11J/2016
Recurso
Lactalis Beurre & Cremes
vs.
Unilever Jerónimo Martins
COMISSÃO DE APELO
Proc. n.º 11J/2016
Recorrente:
“LACTALIS BEURRES & CREMES”
versus:
“UNILEVER JERÓNIMO MARTINS, LDA.”
1. A LACTALIS BEURRES & CREMES (LB&C), a seguir abreviadamente designada por “LB&C”, recorreu para esta Comissão de Apelo da Deliberação da Primeira Secção do Júri de Ética do ICAP, proferida a 13 Setembro de 2016, no âmbito do processo acima referenciado, que deu razão a uma queixa apresentada por UNILEVER JERÓNIMO MARTINS, LDA, adiante designada por “ULJM”.
2. A Comissão de Apelo decidiu rejeitar por deliberação de 21 de Outubro de 2016 o recurso apresentado, uma vez que as alegações de recurso tinham sido exclusivamente redigidas em língua francesa.
3. Notificada dessa deliberação, a LACTALIS BEURRES & CREMES (LB&C), dirigiu-se, de novo, a esta Comissão de Apelo, expondo e requerendo o seguinte:
“1. A falta de tradução do recurso, que a recorrente se propunha apresentar, tal como o fez com a resposta à queixa, ficou a dever-se a lapso dos seus serviços, que se convenceram erroneamente de que teria seguido com a versão francesa.
2. Importa ter presente que a recorrente foi notificada da queixa e da decisão recorrida, em França e em língua portuguesa, sem concessão de qualquer dilação, contrariando a regra geral do processo civil, apesar dos prazos curtíssimos.
3. Tais circunstâncias recomendavam, no entender da recorrente, que o recurso não tivesse sido rejeitado, de surpresa, sem lhe terem sido dadas as possibilidades de se pronunciar sobre a perspectiva dessa rejeição ou de juntar tradução.
4. Afigura-se que, no interesse do poder de convicção da decisão e dos valores que o ICAP tutela, o acórdão de rejeição deve ser reformado, conhecendo-se do recurso, mediante a apresentação da tradução que desde já se junta.”
4. Cumpre, então, apreciar e decidir se deve conhecer-se do recurso, cujas alegações foram, agora, apresentadas em língua portuguesa.
5. Apreciando
A Comissão de Apelo decidiu rejeitar o recurso apresentado pela LACTALIS, uma vez que as alegações de recurso apresentadas tinham sido exclusivamente redigidas em língua francesa.
Insurge-se a recorrente contra esta deliberação, pugnando pela sua “reforma”.
Em abono da sua pretensão, alega que “a falta de tradução do recurso, que a recorrente se propunha apresentar, tal como o fez com a resposta à queixa, ficou a dever-se a lapso dos seus serviços, que se convenceram erroneamente de que teria seguido com a versão francesa.”
Com tal alegação, estará, segundo cremos, a invocar, em seu favor, o «justo impedimento».
Este instituto, no quadro da nossa lei processual civil (art.º. 145º, do CPC), funciona como «válvula de escape» do sistema, enformado, como é sabido, por regras estritas, inerentes à natureza e à dinâmica do processo.
Ora, tem sido entendimento do Júri de Ética do ICAP que as normas do Código de Processo Civil têm o seu campo de aplicação restrito ao processo civil, onde encontram a sua plena razão de ser, não se justificando a sua aplicação em processos, como o dos autos, caraterizados por uma tramitação simplificada e em que a celeridade assume particular relevância.
De toda a forma, importa sublinhar que, mesmo no contexto do processo civil, o justo impedimento pressupõe que o evento que obstaculizou a prática do ato seja normalmente imprevisível e não resulte de conduta negligente da parte, do seu mandatário ou de auxiliares daqueles, requisitos que, no caso em apreço, não se encontrariam verificados.
Na verdade, ainda que tivesse sido comprovada a existência do facto alegado como fundamento da não apresentação atempada das alegações de recurso, em língua portuguesa, e não foi, a sua ocorrência apenas seria de imputar à conduta negligente da requerente e dos seus auxiliares. Isto porque, omitindo elementares deveres de diligência, não cuidaram de apresentar, dentro do prazo previsto no Regulamento do JE, as alegações de recurso, escritas em português, sabendo, como não podiam deixar de saber, que a utilização da língua oficial portuguesa constitui requisito de admissibilidade do recurso a interpor perante a Comissão de Apelo do ICAP, independentemente da nacionalidade das partes.
Alega, ainda, a requerente, que “foi notificada da queixa e da decisão recorrida, em França e em língua portuguesa, sem concessão de qualquer dilação, contrariando a regra geral do processo civil, apesar dos prazos curtíssimos.”
Sem razão, mais uma vez.
Como já se disse, nesta matéria, como noutras, não são aplicáveis as regras estritas do processo civil.
Acresce que o Regulamento do Júri de Ética do ICAP não prevê a fixação de qualquer dilação, daí que, inexistindo, nestes processos, norma como a do art.º. 245º, do CPC, seja imperioso concluir pela inviabilidade da sua aplicação ao caso presente.
Alega, por fim, a requerente que “tais circunstâncias recomendavam, no entender da recorrente, que o recurso não tivesse sido rejeitado, de surpresa, sem lhe terem sido dadas as possibilidades de se pronunciar sobre a perspectiva dessa rejeição ou de juntar tradução.”
Não será, contudo, assim, salvo o devido respeito.
Na verdade, o decurso do prazo (perentório) para interpor recurso da decisão proferida pela secção do JE, extingue o direito de praticar o ato.
Nesta conformidade, decorrido aquele prazo, precludiu o direito de apresentar (novas) alegações de recurso, agora, em língua portuguesa. Por conseguinte, a reclamada audição prévia da recorrente traduziria a prática de um ato inútil e, como tal, não poderia ser aceite pelo sistema ético-jurídico aplicável.
Em face do exposto, é de manter inalterada a deliberação da Comissão de Apelo que rejeitou o recurso interposto pela LACTALIS BEURRES & CREMES (LB&C), para cujos termos se remete, por nada mais haver a acrescentar à sua fundamentação.
6. Decisão
Nestes termos, deliberam os membros da Comissão de Apelo em indeferir o requerimento apresentado pela LACTALIS BEURRES & CREMES (LB&C).».
Lisboa, 4 de Novembro de 2016
Maria do Rosário Morgado
Presidente da Comissão Apelo
Augusto Ferreira do Amaral
Vice-Presidente Comissão Apelo