Mais recentes

14J / 2016 – Recurso :: Procter & Gamble Portugal vs. Reckitt Benckiser Portugal

14J/2016
Recurso

 

Procter & Gamble Portugal
vs.
Reckitt Benckiser Portugal

 

COMISSÃO DE APELO

 

Proc. n.º 14J/2016

1. A PROCTER & GAMBLE PORTUGAL – PRODUTOS DE CONSUMO, HIGIENE E SAÚDE, S.A., doravante designada apenas por “P&G”), recorre para esta Comissão de Apelo da Deliberação da 2ª Secção do JE proferida em 3 de Novembro de 2016, no âmbito do processo acima referenciado.

2. Dinâmica processual

2.1. O processo teve início com uma queixa apresentada pela RECKITT BENCKISER (PORTUGAL) S.A., (adiante abreviadamente designada por RECKITT) contra a PROCTER & GAMBLE PORTUGAL – PRODUTOS DE CONSUMO, HIGIENE E SAÚDE, S.A., relativamente a comunicação comercial da sua marca de detergente para máquina de lavar loiça em forma de pastilhas “Fairy Platinum” – feita através de suporte televisão – por alegada ofensa do quadro ético-legal em matéria de princípios da veracidade e de livre e leal concorrência, bem como de publicidade comparativa.

Em abono da sua pretensão, sustenta a RECKITT, em síntese, que:

– As comparações realizadas não devem ser consideradas publicidade comparativa porque não se consegue identificar um produto concorrente, mesmo que implicitamente;

– Assim, deve determinar-se que a utilização da expressão “Pastilha tudo-em-um mais vendida”, pela impossibilidade de identificação por parte do consumidor médio da pastilha mais vendida com a qual se compara o produto da P&G é de molde a gerar uma prática de publicidade enganosa, face à sua ambiguidade;

– Caso se entenda que existe publicidade comparativa mas que apenas a marca é identificada, a utilização da expressão “Pastilha tudo-em-um mais vendida” é enganosa por não ser claro o objeto da comparação, se a marca Finish, se o produto Finish All-in-One, por esta comercializado;

– Se se considerar que existe publicidade comparativa e que é possível identificar o produto em concreto da marca Finish, objeto de comparação, deverá concluir-se que  a comparação não é lícita porque os dois detergentes em causa – Fairy Platinum e Finish All in One – não podem ser objectivamente comparados, em razão do segmento de mercado em que cada um se insere, sendo o Fairy Platinum um produto premium e o Finish All in One um produto de gama média;

– A P&G, ao comparar produtos não comparáveis, procurou desacreditar e depreciar a marca Finish da sua concorrente RECKITT BENCKISER, que os consumidores poderão hipoteticamente identificar;

– O teste junto permite concluir que é falso que com Finish  All In One Max os consumidores obtenham resultados como os que a P&G apresenta na comparação;

– Ao transmitir que resultados como o apresentado no filme só se conseguem obter “Se usa as cápsulas Fairy Platinum”, a P&G está a incorrer em publicidade de tom excludente, no sentido de que só o seu Produto Fairy Platinum atinge os resultados anunciados, o que não é verdade, e que a P&G terá sustentar com provas que demonstrem a superioridade do seu produto sobre todos os demais produtos do mercado.

2.2. A P&G apresentou a sua contestação, pedindo que se considere improcedente a queixa apresentada.

Em abono da sua pretensão, sustenta a P&G, em síntese, que:

– A comparação efetuada entre o Fairy Platinum e a “Pastilha Tudo-Em-Um mais vendida” não é ambígua, na medida em que, tendo presente a posição de liderança da pastilha Finish All-In-One comercializada pela Reckitt Benckiser no mercado nacional, conjugada com a forma típica da pastilha “tudo-em-um” utilizada na comparação lado-a-lado, é facilmente reconhecida como a pastilha Finish All-in-One, pelo consumidor médio;

– Sendo a publicidade efetuada pela Procter & Gamble relativamente ao seu produto Fairy Platinum, publicidade comparativa, a mesma é permitida, na medida em que compara produtos que respondem às mesmas necessidades e que têm os mesmos objetivos;

– A tal não obsta o facto de o Fairy Platinum ser de uma gama superior ao Finish All-In-One, sob pena de violação da normativa comunitária e do regime jurídico-regulamentar português, pois o propósito da publicidade comparativa é exatamente o de permitir aos operadores económicos, como a Procter & Gamble, dar a conhecer ao consumidor uma alternativa melhor ao produto mais vendido, dando-lhe a possibilidade de optar por pagar por essa alternativa, se essa for a sua escolha;

– Ao comparar produtos da mesma categoria, que respondem às mesmas necessidades e têm o mesmo objetivo, a Procter & Gamble faz uma comparação objetiva e com relevância para o consumidor, podendo até fazê-lo entre produtos de fabricante e entre produtos de marca própria, dado que tal comparação pode ser determinante para a escolha do consumidor;

– O claim publicitário “Se usar as cápsulas Fairy Platinum consigo limpar os restos difíceis melhor do que a pastilha mais vendida”, não pode ser considerado como publicidade em tom excludente, acrescentando que a expressão “se” não é sinónimo de “só”, e a sua utilização apenas pretende informar o consumidor médio de que se usar o produto da Procter & Gamble poderá obter melhores resultados do que usando a pastilha tudo-em-um líder de mercado;

– Ficou demonstrado que, de acordo com testes de performance realizados pelo laboratório independente alemão Tensioconsult, as cápsulas ou pastilhas para a máquina Fairy Platinum limpam melhor os restos de comida do que o Finish All-In-One;

– A P&G não procurou desacreditar e depreciar a marca Finish da sua concorrente Reckitt Benckiser, na medida em que, em lado nenhum do spot publicitário, a Procter & Gamble alega que o Finish All-in-One da Reckitt Benckiser não elimina restos difíceis de comida sem pré-lavagem, mas apenas que o Fairy Platinum o faz melhor, conforme ficou tecnicamente demonstrado.

2.3. Pronunciando-se sobre a queixa apresentada, a 2ª Secção do JE, deliberou que “a comunicação comercial da responsabilidade da P&G – veiculada em suporte televisão – em apreciação no presente processo – se encontra desconforme com os artigos 4.º, n.º 1, 5.º, 9.º, n.ºs 1 e 2, 12.º e 15.º, n.º 2, alíneas a), c), d), e) e f) do Código de Conduta do ICAP, pelo que a sua divulgação deverá cessar de imediato e não deverá ser reposta – quer na sua totalidade, quer em termos parciais, seja em que suporte for – caso se mantenham os tipos de ilícito apurado pelo JE.”

3. Desta deliberação, a Procter & Gamble interpôs recurso para esta Comissão de Apelo.

Na sua douta alegação, em conclusão, disse:

I.   O JE considerou a comunicação comercial veiculada pela P&G ao seu produto Fairy Platinum legal (não se recorrendo quanto a essa matéria), na medida em que:
(i)   Não existe qualquer ambiguidade na comparação efetuada entre o Fairy Platinum e a “pastilha tudo-em-um mais vendida”, sendo esta identificada pelo consumidor médio, razoavelmente experiente e informado, como sendo o produto Finish All-in-One, comercializado pela RB;(ii)   A P&G, ao usar o claim “ Se usa as cápsulas Fairy Platinum, consigo limpar os restos difíceis melhor do que a pastilha mais vendida”, não está a incorrer em publicidade de tom excludente, no sentido de que só o seu produto Fairy Platinum atinge os resultados anunciados, não sendo necessário que a P&G tenha de demonstrar a sua superioridade face aos demais produtos no mercado, mas apenas (como fez) face ao produto da RB Finish All-in-One.

II.   O JE considerou igualmente a comunicação comercial da P&G ao seu produto Fairy Platinum como conforme ao disposto na al. b) do nº 2 do art.º 15º do CCI, pois recorre-se da comparação entre produtos que respondem às mesmas necessidades e que têm os mesmos objetivos, também não se recorrendo desta matéria.

III.   A P&G não aceita a declaração de desconformidade declarada pelo JE no que diz respeito à violação de todas as alíneas do nº 2 do art.º 9º do CCI, na medida em que em lado algum da comunicação comercial veiculada pela P&G ao seu produto Fairy Platinum se faz referência ao seu preço, ao preço do produto da RB (o Finish All-in-One), a condições de entrega (serviço pós-venda), a condições de garantia, bem como aos demais aspetos referidos nas alíneas supra citadas, e, aliás, nada disso foi alegado pela RB na sua Queixa.

IV.   A P&G considera que a comparação entre dois produtos de tiers distintos é, no caso agora em apreço, uma comparação objetiva e devidamente comprovada, e que promove aquilo é o fim último da publicidade, ou seja, o direito à informação do consumidor.

V.   Não concorda, assim, a P&G, com o entendimento subscrito pelo JE de que deveria ter comparado o seu produto premium Fairy Platinum com o produto alegadamente premium da RB – o Finish Quantum, e não com o produto Finish All-in-One, pois a P&G, ao comparar a performance do seu produto com o produto de gama média da RB – o Finish All-in-One, não fez uma comparação objetiva entre produtos, dado que teriam características essenciais e pertinentes distintas.

VI.   O JE não fundamentou esta sua decisão, não tendo prescrito quais as características essenciais e pertinentes dos produtos em comparação é que deveriam ter sido comprovadas pela P&G.

VII.   Na ausência de fundamentação por parte do JE, a P&G conseguiu demonstrar que as características essenciais e pertinentes dos produtos Fairy Platinum e Finish All-in-One são objetivamente comparáveis.

VIII.   Para tal, recorreu-se do disposto no art.º 3º da Diretiva 2006/114/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa à publicidade enganosa e comparativa, o qual, na sua alínea a), estabelece que, na publicidade deve ter-se em conta as “ (…) características dos bens ou serviços, tais como a sua disponibilidade, natureza, execução, composição, o modo e a data de fabrico ou de prestação, o carácter adequado, as utilizações, a quantidade, as especificações, a origem geográfica ou comercial ou os resultados que podem ser esperados da sua utilização, ou os resultados e as características essenciais dos testes ou controlos efetuados sobre os bens ou serviços.”

IX.   De facto os produtos Fairy Platinum (da P&G) e o Finish All-in-One (da RB), têm características comuns consideradas essenciais e pertinentes, tais como:(i)   Ambos são detergentes para lavagem da loiça na máquina (requisito da natureza e do carácter adequado referido na Diretiva);(ii)   Ambos são apresentados no formato de cápsula (ou pastilha) por uma questão de facilidade de uso e de forma a evitar sobre ou sub dosagem e desperdício (requisito da execução);(iii)   Ambos estão disponíveis nos mesmos pontos de venda (requisito da disponibilidade);(iv)   De ambos são esperados resultados comparáveis da sua utilização (a lavagem da loiça na máquina, sem pré-lavagem).

X.   Todos estes parâmetros também são, no entender da P&G, relevantes e pertinentes para o consumidor.

XI.   Assim, não obstante os produtos aqui em comparação pertencerem a gamas distintas, daí não se pode retirar necessariamente a conclusão de que não tenham as mesmas características essenciais e, por isso, não possam ser objetivamente comparados.

XII.   Tanto mais que, no caso em concreto, a comparação é extremamente relevante para o consumidor.

XIII.   A P&G não comparou a performance do seu produto Fairy Platinum com o produto da RB o Finish All-in-One, por este ser alegadamente mais barato ou de ser considerado de um tier inferior, mas sim porque o produto da RB é líder de mercado.

XIV.   Como tal, e considerando que o Finish All-in-One é o produto que a maioria dos consumidores utiliza, pretende a P&G demonstrar que existe uma melhor alternativa ao produto mais vendido, pela qual o consumidor final pode estar disposto a pagar.

XV.   Havendo disponíveis no mercado produtos que respondem com o mesmo objetivo, que respondem às mesmas necessidades e têm as mesmas características essenciais, pertinentes e comprováveis, a sua comparação deverá ser considerada legítima, por ser objetiva, como é no caso em apreço.

XVI.   Assim, a P&G ao comparar o seu produto Fairy Platinum com o produto da RB Finish All-in-One, fez uma comparação objetiva, não tendo gerado confusão no mercado nem induzido o consumidor em erro quanto às características essenciais dos produtos em comparação.

XVII.   Do mesmo modo, e quanto à alegação de que a publicidade da P&G visa comunicar um mau desempenho do produto comercializado pela RB – o Finish All-in-One, consubstanciado pelo claim “Pastilha tudo-em-um mais vendida” associado com a imagem de pirex ainda sujo e a imagem de uma pastilha Finish azul com a powerball encarnada ao centro, desacreditando, assim, o produto Finish All-In-One, tal alegação não pode ter provimento.XVIII.   Não é o mau desempenho do Finish All-in-One que se comunica ao consumidor, mas sim um desempenho inferior quando comparado com o desempenho do Fairy Platinum.

XIX.   Não é objetivo dos anunciantes, neste caso da P&G, focar a performance dos produtos seus concorrentes, mas sim enaltecer as capacidades do produto anunciado.

XX.   Tendo a P&G demonstrado a performance superior do Fairy Platinum face à performance do produto da RB, o Finish All-in-One, produtos esses cuja comparação, conforme ficou exposto supra, é legítima, não desacreditou a marca do produto concorrente.

XXI.   De facto, em lado algum do anúncio publicitário em apreço se refere que o Finish All-in-One não é susceptível de limpar restos difíceis de comida (mesmo sem pré-lavagem), mas sim que, quando comparado com o Fairy Platinum, tem uma performance inferior.

XXII.   Não existe aqui qualquer exploração negativa do crédito e reputação do produto da RB, o Finish All-in-One, mas tão somente a demonstração de uma factualidade devidamente testada e comprovada, ao abrigo da qual se conclui que o produto da P&G, o Fairy Platinum, remove melhor restos difíceis de comida do que o líder de mercado, o Finish All-in-One.

XXIII.   Assim, entende a P&G que ao fazer uma comparação objetiva entre a performance de produtos que têm o mesmo objetivo, servem a mesma necessidade e têm características essenciais, relevantes e pertinentes comparáveis, não incorre em publicidade enganosa nem em práticas comerciais desleais.

XXIV.   Desta forma, o que a P&G comunica é que existe uma alternativa ao líder de mercado e, mesmo sendo essa alternativa de uma gama superior, os consumidores têm de estar devidamente informados acerca da sua existência, pela qual podem estar dispostos a optar no ponto de venda.

4. A recorrida RECKITT BENCKISER (PORTUGAL) S.A. contra-alegou, dizendo, em conclusão:

a)   Não se verifica qualquer ilicitude na decisão do JE no que diz respeito à referência ao n.º 2 do art.º 9º do CCI, porquanto ao longo de toda a fundamentação da decisão, o JE apenas faz referência à alínea a) do n.º 2 do art.º 9º do CCI – vide pág. 18 da Decisão. Assim, a referência a final ao n.º 2 do art.º 9º do CCI deve ser lida – na medida em que é claro que assim é – como uma referência à alínea a) do n.º 2 do art.º 9º do CCI, porquanto foi a única norma citada na fundamentação da decisão.

b)   É totalmente correta a decisão do JE ao ter considerado que:

•   “A Requerida, ao não comparar o seu melhor produto, o Fairy Platinum com o produto equivalente da RECKITT – o Finish Quantum – não se referiu objectivamente às características essenciais, pertinentes e comprováveis da marca Finish, (gama ou tier) pelo que a sua comunicação comercial não se compagina com o cumprimento da obrigação consignada no n.º 2, alínea c) do artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP”, nomeadamente porque “a prova junta aos autos com a contestação, por parte da P&G, não ser de molde a comprovar que as pastilhas Finish All in One da RECKITT possuem as mesmas características essenciais e pertinentes do seu Fairy Platinum”, vincando o JE que a P&G assume que são produtos de gama, segmento e tier diferentes –  vide pág. 14 da Decisão;

•   “Existe a suscetibilidade de o consumidor médio, por via da comunicação comercial da Requerida, entender que não existe, comercializada pela RECKITT, qualquer gama de pastilhas do mesmo tier do Fairy Platinum. Temos em que, o Júri considera que a campanha publicitária em análise é de molde a gerar a confusão no mercado entre marcas da concorrente RECKITT, sendo desconforme com o disposto no referido artigo 15.º, n.º 2, alínea e).” – vide pág. 16 da Decisão;

•   “No que tange à comparação ilícita efetuada pela Requerida entre dois produtos com características representativas dissemelhantes (…) de forma a comunicar um mau desempenho do comercial pela concorrente RECKITT (…) entende o Júri que a comunicação comercial em apreço é de molde a desacreditar a marca/produto Finish All-in-” (…) a questão a suscitar, não é tanto sobre a visualização do excelente resultado apresentado pela lavagem com o produto da P&G, mas sim, sobre a comunicação do mau resultados decorrente do uso da marca da RECKITT, mesmo tratando-se de um produto de gama inferior e, até, por causa disto mesmo”, entendendo o JE, bem, que foi violada a alínea f) do n.º 2 do art.º 15º do CCI –  vide págs. 16 e 17 da Decisão;

•   Como corolário da publicidade comparativa ilícita em causa, entendeu também, e bem, o JE, que o princípio da veracidade, ínsito nos n.º 1 e alínea a) do n.º 2 do art.º 9º do CCI, foram infringidos pela P&G.

II- FUNDAMENTAÇÃO

5. Os factos

– A P&G é responsável pela divulgação – entre 1 e, pelo menos, 8 de Outubro de 2016 – de uma comunicação traduzida por um spot publicitário com 20 segundos, divulgação essa realizada nos canais de televisão: “RTP1”, “SIC”, “TVI”, “SIC Notícias”, “AXN”, “Globo”, “TV Record” e “Hollywood”.

– A comunicação em causa é consubstanciada pelas seguintes alegações publicitárias ou claims:
(i) Interveniente mãe zangada por virtude de o filho ter deixado restos de comida ressecarem na loiça, dificultando a tarefa de a lavar na máquina, enquanto lhe entrega um “pirex sujo de um molho que aparenta ser de massa e tomate ressequidos”;(ii) A máquina de lavar loiça” ganha vida, como uma personagem, afirmando “Não é preciso! Eu limpo isso à primeira com o novo Fairy Platinum”;(iii) pelo que o interveniente filho ”fecha a torneira e coloca o pirex na máquina de lavar loiça, sem o passar por água”;(iv) Em voz-off, a máquina de lavar loiça” afirma: “Se usa as cápsulas Fairy Platinum, consigo limpar os restos difíceis melhor do que a pastilha mais vendida”;(v) enquanto, simultaneamente, é visualmente apresentada uma comparação “lado-a-lado” visualizando-se, no topo do ecrã repartido, a imagem de “travessa com restos de massa no forno lavada com Míele a 50 graus”;(v. a) à esquerda, a menção “Pastilha tudo-em-um mais vendida” associada a “imagem de pirex ainda sujo” e a “ilustração típica de uma pastilha de Finish azul com a powerball encarnada ao centro” (da RECKITT);(v. b) à direita, as menções “Limpeza na 1.ª Lavagem” e “FAIRY”, associadas à “imagem de um pirex limpo e resplandecente” e à “ilustração de uma pastilha Fairy Platinum” (da P&G);(vi) Interveniente mãe analisa os “resultados de lavagem com Fairy Platinum exclamando: “Perfeito!””;(vii) Packshot ladeado pela imagem de uma máquina de lavar loiça com um selo “Recomendação N.º 1 da Whirlpool”, imagem que é associada aos claims divulgados em voz-off “Experimente Fairy Platinum” e “Recomendação N.º 1 da Whirlpool”.

6. Cumpre apreciar e decidir.

7. Da alegada violação das alíneas b) a h), do nº2, do art.º. 9º, do Código de Conduta do ICAP (CC-ICAP)

A P&G alega que, muito embora a 2ª Secção do Júri de Ética tenha entendido que a publicidade em causa viola o disposto no n.º 2 do art.º 9º do Código de Conduta do ICAP (CC-ICAP), “em lado algum da comunicação comercial veiculada pela P&G ao seu produto Fairy Platinum se faz referência ao seu preço, ao preço do produto da RB (o Finish All-in-One), a condições de entrega (serviço pós-venda), a condições de garantia, bem como aos demais aspetos referidos nas alíneas supra citadas, nem tal foi, aliás, alegado pela RB na sua Queixa.”

Com tal alegação, parece querer imputar à deliberação o vício de excesso de pronúncia.

Sem razão, contudo.

É certo que, no seu segmento decisório, se decidiu que a comunicação comercial aqui em apreciação se encontra desconforme, entre outros, com o nº2, do art.º. 9º, do CC-ICAP, sem especificar a qual das suas alíneas se está a referir.

No entanto, ao longo da sua fundamentação, a deliberação refere-se unicamente à alínea a) do n.º 2 do art.º 9º do CC-ICAP (v. pág. 18), expondo detalhadamente as razões que levaram o JE a considerar que a comunicação comercial posta em crise se encontra desconforme com o preceituado naquela norma em concreto.

Assim sendo, temos por inquestionável que o JE quis apenas imputar à comunicação da P&G a desconformidade com o princípio previsto na alínea a) do n.º 2 do art.º 9º do CC-ICAP, e não nas outras alíneas do mesmo artigo.

A deliberação não enferma, pois, do vício apontado.

8. Da alegada falta de fundamentação

A recorrente alega que a deliberação do JE padece de falta de fundamentação, na parte em que considerou que a P&G não fez uma comparação objetiva entre produtos.

Não é, porém, assim: a deliberação recorrida encontra-se adequadamente fundamentada, com análise dos meios probatórios juntos aos autos, além da indicação dos fundamentos ético-legais que, em seu entender, justificam a decisão.

9. Quanto ao mérito do recurso

No caso em apreço, a 2ª Secção do JE considerou que:

– “A Requerida, ao não comparar o seu melhor produto, o Fairy Platinum com o produto equivalente da RECKITT – o Finish Quantum – não se referiu objetivamente às características essenciais, pertinentes e comprováveis da marca Finish, (gama ou tier), pelo que a sua comunicação comercial não se compagina com o cumprimento da obrigação consignada no n.º 2, alínea c) do artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP.“

– “Não se crê que o sinal forte da marca Finish seja compreendido e interiorizado pelo destinatário da publicidade, através do seu produto de gama mais alta Finish Quantum mas sim, pelo de gama média e mais vendido Finish All-in-One (…) de onde o JE entende, por maioria de razão, que existe a suscetibilidade de o consumidor médio, por via da comunicação comercial da Requerida, entender que não existe, comercializada pela RECKITT, qualquer gama de pastilhas do mesmo tier do Fairy Platinum.”

– “no que tange à comparação ilícita efetuada pela Requerida entre dois produtos com características representativas dissemelhantes (…) de forma a comunicar um mau desempenho do comercializado pela concorrente RECKITT consubstanciado, designadamente, pelos claims “Pastilha tudo-em-um mais vendida” associado a “imagem de pirex ainda sujo” e a “ilustração de uma pastilha de Finish azul com a powerball encarnada ao centro” (…), bem como pelas alegações publicitárias “Limpeza na 1.ª Lavagem” e “FAIRY” associadas à “imagem de um pirex limpo e resplandecente” e à “ilustração de uma pastilha Fairy Platinum” (da P&G) – entende o Júri que a comunicação comercial em apreço é de molde a desacreditar a marca/produto Finish All-in-One.”

– Ao não comparar o seu melhor produto, o Fairy Platinum com o produto equivalente da RECKITT, o Finish Quantum (e sim, com o Finish All-in-One), não se referiu objetivamente às características essenciais, pertinentes e comprováveis (gama ou tier) da marca Finish, pelo que a sua comunicação comercial se encontra desconforme com o disposto no n.º 2, alínea c) do artigo 15.º do Código de Conduta do ICAP, sendo, deste modo enganosa, por indução do consumidor em erro quanto às características representativas do Finish All-in-One da Requerente.”

– “A comunicação comercial da responsabilidade da Requerida se encontra, igualmente, desconforme com o preceituado no artigo 15.º, n.º 2, alíneas a) e d) do Código de Conduta do ICAP, nos termos dos quais, e respetivamente, “Na Comunicação Comercial comparativa, a comparação deve: não ser enganosa” e (…) “não desrespeitar os princípios da leal concorrência.”Com base em tais considerandos, concluiu-se que a comunicação comercial em questão se encontra desconforme com os princípios ético-legais a que deve obedecer e determinou-se a sua cessação imediata.

Contra este entendimento se insurge a requerida (P&G), sustentando que “a comparação entre dois produtos de tiers distintos é, no caso agora em apreço, uma comparação objetiva e devidamente comprovada, e que promove aquilo que é o fim último da publicidade, ou seja, o direito à informação do consumidor.”.

Vejamos, pois.

Como é sabido, a publicidade rege-se pelos princípios da licitude, identificabilidade, veracidade e respeito pelos direitos do consumidor (arts.º. 6º a 10º, do Código da Publicidade (CP) .

Por sua vez, o Código de Conduta do ICAP (CC-ICAP) estabelece que todas as comunicações “devem ser “honestas e verdadeiras” (art.º 4º nº 1), “devem ser conformes aos princípios da leal concorrência, tal como estes são comummente aceites em assuntos de âmbito comercial” (art.º 4º nº 2), “não devem minar a confiança do público” (art.º 4º nº 3), nem “abusar da confiança dos consumidores” (art.º 7º, nº 1).

O princípio do respeito pelos direitos do consumidor está também consagrado nos artigos 6.º, 12.º e 13.º do Código da Publicidade.

É de referir que tanto o art. 3.º, al. d), como o art. 8.º da Lei de Defesa do Consumidor (Lei n.º 24/96, de 31 de Julho) procuram assegurar ao destinatário uma informação precisa e entendível, de modo a que possa fazer uma escolha consciente. Nesta conformidade, é de exigir que a atividade publicitária respeite o dever de informar o consumidor, sendo de equipar à falta de informação toda aquela que não seja elucidativa, isto é, que não faculte ao consumidor os elementos que lhe permitam decidir de forma consciente e ponderada.

Estes princípios e deveres são ainda afirmados no DL 57/2008, de 26.03 (regime aplicável às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores, ocorridas antes, durante ou após uma transação comercial relativa a um bem ou serviço) nomeadamente quando aí se considera “enganosa a prática comercial que contenha informações falsas ou que, mesmo sendo factualmente corretas, por qualquer razão, nomeadamente a sua apresentação geral, induza ou seja susceptível de induzir em erro o consumidor em relação às “características principais do bem”, tais como “a sua composição”, conduzindo, ou sendo susceptível “de conduzir, o consumidor a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo” (art.º 7º, nº 1, al. b)).

Também o CC-ICAP, no seu art.º. 9º, consigna que a comunicação comercial “deve ser verdadeira e não enganosa” (nº 1) e que “deve proscrever qualquer declaração (…) que seja de natureza a, direta ou indiretamente, mediante omissões, ambiguidades ou exageros, induzir, ou ser susceptível de induzir em erro o consumidor (nº2), designadamente no que respeita a “características essenciais do produto, ou que sejam determinantes para influenciar a escolha do consumidor, como por exemplo: a natureza, a composição, o método e data de fabrico, …” (nº 2, al. a)).

Por sua vez, no art.º. 11º, nº1, do Código da Publicidade, proíbe-se toda a publicidade que seja enganosa, nos termos do Decreto-Lei n.º 57/2008, de 26 de Março, relativo às práticas comerciais desleais das empresas nas relações com os consumidores.

Além disso, o Código da Publicidade faz recair sobre o anunciante o ónus da apresentação de provas da exatidão material dos dados de facto contidos na publicidade (art.º. 11º, nº2), presumindo-se inexatos se as provas exigidas não forem apresentadas ou forem insuficientes (art.º. 11º, nº3).

Em consonância com esta regra de direito probatório está também o preceituado no art.12.º do Código de Conduta do ICAP (CC-ICAP).

Por sua vez, no tocante à publicidade comparativa, figura que é especialmente convocada no caso em apreço, há que ter presente o disposto no art.º. 15º, do CC-ICAP e no art.º 16.°, do Código da Publicidade, nos quais se enunciam as condições que a comparação deve respeitar, sob pena de ser ilícita.

No plano do direito comunitário, chama-se ainda à colação o art.º. 4º, da Diretiva 2006/114/CE , do Parlamento Europeu e do Conselho de 12 de Dezembro de 2006, relativa à publicidade enganosa e comparativa, no qual se dispõe que “no que se refere à comparação, a publicidade comparativa é permitida se estiverem reunidas as seguintes condições:
a)   Não ser enganosa na aceção da alínea b) do artigo 2º, do artigo 3.o e do nº 1 do artigo 8º da presente diretiva ou dos artigos 6º e 7º, da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno;b)   Comparar bens ou serviços que respondem às mesmas necessidades ou têm os mesmos fins;c)   Comparar objectivamente uma ou mais características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas desses bens e serviços, entre as quais se pode incluir o preço;d)   Não desacreditar ou depreciar marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens, serviços, atividades ou situação de um concorrente;e)   Referir-se, em todos os casos de produtos com denominação de origem, a produtos com a mesma denominação;f)   Não tirar partido indevido do renome de uma marca, designação comercial ou outro sinal distintivo de um concorrente ou da denominação de origem de produtos concorrentes;g)   Não apresentar um bem ou serviço como sendo imitação ou reprodução de um bem ou serviço cuja marca ou designação comercial seja protegida;h)   Não gerar confusão no mercado entre negociantes, entre o anunciante e um concorrente ou entre as marcas, designações comerciais, outros sinais distintivos, bens ou serviços do anunciante e do concorrente.
Sendo este, em síntese, o quadro normativo aplicável, retornemos ao caso em apreciação.
Conforme se entendeu na deliberação recorrida, a comunicação comercial da P&G configura uma prática de publicidade comparativa entre o produto Fairy Platinum (da P&G) e o Finish All-in-One (da RECKITT).

Por sua vez, como é expressamente reconhecido pela P&G, o Fairy Platinum é um produto premium (tier 1), enquanto o Finish All-in-One é um produto de segmento inferior (tier 2) – cf. art.º. 47, da contestação.

Não obstante, sabendo (a P&G) que estava a comparar produtos de segmentos diferentes, a mensagem publicitária nunca transmite esse facto nem tão pouco se refere – objectivamente – a uma ou mais características essenciais, pertinentes, comprováveis e representativas” daqueles bens, ao contrário do que exige o art.º. 15º, nº2, al. b), do CC-ICAP e o art.º. 4º, da Diretiva 2006/114/CE.

Além disso, ao não comparar o (seu melhor) produto, o Fairy Platinum com o produto equivalente da RECKITT, o Finish Quantum (mas antes com o Finish All-in-One), a comunicação comercial da requerida é suscetível de dar a entender ao consumidor médio que não existe, comercializada pela RECKITT, qualquer gama de pastilhas do mesmo tier do Fairy Platinum.

Ou seja: a comunicação comercial da P&G é susceptível de induzir em erro o destinatário da mensagem, isto é, o consumidor médio, na aceção do nº3, do art.º. 5º, do CC-ICAP, bem como de gerar confusão no mercado entre marcas da concorrente, sobretudo se tivermos em conta que estão em causa produtos destinados ao mesmo público-alvo.

Neste contexto, afigura-se-nos totalmente inconsistente a tese defendida pela recorrente no sentido de ser mais relevante para o consumidor a comparação entre o produto anunciado, o Fairy Platinum, e o Finish All-in-One, da concorrente, por ser este o produto mais vendido no mercado dos detergentes para a lavagem de loiça na máquina, em Portugal.
Também não assiste razão à recorrente quando alega que a publicidade da P&G não procura comunicar um mau desempenho do Finish All-in-One, “mas sim um desempenho inferior quando comparado com o desempenho do Fairy Platinum”.

Na verdade, trata-se de uma alegação que os factos não permitem comprovar, se atendermos designadamente aos claims “Pastilha tudo-em-um mais vendida” associado a “imagem de pirex ainda sujo” e a “ilustração de uma pastilha de Finish azul com a powerball encarnada ao centro, bem como às alegações publicitárias “Limpeza na 1.ª Lavagem” e “FAIRY” associadas à “imagem de um pirex limpo e resplandecente” e à “ilustração de uma pastilha Fairy Platinum” (da P&G).

Acresce que:
Como acertadamente decidiu a 2ª Secção do JE:
– “A prova junta aos autos por parte da P&G com a contestação, não é de molde a comprovar que as pastilhas Finish All in One da RECKITT possuem as mesmas características essenciais e pertinentes do seu Fairy Platinum”;- “A prova apresentada pela P&G, quanto à eficácia do seu produto, não é apta a afastar a enganosidade da comunicação comercial em lide, porquanto o que é denunciado não é a inveracidade da alegada eficácia, mas antes, a indução em erro do consumidor médio por virtude da ausência de objetividade da comparação efetuada, e da consequente desacreditação do produto Finish All in One.

Nessas condições, a comunicação comercial fere o princípio da veracidade (art. 10º, nº 1 do C.P).

Além disso, tal como decidido pela 2ª Secção do JE, nas circunstâncias do caso, a comunicação comercial da P&G também não respeita os princípios da leal concorrência, na medida em que os interesses de informação dos consumidores e de transparência do mercado não foram prosseguidos, por gera (ou poder gerar) a confusão e causar o denegrimento do  “concorrente-alvo”.

Em face de tudo o exposto, é de concluir que a comunicação comercial da responsabilidade da recorrente infringe as imposições das normas legais e da autorregulação, designadamente as constantes nos arts. 16º do C.P. e art. 15º do CC-ICAP.

10. Nestes termos, deliberam os membros da Comissão de Apelo em negar provimento ao recurso, confirmando a deliberação recorrida.».

Lisboa, 30 Novembro de 2016

Maria do Rosário Morgado
Presidente da Comissão de Apelo

Augusto Ferreiro do Amaral
Vice-Presidente da Comissão de Apelo

Auto Regulação14J / 2016 – Recurso :: Procter & Gamble Portugal vs. Reckitt Benckiser Portugal