18J/2016
Fromageries Bel
vs.
Lactogal-Prod. Alimentares
EXTRACTO DE ACTA
Reunida no décimo segundo dia do mês de Janeiro do ano de dois mil e dezassete, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 18J/2016 tendo deliberado o seguinte:
Processo nº 18J/2016
1. Objecto dos Autos
1.1. A FROMAGERIES BEL PORTUGAL SA. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por FROMAGERIES BEL ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a LACTOGAL – PRODUTOS ALIMENTARES, S.A. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por LACTOGAL ou Requerida), relativamente a comunicação comercial ao seu leite “Mimosa” – promovida nos suportes embalagem, televisão, Internet e outdoor – tal, por alegada violação dos artigos 4.º, 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 12.º, 15.º, n.º 2, alínea a) e 22.º do Código de Conduta do ICAP e artigos 14.º, 6.º, 10.° e 11.º do Código da Publicidade, o último, com a redação introduzida pelo artigo 7.°, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-lei n.º 57/2008 de 26 de Março, bem como dos artigos 3.º, alínea a), 5.º, n.ºs 1 e 2, 10.º, n.ºs 1, 2 e 3, e 12.º a) do Regulamento 1924/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de Dezembro de 2006 [em conjugação com o Regulamento (UE) N.º 432/2012, da Comissão, de 12 de Maio de 2012] e artigo 23.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 560/99 de 18 de Dezembro.
Notificada para o efeito, a LACTOGAL apresentou contestação.
Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.
1.2. Questões prévias
1.2.1. Nos termos do artigo 10.º, n.º 2, do Regulamento do JE, “A queixa deverá ser entregue em suporte de papel e em suporte digital (…) sendo obrigatório juntar a comunicação comercial, cuja apreciação se pretende ver analisada, devidamente isolada, sem outra comunicação comercial e/ou conteúdo editorial, num suporte que, a reproduza, com fidelidade, tal como foi veiculada.” Assim, caso a dita comunicação englobe vários spots publicitários (como acontece no caso dos presentes autos) aqueles têm que ser numerados pela Parte requerente como documentos autónomos e não, identificados por um único número dado ao respetivo cd rom (cfr. art.ºs 8 a 11 da petição), pelo que o Júri solicita à FROMAGERIES BEL que, em eventuais queixas futuras, tenha em linha de conta a referida necessidade.
1.2.2. Avança a LACTOGAL, em sede de contestação, que “A FROMAGERIES BEL vem atacar um conjunto – a grande maioria – de alegações que foram transmitidas através de suportes publicitários que já não estão mais no ar ou que não estão mais em divulgação, pelo que o Júri de Ética sobre elas não se pronuncia, por inutilidade superveniente” (sic. art.º 7), acrescentando que, “A FROMAGERIES BEL assenta a sua queixa em 6 suportes de comunicação, sendo que apenas 3 estão ativos – website, Facebook e embalagem.”. (sic. art.º 8). Acrescenta, ainda, a LACTOGAL que, “Os suportes de Televisão (arts. 8º e 9º da queixa) e Mupis (art. 24º da queixa) já não estão ativos, desde 12 de Julho e 20 de Setembro 2016, respetivamente, sendo que as algumas das alegações criticadas e constantes no suporte Website Lactogal (arts. 19 a 23 da queixa) já não estão, desde 26 de Dezembro, em divulgação, pois iniciou-se uma outra campanha, conforme se comprova através dos documentos ora juntos – Documentos nºs. 1 e 2 que se juntam” (sic. art.º 15), acrescentando que …no caso da Página da Lactogal no Facebook, dela já não consta a alegação “Leite bom é Mimosa” – https://www.facebook.com/mimosa” (sic. art.º 16), e que “…aquelas alegações (…) não são mais suscetíveis de serem apreciadas pelo Exmo. Júri de Ética, verificando-se a falta de objeto processual, maxime, a inutilidade superveniente do pedido formulado pela FROMAGERIES BEL.” (sic. art.º 19).
Cumpre ao Júri esclarecer que, na comunicação comercial a que se reporta a LACTOGAL (cfr. art.º 20, a) da contestação), e a qual foi objeto do processo n.º 5J/2014, relevou o pedido de “… uma segunda apreciação desta campanha” tendo-se, assim, gerado a ausência de um pressuposto processual que permitisse que se pudesse pronunciar. Por outro lado, no que concerne ao processo 18J/2006 (cfr. art.º 20, b) da contestação) esteve em causa um evento futebolístico circunscrito no tempo (logo, insuscetível de repetição): a imagem das Seleções nacionais de futebol, bem como os direitos de transmissão televisiva e publicidade estática e virtual.
As deliberações do JE, para além de dirimirem conflitos entre Partes – resultantes da difusão de determinada mensagem publicitária por via da apreciação da sua eventual desconformidade com o Código de Conduta do ICAP – têm, igualmente, um objetivo pedagógico e preventivo no que tange quer a novas campanhas publicitárias, quer a repetições de atuais ou de antigas.
Assim sendo, e porque no âmbito da auto-regulação, as mesmas deliberações do Júri são vinculativas em relação a todos os membros do ICAP e seus representados, bem como a quem tenha submetido comunicações comerciais à apreciação do primeiro, pretende-se que para além do respetivo efeito célere, válido e eficaz, a mesma auto-regulação propicie, também, a concretização do desiderato constante do parágrafo anterior.
Termos em que, discordando do defendido a art.ºs 21 e 22 da contestação, não pode o JE deixar de apreciar a alegada desconformidade da totalidade das alegações publicitárias objeto de denúncia por parte da FROMAGERIES BEL, em sede de queixa, com o quadro ético-legal em vigor.
1.2.3. Atentas as diversas questões relativas a matéria do âmbito da propriedade industrial suscitadas pela LACTOGAL (cfr., designadamente, a art.ºs 26 a 36 da contestação), cumpre ao JE referir que, de facto, a sua competência material se encontra circunscrita à apreciação de comunicações comerciais ou institucionais não podendo e, ou, devendo pronunciar-se sobre tais questões – quando não haja interseção com as últimas -, sendo que as Partes, a qualquer momento, poderão suscitá-las junto dos tribunais. Não obstante, tal não significa que o JE seja “incompetente em razão da matéria” no que concerne à comunicação de natureza publicitária do sinal distintivo “MIMOSA BEM ESSENCIAL”, o que em nada contraria o facto de a LACTOGAL ser a sua legítima e única titular. (cfr. art.º 35 da contestação).
Com efeito, e citando o entendimento do JE que, a propósito de argumentação equivalente por parte da FROMAGERIES BEL, enquanto Requerente, ficou vertido na decisão do processo 12J/2016 do ICAP:
“O que se encontra protegido em sede de propriedade industrial é a forma literária ou gráfica, mas sempre, corpórea, dos sinais distintivos e não, o conteúdo incorpóreo ou a faculdade de promoção dos mesmos.
O direito à publicitação respetiva terá sempre que se conformar com as restrições impostas ou princípios que norteiam as comunicações comerciais, os quais vão encontrar o seu fundamento no artigo 60.º da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual o direito do consumidor é um direito fundamental que, designadamente, é protegido e regulado pela Lei da publicidade.
É, aliás, por tal motivo, que é interdita a publicidade de sinais distintivos de marcas de tabaco ou de medicamentos sujeitos a receita médica protegidos em sede de propriedade industrial. (…) É, igualmente, por tal razão que se proíbe a prática de publicidade enganosa e que foi entendido quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matérias de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. atual n.º 3 do artigo 11.º do Código da Publicidade) nos termos da qual se presumem como inexatos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado dos artigos 4.º e 12.º do Código de Conduta do ICAP se encontram em consonância, pelo que impende sobre a Requerida o ónus da prova das alegações publicitárias em lide.”
In casu, a alegação “Mimosa, bem essencial”, na hipótese de o Júri vir a concluir pela adequação da necessidade de prova.
1.3. Dos factos
Através da análise da globalidade do articulado da petição e dos documentos juntos ao processo com a mesma, conclui o Júri que a denúncia da Requerente se reporta a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida ao leite Mimosa (cfr. art.ºs 8 a 27 e Docs. 3, 4, 5, 6 e 7) tal comunicação, veiculada nos suportes embalagem, televisão, internet e outdoor.1.3.1. Dos suportes e das alegações publicitárias ou claims
De acordo com o referido pela FROMAGERIES BEL em sede de queixa (e documentado pelos anexos juntos que se irão elencar), são as seguintes, as alegações publicitárias que, no entender da Requerente, merecem apreciação por parte do Júri de Ética:
– (i) “O que é essencial para a vida (…) leite Mimosa!”, (cfr. Docs. 3 e 6);- (ii) “Leite Mimosa é Essencial. É parte de nós”, “Mimosa, bem essencial”, (cfr. Docs. 3, 6 e 7);- (iii) “O leite magro contribui para a sua Linha, Saúde e Ritmo, indispensáveis ao seu bem-estar, é a sua RODA DO BEM ESTAR”, (cfr. Doc.7);- (iv) “Linha: sem gordura, para quem se preocupa com o teor de gordura e calorias na alimentação”, (cfr. Doc. 7);- (v) “Ritmo: fonte de fósforo e iodo que contribuem para o normal metabolismo produtor de energia”, (cfr. Doc. 7);- (vi) “Saúde: fonte de cálcio e rico em proteínas que contribuem para a manutenção de ossos normais e da massa muscular”, (cfr.Doc.7);- (vii) os últimos quatro claims, associados à seguinte imagem: bem como ao disclaimer “Roda do Bem-estar da Mimosa é um símbolo agregador, presente em alguns produtos da gama Magros Mimosa, que indica, para cada produto, as características nutricionais naturais que contribuem para a manutenção da LINHA, RITMO e SAÚDE – aspetos fundamentais para o Bem-estar”. (cfr. Doc.7);- (viii) “Não compliques. Leite é bom. Leite bom é Mimosa”, (cfr. Docs. 3, 4 e 6) e “Nós sabemos isto porque um dia já fomos crianças. Nós sabemos. Leite é bom!”, (cfr. Doc.3);- (ix) “As crianças não complicam. Para elas, beber leite é algo natural, saboroso, necessário…”, (cfr. Doc.3);- (x) “Não compliques. No fundo, desde pequenos que todos sabemos… Leite é bom. Leite bom é Mimosa”, (cfr. Doc. 4); – (xi) “Dizem que as pessoas que vêem o copo meio cheio são mais felizes, mais otimistas e mais saudáveis… Uma coisa é certa, vão sempre precisar de o encher de novo com leite Mimosa”, (cfr. Doc. 4);- (xii) “Mimosa, eleita pelos portugueses como uma marca essencial para as suas vidas!”, (cfr. Doc. 3);- (xiii) “Leite Mimosa Bem Essencial apetece ao lanche, no recreio da escola, entre brincadeiras com os amigos”, (cfr. Doc 3);- (xiv) “Às crianças apetece sempre algum conforto antes de ir para a cama. Um copo de leite Mimosa e uma boa história é a combinação perfeita”, (cfr. Doc. 3);- (xv) “Utilização de menores como conteúdos imagéticos associados ao consumo de leite Mimosa”, (cfr. Doc.5).
1.4. Das alegações das Partes
1.4.1. Em síntese, sustenta a FROMAGERIES BEL, na sua petição, que a campanha divulgada pela LACTOGAL para a promoção da marca de leite Mimosa se encontra desconforme com os princípios da veracidade e da livre e leal concorrência em matéria de comunicações comerciais, bem como com o quadro ético-legal aplicável à publicidade especialmente dirigida a menores e, ou, que os utiliza, porquanto é suscetível “…de induzir em erro o consumidor quanto às características, vantagens e composição daqueles géneros alimentícios, consubstanciando igualmente a prática de publicidade enganosa” (sic. art.º 4), “…contém alegações de saúde proibidas pelas regras nacionais e comunitárias relativas às alegações nutricionais e de saúde dos alimentos, seja na publicidade, seja na rotulagem das embalagens dos produtos alimentares”, (sic. art.º 5) e, dado que, “…utiliza crianças muito jovens e bebés como intervenientes principais nas suas mensagens publicitárias, não porque a sua utilização seja em abstracto – no caso da comunicação comercial do leite – ilegal ou eticamente censurável, mas porque neste caso as utiliza de modo manifestamente desproporcionado”. (sic. art.º 6).
1.4.2. Contraditando a denúncia da FROMAGERIES BEL, vem a LACTOGAL defender a legalidade e a ética da comunicação comercial da sua responsabilidade, alegando que a mesma não só cumpre os ditames do Código de Conduta do ICAP e não fere as regras nacionais e comunitárias da publicidade e da rotulagem das embalagens de produtos alimentares, como o consumidor médio, este, “normalmente informado e razoavelmente atento e advertido”, percebe o alcance das mensagens que são veiculadas através de cada uma das alegações colocadas em crise, não sendo nenhuma delas suscetível de o induzir em erro.
2. Enquadramento ético-legal
2.1. Da alegada prática de publicidade comparativa de tom exclusivo
Sustenta a FROMAGERIES BEL, em sede de queixa, que “…a questão controvertida no caso em apreço incide numa prática de publicidade comparativa implícita (…), que acaba por traduzir a desconformidade da comunicação comercial da LACTOGAL, com o quadro ético-legal vigente“ (sic. art.º 35), já que a “alegação “LEITE É BOM. LEITE BOM É MIMOSA” apropria o conceito de produto (o LEITE) à marca MIMOSA” (sic. art.º 36) e “Se o LEITE É BOM e se o LEITE BOM É MIMOSA, isto significa que os demais produtos concorrentes não são, verdadeiramente, LEITE, porque não possuem uma característica essencial do LEITE (o ser BOM, fazer bem, nomeadamente aos bebés e às crianças, como MIMOSA)” (sic. art.º 37), o que “É uma formulação diferente para veicular a mesma ideia subliminar agora explicitamente contida na alegação: “MIMOSA BEM ESSENCIAL” (sic. art.º 38), acrescentando que, “Os demais leites concorrentes não são bons, não são essenciais. Apenas MIMOSA é LEITE BOM, apenas MIMOSA é BEM ESSENCIAL.” (sic. art.º 39).
No que tange a esta questão suscitada pela FROMAGERIES BEL, cumpre ao Júri esclarecer o que deve ser considerado como prática de publicidade comparativa de tom exclusivo, contrariando o entendimento da Requerente.
Atento o requisito positivo de identificação, explícita ou implícita da concorrência constante do artigo 16.º do Código da Publicidade (com o qual o artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP se encontra em consonância), estaremos em presença de uma prática de publicidade comparativa implícita – em casos como o em apreciação nos presentes autos -, somente quando o consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido e informado consiga representar na sua mente todos os concorrentes existentes no mercado. Ora, este requisito apenas poderá verificar-se, na prática, quando estejam em causa mercados extremamente exíguos, sendo que o das marcas de leite não poderá ser considerado como tal.
Mais, tal entendimento deverá abranger as estruturas de natureza oligopolista, caracterizadas pela existência de vários concorrentes mas em que, todavia, apenas dois ou três têm efetivo poder de mercado, e as quais serão os casos comuns nos sectores de atividade mais representativos da economia.
Logo, não nos encontramos em face de um caso de publicidade comparativa, por virtude de o consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido e informado não conseguir identificar todas as marcas de leite concorrentes da Mimosa, quando colocado perante a comunicação comercial colocada em crise.
Concomitantemente, diga-se que a publicidade de tom exclusivo constitui uma modalidade de publicidade que a doutrina estrangeira (maxime a alemã e a espanhola) tem definido como aquela através da qual “o anunciante pretende excluir da posição que ocupa os restantes concorrentes (…) alcançando uma posição superior à dos seus rivais.” (vd. Carlos Lema Devesa in “La Publicidad de Tono Excluyente”, Editorial Moncorvo, 1980), limitando-se “a realçar a sua posição de proeminência sem fazer nenhuma referência directa aos seus concorrentes.” (vd. Anxo Tato Plaza in “La Publicidad Comparativa”, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A. Madrid, 1996, p.50).
Na senda de tal doutrina, e no entender do Júri, quem afirma “Leite é bom. Leite bom é Mimosa” e “Mimosa, bem essencial”, não está a afirmar que o seu produto é superior em qualidade a todos os demais da mesma concorrência e, logo, não está a praticar publicidade de tom exclusivo, na medida em que:
– (i) no que concerne à de publicidade de tom exclusivo, o que é curial é o entendimento que o destinatário retira de claims como os colocados em crise, entendimento esse desejado, ou não, pelo anunciante;
– (ii) facto que, aliás, é não só indissociável do tipo de prova a apresentar pelo mesmo anunciante ou, mesmo da sua desnecessidade – em caso de denúncia de publicidade enganosa -, como também da interpretação do princípio da veracidade consagrado no artigo 10.º do Código da Publicidade, defendida pela melhor doutrina, no sentido de que nem “nem tudo o que é verdade não é enganoso e, nem tudo o que é falso induz o destinatário em erro, o que no caso dos presentes autos, assume especial relevância;
– (iii) Com efeito, colocado perante as alegações em apreço, o consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido e informado entenderá, tão somente, que todos os leites são bons e essenciais para a vida – porquanto se trata de um facto público e notório – e que Mimosa também o é, tendo o Júri a opinar, em relação ao estudo constante de Doc. 9 da petição, que os respetivos resultados não se excluem, atenta a pergunta feita aos inquiridos, pelo que se concorda com o defendido pela LACTOGAL a art.ºs 65 a 74 da contestação;
– (iv) a que acresce a circunstância de se estar aqui em presença de meras “hipérboles publicitárias”, o que deve ser entendido como “normal “exagero publicitário” vulgar e inócuo, que não produz efeitos enganosos no convencimento do consumidor, que de nenhum modo pode ser interpretado literalmente por um consumidor médio” – citado por J. Pegado Liz, Práticas Comerciais Proibidas, in Estudos de Direito do Consumo (coordenação Professora Doutora Adelaide Menezes Leitão) – edição do Instituto de Direito do Consumo da Faculdade de Direito” o que, assim, tem por efeito a dispensa de produção de prova, não obstante o Júri concordar com o alegado pela LACTOGAL a art.ºs 39 a 43 da contestação e concluir pela bondade dos resultados de Docs. 4, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 juntos.
2.2. Das imagens ou frases publicitárias inócuas
Analisadas as peças processuais das Partes, bem como os documentos juntos aos autos com as mesmas, entende o Júri que são frases inócuas publicitárias, independentemente de qualquer associação aos slogans “Leite é bom. Leite bom é Mimosa” e “Mimosa, bem essencial”, entendidos nos termos expostos, (com inclusão das suas variantes), os claims:
– “Dizem que as pessoas que vêem o copo meio cheio são mais felizes, mais otimistas e mais saudáveis… Uma coisa é certa, vão sempre precisar de o encher de novo com leite Mimosa”, (cfr. Doc. 4 da queixa);
– “O leite magro (…) é a sua RODA DO BEM ESTAR”, (cfr. Doc. 7), rejeitando o Júri a tese da FROMAGERIES BEL, constante da petição, no sentido de que a respetiva figura “…atenta a sua apresentação gráfica” tenta “…conferir valor científico a alegações meramente publicitárias, com a associação mental que imediatamente se estabelece entre a “Roda” da LACTOGAL e a sobejamente conhecida “Roda dos Alimentos” (cfr. art.º 61), já que a forma da dita consubstancia uma designação gráfica genérica, ou um conceito que não é da exclusiva titularidade de terceiros . Aliás, é a própria Requerente que defende que a roda em apreço se associa a um “prato vulgarmente utilizado” (cfr. art.º 64). Não concorda o Júri, ainda, em que a LACTOGAL “… apresentando o leite “Mimosa” como um alimento cabal e completo” (cfr. art.º 67), propicie que o mesmo possa ser “… percepcionado pelo consumidor médio como um substituto de outros alimentos apresentados na Roda dos Alimentos, desincentivando, por essa via, o seu consumo, o que não é legítimo, na medida em que a diversidade dos alimentos ingeridos é essencial a uma alimentação saudável e, essa sim, contribui para a Linha, Saúde e Ritmo, indispensáveis ao bem-estar”. (Cfr. art. 68). Trata-se, aqui, de um grafismo que, a ser enganoso, sê-lo-ia pelo teor das alegações que ilustra e não, em si mesmo, o que será objeto de análise por parte do JE;
– “Nós sabemos isto porque um dia já fomos crianças. Nós sabemos. Leite é bom!”; As crianças não complicam. Para elas, beber leite é algo natural, saboroso, necessário…”; “Leite Mimosa Bem Essencial apetece ao lanche, no recreio da escola, entre brincadeiras com os amigos”; “Às crianças apetece sempre algum conforto antes de ir para a cama. Um copo de leite Mimosa e uma boa história é a combinação perfeita”, todos, conjugados, ou não, com a “utilização de menores como conteúdos imagéticos associados ao consumo de leite Mimosa”. (Cfr. Docs. 3 e 5 da queixa).
Mais uma vez, o Júri discorda quanto ao sustentado pela FROMAGERIES BEL no sentido de induzir em erro o consumidor, a utilização, de modo manifestamente desproporcionado de crianças por associação a tais claims, de forma a transmitir “uma subalternização do papel dos pais e tutores, condicionando o papel dos mesmos, produzindo um efeito socialmente irresponsável porque adverso ao consumo de leite junto dos adolescentes e jovens adultos.” (Cfr. arts. 21º a 23º e 84º a 90º da queixa e 76 da contestação). Com o devido respeito, o Júri considera um contra- senso, sem qualquer suporte ético-legal, esta posição da Requerente, considerando assistir razão à LACTOGAL quanto ao alegado a art.ºs 78 a 85 da contestação.
Aliás, de acordo com os Docs. 12 e 13 da mesma contestação, a LACTOGAL subscreveu, por via da Federação das Indústrias Portuguesas Agro-Alimentares (FIPA), os “Compromissos da Indústria Alimentar sobre Alimentação, Actividade Física e Saúde – Publicidade e Marketing dirigidos a crianças”, de Fevereiro de 2016, respeitando o leite Mimosa os critérios nutricionais que constam do “EU Pledge Nutrition Criteria White Paper – 2015”, considerando o Júri que a comunicação comercial em lide respeita integralmente aquele “Compromisso”. (Cfr. Doc. 14 da contestação).
2.3. Da bondade da prova por parte da Requerida
2.3.1. Sem prejuízo das conclusões retiradas nos pontos anteriores, da análise dos Docs. 8, 9, 10 e 11 da contestação, conclui o Júri que a LACTOGAL logrou provar a veracidade das alegações publicitárias (com significado equivalente) “Leite Mimosa é (…) É parte de nós”; e “Mimosa, eleita pelos portugueses como uma marca essencial para as suas vidas!” (cfr. Docs. 3, 6 e 7 da queixa) tal, igualmente, nos termos do alegado pela Requerida em sede de contestação no sentido de que: – (i) “Esta alegação tem por base a escolha feita pelos portugueses e revelada pelo estudo Brand Footprint” (cfr, art.º 59);- (ii) “O relatório Brand Footprint da Kantar Worldpanel baseia-se em 74% da população mundial, num total de 10 milhões de lares de 39 países e 68% do PIB global. O ranking completo abrange mais de 200 categorias de FMCG, monitorizadas em todo o mundo pela Kantar Worldpanel”Documentos 9 e 10 que se juntam” (cfr, art.º 55) e “baseia-se numa métrica (…) criada pela Kantar Worldpanel designada como Consumer Reach Point (CRP) (…) que representa quantas vezes uma marca foi escolhida pelos consumidores ao longo de um ano, dando uma representação real e verdadeira da escolha dos compradores. – Documento 11 que se junta e cfr. Documentos 8, 9 e 10”. (cfr, art.º 56);- (iii) “…enquanto é ouvida a alegação em causa, é feita uma menção expressa, visível e legível ao dito estudo, que comprova, assim, a alegação.
2.3.2. Da análise do Doc. 5 da contestação e da argumentação da LACTOGAL, conclui igualmente o JE que a Requerida logrou provar a veracidade e respetiva ausência de desconformidade com as regras comunitárias relativas às alegações nutricionais e de saúde dos alimentos – invocadas pela Requerente -, dos seguintes claims (cfr. Doc. 7 da queixa):
– “O leite magro contribui para a sua Linha, Saúde e Ritmo…”, – “Linha: sem gordura, para quem se preocupa com o teor de gordura e calorias na alimentação”;-“Ritmo: fonte de fósforo e iodo que contribuem para o normal metabolismo produtor de energia”;-“Saúde: fonte de cálcio e rico em proteínas que contribuem para a manutenção de ossos normais e da massa muscular”;
Assistindo-lhe razão quanto ao alegado (que por razões de economia, se transcreve) no sentido de que:
– (i) “A comunicação constante da Roda do Bem-Estar tem por base alegações nutricionais e de saúde que estão em conformidade com o previsto no Regulamento (CE) n.º 1924/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de dezembro de 2006, relativo às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos (doravante “Regulamento (CE) n.º 1924/2006”)”. (cfr. art.º 100), entendendo-se por “alegação (…) na esteira do estabelecido na alínea 1) do n.º 2 do art. 2.º do Regulamento (CE) n.º 1924/2006, “qualquer mensagem ou representação, não obrigatória nos termos da legislação comunitária ou nacional, incluindo qualquer representação pictórica, gráfica ou simbólica, seja qual for a forma que assuma, que declare, sugira ou implique que um alimento possui características particulares.” (cfr. art.º 102);
– (ii) “De facto, as alegações nutricionais e de saúde referentes ao “Leite Magro Mimosa”, no que concerne à categoria de “Leite Magro”, estão legalmente reconhecidas e conforme o previsto nos seguintes diplomas: a) Regulamento (CE) n.º 1924/2006 – vd. arts. 1.º, 2.º, 10.º, 13.º, 14.º e respetivo Anexo; b) Regulamento (UE) n.º 432/2012 da Comissão, de 16 de maio de 2012, que estabelece uma lista de alegações de saúde permitidas relativamente a alimentos que não referem a redução de um risco de doença ou o desenvolvimento e a saúde das crianças (doravante “Regulamento (UE) n.º 432/2012”) – vd. art. 1.º e respetivo Anexo; c) Regulamento (UE) n.º 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios (doravante “Regulamento (UE) n.º 1169/2011”) – vd. art. 7.º n.º 1 alínea c).” (Cfr. art.º 103);
– (iii) “Por sua vez, a alegação “sem gordura”, constante da embalagem Mimosa Leite Magro cumpre os requisitos previstos naquele Regulamento, pois, nos termos do Anexo do Regulamento (CE) n.º 1924/2006, “uma alegação de que um alimento não contém gorduras, ou qualquer alegação que possa ter o mesmo significado para o consumidor, só pode ser feita quando o produto não contiver mais de 0,5 g de gorduras por 100 mg ou por 100 ml. No entanto, são proibidas as alegações do tipo «a X % sem gorduras»”.” (cfr, art.º 105), sendo que “Nos termos conjugados da alegação “FONTE DE [NOME DA(S) VITAMINA(S)] E/OU [NOME DO(S) MINERAL(IS)]” e as condições que se lhe aplicam, constante do Anexo do Regulamento (CE) n.º 1924/2006, e do Anexo “Lista das Alegações de Saúde Permitidas”, do Regulamento (UE) n.º 432/2012, resulta indubitável que as alegações referentes ao Leite Magro Mimosa no que concerne ao facto de o mesmo se afigurar “fonte de fósforo e iodo”, bem como “de cálcio”, e respetivas consequências, estão conformes aos diplomas europeus.” (sic. art.º 106) e que “Tanto a alegação “Fonte de fósforo e iodo que contribuem para o normal metabolismo produtor de energia.” e “Fonte de cálcio e rico em proteínas que contribuem para a manutenção de ossos normais e da massa muscular.” estão expressamente previstas no Anexo “Lista das Alegações de Saúde Permitidas”, do Regulamento (UE) n.º 432/2012.” (sic. art.º 107);
– (iv) “A sua composição nutricional apresenta uma quantidade significativa dos referidos minerais (…) – ANEXO XIII do REGULAMENTO (UE) N.º 1169/2011 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 25 de Outubro de 2011 relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios para “quantidade significativa” e Anexo “Alegações nutricionais e condições que se lhes aplicam” do REGULAMENTO (CE) N.º 1924/2006 DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO de 20 de Dezembro de 2006 relativo às alegações nutricionais e de saúde sobre os alimentos para a alegação “Fonte de…” (sic. art.º 108);
– (v) “Nos termos conjugados da alegação “RICO EM PROTEÍNAS” e as condições que se lhe aplicam, constante do Anexo do Regulamento (CE) n.º 1924/2006, e do Anexo “Lista das Alegações de Saúde Permitidas”, do Regulamento (UE) n.º 432/2012, afigura-se claro que a alegação utilizada no âmbito da embalagem do Leite Magro Mimosa, não viola qualquer disposição legal e é conforme à regulamentação europeia.” (sic. art.º 109);
– (vi) “Ainda no que respeita à RODA DO BEM-ESTAR, atento o disposto no art. 7.º, n.º 1, alínea c) do Regulamento (UE) n.º 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios (doravante “Regulamento (UE) n.º 1169/2011”), que estabelece que a informação sobre os géneros alimentícios não deve induzir em erro, em especial “sugerindo que o género alimentício possui características especiais quando todos os géneros alimentícios similares possuem essas mesmas características evidenciando, especificamente, a existência ou inexistência de determinados ingredientes e/ou nutrientes”, refira-se que a mesma não sugere, nem indicia, tais características” (sic. art.º 110), sendo que “a comunicação da Roda do Bem-Estar antes assegura que as alegações não são exclusivas do Leite Mimosa Bem Especial Magro, mas que se referem apenas à expressão “Leite Magro”, conforme resulta da alegação “O leite magro contribui para a sua Linha, Saúde e Ritmo, indispensáveis ao seu bem-estar, é a sua Roda do Bem-estar.” (cfr. art.º 111);
– (vii) “Por outro lado, as referências efetuadas a efeitos benéficos gerais, como são o caso de Linha”, “Ritmo” e “Saúde”, estão conformes às exigências que resultam do art. 10.º, n.º 3, do Regulamento (CE) n.º 1924/2006, que estatui que “só pode ser feita referência a efeitos benéficos gerais, não específicos do nutriente ou do alimento, para uma boa saúde geral ou um bem-estar ligado à saúde se essa referência for acompanhada de uma alegação de saúde específica incluída nas listas previstas nos artigos 13.º ou 14.º”, como é, nos termos acima descritos, o caso (cfr. supra arts. 106º e 107º).” (sic. art.º 112.º);
– (viii) “…conforme resulta do website oficial da Mimosa, “http://mimosa.com.pt/cnam/solucoes-mimosa/roda-do-bem-estar/”, a LACTOGAL descreve, de forma clara, a função e a natureza da Roda do Bem-Estar, explicando que “a Roda do Bem-estar da Mimosa é um símbolo agregador, presente em alguns produtos da gama Magros Mimosa, que indica, para cada produto, as características nutricionais naturais que contribuem para a manutenção da LINHA, RITMO e SAÚDE – aspetos fundamentais para o Bem-estar.” (Cfr. art.º 115).
2.4. Da alegada desconformidade com as restrições ético-legais ao conteúdo das comunicações comerciais em matéria de menores
Defende a FROMAGERIES BEL na sua petição que, na comunicação comercial da responsabilidade da LACTOGAL, “A ideia subliminar é explorar abusivamente o elo de confiança especial que as crianças depositam nos seus pais e tutores” (sic. art.º 86), afirmação que, no entender do Júri, entra em contradição óbvia com o afirmado no sentido de que “É patente o intuito da LACTOGAL condicionar a livre escolha dos pais e educadores, a quem efectivamente o anúncio se dirige, através da exposição excessiva e consequente enternecimento que as crianças normalmente provocam nas pessoas, o que se afigura, no mínimo, eticamente muito discutível em face do quadro legal vigente.” (sic. art.º 88).
Cumpre ao JE esclarecer que, se o anúncio se dirige aos pais e educadores (sic) fica desde logo prejudicada toda a denúncia da Requerente assente numa invocada desconformidade entre aquele e os artigos 14.º, n.º 1 do Código da Publicidade e 22.º do Código de Conduta do ICAP, (cuja listagem de comandos extensa se encontra, toda ela, abarcada na denúnicia?), por:
– (i) ausência de verificação do requisito “publicidade especialmente dirigida a menores”;
– (ii) não junção aos autos, com a queixa, de qualquer tipo de prova que fundamente, designadamente, e sem excluir, as alegações: “Ao materializar a ambição de acentuar o papel social das crianças retratadas, designadamente e em termos de saberem e não complicarem na DECISÃO DE COMPRA DO LEITE […Para elas, beber leite é algo natural, saboroso, necessário… – para os adolescentes e adultos não é?], a comunicação da MIMOSA poderá produzir um efeito socialmente irresponsável porque adverso (…) ao consumo de leite junto nomeadamente dos adolescentes e jovens adultos” (sic. art.º 89) e “A acentuação exagerada da essencialidade de Mimosa para a saúde e crescimento saudável das crianças e bebés – ao ponto de a imagética da campanha se centrar na erupção dos dentes das crianças – pode levar os adolescentes – que não querem ser comparados com bebés e a crianças – a rejeitar a ideia de consumo de leite, como forma de afirmação do seu próprio crescimento e superação da idade infantil, levando a crer que se o LEITE é “bem essencial” para as crianças, já não o será nas idades em que o seu crescimento físico se formou.” (sic. art.º 20).
Se a FROMAGERIES BEL pretende defender a desconformidade da comunicação comercial em lide, com o disposto no artigo 14.º, n.º 2 do Código da Publicidade, a denúncia não possui qualquer fundamento, assistindo razão à LACTOGAL quando defende, na sua contestação, que :
– (iii) “As crianças têm – é nutricionalmente desejável que tenham – uma relação direta com o leite, pelo que é consentida a sua intervenção nas mensagens publicitárias que se destinem à promoção daquele produto.” (sic. art.º 87);
– (iv) A intervenção de crianças não se encontra desconforme com os “…os princípios da legalidade e da veracidade, bem como da responsabilidade social, saúde de segurança previstos no Código de Auto-Regulação em Matéria de Comunicação Comercial de Alimentos e Bebidas dirigidas a Crianças do ICAP.” (cfr. art.º 91).
3. Decisão
Termos em que, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da LACTOGAL veiculada nos suportes televisão, internet, outdoor e embalagem – em apreciação no presente processo -, não se encontra desconforme quer com o quadro ético-legal em matéria de publicidade, quer com as regras comunitárias relativas às alegações nutricionais e de saúde dos alimentos, invocados pela Requerente.».
A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP