1J/2017
Fromageries Bel Portugal
vs.
Lactogal – Prod. Alimentares
EXTRACTO DE ACTA
Reunida no vigésimo dia do mês de Janeiro do ano de dois mil e dezassete, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 1J/2017 tendo deliberado o seguinte:
Processo n.º 1J/2017
1. Objeto dos Autos
1.1. A FROMAGERIES BEL PORTUGAL SA. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por FROMAGERIES BEL ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a LACTOGAL – PRODUTOS ALIMENTARES, S.A. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por LACTOGAL ou Requerida), quanto à campanha publicitária dos produtos comercializados sob a sua marca “Mimosa”, com o lema “2017 vai ser boooom, Mimosa é parte de nós” veiculada nos suportes televisão, outdoor, meio digital, pontos de venda e activações de marca, por as suas alegações verbais e visuais, bem como a imagética e a utilização como intervenientes principais de bebés recém-nascidos (crianças até aos 28 dias de vida) e crianças lactentes (crianças entre os 29 dias de vida e os 24 a 36 meses de vida) alegadamente infringir os artigos 6º, 7º/1 e 2 alínea c), 10º, 11º, 13º/3, 14º/1 e 2 do Código da Publicidade e os artigos 3º/4, 4º/1, 5º, 6º, 7º, 9º/1 e 2, alíneas a) e h), 21º, 22º, D3, do Código de Conduta do ICAP.
Notificada para o efeito, a LACTOGAL apresentou contestação.
Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos aos autos pela Requerida.
2. Enquadramento ético-legal
Analisada a comunicação comercial subjacente à campanha publicitária da marca “Mimosa”, sob o lema “2017 vai ser boooom, Mimosa é parte de nós”, verifica-se que os claims verbais associados à mesma não apresentam qualquer desconformidade legal ou ética atendendo ao enquadramento legal e ético publicitário.
Com efeito, as alegações publicitárias verbais constantes do spot associado à campanha em análise são as seguintes:
“Aos olhos de uma criança,Uma nova pessoa no mundo não é apenas mais uma pessoa,É a pessoa mais importante do mundo!Encare o novo ano assim…não complique!2017 vai ser bom!Bom com Mimosa! É parte de nós!”
O objetivo da campanha, como refere a Requerida, “passa por despertar uma atitude positiva perante o novo ano” consubstanciando as alegações publicitárias veiculadas frases inócuas publicitárias não se encontrando desconformidades por si.
No entanto, quanto às alegações visuais e a imagética, e tal como alegado pela Requerente, verifica-se que no spot são intervenientes várias crianças, devendo, assim, este JE ter em atenção a regulamentação legal e ética quanto às comunicações publicitárias em que os menores são intervenientes ou interessados.
Neste ponto, concorda-se com a Requerida no que diz respeito ao facto da comunicação publicitária não ser especialmente dirigida a menores.
Tal como prescreve o art.º 3.º do CC do ICAP, “Uma Comunicação Comercial deve ser avaliada tendo em consideração os conhecimentos, a experiência e a capacidade de discernimento de um Consumidor médio, ou aquele a quem especialmente se destinam, tendo em conta os factores sociais, culturais e linguísticos.”, sendo que, não sendo especialmente dirigida a menores também não lhe são aplicáveis as prescrições especiais constantes do n.º 3 do art.º 3.º ou do art.º 22.º do Código de Conduta (CC) do ICAP. Igualmente não lhe são aplicáveis as disposições do Código de Autorregulação em Matéria de Comunicação Comercial de Alimentos e Bebidas Dirigida a Crianças, cujos princípios e normas “aplicam-se à comunicação comercial, incluída a publicidade, de alimentos e bebidas dirigida a crianças.”
Por outro lado, e não sendo o caso em apreço uma comunicação comercial dirigida a menores, não lhe será também aplicável o prescrito no n.º 1 do art.º 14.º do Código da Publicidade (CP).
Importa, não obstante, ater-nos no disposto no n.º 2 do citado artigo do CP. O normativo dispõe que “Os menores só podem ser intervenientes principais nas mensagens publicitárias em que se verifique existir uma relação directa entre eles e o produto ou serviço veiculado”.
Ora, a visualização do spot publicitário não deixa dúvidas de que os intervenientes principais na mensagem que é veiculada são os menores que nele intervêm.
Senão vejamos:
(i) O spot dá em grande plano uma primeira imagem de um bebé que seguramente terá menos de 12 meses;(ii) A segunda imagem são duas crianças, um bebé também com menos de um ano e uma criança em idade pré-escolar, aparecendo os mesmos intervenientes e apenas estes em duas posições distintas;(iii) A terceira imagem que o spot apresenta tem como interveniente uma outra criança, mais velha que as que apareceram precedentemente, que aparece primeiro sozinho e depois a interagir com um bebé;(iv) As imagens subsequentes repetem cenas de interação entre as mencionadas crianças, sem que seja visível qualquer outro interveniente com ação na mensagem, sendo relevante, entre estas, a imagem veiculada de um bebé, em idade lactente, por duas vezes, sendo que numa delas o berço em que a mesma está colocada remete para um ambiente hospitalar induzindo, assim, tratar-se de um recém nascido.
Conforme é referido pelo JE (cfr. Processo 2J/205) “um interveniente numa encenação não se torna “principal” porque não existam outros ou porque só exista mais um: ele é principal de acordo com a existência ou não de atuação suportada por uma caracterização física e psicológica – mínima que seja e, na publicidade, é-o geralmente -, em ordem a representar uma “personagem atuante”.
Face ao alegado pela Requerida que sustenta que apenas as crianças maiores surgem a beber o leite, poderá ser discutível se quer o recém-nascido quer a criança lactente que intervêm no spot o fazem a título principal ou secundário.
A este respeito, o JE é de opinião que não se poderá considerar neste caso que se está em presença de uma “intervenção secundária” ou de mera “figuração”, como aliás resulta do expresso pela própria Requerida quando menciona, a propósito da mensagem que se pretende veicular no anúncio – um novo ano – que “o consumidor médio, com a experiência comum de vida que tem, sabe que a imagem de um bebé, designadamente do seu nascimento ou das manifestações de ternura e afeto por parte dos irmãos, traduz umas das formas conhecidas de caracterizar a chegada de um novo ano”, donde resulta serem as crianças e nomeadamente, as de menor idade, que são o objeto principal da mensagem que visa publicitar o produto.
Ora, face ao explanado, não restam dúvidas quanto ao facto dos menores serem os intervenientes principais desta mensagem, nos termos expressos no n.º 2 do art.º 14.º do CP.
Resta apurar se a condição exigida para que a intervenção dos menores seja conforme se encontra preenchida, ou seja, verificar se no caso concreto existe a “relação direta entre eles e o produto ou serviço veiculado”, único caso em que se admite a participação dos menores a título principal.
Ora, entende-se relevante para a apreciação da questão o alegado pela Requerente no art.º 20.º da Queixa, nomeadamente quanto ao facto de “O leite de vaca em natureza (pasteurizado e UHT) nunca deve ser introduzido antes dos 12 (preferencialmente 24 – 36) meses de vida da criança”, facto que a comprovar-se determina que o produto anunciado não está diretamente relacionado com as crianças que surgem no spot como intervenientes principais, sendo assim desconforme ao enquadramento legal e ético publicitário.
Analisando o que entende a doutrina e a jurisprudência quanto a esta “relação direta” com os menores, verifica-se a existência de uma decisão da Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria de Publicidade, de 6 de Fevereiro de 1998 no processo nº 310-D, na qual é expresso o entendimento de que “ao condicionar a intervenção de menores nas mensagens publicitárias o nº 2 do artigo 14º do Código da Publicidade pretende ilegitimar o abuso da utilização da sua imagem como forma de atrair, naturalmente, a atenção dos consumidores e de os sensibilizar através da inocência e graça próprias das crianças, criando nos consumidores a propensão para a compra e aquisição desses bens ou produtos onde os menores interviessem injustificadamente”, sendo que, “ao só permitir a intervenção de menores como intervenientes principais nas mensagens publicitárias em que se verifique existir uma relação directa entre eles e o produto ou serviço veiculado, faz com que a regra, em termos genéricos, seja a de que os menores só podem ser intervenientes principais na publicidade de bens ou serviços que lhes sejam especialmente destinados”.
A decisão da CACMEP é de 1998, sendo importante considerar a evolução no entendimento deste dispositivo e, neste contexto, é de referir o alegado pela Comissão de Apelo do ICAP no âmbito do Processo n.º 3J/2007, citando a Desembargadora Ana Luísa Geraldes, in Direito da Publicidade, pág. 175, que interpreta o preceito como só sendo “admitida a intervenção dos menores quando o bem anunciado se liga directamente com eles, pelo «destino, natureza, interesse ou utilização própria». “Não é exigível portanto que a mensagem publicitária se dirija aos menores, que os tenha como principais destinatários. Pelo contrário.
A protecção legal é até mais rigorosa sempre que encara os menores como destinatários da mensagem, pelo que não pode ser esse o sentido da exigência legal do nº 2 do art. 14º. O legislador desconfia mais e é mais rigoroso e severo quando pensa nos menores como alvo da mensagem publicitária. A mensagem com intervenientes menores pode dirigir-se aos adultos. O que não pode é utilizar os menores como instrumento do objectivo de promoção dum produto que lhes é alheio ou que só indirectamente se relaciona com eles, um produto que nem pelo destino, nem pela natureza, nem pelo interesse, nem pela utilização própria, não tem relação directa com menores.”.
Permitimo-nos ir buscar a citação completa da Dra. Ana Geraldes, com a qual este JE concorda: ”É nosso entendimento que a expressão relação directa inserida no nº 2, do citado artigo, deve ser interpretada no sentido de que essa relação está interligada directamente com o destino, natureza, interesse ou utilização própria que o menor faz do bem ou produto anunciado: com tudo aquilo que integra o denominado Universo e Mundo da Criança.”.
Entende, assim, este JE que face ao estipulado no art.º 12.º do CC do ICAP, competia à Requerida efetuar prova desta relação direta entre os menores intervenientes principais na campanha publicitária de que é responsável e o produto anunciado.
Com efeito, não tendo o JE quaisquer dúvidas quanto ao alegado pela Requerida no art.º 36.º da sua contestação, de que “o leite é um alimento importante na alimentação das crianças, que se encontram em crescimento”, entende que esta relação direta não é evidente para todas as crianças, em especial a recém-nascidos e lactentes.
Analisada a contestação da Requerida e documentação junta, o JE não considera demonstrada esta relação direta.
Com efeito, não se depreende dos documentos n.º 1 e n.º 2 juntos pela Requerida que o leite anunciado seja adequado às crianças intervenientes principais do spot em análise, antes resultando que o referido produto não será, pelo menos, adequado a crianças com idade inferior a um ano (confr. documento n.º 2, 3.ª página correspondente à página 36 do documento integral), conforme a própria Requerida admite em contestação.
De acordo com o que se sustentou, entende o JE que quer o recém-nascido quer a criança lactente que intervêm no spot o fazem a título principal dado que são as crianças e nomeadamente, as de menor idade, que são o objeto principal da mensagem que visa publicitar o produto.
Assim, embora apenas se possa visualizar duas crianças a beber leite no spot em análise, entende-se que as restantes crianças intervêm na mensagem também a título principal, tendo ficado por demonstrar que o produto anunciado se liga diretamente com eles, pelo «destino, natureza, interesse ou utilização própria», motivo pelo qual a mensagem viola o n.º 2 do art.º 14.º do CP, que se considera assim ilícita.
Ademais, existindo na representação de imagem crianças de idade muito jovem – recém-nascidos -, o JE considera que a comunicação comercial é suscetível de induzir em erro o Consumidor no que respeita ao que a alínea a) do n.º 2 do art.º 9.º do CC do ICAP denomina de “campo de aplicação” e que aqui será o grupo-alvo do produto, bem como quanto aos “efeitos na saúde do consumidor” mencionados na alínea h) do mesmo artigo porquanto pode induzir o consumidor a acreditar que o produto anunciado é próprio para o conjunto dos menores representados na imagem associada à comunicação comercial, o que não é verdade, conforme já referido e aliás admitido pela Requerida nos art.ºs 43.º e seguintes da contestação.
3. Conclusão
Termos em que a Primeira Secção do JE delibera no sentido que a comunicação comercial da responsabilidade da LACTOGAL em apreciação no presente processo se encontra desconforme com o disposto no n.º 1 do art.º 4.º, no n.º 1 e alínea a) e h) do n.º 2 do art.º 9.º e art.º 12.º do Código de Conduta do ICAP, bem como o n.º 2 do art.º 14.º do Código da Publicidade, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipo de ilícito apurados pelo JE.
A Presidente da Primeira Secção do Júri de Ética