15J/2016
Pessoa Singular
vs.
Soc. Franco Portuguesa Comunicação e Radiodifusão
EXTRACTO DE ACTA
Reunida no nono dia do mês de Janeiro do ano de dois mil e dezassete, a Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, apreciou o processo nº 15J/2016 tendo deliberado o seguinte:
Processo n. º 15J/2016
1. Objecto dos Autos
1.1. Pessoa singular, adiante designada por Requerente, veio apresentar queixa junto do Júri de Ética (JE) Publicitária do ICAP contra a Rádio Nostalgia / SBSR.FM, adiante designada por Requerida, invocando a violação pela mesma do n.º 2 do art.º 17.º do Código da Publicidade. Considera o Requerente que “a publicidade viola as normas éticas e/ou a lei” na medida em que “uma marca de cerveja possa anunciar de forma subliminar e passar mensagens 365 dias por ano, num meio de comunicação social a qualquer hora do dia” configura “uma clara violação das normas éticas e legais existentes”.
Notificadas as Requeridas – na pessoa dos seus proprietários -, vieram as mesmas apresentar contestação em tudo idêntica, alegando em síntese que:
a) A queixa em apreço não preenche os requisitos mínimos constantes do art.º 10.º do Regulamento do Júri de Ética do ICAP, pelo que deverá ser recusada, mais entendendo que os serviços do ICAP excederam as suas competências ao proceder à correção da queixa e ao notificarem as ora Requeridas, porquanto disposição alguma do Regulamento concede poder ou competência para tal ao ICAP;b) “A queixa em apreço foi formulada por uma entidade interessada e não por um consumidor particularmente atento ou diligente”;c) Ainda que a utilização da expressão “SBSR” possa vir a ser associada ao Festival Super Bock Super Rock, que tem como parceiro institucional a Unicer, S.A. e, em particular a marca “Super Rock”, inexiste (…) a possibilidade de ser inferida uma promoção a uma bebida alcoólica. (…) A Rádio SBSR.FM não promove o consumo de qualquer bebida alcoólica, direta, indireta ou dissimuladamente nos horários em que a publicidade a bebidas alcoólicas se encontra expressamente proibida. (…) não identificaram a existência de qualquer elemento publicitário real que comprove a existência de uma prática de natureza ilícita (…). A mera utilização da expressão “SBSR” não poderá ser interpretada como um ato de publicidade ou de comunicação comercial de uma bebida alcoólica e, em particular, da cerveja “Super Bock”, porquanto: i. A Rádio SBSR.FM não é detida pela titular da referida marca; ii. Inexiste qualquer referência à marca “Super Bock” ou qualquer outra marca identificativa de uma bebida alcoólica.
Dão-se por reproduzidos a queixa, a contestação e os documentos juntos aos autos pela Requerida.
2. Enquadramento ético-legal
2.1. Questões prévias
Conforme supra referido, entendem as Requeridas que a queixa em apreço não preenche os requisitos mínimos constantes do art.º 10.º do Regulamento do Júri de Ética do ICAP e que os serviços do ICAP excederam as suas competências ao proceder à correção da queixa e ao notificarem as ora Requeridas, porquanto disposição alguma do Regulamento concede poder ou competência para tal ao ICAP.
Não pode o JE concordar com as Requeridas. O ICAP é um mecanismo de autorregulação. Como mecanismo de autorregulação e tal como expresso na declaração de princípios da EASA – European Advertising Standards Alliance, à qual o ICAP adere, tem por objetivo “manter a confiança do consumidor na publicidade, dando uma resposta célere e eficiente às suas preocupações. O sistema de autorregulação facilita a proteção do consumidor, proporcionando-lhe uma via para expressar a sua opinião diretamente à indústria publicitária e ao anunciante. Permite às marcas competirem a um nível benéfico para o consumidor. Em todo este processo, a indústria publicitária será também reconhecida como ativa, contínua e responsavelmente comprometida com o consumidor.” Mais se indica que “Os sistemas de autorregulação devem, acima de tudo, assegurar que o consumidor individual seja o centro da atenção.”
É este o espírito que enforma o mecanismo de resolução de queixas do ICAP que este JE assegura e que motiva um especial cuidado no sentido de assegurar que em nenhuma parte do processo de autorregulação o consumidor fique privado da proteção que lhe é conferida. É também esta a motivação para a menor exigência na formulação da queixa quando por parte de um consumidor, com expressa previsão no art.º 10.º do Regulamento do Júri de Ética do ICAP.
Entende, assim, o JE que os serviços do ICAP atuaram bem ao corrigir a identificação das Requeridas, em primeiro lugar, tal como atuaram bem as Requeridas, identificando o facto e colaborando com os mesmos.
Entende, igualmente, o JE que o Requerente incorreu num lapso quanto à identificação do anunciante responsável pela situação que pretendeu descrever, mas que não lhe é exigível que conhecesse ou identificasse as Requeridas, bastando, para o efeito, a identificação da Rádio SBSR.FM, e, nessa medida, considera o Júri que a queixa identifica devidamente o anunciante em causa, sendo, de mais a mais, a sua denominação, a questão aqui controvertida.
Note-se, com relevância, que, tal como explanado na contestação pelas Requeridas, são estas as entidades proprietárias da rádio em causa. No entanto, a propriedade da marca, que é também a denominação com que a rádio se apresenta a público – Rádio SBSR e SBSR.FM –, é de um terceiro, a UNICER – BEBIDAS DE PORTUGAL, SGPS, S.A. Mais se pode inferir da Deliberação ERC/2016/248 (AUT-R) que a utilização da marca por parte das Requeridas faz parte de um acordo de parceria que, não obstante, não é sequer estabelecido com a entidade titular da marca mas com quem detém a sua licença de exploração, no caso, a Unicer, S.A.. Não é, assim, adequado ou razoável esperar que um consumidor detenha este nível de informação ou que tenha de o procurar, para poder exercer o seu direito de queixa no âmbito de um sistema de autorregulação.
Quanto ao explanado na contestação relativamente ao interesse do Queixoso, entende o JE que tendo ambas as partes – particular e entidade interessada – legitimidade para a apresentação da situação a este JE, o mesmo não releva para a apreciação que se fará.
2.1.1. Análise ético-legal
Quanto à questão controversa, a mesma resume-se ao seguinte: a publicidade às marcas Rádio SBSR e SBSR.FM, veiculada pelo seu uso na denominação da rádio detida pelas Requeridas, viola o quadro normativo e regulamentar da publicidade a bebidas alcoólicas?
Ora, de acordo com a informação publicamente disponibilizada pelo INPI, as marcas Rádio SBSR e SBSR.FM são detidas pela UNICER – BEBIDAS DE PORTUGAL, SGPS, S.A., empresa do sector das bebidas em Portugal, onde se incluem as cervejas. Sendo titular da marca, resulta da Deliberação ERC/2016/248 (AUT-R), conforme ponto 1.4. (iii), que a exploração das referidas marcas se encontra licenciada à UNICER, S.A., também esta ligada ao setor das bebidas e, dentro deste, ao negócio das cervejas.
Resultando claro da Deliberação da ERC que a utilização das marcas pelas Requeridas é efetuada ao abrigo de um contrato de parceria estabelecido entre estas e a UNICER, S.A. e que o mesmo acordo envolve, para efeitos publicitários, um patrocínio, conforme ponto 1.3 da mencionada Deliberação, importará primeiramente uma breve análise à admissibilidade do mesmo.
O Código de Ética do ICAP define patrocínio como “todo e qualquer acordo comercial pelo qual o Patrocinador, para benefício mútuo, seu e do patrocinado, oferece contratualmente apoio financeiro ou outro, visando estabelecer uma associação entre a imagem, marcas, bens, ou serviços do Patrocinador e o objecto patrocinado”, conf. CCICAP, alínea h) do art.º B., ponto II., Disposições Específicas sobre: Patrocínio.
A análise justifica-se dado que a publicidade a bebidas alcoólicas se encontra sujeita a um regime de exceção face ao objeto, “ou seja, só é possível em determinadas condições.”
O Código da Publicidade (CP) vem estabelecer restrições à publicidade, umas ligadas ao conteúdo e outras relacionadas com o seu objeto. No que ao conteúdo diz respeito, as restrições encontram-se previstas nos artigos 14.º a 16.º do CP e aplicam-se a comunicações dirigidas a menores, à publicidade testemunhal (art. 15.º) e à publicidade comparativa (art. 16.º). Já quanto ao objeto, as restrições – umas previstas no CP (art.ºs 17.º a 22.º-A) e outras em legislação avulsa – aplicam-se à publicidade às bebidas alcoólicas, em análise, mas também ao tabaco, medicamentos, produtos milagrosos, jogos e apostas, cursos ou outras formações e, ainda, à publicidade a veículos automóveis. As restrições visam acautelar fins diferentes e têm níveis diferentes de inibição.
A título de exemplo e com relevância ao apreciado, refira-se que atentas as razões de saúde pública subjacentes à publicidade ao tabaco, a Lei do Tabaco, no n.º 1 do art.º 18.º, sob a epígrafe “Patrocínio”, estabelece que “É proibida qualquer forma de contributo público ou privado, nomeadamente por parte de empresas cuja atividade seja o fabrico, a distribuição ou a venda de produtos do tabaco, destinado a um evento, uma atividade, um indivíduo, uma obra áudio-visual, um programa radiofónico ou televisivo, que vise, ou tenha por efeito direto ou indireto, a promoção de um produto do tabaco ou do seu consumo.”
Quanto à publicidade a bebidas alcoólicas, as restrições encontram-se previstas no art.º 17.º do CP, sendo que não se infere do seu regime, ou de qualquer outra disposição, que o patrocínio de programas ou operadores de rádio que tenha por efeito direto ou indireto a promoção de bebidas alcoólicas ou do seu consumo esteja vedado a quem tenha como atividade o fabrico ou venda de bebidas alcoólicas, ao contrário do que se referiu quanto ao negócio do tabaco.
Com efeito, as restrições legais e éticas ao objeto publicitado são motivadas por ordens diversas e assumem contornos e graus específicos face ao que visam acautelar. No caso das bebidas alcoólicas, as restrições à publicidade visam acautelar a vulnerabilidade dos consumidores, em especial dos menores, conforme se retira das condicionantes enumeradas no n.º 1 do art.º 17.º do CP. Dando corpo ao anunciado no número precedente, o n.º 2 do artigo estabelece uma limitação horária à publicidade a bebidas alcoólicas na rádio e na televisão. Mas a publicidade é permitida e, assim, também o patrocínio.
O patrocínio é essencialmente “uma “marketing tool”, (…) que revela no quadro dos instrumentos de comunicação das empresas como um especial “método publicitário”. Especial, porque a mensagem promocional é “difundida de modo indirecto”, sendo o seu efeito obtido “em retorno” mediante a “«veiculação de um símbolo»”, com a chamada “Imagetransfer” (…) Na verdade, o patrocínio é um instrumento de comunicação promocional em que se destaca a função publicitária ou sugestiva da marca” .
Sendo admitido o patrocínio, e não estando em causa a difusão de um qualquer spot publicitário, a questão que se coloca é relativa à comunicação das marcas Rádio SBSR / SBSR.FM como denominação da rádio, e se tal, conforme queixa da Requerente, implica, “de forma subliminar”, a publicidade a uma marca de cerveja, ou seja, se existe publicidade indireta.
A publicidade indireta implica a existência de elementos comuns às marcas anunciadas que sugiram, recordem ou apelem, ainda que indiretamente, uma outra, criando no destinatário da mensagem o efeito de representação e reconhecimento dessa outra marca.
Entende o JE, no caso concreto, que as marcas Rádio SBSR e SBSR.FM não possuem sinais ou elementos que tragam a associação a qualquer marca de cerveja. As marcas referidas na Deliberação da ERC e também na defesa das Requeridas reduzem-se à expressão “SBSR” e não se encontram registadas como comportando variantes por extenso. A variante, aliás, é objeto de marca distinta não referida na Deliberação da ERC. Concorda, assim, o JE com as conclusões das Requeridas na parte em que referem que “A mera utilização da expressão “SBSR” não poderá ser interpretada como um ato de publicidade ou de comunicação comercial de uma bebida alcoólica e, em particular, da cerveja “Super Bock”, porquanto: (…) Inexiste qualquer referência à marca “Super Bock” ou qualquer outra marca identificativa de uma bebida alcoólica.” Entende-se que a comunicação das marcas Rádio SBSR e SBSR.FM, não comportando variação por extenso, não é por si suscetível de associação a uma bebida alcoólica e, como tal, de ser considerada publicidade indireta e, assim, sujeita à restrição horária inscrita no Código da Publicidade. Pelo exposto, o JE considera que a denominação da Rádio SBSR não é desconforme ao Código de Conduta do ICAP, mas adverte que, nos termos do mesmo, o Patrocínio deverá basear-se nas obrigações legais e cumprir todas as normas de ética profissional aplicáveis à Parte Patrocinada e que, caso seja efetuada qualquer menção que por associação configure publicidade indireta a uma marca de cerveja, dentro da restrição horária legal, a mesma será inadmissível.
3. Conclusão
Considera o JE que a comunicação comercial implícita no uso das marcas Rádio SBSR / SBSR.FM, em apreciação no presente processo, não viola qualquer disposição específica do Código de Conduta do ICAP, indeferindo-se a pretensão do Requerente.».
A Presidente da Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP