16J/2016
Fromageries Bel Portugal
vs.
Lactogal- Prod. Alimentares
EXTRACTO DE ACTA
Reunida no quinto dia do mês de Janeiro do ano de dois mil e dezassete, a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 16J/2016 tendo deliberado o seguinte:
Processo nº 16J/2016
1. Objecto dos Autos
1.1. A FROMAGERIES BEL PORTUGAL SA. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por FROMAGERIES BEL ou Requerente) veio, junto do Júri de Ética do ICAP (adiante indiscriminada e abreviadamente designado por Júri ou JE), apresentar queixa contra a LACTOGAL – PRODUTOS ALIMENTARES, S.A. (adiante indiscriminada e abreviadamente designada por LACTOGAL ou Requerida), relativamente a comunicação comercial ao leite “Agros” – promovida pela última nos suportes embalagem, televisão, Internet, outdoor, transportes públicos e caixas multibanco – tal, por alegada violação dos artigos 4.º, 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 12.º e 15.º, n.º 2, alínea a) do Código de Conduta do ICAP e artigos 6.º, 10.° e 11.º do Código da Publicidade, o último, com a redação introduzida pelo artigo 7.°, n.º 1, alíneas a) e b) do Decreto-lei n.º 57/2008 de 26 de Março.
Notificada para o efeito, a LACTOGAL apresentou contestação.
Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos pelas Partes.
1.2. Questões prévias
1.2.1. Nos termos do disposto no art.º 10.º, n.º 2, do Regulamento do JE, “A queixa deverá ser entregue em suporte de papel e em suporte digital, neste último caso apenas no que respeita ao articulado e em formato Word, e deve ser acompanhada de toda a documentação referente aos factos alegados, sendo obrigatório juntar a comunicação comercial, cuja apreciação se pretende ver analisada, devidamente isolada, sem outra comunicação comercial e/ou conteúdo editorial, num suporte que a reproduza, com fidelidade, tal como foi veiculada.” Por seu turno, refere-se no n.º 5 do mesmo artigo que, “Serão recusadas a queixa ou qualquer documentação a ela junta que não reúnam todos os requisitos estabelecidos no presente artigo.”
Ora, constata o Júri que os Docs. 1, 8, 11, 13 e 14 juntos à queixa da FROMAGERIES BEL se encontram parcialmente ilegíveis, pelo que a respetiva compreensão se encontra relevantemente comprometida. Em conformidade, o respetivo teor não poderá ser tido em conta pelo JE, com a exceção da parte autónoma do Doc. 11 que se apresenta legível.
1.2.2. Embora faça a sua defesa por impugnação, avança a LACTOGAL, em sede de contestação, que “A FROMAGERIES BEL vem atacar um conjunto – a grande maioria – de alegações que foram transmitidas através de suportes publicitários que já não estão mais no ar ou que não estão mais em divulgação, pelo que o Júri de Ética sobre elas não se pronuncia, por inutilidade superveniente” (sic. art.º 6), acrescentando que, “…segundo jurisprudência firmada no Júri de Ética, as mesmas não podem ser mais objeto de apreciação, como se verificou já em, pelo menos, cinco deliberações, destacando-se a mais recente, que foi a decisão proferida no Processo n.º 5J/2014 – Henkel Ibérica Portugal vs. Unilever Jerónimo Martins…”. (sic. art.º 48).
Cumpre ao Júri esclarecer que, a comunicação comercial a que se reporta a LACTOGAL foi retirada do mercado “…em cumprimento de uma anterior decisão deste mesmo JE do ICAP sobre a campanha em questão” tendo-se, assim, gerado a ausência de um pressuposto processual que permitisse que se pudesse pronunciar.
Mais, ainda que assim não fosse, acontece que as deliberações do JE, para além de dirimirem conflitos entre Partes – resultantes da difusão de determinada mensagem publicitária por via da apreciação da sua eventual desconformidade com o Código de Conduta do ICAP – têm, igualmente, um objectivo pedagógico e preventivo no que tange quer a novas campanhas publicitárias, quer a repetições de atuais ou de antigas.
Assim sendo, e porque no âmbito da auto-regulação, as deliberações do Júri são vinculativas em relação a todos os membros do ICAP e seus representados, bem como a quem tenha submetido comunicações comerciais à apreciação do JE, pretende-se que para além do efeito célere, válido e eficaz das primeiras, a mesma auto-regulação propicie, também, a concretização do desiderato constante do parágrafo anterior.
Termos em que, discordando do defendido a art.º 50 da contestação, não pode o JE deixar de apreciar a alegada desconformidade da totalidade das alegações publicitárias objeto de denúncia por parte da FROMAGERIES BEL, em sede de queixa, com o quadro ético-legal em vigor.
1.2.3. Atentas as diversas questões relativas a matéria do âmbito da propriedade industrial suscitadas pela LACTOGAL (cfr., designadamente, a art.ºs 51 a 63 da contestação), cumpre ao JE lembrar que, de facto, a sua competência material se encontra circunscrita à apreciação de comunicações comerciais ou institucionais não podendo e, ou, devendo pronunciar-se sobre tais questões – quando não haja interseção com as últimas -, sendo que as Partes, a qualquer momento, poderão suscitá-las junto dos tribunais. Dito de outra forma, tal não significa que o JE seja “incompetente em razão da matéria” no que concerne à comunicação de natureza publicitária do sinal distintivo “AGROS, A MARCA DA NATUREZA”, o que em nada contraria o facto de a LACTOGAL ser a sua legítima e única titular.
Com efeito, e citando o entendimento do JE que, a propósito de argumentação equivalente por parte da FROMAGERIES BEL, enquanto Requerente, ficou vertido na decisão do processo 12J/2016 do ICAP (a qual, aliás, as Partes citam ad nauseam nos presentes autos):
“O que se encontra protegido em sede de propriedade industrial é a forma literária ou gráfica, mas sempre, corpórea, dos sinais distintivos e não, o conteúdo incorpóreo ou a faculdade de promoção dos mesmos.
O direito à publicitação respetiva terá sempre que se conformar com as restrições impostas ou princípios que norteiam as comunicações comerciais, os quais vão encontrar o seu fundamento no artigo 60.º da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual o direito do consumidor é um direito fundamental que, designadamente, é protegido e regulado pela Lei da publicidade.
É, aliás, por tal motivo, que é interdita a publicidade de sinais distintivos de marcas de tabaco ou de medicamentos sujeitos a receita médica protegidos em sede de propriedade industrial. (…) É, igualmente, por tal razão que se proíbe a prática de publicidade enganosa e que foi entendido quer pelo legislador português, quer pela União Europeia (cfr. Directivas 84/450/CEE e 97/55/CE) que, como norma de instrução em matérias de observância do princípio da veracidade, se devia instituir uma regra de direito probatório (cfr. atual n.º 3 do artigo 11.º do Código da Publicidade) nos termos da qual se presumem como inexatos os dados referidos pelo anunciante na falta de apresentação de provas ou na insuficiência das mesmas, no que, aliás, o articulado dos artigos 4.º e 12.º do Código de Conduta do ICAP se encontram em consonância, pelo que impende sobre a Requerida o ónus da prova das alegações publicitárias em lide.”
In casu, a alegação “Agros, a marca da natureza”, na hipótese de o Júri vir a concluir pela adequação e, ou, necessidade de prova.
1.3. Dos factos
Através da análise da globalidade do articulado da petição e dos catorze documentos juntos ao processo com a mesma, conclui o Júri que a denúncia da Requerente se reporta a comunicação comercial da responsabilidade da Requerida ao leite Agros sob o slogan de campanha “Agros, a marca da natureza” (cfr. art.ºs 5, 15, 21, 28, 29, 30, 33, 47, 48, 66, 70, 72, 75, 88 e 97 da queixa, e Docs. 3, 7 e 11 da mesma) tal comunicação, veiculada nos suportes embalagem, televisão, internet, outdoor, transportes públicos e caixas multibanco.
1.3.1. Dos suportes e das alegações publicitárias ou claims
De acordo com o referido pela FROMAGERIES BEL a art.º 97 da queixa (e documentado pelos anexos juntos que se irão elencar), são as seguintes alegações publicitárias que no entender da BEL PORTUGAL merecem apreciação por parte do presente Júri de Ética:
– (i) “Ser produtor Agros é estar próximo do campo”, (cfr. Doc. 7);- (ii) “É ver o pasto crescer e ouvir o tilintar das vacas a deliciarem-se!”, (cfr. Doc. 7);- (iii) “Desde o Joaquim e o Farrusco, que tomam conta das vacas”, (cfr. Doc. 7);- (iv) “À Leonor que cuida da Ordenha”, (Doc. 7);- (v) “Agros, A Marca da Natureza”, (cfr. Docs. 3, 7 e 11);- (vi) “Agros, A Marca da Natureza há mais de 40 anos”, (cfr.Doc. 7);- (vii) “Ser produtor Agros é estar próximo do campo há mais de 40 anos”, (cfr. Doc. 7);- (viii) “É cuidar todos os dias das nossas vacas como ninguém”, (cfr. Doc. 7);- (ix) “É saber que temos um leito puro e de sabor único”, (cfr. Doc. 7);- (x) “Para garantir que temos um leite puro e de sabor único”, (cfr. Doc. 7); – (xi) “Siga o seu instinto natural. Escolha Agros”, (cfr. Doc. 11);- (xii) “Aqui o sabor da natureza prova-se todos os dias”, (cfr. Doc. 11);. (xiii) “Levamos o sabor da natureza até si”, (cfr. Doc. 11);- (xiv) “Vacas bem tratadas e bem alimentadas”, (cfr. Doc. 3);- (xv) “Qualidade da Origem até ao Copo”, (cfr. Doc. 3); – (xvi) “A promessa da sua naturalidade”, (cfr. Doc. 3);- (xvii) “O respeito pela natureza é demonstrado pelas boas práticas de produção leiteira, as quais asseguram o bem-estar e saúde dos animais”, (cfr. Doc. 3);- (xviii) “Uma atenção especial recai sobre a sua alimentação de modo a que possam dar origem ao melhor leite”, (cfr. Doc. 3);- (xix) “Um leite de inigualável excelência”, (cfr. Doc. 3);- (xx) “A dose certa de leite puro”, (cfr. Doc. 3);- (xxi) “Se nos dão boa vida só podemos dar bom leite”, (cfr. Doc. 3);- (xxii) “Vivo num ambiente livre”, (cfr. Doc. 3);- (xxiii) “Sou feliz”, (cfr. Doc. 3);- (xxiv) “Porque o português confia no que é seu e tem orgulho da sua naturalidade”, (cfr. Doc. 7);- (xxv) “Agros. Made in Natureza”, (cfr. Doc. 3);- (xxvi “O sabor da Natureza no seu Copo”, (cfr. Doc. 3);- (xxvii) “Reserva Agros”, (cfr. Doc. 7),
claims estes, associados de modo constante às alegações publicitárias de natureza audiovisual (gráfica ou imagética) que se elencam (cfr. Docs. 3, 7 e 11 da queixa):
– (xxvii) imagens fixas de vacas leiteiras a pastar ao ar livre em campos verdejantes;- (xxviii) imagens fixas de pastoreio tradicional de gado leiteiro em cenários de quintas, ambiente rural e, ou, bucólico;- (xxix) imagens em movimento de vacas leiteiras a pastar ao ar livre em campos verdejantes;- (xxx) imagens em movimento de pastoreio tradicional de gado leiteiro em cenários de quintas, ambiente rural e, ou, bucólico.
1.4. Das alegações das Partes
1.4.1. Em síntese, sustenta a FROMAGERIES BEL na sua petição que:
– (i) “A campanha publicitária desenvolvida pela LACTOGAL para a promoção dos seus produtos “Agros” (…), sob a égide da assinatura (…) “Agros, A Marca da Natureza”, assenta na ideia de uma ligação umbilical entre a marca “Agros” e a “Natureza”, designadamente através do uso incisivo de vocábulos e na veiculação de imagens relativos a espaços agrícolas naturais, pastoreio tradicional (prados verdes e vacas a pastar ao ar livre)” (sic. art.º 5), acrescentando que, “Os valores da Natureza e da naturalidade assim enunciados levam os consumidores a crer que os produtos da marca “Agros” têm a sua origem nesse método de produção leiteira e deste modo se distinguem dos demais produtos lácteos concorrentes, por serem indissociáveis dessa Natureza e naturalidade, como se nada mais interferisse nesta relação de causa e efeito, além da vida rural e bucólica das vacas bem tratadas e alimentadas do campo e do pasto verde e fresco” (sic. art.º 7), mensagem que, no entender da Requerente, por unívoca, “…é susceptível de criar no consumidor médio uma impressão errada quanto à origem e às características dos produtos lácteos “Agros”, i.e., quanto ao que, na realidade, são os métodos produtivos da LACTOGAL e designadamente a origem do leite Agros, os quais (…) assentam, pelo contrário, no confinamento de vacas em estábulos e na alimentação com dieta baseada em forragens conservadas (sobretudo silagem de milho) suplementadas com alimentos compostos” (sic. art.º 8), sendo que “A “verdade” veiculada através da comunicação comercial da Agros é simplesmente falsa e enganosa. A origem e o método de produção característicos dos produtos lácteos Agros são ocultados da comunicação comercial da Agros.” (sic. art.º 14);
– (ii) “…em Portugal Continental usa-se como método de produção de leite o regime intensivo, de acordo com o que resulta do Estudo Ecodeep, Fileira do Leite e Derivados, junto como Doc. 6”, (sic. art.º 26) acrescentando que, “O leite da marca “Agros” é produzido, exclusivamente, no Noroeste continental com recurso ao método de produção intensivo com estabulação das vacas – cfr. também o Doc. 6” (sic. art.º 27), e que “com o conceito chave (a assinatura publicitária) “Agros, A Marca da Natureza”, a LACTOGAL reforça e sintetiza este engano” (sic. art.º 15) criando “…deste modo (…) uma posição de excepção e saliência, por comparação com todos os demais produtos concorrentes, no intuito de fazer crer que estes não dispõem de igual aproximação àquilo que é natural, em termos de qualidade e modo de produção e fabrico, não estando aptos a deter igual classificação ou distinção material no mercado, a qual lhe é exclusiva…” (sic. art.º 16);
– (iii) “Todas as alegações publicitárias aqui colocadas em crise, por traduzirem matéria relacionada com o princípio da veracidade e com a publicidade comparativa, invertem o ónus da prova, impondo à LACTOGAL a comprovação da conformidade de todas as alegações publicitárias que na presente queixa se assinalaram, quer verbais quer visuais” (sic. art.º 89).
1.4.2. Contraditando a denúncia da FROMAGERIES BEL, vem a LACTOGAL defender na sua contestação (e em resumo das respetivas “CONCLUSÕES”), que:
– (i) “A FROMAGERIES BEL vem atacar um conjunto – a grande maioria – de alegações que foram transmitidas através de suportes publicitários que já não estão mais no ar ou que não estão mais em divulgação, pelo que o Júri de Ética sobre elas não se pronuncia, por inutilidade superveniente…” (sic. art.º F)), bem como o “…uso da alegação “AGROS, A MARCA DA NATUREZA”, que está registada, desde 22.07.2013, como marca nacional, tendo como único e exclusivo titular a LACTOGAL, tendo há muito decorrido o prazo que a FROMAGERIES BEL tinha para se poder opor ao registo daquela marca, bem sabendo que o Júri de Ética não se pode pronunciar sobre o referido uso.” (sic. art.º G));
– (ii) “As alegações em causa não ferem as regras, nacionais e comunitárias, da publicidade e da rotulagem das embalagens de produtos alimentares” (sic. art.º I)), acrescentando que, “Nesta queixa a FROMAGERIES BEL assenta, na essência, a sua argumentação na ideia, simplista e redutora, de a NATUREZA se reconduzir ao que se pode denominar de “imagem de postal” (…) em que a intervenção do homem tem um papel secundário, olvidando a(s) diferente(s) realidade(s) que a compõe(m), esquecendo-se, ainda, da longa experiência da LACTOGAL no setor agro pecuário e, concretamente, dos mais de 25 anos de atividade que a mesma mantém no arquipélago dos Açores.” (sic. art.º J)) e que, “A LACTOGAL tem a conformidade legal da sua produção de leite e de produtos lácteos, incluindo os de origem biológica, certificada pelas autoridades nacionais e comunitárias competentes.” (sic. art.º K));
– (iii) “O consumidor médio, aquele “normalmente informado e razoavelmente atento e advertido”, sabe que, independentemente da denominação técnica dos métodos de exploração pecuária – extensivo, semi-intensivo, intensivo e pasto intensivo – o facto de ver as vacas nos pastos, ao ar livre, não significa que as mesmas não se alimentem também em estábulo ou, o facto de as ver no estábulo não significa que as mesmas não saiam para a pastagem, ali se nutrindo com aquele suplemento alimentar” (sic. art.º M)) e que “Em suma, as alegações usadas pela LACTOGAL nas descritas comunicações comerciais respeitam a lei nacional e comunitária sobre a publicidade e a rotulagem de embalagens de produtos alimentares.” (sic. art.º V)).
2. Enquadramento ético-legal
2.1. Da alegada prática de publicidade comparativa de tom exclusivo
Sustenta a FROMAGERIES BEL, em sede de queixa, que por via de associação da imagética usada na sua comunicação comercial ao “…conceito chave (a assinatura publicitária) “Agros, A Marca da Natureza”, a LACTOGAL” (sic. art.º 15) “…Cria deste modo uma posição de excepção e saliência, por comparação com todos os demais produtos concorrentes, no intuito de fazer crer que estes não dispõem de igual aproximação àquilo que é natural, em termos de qualidade e modo de produção e fabrico…” (sic. art.º 16), “Representando também uma publicidade comparativa de tom excludente, em relação a toda a demais concorrência, o que exige também neste contexto a demonstração da sua veracidade por parte da LACTOGAL.” (sic. art.º 17).
No que tange a esta questão suscitada pela FROMAGERIES BEL de art.ºs 15 a 19 da petição, cumpre ao Júri esclarecer o que deve ser considerado como prática de publicidade comparativa de tom exclusivo, contrariando o entendimento da Requerente.
Atento o requisito positivo de identificação, explícita ou implícita da concorrência constante do artigo 16.º do Código da Publicidade (com o qual o artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP se encontra em consonância), estaremos em presença de uma prática de publicidade comparativa implícita – em casos como o em apreciação nos presentes autos -, somente quando o consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido e informado consiga representar na sua mente todos os concorrentes existentes no mercado. Ora, este requisito apenas poderá verificar-se, na prática, quando estejam em causa mercados extremamente exíguos, sendo que o das marcas de leite não poderá ser considerado como tal.
Mais, tal entendimento deverá abranger as estruturas de natureza oligopolista, caracterizadas pela existência de vários concorrentes mas em que, todavia, apenas dois ou três têm efetivo poder de mercado, e as quais serão os casos mais comuns nos sectores de atividade mais representativos da economia.
Logo, não nos encontramos em face de um caso de publicidade comparativa, por virtude de o consumidor médio, razoavelmente atento, esclarecido e informado não conseguir identificar todas as marcas de leite concorrentes da Agros, quando colocado perante a comunicação comercial colocada em crise.
Tal, ainda que a Agros seja a única marca de leite detentora do sinal distintivo protegido “a marca da natureza” (cfr. Doc. 6 da contestação) porquanto – conforme o Júri desenvolverá mais adiante -, a expressão não é suscetível de consubstanciar um “género” ou uma “categoria” de leite percecionado pelo consumidor médio em moldes que excluam de tal “identificação”, todas as demais marcas do mesmo género alimentício.
Concomitantemente, diga-se que a publicidade de tom exclusivo constitui uma modalidade de publicidade que a doutrina estrangeira (maxime a alemã e a espanhola) tem definido como aquela através da qual “o anunciante pretende excluir da posição que ocupa os restantes concorrentes (…) alcançando uma posição superior à dos seus rivais.” (vd. Carlos Lema Devesa in “La Publicidad de Tono Excluyente”, Editorial Moncorvo, 1980), limitando-se “a realçar a sua posição de proeminência sem fazer nenhuma referência directa aos seus concorrentes.” (vd. Anxo Tato Plaza in “La Publicidad Comparativa”, Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales, S.A. Madrid, 1996, p.50).
Ora, o único caso deste género de publicidade contido na campanha da responsabilidade da LACTOGAL, é o traduzido pelo claim comunicado através de suporte embalagem, e definido a ponto 1.3.1. (xviii)), o qual, novamente, se reproduz: “Uma atenção especial recai sobre a sua alimentação de modo a que possam dar origem ao melhor leite”, (cfr., Doc. 3 da queixa, sublinhado do JE). Na realidade, quem comunica no contexto das restantes alegações publicitárias (cfr. 1.3.1.) “…dar origem ao melhor leite”, está a afirmar que o seu produto é superior em qualidade a todos os demais da mesma concorrência, pelo que a prova desta alegação terá que abarcar um universo e amostra representativos de toda a concorrência, e tendo em conta todos os parâmetros suscetíveis de serem abarcados no conceito de “melhor leite”.
Já o mesmo não se poderá afirmar, no que tange ao slogan “Agros, a marca da natureza”. Saliente-se que, ao contrário do implicitamente defendido pela Requerente a art.º 18 da queixa, nem sempre que uma alegação publicitária seja comunicada através de um determinante artigo definido, como o “A,” se está em presença de uma prática de publicidade de tom exclusivo, sendo que a inversa também é verdadeira.
Com efeito, constitui posição do JE que, quem comunica no contexto das restantes alegações publicitárias (cfr. 1.3.1.) “Agros, a marca da natureza”, não está a afirmar que o seu produto é superior a todos os demais da mesma concorrência, atenta a ausência de quaisquer parâmetros suscetíveis de delimitação concreta do conceito de “natureza”, o que não é exatamente o mesmo que falar de parâmetros subjetivos.
Aliás, neste mesmo sentido, milita parcialmente o alegado pela Requerida a art.º 22 da contestação, no sentido de que; “Nesta queixa, a FROMAGERIES BEL assenta, na essência, a sua argumentação na ideia, simplista e redutora, de a NATUREZA se reconduzir ao que se pode denominar de “imagem de postal”, no qual nos é consentido lançar o olhar sobre uma bela paisagem verdejante, com os animais ao ar livre a alimentarem-se exclusivamente do que a terra tem para oferecer, com um céu azul brilhante, em que a intervenção do homem tem um papel secundário.”
Ora, no que concerne à noção de natureza conceptualizada por vários ramos do saber, constitui já entendimento generalizado, o de que a intervenção humana tem um papel secundário. Contudo, tem “um papel”.
De facto, no âmbito das ciências biológicas, não só o conceito de natureza faz referência aos fenómenos do universo físico e, também, à vida em geral, como vem sendo ressalvada uma conceção em constante mutação e interação, “moldando e sendo moldada pela ação humana.” (VIEITAS; DALE, 1999). De onde, a produção leiteira, seja levada a cabo sob que regime for, estará sempre abarcada pelo conceito de natureza, por razões por demais óbvias: as vacas e o seu leite (fazendo parte do mesmo universo físico) persistem com, ou sem, intervenção humana que se lhes sobreponha.
O que leva o Júri à seguinte questão: que parâmetro concreto é associado ao slogan “a marca da natureza”, bem como à consequente resposta: “nenhum, em particular”, e a existir algum, será por efeito da respetiva associação a outras alegações verbais e, ou, visuais que permitam integrar o conceito de natureza e conceder-lhe substância passível de uma objetivação que se coadune, até, com a possibilidade de prova.
Defender a tese contrária, significaria sustentar-se que o Agros, ou qualquer outro leite eventualmente produzido através de regime intensivo (cfr. Doc. 6 da queixa) são completamente artificiais, por intervenção exclusiva de mão humana, não fazendo parte de um universo físico. Ou seja, do “real”. O que seria um absurdo.
Pelos motivos expostos, entende o Júri que, per se, o slogan, “Agros, a marca da natureza”, é inócuo, desde que não associado a alegações que lhe emprestem um significado concreto e determinado que se revele, eventualmente, ilícito: in casu, a todos os restantes claims objeto de denuncia, e elencados a ponto 1.3.1..
Será, talvez, por tal razão, que a própria FROMAGERIES BEL, sempre que sustenta na sua contestação a ilegitimidade da assinatura da Agros, nas suas várias versões (cfr. 1.3.1., (v) e (vi)) se refere a essa mesma associação simbólica: “A campanha (…) sob a égide da assinatura publicitária “Agros, A Marca da Natureza”, assenta na ideia de uma ligação umbilical entre a marca “Agros” e a “Natureza”, designadamente através do uso incisivo de vocábulos e na veiculação de imagens relativos a espaços agrícolas naturais, pastoreio tradicional (prados verdes e vacas a pastar ao ar livre).” (cfr. art.º 5, negrito e sublinhado do Júri); “Nesta medida, o apelo constante e repetido que este claim “Agros, A Marca da Natureza” faz à origem dos produtos Agros, vinculado imagens ou desenhos de vacas a pastar em campos verdejantes e naturais, é absolutamente enganador…” (sic. art.º 12, negrito e sublinhado do JE); “Com o conceito chave (a assinatura publicitária) “Agros, A Marca da Natureza”, a LACTOGAL reforça e sintetiza este engano; inculca, junto do consumidor médio, a percepção de que, pelos métodos de produção e de fabrico utilizados, com a tónica na vivência das vacas ao ar livre, método de pastagem extensivo e alimentação à base de erva fresca, os seus produtos são os únicos capazes de ter um sinal distintivo no mercado que os liga à Natureza, numa posição de exclusividade – daí ser titular de “A Marca da Natureza.” (sic. art.º 15, negrito e sublinhado do JE).
Em coerência, não obstante a Invocada enganosidade vir a ser apreciada pelo Juri, nos moldes expostos, continua este a manter o entendimento no sentido de que a associação imagética ou gráfica referida é insuficiente (em termos de concretização de parâmetros necessários a qualquer alegação de proeminência e, ou, isolamento), para que se possa tratar aqui de publicidade de tom exclusivo, ao contrário do alegado pela Requerente a art.º 15 da queixa, com a exceção que ficou acima referida, e traduzida pelo claim comunicado através de suporte embalagem e definido a ponto 1.3.1.(xviii)), e o qual, novamente, se reproduz: “Uma atenção especial recai sobre a sua alimentação de modo a que possam dar origem ao melhor leite”, (cfr., Doc. 3 da queixa, sublinhado do JE).
2.2. Da alegada prática de comunicação comercial enganosa e ofensiva do princípio da livre e leal concorrência
2.2.1. Das meras hipérboles ou frases inócuas publicitárias
Trata-se aqui da análise de alegações publicitárias caracterizadas pelo recurso que joga com o exagero, enquanto “figura de pensamento que consiste na amplificação crescente, quer por excesso quer por defeito, de um determinado objecto, sentimento ou ideia, de forma a provocar no indivíduo estranheza para além da realidade credível”. (E-Dicionário de Termos Literários).
Com efeito, “a doutrina chama “hipérbole publicitaria”, o que deve ser entendido como “normal “exagero publicitário” vulgar e inócuo, que não produz efeitos enganosos no convencimento do consumidor, que de nenhum modo pode ser interpretado literalmente por um consumidor médio” – citado por J. Pegado Liz, Práticas Comerciais Proibidas, in Estudos de Direito do Consumo (coordenação Professora Doutora Adelaide Menezes Leitão) – edição do Instituto de Direito do Consumo da Faculdade de Direito”.
Analisadas as peças processuais das Partes, bem como os documentos juntos aos autos com as mesmas, entende o Júri que, independentemente de qualquer associação ao slogan de marca “Agros, a marga da natureza”, entendido nos termos expostos (cfr. Docs. 3, 7 e 11 da queixa e pontos 1.3.1. v) e 2.1. supra) – com inclusão das suas variantes: “Agros, A Marca da Natureza há mais de 40 anos” (cfr. Doc. 7 da queixa e pontos 1.3.1. (vi) e 2.1. supra); “Aqui o sabor da natureza prova-se todos os dias”, (cfr. Doc. 11 da queixa e pontos 1.3.1. (xii) e 2.1. supra); “Levamos o sabor da natureza até si”, (cfr. Doc. 11 da queixa e pontos 1.3.1. (xiii) e 2.1. supra) e “Agros. Made in Natureza”, (cfr. Docs. 3, 7 e 11 da queixa e pontos 1.3.1. (xxv) e 2.1. supra) – devem ser considerados como meras hipérboles ou frases inócuas publicitárias, os claims:
– “Ser produtor Agros é estar próximo do campo”, (cfr. Doc. 7 da queixa e ponto 1.3.1. (i) supra) e “Ser produtor Agros é estar próximo do campo há mais de 40 anos”, (cfr. Doc. 7 da queixa e ponto 1.3.1. (vii) supra), no sentido em que campo e cidade configuram representações sociais antagónicas (vd. Raymond Williams in, “O campo e a Cidade na História e na Literatura”, São Paulo, Companhia das Letras, 1989), sendo que o primeiro dos conceitos é mais abrangente que o de “rural”, entendido este como região não urbanizada, destinada a atividades da agricultura e pecuária, extrativismo, turismo rural, silvicultura ou conservação ambiental;
– “É saber que temos um leite (…) de sabor único”, (cfr. Doc. 7 da queixa e ponto 1.3.1. (ix) supra) e “Para garantir que temos um leite (…) de sabor único” (cfr. Doc. 7 da queixa e ponto 1.3.1. (x) supra), já que todos os sabores são únicos, mesmo sem ter em linha de conta o facto de se tratar de algo que também tem uma componente psicológica e, ou, emocional, pois nem todos os indivíduos respondem a um mesmo sabor de maneira igual;
– “Siga o seu instinto natural. Escolha Agros” (cfr. Doc. 11 da queixa e ponto 1.3.1. (xi) supra), na medida em que se trata de uma alegação publicitária “tradicionalmente” inócua;
– “A dose certa de leite (…) ”, (cfr. Doc. 3 da queixa e ponto 1.3.1. (xx) supra), porquanto, neste caso, estamos perante outra mera fantasia publicitária, sem quaisquer efeitos na saúde do destinatário, não percebendo o Júri a razão de um anunciante ser obrigado a referir a exata medida da “dose”, não concordando, deste modo, com a censura decorrente do alegado a art.º 77 da petição, no sentido de que não esclarece a LACTOGAL “… o consumidor médio (…) qual o alcance da expressão “a dose certa”, designadamente se tal expressão pretende significar um benefício para a saúde, se apenas pretende referir-se às características organolépticas do produto, designadamente o sabor”;
– “O sabor da Natureza no seu Copo”, (cfr. Doc. 3 da queixa e pontos 1.3.1. (xxvi) e 2.1. supra), por virtude de se tratar de outra frase publicitária inócua, por maioria de razão do que se expôs acerca dos conceitos de “natureza” e de “sabor”;
– imagens fixas de vacas leiteiras a pastar ao ar livre em campos verdejantes, (cfr. Docs. 3 da queixa e da contestação e ponto 1.3.1. (xxvii) supra) e imagens fixas de pastoreio tradicional de gado leiteiro em cenários de quintas, ambiente rural e, ou, bucólico, (cfr. Doc. 3 da queixa e ponto 1.3.1. (xxviii) supra), porquanto a respetiva natureza estática, para além de se poder considerar tradicionalmentre associada à comunicação (comercial ou não) de produtos lácteos, não permite que se retirem conclusões que obriguem a comprovação, atento o facto de no seu discurso narrativo, e quiçá, poético, se verificar a ausência da dimensão temporal que existe nas imagens em movimento. Com efeito, o tipo de imagens fixas em análise, sem grande articulação com reflexões e, deste modo, não alimentando a construção de inferências analíticas por parte de destinatário da comunicação comercial, não se “auto-explica”, não induz uma interpretação, tendendo a ficar no limite da constatação, in casu, de uma característica socio-etnográfica, ao jeito de “descrição rasa”. Em conformidade, aplica-se às imagens fixas em causa, divulgadas através dos suportes embalagem, outdoor, indoor, transportes públicos e caixas multibanco, o sentido decorrente desta célebre frase de Roland Barthes “Todavia, porque era uma fotografia, eu não podia negar que tinha estado lá”. De facto, é somente isto que as imagens fixas da comunicação comercial da LACTOGAL demonstram que as vacas, “a erva e o céu azul estiveram lá”.
Termos em que, no entender do Júri, nenhuma das alegações publicitárias que ficaram analisadas se encontram desconformes, per se, com o quadro ético legal dos princípios da veracidade e da livre e leal concorrência, porquanto são insuscetíveis de induzir o consumidor médio em erro.
2.2.2. Da bondade da prova por parte da Requerida
Da análise dos Docs. 9, 10 e 11 da contestação, conclui o Júri que a LACTOGAL logrou provar a veracidade das seguintes alegações publicitárias e, bem assim, a listagem de cuidados, técnicas e processos adotados na produção do leite Agros (com inclusão da respetiva certificação) exaustivamente descritos a art.ºs 111 a 117 daquela peça processual:
– “É cuidar todos os dias das nossas vacas como ninguém”, (cfr. Doc. 7 da queixa e ponto 1.3.1. (viii) supra);
– “Vacas bem tratadas e bem alimentadas”, (cfr. Doc. 3 da queixa e ponto 1.3.1. (xiv) supra);
– “Qualidade da Origem até ao Copo”, (cfr. Doc. 3 da queixa e ponto 1.3.1. (xv) supra);
– “Um leite de inigualável excelência”, (cfr. Doc. 3 da queixa e ponto 1.3.1. (xix) supra);
– “Se nos dão boa vida só podemos dar bom leite”, (cfr. Doc. 3 da queixa e ponto 1.3.1. (xxi) supra);
– “O respeito pela natureza é demonstrado pelas boas práticas de produção leiteira, as quais asseguram o bem-estar e saúde dos animais”, (cfr. Doc. 3 da queixa, e pontos 1.3.1. (xxii) e 2.1. supra);
– “Porque o português confia no que é seu e tem orgulho da sua naturalidade”, (cfr. Doc. 7 da queixa e ponto 1.3.1. (xxiv) supra).
Sem prejuízo das conclusões a que chegou no ponto anterior, e analisados os catorze documentos juntos aos autos com a contestação, entende o Júri que a LACTOGAL não logrou comprovar a veracidade das seguintes alegações publicitárias:
– “É saber que temos um leito puro….”, (cfr. Doc. 7 da queixa e ponto 1.3.1. (ix) supra), já que a LACTOGAL não juntou prova que permita contrariar o alegado pela FROMAGERIES BEL a art.º 78 da queixa, quanto ao leite com chocolate Agros, no sentido de que “… os ingredientes que compõem tal bebida correspondem a leite, açúcar, cacau, leite em pó, estabilizador: carragenina, sal e aroma – cfr. Ficha de Especificação do produto aprovada pela Direcção da Qualidade e Ambiente, que ora se junta e dá por integralmente reproduzida como Doc. 12 – o que, sem prejuízo da sua adequação em termos de segurança alimentar, sempre determinará que não possa dizer-se que o leite contido na embalagem deste leite de chocolate seja “puro””;
– “Uma atenção especial recai sobre a sua alimentação de modo a que possam dar origem ao melhor leite”, (cfr. Doc. 3 da queixa e ponto 1.3.1. (xvi) supra), na medida em que, por maioria de razão do que se expôs no ponto 2.1. – acerca do facto de o presente claim consubstanciar uma prática de publicidade de tom exclusivo -, impendia sobre a LACTOGAL o ónus da prova da respetiva veracidade, no que concerne, igualmente, a todos os parâmetros de superioridade abrangidos no conceito “melhor leite”, prova essa que terá que abarcar um universo e uma amostra representativos de toda a concorrência, prova essa que não foi junta aos presentes autos;
– “A promessa da sua naturalidade”, (cfr. Doc. 3 da queixa e ponto 1.3.1. (xviii) supra), já que “natural” é um adjetivo que, no contexto, significa isenção de quaisquer conservantes ou aditivos. Deste modo, a alegada “naturalidade” será, somente, característica do leite biológico da LACTOGAL; – “Vivo num ambiente livre”, (cfr. Doc. 3 da queixa e ponto 1.3.1. (xxii) supra) e “Sou feliz”, (cfr. Doc. 3 da queixa e ponto 1.3.1. (xxiii) supra), claims que se encontram inequivocamente associados em termos de significado (em um só suporte) numa relação de “causa-efeito”, porquanto a Requerente logrou comprovar a inverdade do primeiro claim (cfr. Doc. 4 da queixa) e a Requerida não apresentou prova que a contradite. Logo, se as vacas em apreço não vivem num ambiente livre, “não são felizes”, independentemente do que se queira entender por tal;
– “Reserva Agros”, (cfr. Doc. 7 da queixa e ponto 1.3.1. (xxvii) supra), na medida em que esta alegação, associada a outros signos nacionais constantes da mesma peça publicitária, permite uma interpretação no sentido de que a origem do leite biológico Agros é exclusivamente portuguesa, não tendo a LACTOGAL apresentado prova em sentido diverso e que contradite o sustentado pela FROMAGERIES BEL, em sede de queixa: “…a comunicação comercial do leite biológico Agros assenta, desde o seu lançamento, na sua ORIGEM EXCLUSIVAMENTE PORTUGUESA, conforme resulta do anúncio “RESERVA AGROS – AGRICULTURA BIOLÓGICA” – conforme está reflectido no filme disponível no Youtube, no link https://www.youtube.com/watch?v=loN7IMjF6SU, identificado e gravado no CD-Rom, junto como Doc. 7” (sic. art,º 64), acrescentando que, “Indicar a origem Portugal dos produtos Agros, quando por exemplo o leite biológico Agros é produzido em Espanha, atenta contra o princípio da veracidade e configura um acto de concorrência desleal, sob a forma de publicidade enganosa….”
– imagens em movimento de vacas leiteiras a pastar ao ar livre em campos verdejantes, (cfr. Doc. 7 da queixa e ponto 1.3.1. (xxix) supra) e imagens em movimento de pastoreio tradicional de gado leiteiro em cenários de quintas, ambiente rural e, ou, bucólico (cfr. Doc. 7 da queixa e ponto 1.3.1. (xxix) supra), porquanto no que a estas imagens diz respeito, nenhum dos princípios narrativos que se escalpelizaram a propósito das equivalentes imagens fixas, se aplica. Na realidade, aquelas veiculam mensagens híbridas, permitem uma compreensão do respetivo significado em termos temporais e, logo, referenciais, por via de uma ordem de inteligibilidade que decorre do princípio da sequência de signos. Assim, o seu discurso narrativo não é uma tábua rasa. Ao invés, permite uma interpretação, “auto-explica-se”.
Permitindo-se o Júri usar, novamente, a frase de Roland Barthes (a qual, ao jeito de explicação do seu significado, serviu de metáfora no caso das imagens fixas da comunicação publicitária da LACTOGAL, quanto às equivalentes imagens em movimento), tal frase não seria “Todavia, porque era uma fotografia, eu não podia negar que tinha estado lá” e sim, “Todavia, porque era um filme, eu não podia negar que aquele era o meu estilo de vida”: In casu, as vacas passariam a maior parte do tempo ao ar livre, pastando erva verdejante num ambiente bucólico, e não estariam quase sempre confinadas a estábulos, e inseridas num regime intensivo, como comprova o teor da reportagem contida no Doc. 4 da queixa (vd., designadamente, o testemunho de funcionário da Agros feito no sentido de as ditas “…passarem muitas horas por dia deitadas”) e o qual a Requerida não logrou contrariar através de qualquer tipo de prova.
– “É ver o pasto crescer e ouvir o tilintar das vacas a deliciarem-se”, (cfr. Doc. 7 da queixa e ponto 1.3.1. (ii) supra); “Desde o Joaquim e o Farrusco, que tomam conta das vacas” (cfr. Doc. 7 da queixa e ponto 1.3.1. (iii) supra) e “À Leonor que cuida da Ordenha” (cfr. Doc. 7 da queixa e ponto 1.3.1. (iv) supra), por aqui terem aplicação, igualmente, os comentários que o JE acabou de tecer quanto à “auto-explicação” temporal e decorrente “força semântica”, bem como plena de significado das imagens em movimento e sons: “tilintar das vacas”, “Joaquim”, “Farrusco” e “Leonor”, personagens “tipicamente rurais” (que não tomam conta das vacas nem ordenham as mesmas), pasto e erva verdejante, signos sequenciados em toral desacordo com o teor da prova apresentada pela FROMAGERIES BEL, através da junção do Doc. 4 da petição (não contraditado pela LACTOGAL) e nos termos do qual, a ordenha é automática e robótica (diferente implicitamente feita pela “Leonor”), para além do que já se referiu acerca do restante “estilo de vida” predominantemente fechado e ao tipo de alimentação. Por outro lado, a LACTOGAL não junta prova do que pratica, atualmente, no que concerne ao alegado na contestação a art.º J) (CONCLUSÕES).
Pelo exposto, entende o Júri que as alegações publicitárias “É saber que temos um leito puro….”; “…melhor leite”; “A promessa da sua naturalidade”; “Vivo num ambiente livre”; “Sou feliz”; “Reserva Agros”; “É ver o pasto crescer e ouvir o tilintar das vacas a deliciarem-se”; “Desde o Joaquim e o Farrusco, que tomam conta das vacas”; “À Leonor que cuida da Ordenha”; “imagens em movimento de vacas leiteiras a pastar ao ar livre em campos verdejantes” e “imagens em movimento de pastoreio tradicional de gado leiteiro em cenários de quintas, ambiente rural e, ou, bucólico” consubstanciam uma prática de publicidade enganosa e, assim, ofensiva dos princípios da veracidade e da livre e leal concorrência.
3. Decisão
Termos em que a Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP delibera no sentido de que a comunicação comercial da responsabilidade da LACTOGAL – veiculada nos suportes televisão, internet, outdoor, embalagem, transportes públicos e caixas multibanco – em apreciação no presente processo -, se encontra desconforme com os artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 12.º do Código de Conduta do ICAP, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurados pelo JE.».
A Presidente da Segunda Secção do Júri de Ética do ICAP