Mais recentes

1J / 2017 – Recurso :: Lactogal – Prod. Alimentares vs. Fromageries Bel Portugal

1J/2017

Recurso

Lactogal – Prod. Alimentares
vs.
Fromageries Bel Portugal

COMISSÃO DE APELO

Proc. n.º 1J/2017

Recorrente:“LACTOGAL – PROD. ALIMENTARES, SA”versus:“FROMAGERIES BEL PORTUGAL”

I- RELATÓRIO

1. “LACTOGAL – PRODUTOS ALIMENTARES, S.A.” recorreu para esta Comissão de Apelo da Deliberação da 1ª Secção do Júri de Ética do ICAP, proferida a 20 de Janeiro de 2017, no âmbito do processo acima referenciado.

2. O processo teve início com uma queixa apresentada pela “FROMAGERIES BEL PORTUGAL, S.A.”, adiante designada por BEL PORTUGAL, contra “LACTOGAL – PRODUTOS ALIMENTARES, S.A.”, adiante designada por LACTOGAL.

Na sua petição, a BEL PORTUGAL sustentou, em síntese, que:
A LACTOGAL lançou uma campanha publicitária dos produtos comercializados sob a sua marca “Mimosa”, com o lema “2017 vai ser boooom, Mimosa é parte de nós”.

Foi difundido um anúncio publicitário alusivo a esta campanha do leite Mimosa contendo as seguintes alegações publicitárias verbais (locução) na língua Portuguesa:“Aos olhos de uma criança,Uma nova pessoa no mundo não é apenas mais uma pessoa,É a pessoa mais importante do mundo!Encare o novo ano assim…não complique!2017 vai ser bom!Bom com Mimosa! É parte de nós!”

São intervenientes principais do anúncio publicitário, exclusivamente, bebés recém-nascidos e bebés com apenas alguns meses de vida (até seis meses) além de outras crianças lactentes com idades até aos 24 a 36 meses de idade (aproximadamente).

Não é visível no anúncio qualquer presença de adultos e as múltiplas cenas apresentadas reproduzem invariavelmente crianças lactentes a interagir com os bebés e recém-nascidos, supostamente em ambiente familiar.

O anúncio conclui com a alegação visual de uma criança lactente com idade inferior a 36 meses a dizer “Booom” a que se segue a locução verbal: “2017 vai ser bom! Bom com Mimosa! É parte de nós!”

Este anúncio comunica comercialmente o vínculo significante entre os lactentes e o Leite Mimosa, entre os lactantes e a marca Mimosa (“É parte de nós”) e vice-versa.

O anúncio estabelece uma relação direta entre os produtos Mimosa e os bebés e crianças lactentes intervenientes.

Os bebés e demais crianças lactentes são apresentados como consumidores dos produtos Mimosa e estes são apresentados como especialmente dirigidos a estes, designadamente o leite Mimosa.

A indicada comunicação comercial da LACTOGAL relativa aos produtos comercializados sob a marca Mimosa, designadamente o anúncio publicitário e todas as suas alegações verbais e visuais, em qualquer suporte, violam a lei e também os princípios e práticas deontológicas e profissionais aplicáveis.

3. A LACTOGAL contestou, alegando, em síntese:

A comunicação comercial não é ilícita, cumpre com os requisitos da identificabilidade, veracidade e respeita integralmente os direitos do consumidor, não se afigurando, sequer como mera hipótese de raciocínio, possível considerarem-se violados os arts. 6.º e 10.º do Código da Publicidade.

Não se identificam quaisquer fundamentos para que a comunicação comercial realizada pela LACTOGAL possa ser considerada como ofensiva dos valores e princípios fundamentais constitucionalmente consagrados, muito menos que atente contra a dignidade da pessoa humana, pelo que se jamais se poderão considerar violados os n.ºs 1 e 2, alínea c), do art. 7.º do Código da Publicidade, bem como o art. 5.º do Código de Conduta do ICAP.

A comunicação comercial realizada pela LACTOGAL não viola qualquer preceito constante do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de março, sendo concordante com o que dispõe o art. 11.º do Código da Publicidade, bem como o art. 9.º do Código de Conduta do ICAP, na medida em que, em nenhum momento, se afigura enganosa nas relações estabelecidas entre aquela e os consumidores.

A mencionada comunicação comercial não induz em erro o consumidor médio quanto às características essenciais ou determinantes para influenciar a escolha do produto comercializado, nem tão pouco o faz relativamente aos efeitos na saúde do consumidor, pelo que se deverão considerar estritamente cumpridas as exigências decorrentes das alíneas a) e h) do n.º 2 do art. 9.º do Código de Conduta do ICAP.

A comunicação comercial realizada pela LACTOGAL não encoraja quaisquer comportamentos prejudiciais à saúde e segurança do consumidor, pelo que jamais poderá considerar-se violado o disposto nos arts. 13.º do Código da Publicidade e 21º, do Código de Conduta do ICAP.

Não existe especial target infantil relativo à comunicação comercial realizada pela LACTOGAL (ou seja, a mesma não é especialmente dirigida a bebés e crianças) e, ainda que se considerasse existir, a mesma estaria em total concordância com o teor do n.º 1 do art. 14.º do Código da Publicidade, bem como do n.º 4 do art. 3.º, do art. 22.º e do art. 3 do Código de Conduta do ICAP.

A comunicação comercial em causa é, portanto, lícita e conforme às boas práticas, nos termos do n.º 2 do art. 14.º do Código da Publicidade.

4. Pronunciando-se sobre a queixa apresentada, veio a 1ª Secção do JE, a deliberar que “a comunicação comercial da responsabilidade da LACTOGAL em apreciação no presente processo se encontra desconforme com o disposto no n.º 1 do art.º 4.º, no n.º 1 e alínea a) e h) do n.º 2 do art.º 9.º e art.º 12.º do Código de Conduta do ICAP, bem como o n.º 2 do art.º 14.º do Código da Publicidade, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais – caso se mantenham os tipo de ilícito apurados pelo JE.”

5. Desta deliberação, a LACTOGAL interpôs recurso para esta Comissão de Apelo.

Na sua douta alegação, em conclusão, disse:A)   A campanha publicitária intitulada “2017 vai ser bom”, divulgada pela LACTOGAL, consiste num filme institucional de “Ano Novo”, veiculando, apenas e tão só, o leite da marca “Mimosa”.B)   O consumidor médio, com a experiência comum de vida que tem, sabe que a imagem de um bebé, designadamente do seu nascimento ou das manifestações de ternura e afeto por parte dos irmãos, traduz-se numa das formas conhecidas de caracterizar a chegada de um novo ano.C)   São apenas duas as crianças, com bem mais de 12 meses, que surgem a beber leite e/ou a dizer “booooooom”, ou seja, são elas os intervenientes principais da campanha publicitária veiculada pela LACTOGAL.D)   Nenhuma das outras crianças, designadamente os bebés, ali aparecem a beber leite.E)   A intervenção das crianças recém-nascidas e as lactantes consubstancia apenas uma “intervenção secundária” ou de mera “figuração”.F)   É evidente, clara, pública, notória e, por isso, indesmentível, a existência da relação direta entre o leite e as crianças, legitimando, por essa razão, a intervenção dos mesmos no filme.G)   É, também, público e notório, decorrente da experiência de vida, que os bebés, até á idade de 12 meses, não consomem leite de vaca e, portanto, ninguém pode ser induzido em erro através da visualização do filme em causa.H)   A presente campanha publicitária respeita, integralmente, as regras relativas à intervenção de crianças em comunicações comerciais, quer aquelas previstas no Código da Publicidade (art. 14º), quer as previstas no Código de Conduta do ICAP (art. 22º), quer as previstas no Código de Autorregulação em Matéria de Comunicação Comercial de Alimentos e Bebidas dirigidas a Crianças (cf. pontos 2, 3, 4 e 5).I)   Todas as crianças têm – sejam como consumidores atuais, sejam como consumidores futuros – uma relação direta com o leite, pelo que é consentida a sua intervenção nas mensagens publicitárias que se destinem à promoção daquele produto, como é o caso do filme em questão (cf. arts. 14º, nº 2 do Código da Publicidade).J)   Verifica-se a existência de um nexo direto entre os produtos comercializados através da marca “Mimosa” e as crianças.K)   Trata-se portanto de um spot publicitário resultante de um conjunto de imagens em movimento acompanhadas de uma narração do qual se retira uma clara dimensão temporal e que confere um contexto ao spot publicitário L)   Assim a mensagem não se traduz num anúncio apenas a um determinado produto mas sim num anúncio de Ano Novo da marca “MIMOSA”.M)   Este tipo de imagens articuladas com a narração confere ao destinatário uma construção analítica da comunicação comercial que em nada influencia a sua escolha no que toca a produtos lácteos dirigidos a recém-nascidos ou lactantes.N)   A presente comunicação comercial, em nenhum momento comunica qualquer característica de produtos lácteos, muito menos essas características são comunicadas por forma a induzir o consumidor médio a configurá-los como apropriados para recém-nascidos e lactantes.O)   Tal resulta comprovado pelo facto de as alegações, que não foram objeto de qualquer censura, não comunicarem qualquer mensagem que pudesse inserir os recém-nascidos e lactantes como destinatários do leite MIMOSA.P)   A participação de recém-nascidos e lactantes é um mero reflexo da imagem positiva que a marca tenta transparecer como futuros consumidores de leite UHT que aqueles serão, sendo a sua participação secundária, não atuante.Q)   Quanto à suposta violação das alíneas a) e h) do n.º 2 do art.º 9.º do CC do ICAP, designadamente quanto ao “campo de aplicação”, bem como em relação aos efeitos na saúde do leite em crianças, ficou demonstrado que o filme publicitário em causa não viola a lei, acautelando os interesses dos menores que visa proteger com as regras que estabelece para permitir a sua intervenção em comunicações comerciais.

6. A Bel Portugal contra-alegou, assim concluindo:A) A douta decisão recorrida do Júri de Ética mostrar-se adequada e conforme, legal e eticamente, à justa composição do caso em apreço.B) A Recorrente não logrou provar que existe uma relação direta entre crianças com idade inferior a um ano e o produto veiculado, resultando até dos autos o inverso, pois o leite de vaca em natureza (pasteurizado e UHT) nunca deve ser introduzido antes dos 12 (e preferencialmente entre os 24 e os 36) meses de vida da criança.C) A própria Recorrente admite este facto, confessando, no ponto G das suas Conclusões de recurso, que “os bebés, até à idade de 12 meses, não consomem leite de vaca”.D) Assim sendo, torna-se clara a inexistência de uma relação direta entre o leite “Mimosa” e as crianças que intervêm, a título principal, na campanha publicitária em apreço.E) Como decidiu a Comissão de Aplicação de Coimas em Matéria de Publicidade, em 6 de Fevereiro de 1998 (processo nº 310-D), ao condicionar a intervenção de menores nas mensagens publicitárias, o n.º 2 do artigo 14.º do Código da Publicidade pretende impedir o abuso da utilização da sua imagem como forma de atrair a atenção dos consumidores e de os sensibilizar através da inocência e graça próprias das crianças, criando a propensão para a compra e aquisição desses bens ou produtos onde os menores interviessem injustificadamente.F) Também quanto a este ponto é a própria Recorrente que confessa utilizar aqueles menores na sua comunicação publicitária, de modo a transmitir ao consumidor “uma mensagem de ternura e esperança (…), apelando a um sentimento de otimismo”.G) A Recorrente confirma, em suma, que usa as imagens daqueles menores para estimular – através da inocência e graça próprias das crianças ou, para usar as palavras da própria Recorrente, a sua “ternura” – a aquisição de bens que não se relacionam diretamente com eles. H) O trânsito do ano de 2016 para 2017, nomeadamente as semanas do Natal (de 19 a 25 de Dezembro e de 26 de Dezembro a 1 de Janeiro) não são aqui o propósito, mas o pretexto.I) Como é sabido por todos, a “época natalícia” e o período mais importante do ano em termos de consumo, nomeadamente de televisão, mas também dos outros media, e a LACTOGAL, à semelhança de muitos outros anunciantes, reforçou massivamente o seu investimento publicitário em leite Mimosa, como aliás foi patente, centrando-o exclusivamente no lançamento da campanha com o lema “2017 vai ser boooom, Mimosa é parte de nós”, veiculada nos suportes televisão, outdoor, meio digital, pontos de venda e ativações da marca.J) O spot publicitário em causa apresenta um recurso insistente à imagética de bebés recém-nascidos e crianças lactentes, “sendo relevante, entre estas, a imagem veiculada de um bebé, em idade lactente, por duas vezes, sendo que numa delas o berço em que a mesma está colocada remete para um ambiente hospitalar induzindo, assim, tratar-se de um recém-nascido”.K) Neste contexto, o Júri de Ética do ICAP afirma também, e bem, que “não se poderá considerar neste caso que se está em presença de uma “intervenção secundária” ou de mera “figuração”, como aliás resulta do expresso pela própria Requerida quando menciona, a propósito da mensagem que se pretende veicular no anúncio – um novo ano – que “o consumidor médio, com a experiência comum de vida que tem, sabe que a imagem de um bebé, designadamente do seu nascimento ou das manifestações de ternura e afeto por parte dos irmãos, traduz uma das formas conhecidas de caracterizar a chegada de um novo ano”, donde resulta serem as crianças e nomeadamente, as de menor idade, que são o objeto principal da mensagem que visa publicitar o produto” – aliás, note-se que a Recorrente insiste nesta mensagem nas suas alegações recursivas, cf. ponto B) das respetivas Conclusões.L) Como decidiu o Júri de Ética do ICAP no processo n.º 2J/2015, “Interpretando a norma do n.º 2 do artigo 14.º do Código da Publicidade, à luz da respetiva ratio legis, crê o Júri que o conceito de “intervenção principal” na mensagem publicitária se apura de acordo com critérios de “quantidade”, e não, de “qualidade da intervenção”. “(…) Assim, quer o JE salientar que, um interveniente numa encenação não se torna “principal” porque não existam outros ou porque só exista mais um: ele é principal de acordo com a existência ou não de atuação suportada por uma caracterização física e psicológica – mínima que seja e, na publicidade, é-o geralmente -, em ordem a representar uma “personagem atuante”.“(…) Assim, entende o Júri que, a criança interveniente na campanha publicitária televisiva em apreço assume a qualidade de interveniente principal, porquanto representa um “tipo simbólico”, cuja imprescindibilidade assenta no facto de o pequeno “enredo” não ser possível sem aquela”. M) É inegável que os bebés representados na campanha da LACTOGAL são “personagens atuantes” da mesma, representando um “tipo simbólico” cuja imprescindibilidade assenta no facto de não ser o enredo possível sem a sua intervenção – aliás, é a própria Recorrente que o diz, nas suas alegações de recurso, quando refere que procurou transmitir “uma mensagem de ternura e esperança no início de um Novo Ano, concretamente o de 2017, apelando a um sentimento de otimismo” e que “a imagem de um bebé, designadamente, do seu nascimento ou das manifestações de ternura e afeto por parte dos irmãos traduz-se numa das formas conhecidas de caracterizar a chegada de um novo ano”.N) Mas, ainda que assim não fosse, a verdade é que, como aliás reconhece expressamente o ICAP na douta decisão em apreço, “o leite de vaca em natureza (pasteurizado e UHT) nunca deve ser introduzido antes dos 12 (preferencialmente 24 – 36) meses devida da criança”, sendo que “existindo na representação de imagem crianças de idade muito jovem – recém-nascidos – o JE considera que a comunicação comercial é suscetível de induzir em erro o consumidor (…) porquanto pode induzir o consumidor a acreditar que o produto anunciado é próprio para o conjunto dos menores representados na imagem associada à comunicação comercial, o que não é verdade”.O) Ademais, os interesses das crianças de idade muito jovem são postos em risco por esta peça publicitária, atenta a possibilidade de o consumidor médio a poder interpretar no sentido de que o leite de vaca “Mimosa” é adequado a recém-nascidos e a crianças lactentes, não sendo obviamente um facto notório que assim não seja, como se demonstrou.P) Neste quadro, “consubstanciando a norma do n.º 2 do artigo 14.º do Código da Publicidade, “uma limitação e restrição ao conteúdo da publicidade” destinada a assegurar “a proteção dos menores, de forma a salvaguardar o seu desenvolvimento físico, mental ou moral” (cf. processos n.º 187/2003/CA, de 11 de Dezembro de 2003, n.º 2203/2003/CA, de 4 de Março de 2004, n.º 2204/2003/CA, de 4 de Março de 2004, e n.º 2273/2004/CA, de 6 de Janeiro de 2005 e ponto 2.4. da contestação), parece ser legítimo sustentar-se que, quando tais interesses dos menores sejam postos em risco por uma determinada peça publicitária, concluir-se-á pela ilegitimidade da sua eventual intervenção, quer esta assuma os contornos de intervenção principal, quer de intervenção secundária, quer ainda, de figuração, para tal bastando acionar, também, o disposto nos artigos 7º e 13º do Código da Publicidade” – cf. decisão do ICAP proferida no processo n.º 8J/2007.Q) Donde, tal intervenção será ainda assim ilegítima, já que o consumo de leite de vaca naquelas idades é nocivo para a saúde das crianças, sendo a própria LACTOGAL que reconhece, nas suas alegações recursivas, que, naquela campanha, procurou estabelecer “a existência de relação direta entre o leite e as crianças”.R) Donde, deverá o entendimento sufragado pelo Júri de Ética ser confirmado na decisão a tomar pela presente Comissão de Apelo, de forma integral, em nome de todos os princípios que devem nortear a atividade publicitária, designadamente, os plasmados no n.º 1 do artigo 4.º, no n.º 1 e alíneas a) e h) do n.º 2 do artigo 9.º e artigo 12.º do Código de Conduta do ICAP, bem como no n.º 2 do artigo 14.º do Código da Publicidade.

II – FUNDAMENTAÇÃO

7. A matéria de facto provada a ter em conta na apreciação deste recurso é a que consta da decisão recorrida, para cujos termos se remete.

8. Cumpre apreciar e decidir se:- Os menores que figuram no anúncio em causa são intervenientes principais nessa mensagem publicitária;- Existe uma relação direta entre esses menores e o produto ou serviço veiculado;- A mensagem publicitária viola o disposto nas alíneas a) e h), do n.º 2 do art.º 9.º, do Código de Conduta do ICAP (CC-ICAP) e no nº2, do art.º. 14º, do Código da Publicidade (CP).

9. Enquadramento ético-legal

Neste recurso está em causa a comunicação comercial da responsabilidade da recorrente, sob o lema “2017 vai ser boooom, Mimosa é parte de nós”, no que toca às alegações visuais e a imagéticas constantes de anúncio publicitário em que são intervenientes diversas crianças.

A recorrente considera que a comunicação comercial em causa respeita, integralmente, as regras relativas à intervenção de crianças em comunicações comerciais, quer as previstas no Código da Publicidade (art. 14º), quer as previstas no Código de Conduta do ICAP (art. 22º), quer as previstas no Código de Autorregulação em Matéria de Comunicação Comercial de Alimentos e Bebidas dirigidas a Crianças.

Em abono da sua pretensão, sustenta, no essencial, que:
A intervenção das crianças recém-nascidas e as lactantes consubstancia apenas uma “intervenção secundária” ou de mera “figuração”.

É pública e notória a existência da relação direta entre o leite e as crianças, legitimando, por essa razão, a intervenção dos mesmos no filme.

É, também, público e notório, decorrente da experiência de vida, que os bebés, até à idade de 12 meses, não consomem leite de vaca e, portanto, ninguém pode ser induzido em erro através da visualização do filme em causa.

A mensagem não se traduz num anúncio apenas a um determinado produto mas sim num anúncio de Ano Novo da marca “MIMOSA”.

A presente comunicação comercial, em nenhum momento, comunica qualquer característica de produtos lácteos, muito menos essas características são comunicadas por forma a induzir o consumidor médio a configurá-los como apropriados para recém-nascidos e lactantes.

Sobre esta matéria, pronunciou-se o JE nos seguintes termos:“( …) a visualização do spot publicitário não deixa dúvidas de que os intervenientes principais na mensagem que é veiculada são os menores que nele intervêm. Senão vejamos:(i)   O spot dá em grande plano uma primeira imagem de um bebé que seguramente terá menos de 12 meses;(ii)   A segunda imagem são duas crianças, um bebé também com menos de um ano e uma criança em idade pré-escolar, aparecendo os mesmos intervenientes e apenas estes em duas posições distintas;(iii)   A terceira imagem que o spot apresenta tem como interveniente uma outra criança, mais velha que as que apareceram precedentemente, que aparece primeiro sozinho e depois a interagir com um bebé;(iv)   As imagens subsequentes repetem cenas de interação entre as mencionadas crianças, sem que seja visível qualquer outro interveniente com ação na mensagem, sendo relevante, entre estas, a imagem veiculada de um bebé, em idade lactente, por duas vezes, sendo que numa delas o berço em que a mesma está colocada remete para um ambiente hospitalar induzindo, assim, tratar-se de um recém-nascido.”(…)“Resta apurar se a condição exigida para que a intervenção dos menores seja conforme se encontra preenchida, ou seja, verificar se no caso concreto existe a “relação direta entre eles e o produto ou serviço veiculado”, único caso em que se admite a participação dos menores a título principal.

Ora, entende-se relevante para a apreciação da questão o alegado pela Requerente no art.º 20.º da Queixa, nomeadamente quanto ao facto de “O leite de vaca em natureza (pasteurizado e UHT) nunca deve ser introduzido antes dos 12 (preferencialmente 24 – 36) meses de vida da criança”, facto que a comprovar-se determina que o produto anunciado não está diretamente relacionado com as crianças que surgem no spot como intervenientes principais, sendo assim desconforme ao enquadramento legal e ético publicitário.”(…)“Não tendo o JE quaisquer dúvidas quanto ao alegado pela Requerida no art.º 36.º da sua contestação, de que “o leite é um alimento importante na alimentação das crianças, que se encontram em crescimento”, entende que esta relação direta não é evidente para todas as crianças, em especial a recém-nascidos e lactentes.”(…)“O JE não considera demonstrada esta relação direta. Com efeito, não se depreende dos documentos n.º 1 e n.º 2 juntos pela Requerida que o leite anunciado seja adequado às crianças intervenientes principais do spot em análise, antes resultando que o referido produto não será, pelo menos, adequado a crianças com idade inferior a um ano (confr. documento n.º 2, 3.ª página correspondente à página 36 do documento integral), conforme a própria Requerida admite em contestação.”(…)“Assim, embora apenas se possa visualizar duas crianças a beber leite no spot em análise, entende-se que as restantes crianças intervêm na mensagem também a título principal, tendo ficado por demonstrar que o produto anunciado se liga diretamente com eles, pelo «destino, natureza, interesse ou utilização própria», motivo pelo qual a mensagem viola o n.º 2 do art.º 14.º do CP, que se considera assim ilícita.

Ademais, existindo na representação de imagem crianças de idade muito jovem – recém-nascidos -, o JE considera que a comunicação comercial é suscetível de induzir em erro o Consumidor no que respeita ao que a alínea a) do n.º 2 do art.º 9.º do CC do ICAP denomina de “campo de aplicação” e que aqui será o grupo-alvo do produto, bem como quanto aos “efeitos na saúde do consumidor” mencionados na alínea h) do mesmo artigo porquanto pode induzir o consumidor a acreditar que o produto anunciado é próprio para o conjunto dos menores representados na imagem associada à comunicação comercial, o que não é verdade, conforme já referido (…).”

Cremos que o JE decidiu acertadamente.

Com efeito:
A proteção dos menores face à publicidade constitui uma das preocupações do legislador, nacional, europeu e internacional, bem como de diversos organismos empenhados na tutela dos direitos da criança.

Por sua vez, a necessidade de uma proteção específica dos menores tem também mobilizado associações de consumidores, de anunciantes, de industriais, organismos de autorregulação e câmaras de comércio internacional que, através de recomendações, códigos de conduta e guias de boas práticas, fixam regras e princípios em matéria de publicidade visando salvaguardar os direitos dos menores.

Como todos sabemos, atualmente, a criança exerce uma grande influência sobre as opções de compra dos adultos que lhe estão próximos, daí a necessidade de as proteger contra todas as formas de aproveitamento pelos agentes económicos desejosos de promover os seus produtos junto daqueles, por intermédio das suas crianças.
Por outro lado, a criança capta com muito mais facilidade a atenção do destinatário da mensagem publicitária e provoca um efeito mental positivo nos adultos a quem o anúncio se dirige, sensibilizados/enternecidos pelo seu natural encanto e graciosidade.

A participação dos menores em atividades publicitárias não poderia, pois, deixar de ser regulamentada.

Os sistemas de proteção dos menores face à publicidade podem agrupar-se em dois grandes grupos: uns, defendendo uma interdição pura e simples; outros, a favor de uma regulamentação (mais ou menos estrita) do conteúdo publicitário.

Portugal adoptou este último modelo, criando um conjunto de regras a que deve obedecer a difusão da mensagem publicitária.

Entre nós, e no que releva para a decisão deste recurso, a utilização dos menores na prática publicitária está sujeita aos princípios gerais enunciados no art.º. 6º,do Código da Publicidade (CP) designadamente os da licitude, veracidade e respeito pelos consumidores, sendo ainda de destacar o respeito pela dignidade da pessoa humana, ao qual, atenta a especial vulnerabilidade dos menores, deve dar-se especial importância.

O Código da Publicidade estabelece também restrições ao conteúdo da publicidade dirigida a menores ou em que estes surjam como atores.

Também o Código de Conduta do ICAP (CC_ICAP)  enuncia as regras a que devem obedecer as comunicações comerciais dirigidas a crianças e jovens (cf. art.º. 22º).

Atentemos, agora, no art.º. 14º, nº2, do CP, segundo o qual “os menores só podem ser intervenientes principais nas mensagens publicitárias em que se verifique existir uma relação direta entre eles e o produto ou serviço veiculado.”

Como decorre deste preceito “importa aferir que tipo de relação existe entre os menores, enquanto menores, e o produto ou serviço veiculado através da mensagem: se se considerar existir uma relação indireta, o menor apenas poderá intervir na mensagem a titulo secundário ou como figurante; se existir uma relação direta, o menor pode intervir não só a título secundário, mas também como protagonista ou interveniente principal.”

Parece, assim, ser clara a vontade do legislador no sentido de interditar a utilização da “criança-alibi” ou “criança-objeto”, em todas as promoções de bens ou serviços que não lhe digam diretamente respeito, proibindo-se a utilização da criança, enquanto ator principal, quando se trate de publicidade a produto ou serviço que, pela sua natureza, qualidade ou utilização, não deva ser posta à disposição das crianças.

Esta foi a razão pela qual o legislador decidiu proteger os menores, permitindo a sua intervenção apenas em campanhas com uma relação direta (isto é, especial) entre os menores e o produto ou serviço publicitado, estabelecendo, por outro lado, o n.º 1 do art. 14.º, do CP as abstenções que as campanhas dirigidas aos menores devem respeitar.

De outro modo, poderia levar a um abuso da utilização de menores em publicidade, de forma a atrair os possíveis consumidores pelo enternecimento que as crianças normalmente provocam nas pessoas.
Como se refere no acórdão da Relação de Lisboa de 21/02/2002 (www.dgsi.pt), a ideia de interveniente principal, expressão do texto legislativo, tem em vista rejeitar a utilização da “criança objeto” que, pelas suas características atrativas, próprias dos seres pequenos, desperta, de imediato no consumidor uma reação que potencialmente poderá levar à compra exercendo assim, através da criança o incitamento ao consumo e persuasão. É o aproveitamento das crianças, enquanto crianças, do seu encanto e graciosidade que se pretende evitar com disposições desse tipo (…).”

Ora, no caso em apreciação, como sublinha – e bem – o Júri de Ética na sua douta decisão e refere a recorrida, nas suas contra alegações, “ o spot publicitário em causa apresenta um recurso insistente à imagética de bebés recém-nascidos e crianças lactentes: na primeira imagem, dá em grande plano a representação de um bebé que seguramente terá menos de 12 meses; por sua vez, a segunda imagem é composta por duas crianças, uma delas um bebé também com menos de um ano; a terceira imagem apresenta inicialmente uma outra criança, mais velha, que depois interage com um bebé; e as imagens subsequentes repetem cenas de interação entre menores, sendo relevante, entre estas, a imagem veiculada de um bebé, em idade lactente, por duas vezes, sendo que numa delas o berço em que a mesma está colocada remete para um ambiente hospitalar induzindo, assim, tratar-se de um recém-nascido”.

É, assim, a nosso ver, inquestionável que as crianças – e muito particularmente os bebés, cujas imagens ocupam praticamente o tempo de duração do anúncio – detêm todo o protagonismo na comunicação comercial da responsabilidade da recorrente, numa demonstração inequívoca de que estão a representar o papel de atores principais, e não meramente secundários.

Por outro lado, como também se reconhece na douta decisão recorrida, o leite de vaca em natureza (pasteurizado e UHT) nunca deve ser introduzido antes dos 12 (preferencialmente 24 – 36) meses de vida da criança, sendo que, a exibição de imagens de crianças de tenra idade (recém-nascidos) é suscetível de induzir em erro o consumidor, por poder ser levado a acreditar que o produto anunciado é próprio para o conjunto dos menores representados na imagem associada à comunicação comercial, o que está longe de ser verdade.

Assim sendo, afigura-se-nos indiscutível a inexistência de uma «relação direta» entre o produto promovido no anúncio e os bebés e crianças de tenra idade que nele intervêm, a título principal.

De facto, a eventual relação direta passível de ser estabelecida entre um menor de cinco/seis anos e um produto em cuja publicidade aquele intervenha, não é a mesma susceptível de ser encontrada entre um menor recém-nascido ou de poucos meses de idade e o mesmo produto.

Refira-se, por fim, que a saúde/segurança das crianças são postas em risco por esta peça publicitária, atenta a possibilidade de o consumidor médio poder ficar convencido de que o leite de vaca ali promovido é destinado a recém-nascidos e a crianças lactentes.

Nesta conformidade, consubstanciando a norma do n.º 2 do artigo 14.º do Código da Publicidade, uma limitação e restrição ao conteúdo da publicidade destinada a assegurar a proteção dos menores, de forma a salvaguardar o seu desenvolvimento físico, mental ou moral parece ser legítimo sustentar que, quando tais interesses dos menores sejam postos em risco por uma determinada peça publicitária, se deve concluir pela ilegitimidade da sua eventual intervenção, quer esta assuma os contornos de intervenção principal, quer de intervenção secundária, quer ainda, de figuração, para tal bastando acionar, também, o disposto nos artigos 7º e 13º do Código da Publicidade.

Em face de tudo o exposto, impõe-se considerar a publicidade em causa desconforme com o disposto no n.º 1 do art.º 4.º, no n.º 1 e alíneas a) e h) do n.º 2 do art.º 9.º e art.º 12.º do Código de Conduta do ICAP, bem como com o n.º 2 do art.º 14.º do Código da Publicidade, pelo que nada há a censurar à decisão recorrida.

III – DECISÃO

10. Nestes termos, deliberam os membros da Comissão de Apelo em negar provimento ao recurso interposto pela LACTOGAL – PRODUTOS ALIMENTARES, S.A. e em confirmar a decisão recorrida.

Lisboa, 15 de Fevereiro de 2017

Maria do Rosário Morgado
Presidente da Comissão de Apelo

Augusto Ferreiro do Amaral
Vice-Presidente da Comissão de Apelo

Clara Moura Guedes
Vice-Presidente da Comissão de Apelo

Auto Regulação1J / 2017 – Recurso :: Lactogal – Prod. Alimentares vs. Fromageries Bel Portugal