ausente do escritório da Henkel, no gozo de férias; e uma vez que era dirigida a uma pessoa singular, deveria ter sido remetida também para o advogado constituído, que interviera já, com procuração, no acto de mediação a que a questão subjacente a este litígio fora já submetida.
Quanto à primeira não tem razão a recorrente, pois a mencionada correspondência foi efectivamente dirigida à empresa, e não à Dr.ª Luísa Oliveira. É certo que, por baixo da destinatária, que era a pessoa colectiva, figurava a indicação habitualmente usada da abreviatura de “ao cuidado de” – “A/C”. Mas essa indicação não tinha, neste caso, nem tem habitualmente, um sentido de “reservada” ou “restrita”. Destina-se a ajudar a orientar a distribuição rápida para o sector da pessoa colectiva que provavelmente se ocupará do assunto. Tanto assim é que, havendo aviso de recepção, este não é exigido que seja assinado pela tal pessoa singular referida no “ao cuidado de”. O sentido de indicação restritiva a determinada pessoa singular é dado por outros sinais, como “reservado” ou “em mão”. E não foi esse o caso.
Ora é geralmente admitido – mesmo expressamente pela própria lei processual civil, que nestas matérias é formalista e regulamentada – que a citação de pessoas colectivas se faz quando qualquer seu funcionário na sua sede a recebe. Sem prejuízo do princípio geral aflorado no art. 224º do Código Civil, e sem que isso implique uma aplicação analógica ou sequer subsidiária das normas concretas que regem o processo civil, é este o entendimento que deve ser seguido, como regime normal, na notificação da queixa feita pelo ICAP à parte contra quem esta é dirigida, regulada no art. 11º do Regulamento do Júri de Ética do ICAP.
Também não tem razão a recorrente quando invoca a exigência de envio da notificação em causa para o escritório do advogado mandatário. Mesmo sem necessidade de se invocarem quaisquer outros fundamentos, a mediação não é parte do presente processo, mas sim uma série de diligências inteiramente independentes dele. Não pode ser considerada, sequer uma fase preliminar deste; de forma nenhuma se aproxima das tentativas de conciliação que a lei já tem consagrado como formalidades prévias ao processo ordinário. A mediação é uma via alternativa dos processos, como o vertente, suscitados por queixa (art. 19º do RJE do ICAP). Rege-se por normas e princípios inteiramente diversos.
A notificação a que se refere o nº 1 do art. 11º do RJE do ICAP foi portanto regularmente feita e eficaz em 3 de junho de 2015, como, certeiramente, sustentou a recorrida e decidiu a Secção a qua. O prazo para a contestação terminou em 11 de junho. Por aí não houve nulidade alguma no processo.
2.2 – Oportunidade da junção dos documentos de 17 de junho
Uma vez que não contestou, deveriam os sete documentos apresentados em 17 de junho ter sido juntos aos autos e levados em consideração na deliberação ora recorrida?
É de entender que não.
No processo perante o JE do ICAP, a documentação apresentada pelo contestante deve acompanhar a contestação (art. 11º, nº 3, do RJE do ICAP). Esse é o princípio. Só excepcionalmente será de admitir a junção de novos documentos. E a esses casos não se aplicam, se quer subsidiariamente, as normas do processo civil, as quais, sem embargo de deverem ser tidas em consideração quando reflictam princípios gerais, regulam uma realidade muito diferente do processo perante este Júri de Ética emergente da autorregulação.
A tal respeito, a norma deste processo é a de que apenas serão admitidas novas provas – e só na fase de recurso – se comprovadamente não puderem ter sido apresentadas perante a Secção (art. 15º, nº 5). Para essa impossibilidade não releva por si a data do documento. Se a parte interessada fora já eficazmente notificada, o ónus de apresentar oportunamente documentos com a contestação era seu. Se no prazo que se lhe abriu por essa notificação, ela não contestou, não poderá prevalecer-se da data posterior para invocar a dita impossibilidade em relação a quaisquer documentos, mesmo que emitidos posteriormente ao termo desse prazo.
O requerimento da sua junção aos autos e a sua consideração para efeitos da matéria de facto na questão litigada foi, pois, bem indeferido. E pelos mesmos motivos não devem os ditos documentos ser considerados em sede do presente recurso.
2.3 – Nulidade por conhecimento, pelo Júri, de questões não suscitadas na queixa
Pretende a recorrente que, pelo facto de, segundo ela, a 2ª Secção ter conhecido de questões de que não podia tomar conhecimento provocaria a nulidade da decisão ora recorrida.
A questão não suscitada seria a de ver um testemunho não genuíno nem responsável numa afirmação do menor que intervém no anúncio em causa – a proclamação do produto publicitado como “super poderoso”, o que, segundo a deliberação ora recorrida, contraria o disposto no nº 1 do art. 17º do Código de Conduta do ICAP.
Não pode ser provida tal pretensão.
Ainda que se aceitasse que tal pudesse ser uma questão não suscitada nos autos e que, como tal, não devesse ser objecto de decisão – a retirada de tal fundamento em nada alteraria o sentido da deliberação final. Seria pois algo que vitiatur sed non vitiat. Como tal não há razão alguma para que produzisse um efeito tão grave e desproporcionado como a nulidade do julgado pretendida pela recorrente.
Mesmo que a nulidade da sentença fosse neste caso o efeito num processo regido pelo Código de Processo Civil, maxime por força do seu art. 615º, nº 1, tal regime nunca deveria ser considerado aplicável ao processo perante o JE do ICAP, que se rege por um princípio fundamental de celeridade e do qual a desformalização é o pano de fundo.
A deliberação recorrida não é pois nula pela aludida razão.
3 – Matéria de facto assente relevante para a decisão do recurso
Quanto à questão de meritis, os factos invocados pela queixosa, não tendo sido infirmados pela contestante, e mostrando-se conformes com a prova produzida pela queixosa e com as conclusões da livre apreciação da prova levadas a cado pelo JE, quer na 2ª Secção quer nesta Comissão de Apelo, não conflituando com o que se conhece e é público e notório, devem ser geralmente considerados como provados, nos termos em que o foram pela deliberação ora recorrida.
4 – Apreciação jurídica do objecto da queixa
Tais factos configuram várias violações às normas legais e da autorregulação, a saber:
4.1. – A criança é manifestamente uma interveniente principal do anúncio questionado, até porque a sua intervenção se interliga sintática e semanticamente com os claims invocados sobre o produto. A sua lógica profunda é complementar e acumulada à mensagem fundamental da publicidade, para reforçar a ideia de inovação para maior eficácia, que é leit motif do anúncio.
Mas não há qualquer relação directa entre o menor e o produto anunciado, o que constitui uma infracção ao nº 2 do art. 14º do Código da Publicidade.
4.2. – A superioridade do produto anunciado é apresentada sem restrição a circunstâncias nem critérios. Nessas condições, como não está provada em todas as circunstâncias nem segundo quaisquer critérios, fere o princípio da veracidade (art. 10º, nº 1 do C.P).
4.3. – Também não foi provada neste processo, pela Henkel, como era seu ónus, de que o produto em questão fosse inovador no mercado e que fosse sua a primazia, pelo que o respectivo claim, para efeitos da decisão do processo, também contraria o dito princípio (art. 10º, nº 2 do CP).
4.4. – A publicidade em causa é comparativa. E o modo como é feita infringe as imposições das normas legais e da autorregulação sobre tal forma de publicidade (nomeadamente art. 16º do C.P. e art. 15º do Código de Conduta do ICAP).
Nisso, como em tudo o mais, e ainda em geral quanto aos fundamentos invocados, decidiu bem a 2ª Secção do JE, pelo que se entende que a deliberação recorrida não deve ser revista.
5 – Decisão
Termos em que decidem negar provimento ao recurso, confirmando a deliberação recorrida.».
Lisboa, 14 de Julho de 2015
Augusto Ferreira do Amaral
Vice-Presidente Comissão Apelo
Francisco Xavier do Amaral
Vice-Presidente Comissão Apelo